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domingo, 6 de setembro de 2009


MÍSTICA E PROFECIA NA VIDA DO PROFETA ELIAS


Sete aspectos básicos da Mística e Profecia no Carmelo

1. O Chamado

2. Aceitação da vocação

3. Denuncia

4. Anuncio

5. Testemunho

6. Dúvidas e Fraquezas

7. Continuidade

Cada um destes sete as­pectos será visto e analisado sob os seguintes sete ângu­los, para que apareça sua riqueza para a vida da Famí­lia Carmelitana na América Latina e Caribe

1. Na Bíblia: Elias e Maria

2. Nos Fundadores e Fundadoras

3. Nos Santos e Santas

4. Na Pastoral

5. Na Comunidade

6. Na história do Carmelo da AL

7. Na várias idades das pessoas

1. O Chamado, a vocação, a nova experiência de Deus

Deus chama sem parar

Elias aparece de repente, sem anúncio prévio, sem pai nem mãe. Ele vem de Tesbe na Transjordânia, e grita: “Vivo é o Senhor em cuja presença estou!” (1Rs 17,1). A intervenção constante da Palavra de Deus na vida de Elias obriga-o a sair do lugar onde se encontra para o lugar onde Deus o chama: "Vai-te daqui!" O chamado de Deus é um apelo, cujo eco percorre a vida de Elias, do começo ao fim. Deus chama sempre. Desde que se abriu à ação da Palavra de Deus, a vida de Elias é só movimento. Já não pode parar. Deve andar sempre. Sair de um lugar para outro:

"Vai-te daqui!"

para a torrente de Carit (1Rs 17,3),

para Sarepta na Sidônia (1Rs 17,9),

para encontrar o rei Acab no Carmelo (1Rs 18,1),

para ir na frente do rei até Jezrael (1Rs 18,46),

para o Monte Horeb(1Rs 19,7-8),

para sair da gruta (1Rs 19,11)

para continuar a missão e ungir Eliseu (1Rs 19,15-16),

para denunciar o rei na vinha de Nabot (1Rs 21,18-19),

para encontrar o mensageiro do rei (2Rs 1,3)

para encontrar o rei (2Rs 1,15)

para Betel (2Rs 2,2),

para Jericó (2Rs 2,4),

para o Jordão (2Rs 2,6)

para o céu num carro de fogo (2Rs 2,11).

Elias já não se pertence. Ele era conhecido pelo povo como alguém que, a cada momento, podia ser arrebatado pelo Espírito para realizar a obra de Deus (1Rs 18,12). Sua vida tornou-se uma despedida contínua. Um peregrinar constante em busca do que Deus queria dele. Elias viveu em estado permanente de saída, de êxodo. No fim, ele é arrebatado (2Rs 2,11).

O chamado atinge todos os setores da vida

O caminhar de Elias não é só geográfico, mas atinge também o nível pessoal do próprio Elias e o nível da comunidade à qual pertence. A palavra que o chama inicia, nele e por ele, um processo de mudança e de transformação que abrange todos os níveis da vida. Atinge o nível das instituições, tanto econômicas e sociais, como políticas e religiosas. Atinge o nível da cultura e dos valores básicos da vida. Atinge tudo. É um processo que continuou ao longo dos séculos e nos atinge hoje.

Os dois lados do chamado de Deus

Neste chamado permanente aparece, de um lado, a Palavra de Deus que chama. Ela atinge Elias em todos os momentos da sua vida, tanto os momentos de clareza, de coragem e de decisão, como os de confusão, de desânimo e de desencontro. De outro lado, está o próprio Elias, a pessoa chamada. Ele se abre para Deus, para que a Palavra tome conta dele e o leve por caminhos dos quais ele mesmo nem sempre conhece o trajetória nem percebe todo o alcance.

O itinerário místico de Elias na Tradição da Família Carmelitana

O que mais marca a Tradição Eliana no Carmelo é este caminhar constante do profeta em obediência à Palavra que o chama a cada momento. A Tradição Eliana da Família Carmelitana retomou esta imagem do caminho e começou a insistir no itinerário místico ou espiritual, realizado pelo profeta. Ela apresenta Elias como modelo do caminho que o carmelita ou a carmelita deve percorrer para realizar o ideal do Evangelho tal como este está expresso na Regra de Santo Alberto. A Subida do Monte Carmelo começa com o convite: "Saia daqui, dirija-se para o oriente e esconda-se junto ao córrego Carit, que fica a leste do Jordão" (1 R 17,3). Os primeiros Carmelitas comentavam dizendo que Carit significa Caridade: “Saia daqui e esconda-se na caridade!”

2. Aceitação do chamado, a nova consciência

Elias responde sem parar

Elias vai respondendo ao chamado e, invariavelmente, cada vez de novo, a resposta é sempre a mesma: "E Elias partiu e fez como Javé tinha mandado!" Ele deve caminhar:

atravessa o Jordão e vai para a torrente Carit (1Rs 17,5);

sai de Carit e vai para Sarepta (1Rs 17,10);

vai e se apresenta ao rei Acab (1Rs 18,2.15);

vai até à entrada de Jezrael (1Rs 18,46)

vai para o deserto onde deita desanimado (1Rs 19,4)

vai para o Monte Horeb (1Rs 19,8);

sai da gruta e coloca-se diante de Javé (1Rs 19.13)

vai e unge Eliseu como profeta (1Rs 19,19);

vai para encontrar Acab na vinha de Nabot (1Rs 21,19);

vai para encontrar-se com o mensageiro do Rei (2Rs 1,4);

vai para Betel (2Rs 2,2);

vai para Jericó (2Rs 2,4);

vai para o Jordão (2Rs 2,6-7);

vai e atravessa o Jordão (2Rs 2,8)

vai e é arrebatado (2Rs 2,11).

A resposta traz nova consciência e coragem

A aceitação da Palavra de Deus fez brotar em Elias uma nova consciência, nascida da certeza: “Vivo é o Senhor, em cuja presença estou!”. Elias não é um profeta da corte do rei Acab como Natan era da corte de Davi (1Rs 1,32; 2Sm 7,1-3) e de Salomão (1Rs 1,38). Elias é o primeiro profeta que, a partir da sua experiência de Deus, atua com independência e liberdade frente ao poder político e religioso do rei. A experiência de Deus gerou nele uma liberdade interior que lhe dava força para enfrentar as ameaças do Rei (1Rs 18,18), para convocar o povo e criticar seus desvios (1Rs 18,19-21). Dava coragem para aceitar o desafio dos profetas de Baal no Monte Carmelo (1Rs 18,19.25) e para denunciar o crime de Acab e Jezabel que assassinaram Nabot e lhe roubaram a vinha (1Rs 21,18-19).

A aceitação da Palavra de Deus em sua vida também o sustentou na hora do medo, da dúvida e da fuga. Orientou-o na caminhada pelo deserto, quarenta dias e quarenta noites (1Rs 19,5-8). Foi luz para ele na escuridão: escuridão luminosa. Ajudou-o a escutar a voz de Deus no silêncio de todas as vozes: silêncio sonoro (1Rs 19,11-12).

Um resumo da resposta de Elias ao chamado de Deus

“Então surgiu o profeta Elias como um fogo, e a sua palavra queimava como tocha. Fez vir contra eles a fome e, por causa de seu zelo, os reduziu a pequeno número. Por ordem do Senhor, ele fechou o céu e, por três vezes, fez descer o fogo. Elias, como você se tornou famoso com seus prodígios! Quem pode orgulhar-se de ser igual a você? Você fez um homem se levantar da morte e sair do mundo dos mortos, por ordem do Altíssimo. Você levou reis à ruína e tirou do leito homens ilustres. Você ouviu censuras no Sinai e decretos de vingança no Horeb. Você ungiu reis como vingadores, e profetas para lhe sucederem. Você foi arrebatado num turbilhão de fogo, num carro puxado por cavalos de fogo”. (Eclo 48,1-9)

Este caminhar tem o seu ponto de partida: a situação de injustiça que pede denúncia. Tem o seu objetivo: anunciar a Boa Nova de Deus e refazer a Aliança. Tem a sua característica: o testemunho que revela a presença do Espírito. Tem as suas fraquezas: as dúvidas que pedem discernimento. Tem a sua continuidade: horizonte aberto numa comunidade orante e profética. Este caminhar, motivado pela Palavra, era o espelho onde os primeiros carmelitas reencontravam o ideal de suas vidas, até hoje.

3. Ponto de partida: a situação de injustiça que pede denúncia

A experiência profunda de Deus iluminou a realidade e gerou consciência crítica em Elias para ele poder perceber e denunciar as injustiças. Ela o levou a lutar pela justiça e pela paz. Nesta luta, o que aparece não é só a situação de injustiça, na qual o povo era obrigado a viver, mas também a situação pessoal do próprio Elias com suas limitações. E além disso, na época do cativeiro da Babilônia, foi a recordação da luta de Elias que ajudou o povo exilado a encontrar a saída do cativeiro.

A situação de injustiça que pede denúncia

O profeta Elias atuou na época do rei Acab (874-853 aC). O resumo do governo de Acab (1Rs 16,29-34) oferece o quadro de referências para situar a ação do profeta Elias. São três as conseqüências negativas da política do rei Acab: 1. O desprezo pela vida: o povo voltou a sacrificar seus filhos aos ídolos (1Rs 16,34). 2. A quebra da Aliança: abandonaram Javé e seguiram outros deuses (1Rs 16,30-33). 3. O sistema injusto da monarquia: apoiados no direito do rei (cf. 1Sam 8,11-18), Jezabel e Acab mentiram, roubaram e mataram (1Rs 16,30-31; 21,7-19). A ação de Elias vai caracterizar-se (1) pela defesa da vida do povo, (2) pela restauração da Aliança do povo com Javé, (3) pela denúncia das injustiças da monarquia.

A situação pessoal do profeta com suas limitações

Elias não aparece como um herói, mas como um homem comum, “fraco como nós" (Tg 5,17), que vive em busca de Deus. Às vezes, ele reage com força e denuncia sem medo as injustiças. Outras vezes, ele não vê mais futuro, e foge desanimado: "Quebraram a aliança, derrubaram os altares, mataram os profetas. Só eu sobrei, e até a mim eles querem matar!" (1Rs 19,10.14). A fraqueza o dominou, ele teve medo e fugiu (1Rs 19,3). Sua motivação e visão não coincidiam com a motivação e a visão do próprio Deus. Ele tinha que sair desta situação de imperfeição e passar por uma purificação, por uma Noite Escura. É esta caminhada purificadora em direção a Deus que a Tradição Eliana da Família Carmelitana procurou descrever e comentar no Liber Institutionis Primorum Monachorum (Livro da Instituição dos Primeiros Monges).

A situação do povo no cativeiro da Babilônia e a história de Elias.

No tempo do exílio da Babilônia (587-538 aC), o povo encontrou na história de Elias uma luz para entender e avaliar melhor sua própria situação. Os exilados gemiam no cativeiro. Eles interpretavam sua situação como um castigo de Deus (Lm 1,12.14; 2,1) e diziam: “Deus nos abandonou!” (Is 40,27; 49,14). Estavam de volta na mesma terra, de onde Abraão havia saído, mais de mil anos antes. O cativeiro parecia o mesmo fracasso da aliança como no tempo de Elias. E o povo se perguntava: "Por que tudo isto nos aconteceu? Quem é o culpado?" Uns diziam: o culpado é o rei, a monarquia! Outros diziam: o culpado são os (falsos) profetas que contribuíram para levar o povo à ruína (Jr 28,1-17). "Quem é o culpado da desgraça do povo: o rei ou o profeta?" Esta pergunta dava atualidade à história de Elias, pois nela o Rei Acab acusa o Profeta Elias (1Rs 18,17), e o Profeta acusa o Rei (1Rs 18,18). Ajudado e esclarecido pelas informações a respeito da atuação do profeta Elias contra as injustiças de Acab e Jezabel, o povo exilado descobriu que o culpado era e continuava sendo o sistema da monarquia que tinha manipulado a religião e a imagem de Deus em seu próprio favor (1 R 18,20-24.39). O Rei que para o povo era o "ungido", o messias, na realidade era "a ruína de Israel" (1 R 18,18).

A situação de onde Elias deve partir era uma situação de crise que se manifestava em todos os níveis da vida: econômico, social, político, ideológico, cultural, religioso. Foi nesta situação de crise que a Palavra de Deus se fez presente na vida do povo, chamando Elias: "Saia daqui, dirija-se para o oriente e esconda-se junto ao córrego Carit, que fica a leste do Jordão" (1 R 17,3-4). Chama a todos nós: “Saia do lugar onde está e esconda-se na Caridade!”

4. Objetivo: anunciar a Boa Nova de Deus e refazer a Aliança

Elias revela a Boa Nova de Deus ao povo.

No Monte Carmelo, Elias enfrentou os profetas de Baal e denunciou a falsa imagem de deus que eles divulgavam (1Rs 18,27-29). A denúncia dos erros e das injustiças era apenas um lado da ação profética. O outro lado era o anúncio da Boa Nova do Deus vivo e verdadeiro presente no meio do povo. Pela sua atuação, Elias conseguiu levar o povo a escolher Javé como o seu Deus: "Javé! Ele é Deus!"(1 R 18,39).

Elias refaz a história e cria um novo começo

Elias volta às origens do povo em busca de Deus, refaz a história, cria um novo começo

O Profeta Elias

1. Travessia

Atravessa o Jordão a pé enxuto(2R 2,8).

2. Deserto

Vai para o deserto de Karit e Horeb (1R 17,2;19,1-8).

3. Alimentado no deserto

É alimentado com água, carne e pão (1R 17,6; 19,5-8)

4. Longa caminhada

Alimentado pela comida de Deus, ele anda 40 dias e 40 noites pelo deserto (1R 18,8).

5. As doze tribos

Refaz o altar das doze tribos (1 R 18,30-31) e, no fim, restabelecerá as doze tribos (Ecli 48,10).

6. Partilha

Junto à viúva, ele insiste na partilha e, assim, criou abundância (1 R 17,10-16),

7. Encontro com Deus

Na Montanha de Deus, Horeb, ele encontra Deus (1R 19,8-13),

O Povo no deserto

1. Travessia

Atravessa o Mar a pé enxuto (Ex 14,16.22).

2. Deserto

Vai para o deserto do Sinai/Horeb.

3. Alimentado no deserto

É alimentado com carne, água e pão (Ex).

4. Longa caminhada

Alimentado pela comida de Deus, o povo caminha 40 anos pelo deserto.

5. As doze tribos

Saindo do Egito, as doze tribos se reorgan­izaram formaram o Povo de Deus (Núm 1-4)

6. Partilha

O maná partilhado criou abundância e garantiu a sobrevivência (Ex 16,1-23).

7. Encontro com Deus

No monte Sinai/Horeb, o povo encontra com Deus e

nasce como povo (Ex 19.1-9). .

Elias refaz a Aliança

Elias é o homem da Aliança. É neste ponto da renovação da aliança que a Bíblia coloca todo o peso da ação de Elias. O reencontro com Deus no Monte Horeb é o novo começo para a vivência da aliança. Elias destrói o altar de Baal, junta doze pedras e com elas faz um novo altar, símbolo da renovação da Aliança (1Rs 18,30-32). Renasceu o povo! Elias insiste na observância da aliança e denuncia a infidelidade às suas cláusulas (1R 18,18-21; 19,10). No momento de escolher novamente a Javé como o seu Deus, o povo se comprometeu a observar as cláusulas da aliança como tinha feito no início ao pé do monte Sinai/Horeb (Ex 24,1-8).

A lição que o povo do cativeiro da Babilônia encontrou em Elias

Na época dos Reis, a denúncia profética enfrentava o próprio Rei e seu sistema, cobrava deles a justiça e criticava a desigualdade social. Depois do cativeiro da Babilônia, o povo perdeu a sua independência e ficou perdido como pequena comunidade étnica no meio do império Persa. Agora, a renovação da Aliança e a luta pela justiça e pela Paz insistem na reconstrução da comunidade ao redor da sua fé em Javé. Devem ser comunidade que não permite desigualdade social. A fé no Deus libertador se expressa concretamente na solidariedade entre irmãos que não admite pobre dentro da comunidade. A comunidade se torna amostra e irradiação do Projeto de Deus.

Elias, "homem fraco como nós"(Tg 5,17), mas obediente a Deus, refaz a história do povo. É este mesmo ponto da renovação da aliança que pode ajudar-nos a enriquecer a Tradição Eliana da Família Carmelitana para os nossos dias.

5. Característica: o testemunho orante revela o fogo do Espírito

Elias, testemunho vivo de Deus

Elias foi reconhecido pela viúva como "Homem de Deus" (1 R 17,24; 2 R 1,9). Ele era um místico. Falava com autoridade, porque sua palavra tinha raiz na vida e tornou-se Palavra de Deus para os outros que, por sua vez, obedeciam a Elias: a viúva de Sarepta (1 R 17,15); Abdias, o chefe do palácio (1 R 18,14-16), o povo (1 R 18,24.30). O próprio Deus passou a ser conhecido como o "Deus de Elias"(2 R 2,14).

O testemunho de Elias anima a esperança do povo

Naquela seca de três anos, o rei só pensava na vida dos cavalos e dos jumentos; não pensava na vida do povo que morria de fome por causa da seca (1 R 18,5). Jezabel perseguia e matava os profetas de Javé e queria matar o próprio Elias (1 R 19,2). Elias, pela sua oração trouxe de volta a chuva que acabou com a seca (1 R 18,42-45) e animava a esperança do povo defendendo a vida em nome de Deus. Promovendo a partilha, garantiu o alimento para a viúva e sua família (1 R 17,14-16). Ressuscitou o filho da viúva e mereceu o título de “Homem de Deus” (1 R 17,23). Defendeu a causa de Nabot, assassinado pela injustiça do rei e da rainha (1 R 21,17-20).

Elias transforma o conflito em fonte de espiritualidade

No momento de aceitar a Palavra de Deus, Elias deixa o conflito entrar em sua vida. O conflito nascia de dupla fonte: da situação geral de infidelidade à Palavra de Deus e da vontade de Elias de ser fiel à esta Palavra que o chamava a sair da situação. Elias viveu em conflito permanente, e envolvia outros no conflito. São muitos os conflitos: com a viúva, insistindo na partilha do pão (1 R 17,10-12); com Abdias, o empregado do rei, enviando-o para junto do rei (1 R 18,9-14); com o rei e a rainha, enfrentando-os no Monte Carmelo (1 R 18,16-19) e na vinha de Nabot (1 R 21,17-19); com o povo, desafiando-o a escolher o Deus verdadeiro (1 R 18,20-24); com os profetas de Baal, desafiando-os para o julgamento (1 R 18,25-29); consigo mesmo e com as suas idéias sobre Deus, pois não encontra Deus no vento, no fogo e no terremoto (1 R 19,11-12); com Deus, queixando-se de estar só e perdido, sem saber como continuar a luta (1 R 19,4); com os militares que o desafiavam a comparecer diante do rei (2 R 1,9.11); com Eliseu chamando-o para segui-lo (1 R 18,19-20) e não permitindo que caminhasse com ele (2R 2,2.4.6). Todos estes conflitos são expressão e manifestação do grande conflito básico: caminhar do lugar onde está para o lugar onde Deus o quer

Elias, o homem do espírito e do fogo.

O livro do Eclesiástico introduz a figura de Elias com estas palavras: "Elias surgiu como um fogo, sua palavra queimava como uma tocha" (Ecli 48,1). Diz ainda que "por três vezes fez descer o fogo do céu" (Eclo 48,3; 2 R 1,10.12). O final da vida de Elias é descrito assim: "Foste arrebatado num turbilhão de fogo, num carro puxado por cavalos de fogo" (Ecli 48,9). O fogo é expressão da ação do Espírito (cf At 2,3-4). O arrebatamento no carro de fogo é realizado pelo Espírito de Javé (2 R 2,16). Abdias diz a Elias: "O Espírito de Javé te transportará não sei para onde" (1 R 18,12). Na opinião do povo, Elias podia ser arrebatado a cada momento pelo espírito de Deus. Elias entrou na história como o homem do fogo e do Espírito! Assim ele aparece no Apocalipse (Apoc 11,5-6.11-12).

Elias, o homem da oração.

Elias foi capaz de realizar tudo isto porque estava ligado a Deus pela oração: "Vivo é o Senhor em cuja presença estou" (1 R 17,1; 18,15). A oração era o espaço onde experimentava a presença de Deus. A oração de Elias sempre chamou a atenção dos carmelitas. Ele reza de várias maneiras: Ele reza e consegue de volta a vida do filho da viúva (1 R 17,20). Critica a reza dos profetas de Baal (1 R 18,27), e reza, para que Deus se manifeste ao povo no Monte Horeb (1 R 18,36-37). Reza sete vezes e insiste, até que apareça um sinal de chuva (1 R 18,42-43). Reza para que o fogo desça do céu sobre os militares que querem prendê-lo (2 R 1,10.12). Reza queixando-se (1 R 19,10.14) e pedindo a morte (1 R 19,4). Confronta-se com Deus na Brisa Leve (1 R 19,12).

6. Fraquezas e dúvidas pedem discernimento, encontram luz na Brisa Suave

A fraqueza aparece na fuga

A dimensão profundamente humana da ação profética de Elias se mistura com a mística da noite escura. Ele foge com medo de ser morto por Jezabel, cai debaixo de uma árvore e diz: “Basta, Javé! Quero morrer. Não sou melhor que meus pais!” (1Rs 19,4). Ele só pensa em comer, beber e dormir (1R 19,6).Atravessando o deserto, Elias se aproxima da montanha de Deus, o Horeb (1 R 19,8). Lá ele ouve a pergunta: "Elias, que fazes aqui?" E ele responde: "O zelo por Javé dos exércitos me consome, porque os israelitas abandonaram tua aliança, derrubaram teus altares, mataram teus profetas. Sobrei somente eu, e eles querem me matar também" (1 R 19,10.14).

A dúvida se manifesta nas palavras

Existe uma contradição entre a resposta e a realidade vivida, entre o discurso e a prática. O olhar de Elias está perturbado por algum defeito que o impede de avaliar com objetividade a realidade tal como ela é. Conforme o discurso, ele está cheio de zelo; mas a prática mostra um homem medroso que foge (1R 19,3-4). Conforme o discurso, ele é o único que sobrou; mas havia sete mil (1R 19,18). Conforme o discurso, ele sabe analisar o fracasso da nação; mas na prática não sabe analisar o seu próprio fracasso. Elias não se dá conta de que sua situação de derrota é o lugar onde Deus o atinge. Qual o defeito nos olhos de Elias? A resposta está na história da Brisa Leve.

A escuridão desaparece na noite escura da Brisa Leva

A expressão "Brisa Leva" traduz o hebraico: qôl demamáh daqqáh. Literalmente: voz de calmaria suave. A palavra hebraica, demamáh, usada para indicar a calmaria vem de uma raiz, DMH, que significa parar, ficar imóvel, emudecer. A brisa leve indica algo, um fato, que, de repente, faz emudecer, faz a pessoa ficar calada, cria nela um vazio e, assim, a dispõe para escutar; provoca nela uma expectativa. Trata-se de algo que, de repente, fez desintegrar tudo que Elias pensava sobre Deus até àquele momento. Ela indica o impacto de algum fato que o obrigou a uma mudança radical e o levou a uma visão totalmente nova das coisas. Qual foi a "brisa leve"? O texto sugere que foi a descoberta dolorosa de que Javé, o Deus de Israel, já não estava nem no vento, nem no terremoto, nem no raio! (Os sinais tradicionais da manifestação de Deus, cf Ex 19,16). Deus já não era como ele, Elias, o imaginava. Deus se fez presente na ausência! A luz apareceu na escuridão! A voz de calmaria suave é o silêncio de todas as vozes! A "Brisa Leve" é a noite escura da experiência mística; é o sair de si para se encontrar. Ela derrubou tudo e abriu o espaço para uma nova experiência de Deus que, aos poucos, foi penetrando na vida de Elias e o levou a redescobrir sua missão na reconstrução da Aliança.

Elias, o homem do deserto.

A experiência do deserto marcou a vida de Elias. Ele enfrentou o deserto de Karit (1 R 17,5), o deserto de Beersheba (1 R 19, 4), o deserto de Horeb (1 R 19,8). Deserto, não só como lugar geográfico, mas também como experiência interior. Tanto a profecia como a mística são elementos constitutivos da missão do povo de Deus que se refazem no deserto. O deserto era o lugar da origem do povo, da volta às fontes, onde se recuperavam a memória e a identidade; o lugar para onde o povo escapou para a liberdade, onde morreram os restos da ideologia do faraó, e onde o povo se reorganizou; o lugar da longa caminhada, quarenta anos, onde morreu uma geração inteira; o lugar do murmúrio, da luta, da tentação e da queda; o lugar do namoro, do noivado, da experiência de Deus, da oração. O deserto fez Elias se reaproximar da origem do povo. Os 40 dias lembram os 40 anos. No deserto Elias experimentou os seus próprios limites. Não chegou a perder a fé, mas já não sabia como usar a fé antiga para enfrentar a situação nova. Foi o momento de viver e sofrer a crise do próprio povo. Por isso mesmo, ao superar a sua crise pessoal e ao reencontrar a presença da Deus para si mesmo, ele estava redescobrindo o sentido de Deus para a vida do povo. A experiência do deserto marcou para sempre a vida dos primeiros eremitas do Monte Carmelo. Saindo da Palestina, levaram o deserto consigo, dentro de si. Vivendo na Europa, reencontraram o deserto, não na vida regular dos grandes mosteiros independentes e auto-suficientes, longe das cidades, mas sim na vida pobre dos Mendicantes nas periferias da grandes cidades.

7. Continuidade: horizonte aberto numa comunidade orante e profética

Horizonte aberto.

A história de Elias não apresenta um projeto pronto a ser implantado. Indica um caminho a ser percorrido na fé, na fidelidade e na criatividade. Caminho que vai aparecendo aos poucos, na medida em que Elias se põe a caminhar: Carit, Sarepta, Samaria, Monte Carmelo, Yisrael, Beersheba, Horeb, Eliseu, Betel, Jericó, Jordão,..... Caminhando, Elias não vê tudo claro, não sabe tudo o que deve fazer, nem tem visão total de todo o projeto de Deus. Ele só vê até à próxima curva. Muitas vezes, não sabe como andar, nem para onde. Só sabe que deve andar. Só enxerga um passo na frente. O resto é neblina, deserto, noite. A palavra se faz clara na medida em que ele tem a coragem de praticá-la. "A luz se faz é na travessia!". Viver no provisório, até o fim. O caminho só aparece caminhando nele. Elias é como Jesus que, a cada momento, faz aquilo que o Pai lhe mostra que é para fazer (cf João 5,30; 8,28). Na medida em que obedece e anda, Elias vai descobrindo o que Deus pede. Descobre aos poucos a sua própria missão, a sua própria identidade. A sua fidelidade, às vezes cega e muda, vai gerando luz para perceber a Palavra que o chama. O começo de um processo de transformação

Continuidade da missão na comunidade orante e profética.

No monte Carmelo, ele reuniu o povo, refez o altar com doze pedras, renovou a aliança e reconstruiu o povo. Nasce um novo relacionamento entre as pessoas, fundado no relacionamento renovado com Javé, o Deus do povo. Ao redor de Elias foi se formando um grupo de discípulos profetas. Obadias dizia que salvou a vida de dois grupos de 50 profetas quando Jezabel procurava matar os profetas de Javé (1Rs 18,13). No fim da vida de Elias aparecem ao redor dele comunidades de profetas em Betel (2Rs 2,3) e em Jericó (2Rs 2,5.7). Talvez seja por isso que a esperança do povo com relação ao retorno de Elias era a reconstrução da vida em comunidade: “Ele há de fazer que o coração dos pais volte para os filhos e o coração dos filhos para os pais; e assim, quando eu vier, não condenarei o país à destruição total (Ml 3,24; Eclo 48,10cf. Lc 2,17). Eliseu pediu a Elias: "Que me seja dada uma dupla porção do teu Espírito" (2 R 2,9). O Espírito de Elias repousou sobre Eliseu, seu sucessor (2 R 2,15). O discípulos o reconheceram na hora em que Eliseu, usando a capa de Elias separou as águas do rio Jordão (2 R 2,14). A missão continua nas comunidades proféticas e orantes dos profetas e profetisas.

A nova experiência de Deus que se irradia a partir de Elias.

Elias experimentou a total gratuidade de Deus e da sua presença. Deus se fez presente na Brisa Leve não por mérito de Elias. Pelo contrário! Elias experimentou a presença libertadora e restauradora de Deus no momento exato em que experimentava o seu próprio nada e a sua falta absoluta de qualquer título de glória. Eles deixou Deus ser Deus!

Elias pensava ser ele o único a defender a aliança e a causa de Deus (1Rs 19,10). E experimentou que, apesar dos altares destruídos e apesar da aliança quebrada e dos profetas assassinados, a causa de Deus não estava perdida. Pelo contrário! Não é Elias quem defende a Deus, mas é Deus quem acolhe, sustenta e defende o pobre do Elias! É desta certeza de Deus que renasce em Elias a coragem. Ele reencontra o sentido da vida e da luta.

Elias experimentou que Deus é livre! Deus não obedeceu a Elias, pois Ele não se manifestou na tempestade, nem no raio nem no tremor da terra. Deus não se sente obrigado a obedecer aos critérios que a Tradição tinha estabelecido para o povo poder reconhecer e controlar a sua presença. Esta liberdade de Deus é a raiz da nossa liberdade e da nossa libertação. Deus não pode ser usado por ninguém, nem pelos profetas de Baal nem pelo profeta Elias. Deus é livre!

Esta nova experiência de Deus dá olhos novos, abre um novo horizonte e devolve a Elias a liberdade de ação, a vitória sobre o medo, a vontade de continuar a luta pela causa de Deus em defesa da vida do povo, e dá a ele, ao mesmo tempo, a consciência clara de não ser o dono da luta nem o único a defender a causa de Deus.

Concluindo: as várias dimensões da Tradição Eliana

1. Malaquias espera o Homem da Aliança (Ml 3,23-24):

2. Tiago resume-o como Homem da oração (Tg 5,17-18).

3. A tradição rabínica acentua o Homem do deserto

4. O Apocalipse focaliza o Homem do testemunho (Apoc 11,3.5.6)

5. Lucas espera o Homem da aliança que reorganiza o povo (Lc 1,17)

6. Sirach valoriza o Homem obediente à Palavra (Ecli 48,1-11)

7. A Tradição Carmelitana acentua o Homem do Caminho