INTRODUÇÃO
Brevíssimo escrito, espécie de versão literária, para o campo espiritual, dos antigos torneios ou justas de cavalaria, muito difundida nos primeiros tempos da Reforma.
Um cavaleiro (talvez Padre Gracián, jovem noviço em Pastrana), secundado por outros “cavaleiros e filhas da Virgem”, envia um desafio às monjas da Encarnação. Elas aceitam o repto e respondem, dispostas a entrar na liça.
Desconhecemos o texto do desafio, que sem dúvida incluía arrogantes penitências, alheias à discrição e ao estilo pedagógico teresiano. As respostas se situam num nível menos espetacular e mais autêntico. São vinte e quatro, das quais vinte e duas correspondem ao empenho espiritual das monjas da Encarnação; a última, a mais humorística da série, é a resposta da Madre Priora, Teresa de Jesus, precedida em alguns números por um “aventureiro” que se dirige ao “mestre de campo”, que com toda probabilidade oculta a figura de frei João da Cruz, então confessor do mosteiro.
O escrito data provavelmente de fins de 1572 ou princípios de 1573.
Até o século XVIII, o autógrafo se conservava no mosteiro das Carmelitas Descalças de Burgos e de Guadalajara. Perdido em data e circunstâncias desconhecidas, resta uma cópia na Biblioteca Nacional de Madrid, ms. 6615, obtida do original já incompleto.
Damos o texto da Biblioteca Nacional de Madrid.
RESPOSTA A UM DESAFIO
1. Tendo visto o desafio, parecia que nossas forças não seriam suficientes para poder entrar em campo contra tão valorosos e esforçados cavaleiros. Eles certamente alcançariam vitória e nos deixariam completamente despojadas de nossos bens, além de acovardadas para não fazer esse pouco que podemos. Diante disso, nenhuma assinou; Teresa de Jesus muito menos. Essa é a verdade sem disfarce.
2. Combinamos fazer o que nossas forças permitissem e, exercitando-nos alguns dias nessas gentilezas, pode ser que, com o favor e ajuda dos que quiserem tomar parte delas, possamos dentro de alguns dias firmar o desafio.
3. Nossa condição é que o mantenedor não dê as costas enquanto estiver metido nessas covas, mas que venha ao campo deste mundo onde estamos. Pode ser que — vendo-se sempre em guerra onde não possa baixar armas nem descuidar-se um só instante para descansar em segurança — não fique tão furioso. Porque há grande distância entre um e outro e entre falar e agir. Entendemos um pouco a diferença que há nisso.
4. Saia, saia dessa vida deleitosa, ele e seus companheiros. Pode ser que comecem a tropeçar e a cair tão cedo que seja preciso ajudá-los a levantar--se. É terrível estar sempre em perigo e carregados de armas e sem comer. E visto que o mantenedor providenciou isso tão abundantemente, com presteza envie o mantimento que promete. Se ganhar de nós pela fome, ganhará pouca honra e nenhum proveito.
5. Qualquer cavaleiro ou filhas da Virgem que a cada dia rogar ao Senhor que tenha em sua graça irmã Beatriz Juárez, levando-a a não falar inadvertidamente e só o que sirva para Sua glória, lhe dá dois anos do que mereceu cuidando de enfermas muito graves.
6. Irmã Ana de Vergas promete que, se os cavaleiros e irmãos mencionados pedirem ao Senhor que a livre de uma contradição que a persegue e lhe dê humildade, lhes dará todo o mérito que com isso ganhar, se o Senhor conceder-lhe.
7. A Madre Superiora diz que os mencionados peçam ao Senhor que lhe tire sua vontade própria, e lhes dará o que tiver merecido em dois anos: chama-se Isabel de la Cruz.
8. Irmã Sebastiana Gómez promete aplicar a qualquer um dos mencionados que mirar o crucifixo três vezes ao dia pelas três horas em que o Senhor esteve na cruz, para que ela alcance vencer uma grande paixão que lhe atormenta a alma, o mérito que ganhar (se o Senhor a atender) do vencimento da paixão.
9. Madre María de Tamayo dará a qualquer dos mencionados que rezar todo dia um pai-nosso e uma ave-maria para que o Senhor lhe dê paciência e conformidade para sofrer a enfermidade, a terça parte do que padece no dia em quer rezarem; e vive em estado muito grave, não podendo falar há já um ano ou mais.
10. Irmã Ana de la Miseria promete dar a quem, dentre os cavaleiros e filhas da Virgem, considerando a pobreza em que Jesus Cristo nasceu e morreu, pedir a sua Majestade que lhe dê espiritualmente o que lhe prometeu, todo o mérito que tiver diante do Senhor, excetuando as faltas que comete em Seu serviço.
11. Irmã Isabel de Santángelo dá parte dos trabalhos de alma que tem enfrentado a quem, dentre os cavaleiros e filhas da Virgem, acompanhar o Senhor nas três horas em que esteve vivo na cruz, para que ela alcance de sua Majestade lhe dê a graça de guardar os três votos com perfeição.
12. Irmã Beatriz Remón promete dar a qualquer irmã ou filha da Virgem um ano do que merecer, se a cada dia pedir que ela alcance humildade e obediência.
13. Irmã María de la Cueva dá a qualquer cavaleiro ou filha de Nossa Senhora três anos do que mereceu (sei que é bastante, porque passa por grandes trabalhos interiores) a quem pedir por ela fé e luz, todo dia, e graça.
14. Irmã María de San José promete dar um ano do que mereceu a qualquer dos mencionados que pedir por ela ao Senhor humildade e obediência.
15. Irmã Catalina Alvarez promete dar a quem pedir por ela ao Senhor conhecimento próprio um ano dos que padeceu, que é bastante.
16. Irmã Leonor de Contreras promete rezar por qualquer cavaleiro ou irmã que peça a Nossa Senhora lhe alcance graça de seu Filho para que O sirva e persevere, três salves a cada dia enquanto viver, e assim hão de pedir por ela todo dia.
17. Irmã Ana Sánchez diz que rezará, todo dia, por qualquer cavaleiro ou filha da Virgem que peça cada dia ao Senhor lhe dê seu amor, três ave--marias e a limpeza de Nossa Senhora.
18. Irmã María Gutiérrez promete dar a cada um dos mencionados parte de tudo o que merecer diante do Senhor, desde que peçam por ela amor de Deus perfeito, e perseverança.
19. Irmã María Cimbrón diz que os mencionados tomem parte no que padecer, e que cada dia peçam boa morte para ela; e está sem poder levantar--se da cama, e até o fim.
20. Irmã Inés Diaz promete rezar, todo dia, por qualquer um dos mencionados que pedirem para ela parte do sentimento que a Virgem teve aos pés da cruz, cinco pais-nossos e cinco ave-marias, se a cada dia o pedirem.
21. Irmã Juana de Jesus promete dar a qualquer dos cavaleiros e irmãs mencionados que pedirem ao Senhor, cada dia, contrição de seus pecados, parte dos muitos trabalhos e afrontas que por eles padeceu, que são certamente muitos.
22. Irmã Ana de Torres promete dar aos mencionados o que merecer este ano, para que peçam a cada dia [ao Senhor] que pelo tormento que padeceu quando o cravaram, lhe dê graça para que acerte em servir, e obediência.
23. Irmã Catalina de Velasco promete dar a qualquer dos mencionados que pedir ao Senhor, pela dor que sofreu quando O cravaram na cruz, que lhe dê a graça de não ofendê-Lo e que se vá aumentando nossa Ordem, os momentos em que permanece com Nossa Senhora a cada dia: são certamente muitos.
24. Irmã Jerónima de la Cruz promete rezar por qualquer um dos mencionados que pedir para ela humildade e paciência e luz para servir ao Senhor, três credos todo dia e um ano dos trabalhos que padeceu. Peça-se todos os dias.
25. Um aventureiro diz que se o Mestre de campo lhe alcançar do Senhor a graça de que precisa para perfeitamente servi-Lo em tudo o que a obediência mandar, dar-lhe-á todo o mérito que ganhar este ano, servindo-O nela.
26. Irmã Estefanía Samaniego promete rezar, todos os dias, por qualquer cavaleiro e filhas da Virgem que pedir a Nosso Senhor que O Sirva e não O ofenda e lhe dê fé viva e mansidão, a oração do Nome de Jesus e os méritos de um ano das enfermidades e tentações por que passar.
27. Irmã Antonia del Aguila promete dar a qualquer cavaleiro e filhas da Virgem que a cada dia se recordar de suas angústias, cada dia um pouco, e pedir: remédio para uma grande necessidade que leva em su’alma, pela vida de nossa Madre Priora Teresa de Jesus e pelo aumento de nossa Ordem, a terça parte de seus trabalhos e enfermidades por toda a sua vida.
28. Teresa de Jesus promete dar a qualquer cavaleiro da Virgem que fizer um só ato a cada dia, determinado a satisfazer, durante toda a sua vida, por um prelado néscio, vicioso, glutão e mal preparado, no dia em que o fizer, a metade do que merecer naquele dia, tanto na comunhão com nas grandes dores que suporta: tudo enfim, o que será ainda muito pouco. Há de considerar a humildade com que o Senhor esteve diante dos juízes e como foi obediente até a morte de cruz. Esse é um contrato de um mês e meio.
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