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quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

MARIA EM SÃO JOÃO DA CRUZ





Fr. Alzinir 


O tempo do Advento é por si um tempo litúrgico de espera vigilante e de alegria. Nele recordamos a espera de Jesus no Natal e a sua vinda definitiva no fim dos tempos. Os personagens bíblicos do profeta Isaías, João batista e da Virgem Maria são os que nos guiam na espera do Messias. Mas é sobretudo a Virgem Maria quem nos serve de modelo para uma acolhida fecunda e operante da Palavra de Deus, particularmente com as festas da Imaculada Conceição e de N. Senhora de Guadalupe.
No Carmelo Teresiano a festa de são João da Cruz recorre neste tempo. Por isso, vamos procurar percorrer as principais passagens de seus escritos onde ele faz menção a Nossa Senhora.
Nos Romances Trinitários e cristológicos à Virgem Maria é pedido o consentimento por meio do Anjo Gabriel para a obra da Encarnação do Filho de Deus por obra do espírito Santo. No final do 8º Romance sobre a Encarnação, conclui o santo:

“E o que então só tinha Pai,
já Mãe também teria,
embora não como outra
que de varão concebia,
porque das entranhas dela
sua carne recebia;
 pelo qual Filho de Deus
e do Homem se dizia”. (Romance 8º sobre a Encarnação)

A seguir, no 9º Romance, S. João da Cruz segue cantando em chave esponsalícia o evento do nascimento de Jesus. Maria é chamada de “bendita Mãe”. Ela deita o Menino Jesus no presépio entre os animais, em meio aos cantos festivos dos anjos e do “assombro” de Maria diante do Mistério da “troca” que presencia.

“Deus, porém, no presépio
ali chorava e gemia;
eram jóias que a esposa
ao desposório trazia;
e a Mãe se assombrava
da troca que ali se via:
o pranto do homem em Deus
e no homem a alegria;
coisas que num e no noutro
tão diferente ser soía.” (Romance 9º  do nascimento)


Em outra quadrinha chamada “Natalina”, composta para a noite do Natal, o santo organiza uma procissão com a imagem da Virgem em um andor e parando de frente da porta do quarto de cada religioso,  canta e lhe pede hospedagem:

“Do Verbo divino
A Virgem grávida
Segue de caminho:
Pede-vos pousada”



Um segundo elemento da mariologia sanjoanista é a docilidade de Maria ao Espírito Santo. A união da pessoa com Deus se dá sempre através da ação do Espírito Santo. Ele diviniza a pessoa e a torna cada vez mais semelhante a Jesus. No estado de perfeição, é o Espírito que move sua inteligência, vontade e memória para cumprir em tudo as obras que são conformes à vontade de Deus ou de acordo com os seus mandamentos. E como exemplo coloca  Maria, dizendo que
“as súplicas dessas almas são sempre eficazes. Tais foram as da gloriosíssima Virgem Nossa Senhora, elevada desde o princípio a este sublime estado; jamais teve impressa na alma forma de alguma criatura, nem se moveu por ela; mas sempre agiu sob a moção do Espírito Santo”. (3 Subida Do Monte Carmelo, 2,10).

O relacionamento do Espírito Santo com Maria se deu de maneira especial na Anunciação, onde por virtude do mesmo Espírito Santo, concebeu o Filho de Deus. Ele utiliza o termo “obumbração”, que significa receber a sombra de alguém, isto é, ser revestido por uma especial virtude ou atributo de Deus para uma missão. Escreve o Santo:

“Efetivamente, quando a sombra de uma pessoa vem cobrir alguma outra, é sinal de que está perto para favorecer e amparar a esta última. Eis a razão pela qual o arcanjo Gabriel usou deste termo para comunicar à Virgem Maria a grande mercê da conceição do Filho de Deus, dizendo: "O Espírito Santo virá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te fará sombra" (Lc 1,35) (Chama de amor viva  3,12).

Um outro tema importante da Mariologia de João da Cruz é o da intercessão de Maria.     Para a pessoa que ama e confia em Deus, fazer-Lhe notar uma necessidade e esperar confiantemente é o que convém. E apresenta como modelo disso a Virgem nas Bodas de Caná.
“Quem ama discretamente, não cuida de pedir o que deseja ou lhe falta: basta-lhe mostrar sua necessidade para que o Amado faça o que for servido. Assim procedeu a bendita Virgem com o Amado Filho nas bodas de Caná; não lhe pediu diretamente o vinho, mas disse apenas: “Não têm vinho” (Jo 2,3) (Cântico Espiritual 2,8).



Importante é o seu pensamento sobre  a devoção a Maria através das imagens ou de lugares de peregrinação (3 Subida 36,1.2; 42,5). O que importa para Deus é a fé e a pureza de coração de quem reza. A imagem em si mesma ou o seu valor artístico ou econômico não são importantes. O que se deve fazer é passar da imagem à pessoa que nela está representada. Escreve ele:
“ Muito haveria que escrever sobre a pouca inteligência de muitas pessoas a propósito de imagens... confiam mais em uma imagem que  em outra, na persuasão de serem mais ouvidas por Deus por aquela que por esta, embora ambas representem a mesma realidade, como, por exemplo, duas de Jesus Cristo, ou duas de Nossa Senhora. Isto acontece porque põem a sua  afeição na figura exterior... Deus só olha a fé e pureza de coração daquele que ora....
Se tivesses, pois, a mesma devoção e fé em Nossa Senhora, diante de uma como de outra imagem, .. receberiam as mesmas graças, e ainda sem imagem alguma...”

Enfim, concluamos esta breve  resenha de textos de São João da Cruz sobre a Mãe de Jesus com este bonito e profundo  trecho da sua  Oração da alma enamorada (Ditos 26).
“Os céus meus são e minha é a terra; minhas são as criaturas, os justos são meus e meus os pecadores; os anjos são meus e a Mãe de Deus e todas as coisas são minhas; e o próprio Deus é meu e para mim, porque Cristo é meu e todo para mim”.



           




Textos tirados das Obras Completas de S. João da Cruz, ed. Vozes.


Decide entrar no Carmelo de Medina. Fora uma escolha plenamente li-vre e pessoal, uma opção não retratada. Poderia ter entrado nos Jesuítas, que bem conhecia; ou ficar como capelão no hospital, como deseja o seu protetor e aconselhavam as necessidades da família. Algo concreto procura quando vai ao Carmelo contra as circunstâncias. Os motivos mais discer-níveis são dois: ânsias de solidão e vida contemplativa, devoção à Santíssima Virgem[1]. Trá-los na alma desde pequenino.

SÃO JOÃO DA CRUZ:
 Quem ama discretamente, não cuida de pedir o que deseja ou lhe falta; basta-lhe mostrar sua necessidade para que o amado faça o que for servido. Assim procedeu a bendita Virgem com o amado Filho nas bodas de Caná; não lhe pediu diretamente o vinho, mas disse apenas: “não tem vinho” (Jo 2,3). (CII,8)




[1]
      Efrén, São Juan de la Cruz, pág.s 159-163.

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