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domingo, 31 de janeiro de 2010

CARTA 396.

A D. PEDRO DE CASTRO Y NERO, EM AVILA

AVILA, 19 DE NOVEMBRO DE 1581

O LIVRO DAS MISERICÓRDIAS DE DEUS

UMA CONFERÉNCIA ESPIRITUAL COM D. PEDRO PARA ABRR-LHE A ALMA.

DÁ-LHE SEUS ESCRITOS PARA QUE OS LEIA E DÉ SUA OPINIÃO.

LOUVA AS “GALAS” DO ESTILO DE D. PEDRO

Jesus esteja com vossa mercê. O favor que vossa mercê me fez com sua carta de tal maneira me enterneceu, que dei primeiro graças a Nosso Senhor com um Te Deum laudainus, antes de as dar a vossa mercê, porque me pareceu recebê-la das mãos de que me vieram tantas outras. Agora beijo as de vossa mercê infinitas vezes, e quisera fazê-lo mais que por palavras. Que coisa é a misericórdia de Deus! Minhas maldades fizeram bem a vossa mercê; e tem razão, vendo-me fora do inferno que há tanto tempo tenho merecido. Assim é que intitulei esse livro “Das Misericórdias de Deus”.

Seja Ele para sempre louvado, que estava eu longe de pensar nesta graça que agora recebi; e contudo sentia-me perturbada a cada palavra mais forte. Não quisera dizer-lhe mais, por escrito. Suplico a vossa mercê venha ver-me amanhã, véspera da Apresentação, e porei diante dos olhos de vossa mercê uma alma que se desviou muitas vezes, a fim de que faça vossa mercê nela tudo o que julgar conveniente para torná-la agradável a Deus. Espero em Sua Majestade dar-me-á graça para obedecer-lhe toda a minha vida. Não pretendo, se houver de ausentar-me, recuperar a liberdade, nem a quero porque desejar isto seria coisa nova para mim; portanto, não é possível que me deixe de vir grande bem por seu meio, se vossa mercê de seu lado não me desamparar, e sei que não há de fazê-lo. Guardarei este seu bilhete comopenhor deste ajuste, embora tenha outro maior’.

O que suplico a vossa mercê, por amor de Nosso Senhor, é que sempre tenha presente quem eu sou, a fim de não fazer caso das mercês que recebo de Deus a não ser para considerar-me pior, pois, correspondendo tão mal a elas, está claro que o receber é ficar mais endividada. Vingue antes vossa mercê em mim a honra deste Senhor, já que Sua Majestade não quer castigar- me a não ser com mercês, o que é não pequeno castigo para quem se conhece.

Em acabando vossa mercê de ler esses papéis, dar-lhe-ei outros. Se os vir, não é possível deixar de aborrecer a quem deveria ser tão diferente do que sou. Penso que darão gosto a vossa mercê. Dê-lhe Nosso Senhor de Si, como Lhe suplico. Amém.

Nada perdeu vossa mercê para comigo pelo estilo com que escreve; tencionava até falar a vossa mercê nas suas galas: tudo aproveita para Deus, quando a raiz é a vontade de servi-lo. Seja por tudo bendito, amém, que há muito não sinto tão grande contentamento quanto nesta noite. Pelo título beijo a vossa mercê muitas vezes as mãos; mas é muito grande para mim.

TERESA DE JESUS

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A VASSOURA DE SANTA TERESA



A VASSOURA DE SANTA TERESA

Ribeira, o douto biógrafo de Santa Teresa, conta que a Santa Madre costumava, nos dias de varreção comum, reservar para si o pátio. Viam-na com o hábito modestamente arregaçado, de tamancos, tirar alguns baldes de água, e com ela, pressurosa esfregar o chão, com sua vassoura lançar a água suja no esgoto do jardim e tudo, cuidadosamente, pois ela gostava que reinasse por toda parte um asseio extremo.

Um dia, depois de haver cumprido este ato de humildade, vendo suas religiosas rodeá-las na recreação, disse com aquela graça e alegria de costume:

- Minhas filhas, qual é o modelo de uma perfeita carmelita?

Todas, interrompendo o trabalho, interrogavam-na com o olhar.

Uma irmã aventurou uma proposta, depois uma outra: cada uma propunha uma coisa. Santa Madre, porém acenava negativamente com a cabeça; e, com um fino sorriso, repetia:

- Não adivinhastes: procurai. Todos os dias tendes nas mãos. Bem que o conheceis!

Os espíritos estavam suspensos, aviva-se a curiosidade. Enfim, todas exclamaram:

- Nossa Madre procuramos em vão!

É preciso pois, vo-los dizer? Minhas filhas o modelo de uma carmelita perfeita é ... uma vassoura.

-Uma vassoura, nossa Madre?

- Sim, uma vassoura; e nós vamos coloca-la aqui de pé, e ela vai pregar-nos com o exemplo;

Entrou uma irmã trazendo alçada a vassoura de santa Madre, sendo acolhida por uma modesta gargalhada: pois se alegria fugisse da terra, no carmelo é que se devia procura-la.

-Vêde, minhas filhas, diz santa Teresa, os juncos que uma mão industriosa recolheu nas bordas de uma lagoa, exata imagem do mundo, para fazer os secar, liga-los e neles enfiar um pau e fazer esta vassoura que vos apresento.

- “Que excelente modelo é ela ... Sabe obedecer ... Não o negareis; faz tudo o que se quer sem murmurar. Não tem vontade própria; jamais empreende cousa alguma por si mesma; sempre espera que a obediência a mova. Nunca lhe vem ao pensamento dizer: “Mas a coisa seria melhor varrida assim”: não, sua submissão é cega, pronta e constante. Acabado o trabalho atiram-na em um canto: e aí fica sem dizer palavra. São necessários os seus serviços? Sempre a encontram pronta a trabalhar e a sofrer.

“Não é esse um verdadeiro exemplo de humildade? Quer se utilize dela para tirar teias de aranha do oratório, ou para esfregar a cozinha, tudo faz com a mesma boa vontade, sem alegar a baixeza do ofício. Para tudo serve sem resmungar. Não ousa ensinar, nem mesmo a última noviça, e muito menos criticar de outrem. Jamais se julga superior às outras ... vassouras. Quando se acha a obra mal feita, tranquilamente a recomeça, uma, duas, três vezes, sem de nenhum modo se perturbar: que igualdade de humor! ... repreendida não se zanga: não quer guiar os que devem conduzi-la, nem julga-los, nem aborrece-los, nem caçoar deles: imagina que isso seria ofender a Deus ... E completamente indiferente pela elevação como pelo o abatimento. Se dela se serve ? A tudo se presta ... Rejeitam-na como inútil? Permanece no último lugar sem se lastimar.”

“Se acontece que a senhora vassoura se desloca um pouco, a irmã a vira para cima e bate o cabo no chão, toc, toc.”

“Ela cala-se, e, concertada, continua seu ofício. Há! Para nós, não é msiter que se nos bata com força na cabeça tão dura, quem quer sempre ter razão e nunca ceder: não é preciso chegar a esse ponto para nos fazer romper em queixas pela repreensão ou humilhação recebida.”

“Quem não queria ser criativa e boa como a vassoura? Quem já lhe ouviu dizer não, a quem lhe pediu um serviço? Não sabe guardar rancor. Jogaram-na bruscamente no seu lugar: um instante depois acham-na em paz, pronta como dantes: que espelho de virtudes! Se as vezes ofende alguém, é bem involuntariamente. O coração brando, previdente e amável é um tesouro numa comunidade. Minhas filhas, não é verdade que o progresso de uma alma em Jesus se prova pelo aumento de sua mansidão?

“Falemos da vida oculta. Por ventura já se viu esta modesta vassoura exaltar-se na imaginação e querer se mostrar? Quando chega alguém de fora, depressa, se esconde por detrás da porta; aí guarda para Deus só suas belas qualidades a sua sólida virtude. Não quer sair de sua humilde obscuridade, nem mesmo pelo desejo. Ignora as misérias que rege a ternura consigo mesmo ou com os outros, as amizades particulares e suas perigosas doçuras”.

“Grande reboliço na casa! Chegada de uma irmã jovem vassoura. A irmã a pões em bom lugar, porque é nova: que serviços vai prestar à comunidade! Mas, como está cheia de si mesma! Com olhar de zombaria muitas vezes considera as mais antigas! Que noviça não se julga um pouco ... reformadora? Se começasse por si mesma ?! ...

“Admirai duas preciosas qualidades de nossa cara vassoura: não se perturba, nem se zanga. Tal me parece dever ser a alma verdadeiramente religiosa: cheia dessa bondade, nascida do fundo do coração, tão carinhosa, verdadeira imagem de Deus, que nossas importunações nunca perturbam; é senhora de si mesma nessa paz celeste, tão arrebatadora, que excede a todo sentimento e que nada aborrece nem enfada. Não se perturbar, nem se zangar: que de mortificações não ocultam estas frases, simples na aparência!

“Todavia, minhas filhas, a singular beleza do silêncio: faz ouvir coisas mais altas que a terra. Quem poderá escutar sem espanto o silêncio eterno dos espaços infinitos! ... Não é alguma coisa de admirável o silêncio de Deus e a sua longa paciência em face dos crimes que cobre a terra? Considerai o silêncio misterioso do Verbo encarnado nos trinta anos que precederam sua vida pública; o silêncio quase ininterrupto de Jesus sobre a Cruz; o silêncio das almas sepultadas nos claustros, escondidas do mundo, que ai se consome como a lâmpada; o silêncio do zelo, que a fome e sede de justiça devoram e que imola esses santos ardores à vontade de Deus; silêncio dos corações apostólicos que abraça desejo da salvação das almas e que permanece na inação imposta pela obediência, essa voz de Deus ...; o silêncio das almas que o sofrimento torna importante a tudo, e que fica crucificadas, sem proferir queixa alguma, como o cordeiro imolado pelos pecados do mundo, se calou torturado pelos seus carrascos; o silêncio da alma de oração, desprezando a terra para se elevar a contemplação celeste; ó sacrifícios heróicos do silêncio cujo merecimento é inexprimível, cuja fertilidade é infinita.

“Eis enfim a nossa vassoura exausta no serviço do Senhor, estragada até o cabo, não tendo mais senão alguns destroços sobre a cabeça, esta abandonada, talvez como inútil, num canto. AH! As jovens não encontram prazer perto das velhas.

“Em tal ocasião nossa velha vassoura percebeu jovens irmãs, eu queria dizer vassouras novas, rindo-se do pobre trabalho que lhe impuseram e resmungando disseram: É preciso sempre revistar-lhe o trabalho, tão mal feito!”

“Mas como do sol no ocaso os últimos raios iluminaram ainda o horizonte de uma claridade, assim nossa heroína, perto do seu fim, proteja em redor de si o brilho sereno de uma vida de sacrifícios a espera que chegue a hora de Deus.”

“esse momento soa enfim. Chega uma irmã, uma dessas naturezas ativas, diligentes, amantes da boa ordem em toda parte. Que faz aqui esta vassoura velha, só faz encher a casa: depressa metamo-la no fogo! Vede a vassoura seca, arder no fogão: como levanta para o alto uma tão viva e clara chama”.

“Assim o Anjo de Deus, colhe a alma da carmelita que consumou sua obra de dedicação a Jesus: e para acabar de purificá-la, lança-a no Purgatório. Preparada, entretanto como ela está, pela sua mortificação e sofrimento, suas últimas imperfeições ai são rapidamente consumidas, e a alma feliz voa para o Céu, para os braços de Jesus: aí imergindo-se no seu coração, não pode mais senão dizer “Enfim, Senhor, a tanto tempo que eu Vos esperava!”.

MÍSTICA E PROFECIA NA PERSPECTIVA DE SANTA TERESA E DE SÃO JÕAO DA CRUZ

MÍSTICA E PROFECIA NA PERSPECTIVA DE SANTA TERESA E DE SÃO JÕAO DA CRUZ

COLOMBIA -OUTUBRO - 2009

A VOCAÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA DO DEUS VIVO

FREI CAMILO MACICCE

Do ponto de vista cristão, a vocação é um chamado de Deus que, de uma ou outra forma está unida a uma experiência do Deus vivo, Senhor da história e da nossa própria história. Deus chama através das circunstâncias e dos acontecimentos da vida de cada um. Isto aconteceu também com Teresa de Jesus e João da Cruz.

É interessante constatar como Teresa de Jesus em juventude era “inimicíssima” de ser monja (Vida 2,8). Foi aos 16 anos, quando seu pai a enviou ao colégio de Santa Maria das Graças, que começou a realizar-se nela uma mudança na maneira de pensar. Deus lhe falou através de uma monja exemplar, Maria de Briceño, o que conseguiu diminuir “um pouco a grande aversão que tinha por ser monja...” (Vida, 3,1). Outra mediação que a tornou aberta à escuta do chamado de Deus foi a leitura de livros espirituais, especialmente as epístolas de S. Jerônimo. Estas a animaram de tal maneira que se decidiu a dizer a seu pai e fugir de casa para entrar no mosteiro da Encarnação (Vida, 4,1). Deus lhe fez compreender, como ela mesma diz, “que tudo era nada” (Vida, 3,4). A estes motivos, uniu-se o temor de perder a Deus para sempre. Um influxo maior sobre ela foi o nascente amor a Cristo, se bem, como ela afirma, ainda lhe permanecia um temor servil sobre o amor (Vida, 3,6). Mas pouco a pouco, descobre que, no fundo de sua vocação está a proximidade e a ação do Deus vivo: “Oh! Valha-me Deus, por quais meios andava Sua Majestade dispondo-me para o estado o qual ele quis servir-se de mim, que, sem querer eu, forçou-me a que me forçasse” (Vida, 3,4). “Dar-me o estado de monja foi grandíssima mercê de Deus” (Caminho 8,2).

CONSCIÊNCIA, NASCIDA DA CERTEZA DE “DEUS CONOSCO” – LIBERDADEE INTERIOR

A certeza da presença de Deus transforma a vida de oração de Santa Teresa, em caminho de amizade libertadora: Para ela a oração é uma experiência libertadora por vários motivos. Antes de tudo, porque a oração é uma relação de amizade com Deus que vai crescendo e libertando (Vida, 8,5. Ao abrir-se à amizade com Deus, a pessoa humana vai superando a desintegração que a escraviza. A oração é integradora da pessoa porque a abre ao Outro e a faz crescer no amor (Caminho 10, 1-2, 5-8) Deus é integrador da pessoa. Conforme avança para seu centro, se encontrará consigo mesma e com Deus: (Moradas VII 1,5-6) quanto mais cresce seu amor a Deus mais vai sendo libertada por Ele, para “andar na verdade diante da mesma Verdade (Vida 40,3). Sua oração está centrada em Cristo, verdadeiro amigo que livra de todas as escravidões e leva à aceitação de si mesmo: (Vida 37,6) Cristo é o mestre da oração: (Caminho 24,5). Cristo acompanha no caminho de conquista da liberdade. A palavra de Deus liberta. (Jo 8, 31-32; Heb 4, 12).

Os diversos graus de oração são etapas diferentes no caminho para a autêntica liberdade. A pessoa tem que esforçar-se para tomar consciência da presença do Senhor; uma presença libertadora (Caminho Valladolid 25,3) Por meio dela irá alcançando as virtudes que libertam do egoísmo e orientam ao exercício do amor que liberta (Caminho 24,3) Mais adiante, a oração de recolhimento permitirá à pessoa submergir-se em Deus e dar-se conta do amor do Pai que a levará a superar tudo o que a escraviza (Caminho Valladolid 28,2). A oração mística realiza uma libertação mais profunda porque vai levando a pessoa ao desposório e matrimônio espiritual. Deus a leva a centrar-se cada vez mais Nele (Moradas IV 3,2). Deixa as coisas que a satisfaziam e atavam. A oração de quietude faz crescer na liberdade e na paz interior (Vida 14,9). Finalmente, na oração de união, chega-se à renuncia da própria vontade para unir-se com a vontade de Deus (Moradas V 3,5). Já não vive ela, mas Deus nela (Vida 18,4). No desposório espiritual a pessoa experimenta a liberdade de todas as escravidões (Vida 20,23). E no matrimônio espiritual a pessoa se une totalmente a Cristo (Moradas VII 2,5). A pessoa livre, transformada m Cristo, encontra-se agora em seu centro, onde sempre Deus a acompanha (Moradas VII, 2,4).

JUSTIÇA E PAZ: LUTAR PELA RECONSTRUÇÃO DE UMA CONVIVÊNCIA SOCIAL MAIS JUSTA E MAIS FRATERNA

Certamente, Teresa de Jesus e João da Cruz não se ocuparam diretamente da justiça e da paz, mas falando do amor ao próximo a partir do amor a Deus e do que Ele nos tem, puseram as bases para uma fraternidade que, em nosso tempo tem uma forte dimensão social.

Teresa de Jesus, libertada e arraigada em Cristo, orientou-se para umas opções que eram uma crítica aos postulados da sociedade de seu tempo, baseados na divisão por motivos de sangue, de ambições de conquista e busca da riqueza e metida em guerras. Ela decide fundar pequenas comunidades fraternas, donde todas “hão de se amar, todas hão de se querer, todas hão de se ajudar” (Caminho Valladolid, 4,7). Uma crítica à sociedade foi a opção pela pobreza, a fundação dum convento com um estilo de vida que revolucionava valores e postulados comuns. Teresa levanta sua voz de mulher e verte em seus livros palavras audazes de crítica (Caminho 2,5-6; Vida 35, 3-6). Da identificação com a pobreza e os pobres, Teresa pronuncia, faz denúncias cristãs com força profética e de atualidade eclesial (Vida 21,2) Tomou consciência da realidade social de sua época e de participação nos acontecimentos, dentro dos limites da sociedade de seu tempo. Tem uma visão universal do mundo onde vive e segue com extrema precisão os acontecimentos eclesiais e sociais de sua época: “muitas vezes não sei o que dizer, senão que somos piores que animais, pois não entendemos a grande dignidade de nossa alma” (Carta a Lorenzo de Cepeda 17.01.1570). Os tempos não lhe permitiram outros avanços e compromissos, mas Teresa se prodigalizou até onde lhe permitiram suas forças e as circunstâncias do tempo. Traduziu o humanismo cristão em sensibilidade social de virtudes evangélicas e gestos humanitários.

SOLIDARIEDADE: REFAZER AS RELAÇÕES HUMANAS

Santa Teresa teve muita facilidade para as relações humanas. No cultivo da relação fraterna brilham com luz própria sua honradez e sinceridade: “não era inclinada a murmurar nem a dizer mal de ninguém, nem me parece podia querer mal a alguém” (Vida 32,7). Não é de se estranhar que tivesse tantas amigas (Vida 36,8). Ela experimentou sempre a necessidade de relações profundas, não só com confessores ou conselheiros espirituais, mas com todas as pessoas, especialmente com suas irmãs de comunidade. Ela cria além disso, um círculo de amizades no qual estão também seculares, que se reúnem para ajudar-se na oração. Teve a capacidade de refazer as relações humanas em sua comunidade. Uma chave importante na atitude solidária de Santa Teresa, é o estilo do humanismo e suavidade: “grande perfeição com muita suavidade” (Vida 36,30). Varias das religiosas que entraram para tomar parte do Carmelo o fizeram pela fascinação que ela exercia, através da suavidade e discrição com quem se relacionava e por seu testemunho de vida e capacidade de comunicação. Teresa de Jesus é uma boa testemunha da amizade em sua dupla manifestação: amizade puramente humana e amizade espiritual. Esta experiência a levou a criar um nó de relações entre familiares, entre parentes próximos e distantes, entre companheiros, entre duas pessoas ou em grupo. Ensina que o que deteriora a relação humana é qualquer tipo de interesse. Por isso, existem relações humanas falsas. Se não houvesse interesse, nem egoísmo, as relações humanas seriam autênticas e profundas: “Com que amizade se tratariam todos, se faltasse interesse de honra ou de dinheiros. Tenho para mim, que se remediaria tudo” (Vida, 20,27).

UTOPIA DO REINO: ANIMAR A ESPERANÇA DO POVO

A esperança ocupa um lugar central em Santa Teresa porque nela temos a tensão dinâmica para o encontro com Cristo, no qual descobre a plenitude de seu ser. Nela mesma acontece a tensão da esperança. Por uma parte, deseja morrer para encontrar-se com o Senhor; por outra deseja seguir vivendo para servir a seus irmãos e Igreja. Esta tensão, contudo, não a tira do presente temporal, nem do drama da Igreja européia de seu tempo. Pelo contrário, ela insere-se nesta realidade e compromete-se com a mesma, segundo as perspectivas de seu tempo. Busca dar a conhecer a Cristo e seu Reino. Como ela disse, falando das pessoas que chegaram ao cume, no matrimônio espiritual: “não desejam ainda [a glória do céu]; sua glória a colocam em poder ajudar em alguma coisa ao Crucificado, especialmente quando veem que é tão ofendido, e quão poucos existem que de verdade olhem por sua honra, desapegados do resto” (Moradas VII, 3,6). A mesma coisa diz ela na Relação 6,1: “anda tão esquecida de seu próprio proveito, que lhe parece que perdeu em parte o ser, segundo anda esquecida de si. Nisto tudo vai a honra de Deus e como fazer sua vontade e seja ele glorificado”. Em Teresa de Jesus, a esperança cristã é fonte de missão e princípio inspirador e renovador das realidades terrenas. Se da conta também da necessidade de quem tem esperança firme apóiem aos fracos e os animem: “nestes tempos são necessários amigos fortes de Deus para sustentar aos fracos” (Vida 15,5). Também os que pensam que são fiéis podem deixar-se levar pelas circunstâncias e desanimar, por isso “é preciso apoiar-se mutuamente os que lhe servem [a Deus]… é necessário buscar companhia para defender-se, até que já estejam mais fortes e não lhes pesa o padecer, caso contrário, ver-se-ão em apuros”. (Vida 7,22).

DISCERNIMENTO: SABER DISTINGUIR A FALSA PROFECIA

Santa Teresa, em sua busca da verdade e pela fadiga em discernir a autenticidade de suas graças místicas e de sua vida, nos dá algumas chaves para distinguir a verdadeira da falsa profecia no mundo e na Igreja de nosso tempo. Ela busca quem lhe aporte luz e lhe garanta a verdade de suas experiências. Para a Santa tudo deve fundar-se na verdade: “Espírito que no tenha começado em verdade, mais o quereria sem oração” (Vida 13,16). “Em definitivo, Teresa é, estruturalmente, uma buscadora da verdade, necessitada de “andar na verdade”, refratária à mentira e a todo quanto cheire a mentira. Repete o tema evangélico: a mentira é do diabo, “ele é todo mentira” (Vida 15,10), “é amigo de mentiras, e a mesma mentira” (Vida 25,21). Pelo contrário, Deus “é a verdade em si” (Vida 40,1; Caminho 19,15)” (Tomás Álvarez). Para conhecer a verdade de si mesmo requere-se a luz de Deus. Outro tanto para discernir os valores da vida. Quando Teresa sofre por ter que abandonar os livros que lhe davam luz, para obedecer à proibição feita pela Inquisição de seu tempo, Cristo lhe oferece ser para ela “livro vivo”: “Sua Majestade tem sido o livro verdadeiro onde tenho visto as verdades. Bendito seja tal livro, que deixa impresso o que se deve ler e fazer, de uma forma que no se pode esquecer!” (Vida 26,5). É Cristo, modelo e mestre, quem ajuda a saber distinguir a verdadeira e a falsa profecia quando a pessoa parte do próprio conhecimento: “Uma vez eu estava considerando por que razão era nosso Senhor tão amigo desta virtude da humildade, e colocou-me diante disso: que é porque Deus é a suma verdade, e a humildade é andar na verdade, que é mui certo não termos coisa boa por nós mesmos… e quem não entende isso está enganado. Quem mais o entende agrada mais à Suma Verdade, porque anda nela” (Moradas VI, 10,7).

COMUNIDADE ORANTE E PROFÉTICA

Um ponto central na concepção da vida religiosa em Santa Teresa é a da fraternidade comunitária profética. Por isso, tendo feito a experiência de viver num mosteiro numeroso, onde isto era impossível, decide – o que foi novidade para sua época- que suas comunidades fossem pequenas, orantes e a serviço da Igreja (Vida 36,19; Caminho Valladolid, 4,10). A base desta vida é o amor fraterno. Nesta forma de vida comunitária tudo tem que ser familiar e todas tem que participar nos trabalhos da casa (Caminho, c.1): “Nesta casa… todas hão de ser amigas, todas hão de se amar, todas hão de se querer, todas hão de se ajudar (Caminho 4,7). Teresa de Jesus insistiu que a comunidade vivesse na amizade com Cristo através da oração. As irmãs hão de viver a contemplação tanto na oração como na vida (cf. Vida 8,5). Por exigência do carisma teresiano, a oração, a consagração e todas as energias da carmelita hão de estar orientadas para a salvação das almas (cf. Caminho, 1,2.5; 3,10), quer dizer, testemunhar e proclamar o Reino de Deus. Ela apresentou a ascese em função de uma vida teologal mais intensa ao serviço da Igreja (cf. Caminho, 10,5; Moradas VII 4,5). Teresa de Jesus descreve sua comunidade como um “castelinho… de bons cristãos” (Caminho 3,2). A comunidade não está reunida somente para sua própria santificação, mas para viver pela Igreja e a humanidade, para entrar no combate por meio da intercessão. “Este é o vosso chamado… Está ardendo o mundo” (Caminho 1,5). Por isso “todas ocupadas na oração pelos que são os defensores da Igreja e pregadores e letrados… ajudássemos no que pudéssemos” (Caminho, 1,2).

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

CONTEXTO HISTÓRICO TERESIANO



1. Santa Teresa: dados gerais


1.1 Teresa, diz-nos quem és.



- Sou Teresa Sánchez de Cepeda e Ahumada ou Teresa de Ahumada. Porém, a partir da fundação do novo Carmelo, comecei a apresentar-me e a ser reconhecida como Teresa de Jesus ou Teresa de Jesus carmelita.

Quais os teus títulos?

- Já se nota que és filho da tua época… Não tenho qualquer título académico. No entanto, após o grande encontro com o meu Amado, pelo qual tanto ansiei, fostes-me colocando diversos títulos, tais como: Madre Fundadora, ‘a Santa’, Mãe de Espirituais, Doutora Mística, Doutora da Igreja, Padroeira, Teresa de Ávila para me distinguir da minha filha Teresa de Lisieux, etc…

Se tivesses que destacar alguns períodos notáveis da tua vida, quais destacarias?

- Os meus 20 anos na casa paterna (1515-1535); os meus 27 anos de carmelita na Encarnação (1535-1562); os meus 28 anos de profunda experiência mística (1554-1582) e, finalmente, os meus 22 anos de escritora e fundadora (1560-1582).


Catequese 2 - Dados gerais

2. Santa Teresa: dados gerais


2.1 Teresa, conta-nos como eras.

- Alguma coisa já deverás saber sobre mim. Contudo, digo-te que era uma mulher Avilense, carmelita, mística e humanista, contemplativa-activa, escritora-autodidacta, fundadora e líder, empreendedora e negociadora, mestra e mãe espiritual. Houve quem ainda me tivesse por santa.

Mas como eras a nível físico e psicológico?

- Fisicamente, fui uma pessoa frágil: enferma crónica; mas, psiquicamente, forte: o meu espírito nunca sucumbiu às enfermidades corporais; mantive-me sempre aberta aos valores transcendentes: Deus, Cristo, Igreja, alma…; sempre pronta para as tarefas diárias (boa cozinheira!).

Que contrastes é que notavas em ti?

- Olhando para mim, as pessoas apontam o meu sentido de transcendência (o místico) e a minha habilidade negociadora e social (realismo e humanismo). Penso ser essas as duas características de maior contraste.

E a nível social?

- Sociologicamente falando, acho que sempre fui uma pessoa aberta à amizade e à comunhão com as pessoas; das minhas relações pessoais posso destacar: S. Francisco de Borja, S. Pedro de Alcântara, D. Álvaro de Mendonça, S. João da Cruz, Pe. João Baptista Rúbeo (Geral da Ordem), S. João de Ávila (apenas por carta), Pe. Jerónimo Graciano… Apenas também ocasionalmente, S. João da Ribera e S. Luís Beltrán. Mas as minhas maiores relações foram com as Irmãs dos meus Carmelos. Destaco entre elas: as duas Anas, Maria de São José, Maria Baptista, Maria de Jesus, várias Irmãs enfermas, as três Irmãs-crianças que entram no Carmelo, etc.

Pode-se saber que sentido deste à tua vida?

- Sabes, acho que tive dias bons e menos bons como todos. Recordo os dias de luta e os momentos de crise. Porém, nunca quebrei; pelo contrário, mantive um rumo unidireccional… Identificada com a minha vocação religiosa (ser religiosa foi grandíssima mercê). Mas com um certo complexo de inferioridade feminina: uma como eu, fraca e ruim, uma mulherzita como eu, sem estudos nem boa vida… Só ao atingir a maturidade é que captei plenamente o sentido da minha existência. Identifiquei-o com a minha experiência mística e a minha missão profética: mística dinâmica; e missão, ao mesmo tempo, transcendente e terrena. Ser testemunha de Cristo e fomentadora de uma nova vida religiosa. Quis ser uma mulher capaz de dar testemunho de Deus presente no mundo e na história.

Foste uma mulher escritora. Que te apraz referir desta obra por ti empreendida?

- Fui escritora, é verdade... Mas não propagandista. Sei que até vós chegaram umas 2000 páginas autografadas, mas escrevi muitas mais. A maior parte em Ávila. Em suma:
Quatro obras maiores: Vida, Caminho, Moradas e Fundações.
Vários escritos menores: Relações, Conceitos, Exclamações, Constituições, Modo de visitar os conventos, poesias…, escritos humorísticos.
Cartas: Conserva-se quase meio milhar, mas escrevi vários milhares (mais de uma centena ao Pe. Graciano).
Escritos perdidos: além das cartas (concretamente as cartas a S. João da Cruz), várias Relações, a primeira redacção de Vida, parte do meu comentário ao Cântico dos Cânticos (= Conceitos) e uma novelita de cavalaria escrita aos 14 anos (o meu primeiro escrito).
De todas estas obras, considero Vida a mais introspectiva, o melhor retrato da minha vida; as Moradas, a minha melhor síntese doutrinal; Caminho, a mais pedagógica, a única que decidi publicar em vida, se bem que não estará cá fora antes de 1583.

Volta e meia, ouve-se as pessoas a chamar-te em castelhano ‘andariega’. Porquê?

- Porque percorri mais de mil quilómetros em toda a minha vida fundando Carmelos. Fundei em Ávila, Medina, Valladolid, Toledo, Malagón, Salamanca, Alba, Pastrana (Guadalajara), Segovia, Beas (Jaén), Sevilla, Villanueva de la Jara (Cuenca), Palencia, Soria, Burgos. Além disso, colaborei nas fundações dos ‘Descalços’ de Duruelo e de Pastrana. Outros locais por mim percorridos: Gotarrendura, Guadalupe, Madrid, Torrijos, Becedas e Duruelo…
O percurso era sempre feito de diversas maneiras (por exemplo, cavalgando ou a pé…). Ao longo das minhas obras, vou dando a conhecer ao leitor.

Obrigado, Teresa. Até à próxima!
Já sei mais algumas coisas sobre ti.


Catequese 3 - Ávila e lugares circunvizinhos

3. 1 Santa Teresa: Ávila e lugares circunvizinhos


Teresa, como era a tua Ávila?

- Ávila, a minha cidade natal, era uma povoação importante na antiga Castela do século de ouro. Está situada no alto da meseta castelhana, a mais de 1100 m acima do nível das águas do mar, a pouca distância de Madrid, Valladolid e Salamanca. Uma cidade com muralhas medievais, palácios, brasões de nobres senhores, cavaleiros… Uma cidade com um clima muito seco.

Ávila tinha muita população?

- Se tinha… Pelo ano 1561, a população era de 10.000 habitantes. A minha cidade natal era uma das cidades mais povoadas da Castela antiga, com excepção de Valladolid, Segóvia e Salamanca. Por incrível que pareça, Ávila tinha mais habitantes que Burgos e Leão.


E quem é que a governava nessa época?

- Era governada pelos senhores do Concelho, a saber: regedor (ou regedores) e, em nome do rei, corregedor. Recordo-me que, pelo menos duas vezes, tive fortes embates com o concelho da cidade: em 1562, aquando da fundação de S. José e por causa dum canal de transporte de água; e em 1577, quando foi raptado S. João da Cruz. Nas duas situações, o problema acabou por chegar ao Concelho Urbano e passar à Corte; mais, na segunda situação, eu própria intervim, junto do rei, em favor de S. João da Cruz.


Catequese 4 - Ávila na época

4. 1 Santa Teresa: Ávila na época


Deixaste-me curioso em relação à tua cidade natal… Conta-me, pois, mais pormenores.

- É com todo o gosto. Começo então por te dizer que a própria cidade de Ávila, quando eu comecei a percorrer as suas ruas empinadas e tortuosas, era, em pedra e em venerados ossos humanos, um verdadeiro panorama histórico da luta travada nas Espanhas por Cristo contra o Príncipe deste mundo. Era tão antiga aquela cidade, que provavelmente já estava assentada, erguida sobre as colinas próximas do Adaja quando Nosso Senhor andava a fazer milagres na Palestina.

Como assim?

- Segundo a tradição, no século I – ano 63 do Senhor -, S. Pedro enviou um dos sete diáconos apostólicos para fundar uma Igreja em Abula (como então se lhe chamava) e São Segundo derramou o seu sangue numa das mais antigas perseguições romanas. Aí, no século IV, o heresiarca Prisciliano, que concebera um pseudo-Cristianismo, composto das ideias gnósticas e maniqueístas vindas do moribundo Oriente – as quais, se tivessem sido aceites, haveriam destruído toda a genuína vida cristã -, foi proclamado bispo pelos seus partidários. Destitui-o e condenou-o à morte um imperador romano, que abjurara o paganismo. Aí, como no resto da Hispânia, dominavam os Visigodos, que primeiro aceitaram e depois traíram a fé, e foram punidos pelos Maometanos conquistadores (cujo castelo ainda existe). E, para que saibas, só no século XI voltou a ser alçada a cruz ao lado das bandeiras dos guerreiros cristãos, no cimo da alta cidade.

Quando é que apareceram as muralhas da cidade?

- Entre os anos 1090 e 1097, os habitantes de Ávila construíram a larga muralha da cidade, que é uma das obras mais notáveis que nos legou a Idade Média. De quarenta pés de altura e treze de espessura, está erguida sobre a rocha viva para contornar as colinas em que assentam a catedral medieval (mais fortaleza que Igreja) e a maior parte dos outros edifícios primitivos; tem de perímetro 9075 pés, e por toda a extensão dos seus muros ameados levanta para o céu singularmente azul umas oitenta e seis torres.

Envoltas nestas sombrias muralhas de cinzento-acastanhado, as casas da cidade elevam-se em cerradas fileiras até ao círculo das torres da Igreja e convento que, ao pôr do sol e ao amanhecer, é uma crista flamejante. No centro, voltados para as muralhas, estão os palácios dos grandes senhores de Ávila – os Bracamontes, os Verdugos, os Cepedas, os Dávilas, como um cinto de pedra envolvendo a colina.


Catequese 5 – Ávila na época

5. 1 Santa Teresa: Ávila na época


Como era Ávila em termos paisagísticos? Já havia conventos, além da Encarnação, ou o teu foi o primeiro?

- Eu sempre gostei das paisagens da minha cidade. Não, já havia algum convento: convento Sant’Ana, onde a Rainha Isabel, a Católica, um dia, recusou a coroa de Castela; convento S. Tomás…

Conto-te que, a norte, numa estreita veiga, precisamente desde o subúrbio de Ajates, viam-se deliciosos jardins ao longo do declive, e, para além deles, os cumes sempre nevados das montanhas, coroando uma infinita variedade de formas e de cores. A Sul, olhando para o vale de Ambles, estava o subúrbio que guardava o convento dominicano de S. Tomás, com muitos outros veneráveis santuários santificados por preciosas relíquias de santos. Ao fundo, o claro rio Adaja ia serpenteando num leito salpicado de grandes pedras cinzentas e ao longo de verdes margens onde, no meu tempo, se erguiam muitos teares, pois o principal produto de Ávila eram os panos, e as águas do rio davam às tintas a qualidade que lhes tornava as cores imperecíveis.

Pelo que sei e pelo que me revelaste no passado, o conflito pró e contra a Cristandade não terminou com a expulsão dos Mouros e a construção das imponentes muralhas… Ultimamente, de tanto te ouvir falar sobre a tua época e cidade, despontou-se em mim algum interesse por esta questão. Que me podes dizer sobre ela?

- É verdade que daquilo que tu dizes nada findou. No próprio interior das muralhas, logo surgiram novas divergências, desta vez entre cristãos e judeus, e entre ambos e a nova classe de judeus-católicos, chamados «conversos», «marranos», ou cristãos-novos. Episódio desta luta foi a desentronização, no meio da Veiga, da efígie de Henrique IV, amigo dos judeus e dos mouros. Em 1491, Isabel, a Católica, mandou um salvo-conduto aos judeus de Ávila, depois de um deles ter sido lapidado pela multidão. Na Igreja de S. Tomás, em que se conservava o braço direito do Doutor Angélico, as criancinhas de Ávila podiam ver o túmulo de Torquemada, o Grande Inquisidor, não longe do belo sepulcro do Príncipe João das Astúrias, que a Rainha Isabel, ao cabo de todos os seus triunfos, tinha tido de ceder à morte, na primavera da sua juventude.

Catequese 6 – Teresa e o mundo para o qual abriu os olhos

6. 1 Santa Teresa: Primavera de 1515

Minha grande amiga: gostaria também de obter da tua parte algumas luzes acerca do ano do teu nascimento. Que me poderias dizer a esse respeito?

- Muitas coisas… Não sei mas é por onde começar…

Sabes, o mundo para o qual abri os olhos na primavera de 1515 era um mundo que passava pelas revolucionárias agonias da tremenda transição dos tempos medievais para os modernos. Só vinte e três anos tinham passado – uma geração apenas – desde o providencial ano de 1492, em que a cruzada hispânica de 777 anos culminara com a conquista de Granada aos Mouros, a expulsão dos Judeus e a descoberta do hemisfério ocidental. Havia só nove anos que Colombo estava na sepultura. Eram ainda vivos homens que com ele tinham navegado: alguns gozando na própria pátria do ouro das Índias; outros levando a luz da civilização ao México ou a Lução, sem nenhum deles dar muita importância à predição que ele fizera de que o fim do mundo seria em 1655. A sua protectora, Isabel a Católica, tinha morrido onze anos antes. Carlos V era um rapaz de quinze anos. O Papa Leão X, filho de Lourenço de Médicis, sentava-se na cadeira de São Pedro, e em 1514, o ano anterior ao do meu nascimento, tinha promulgado uma importante indulgência, sob as habituais condições de penitência e contrição, para conseguir fundos para levantar em Roma uma nova Basílica, em que trabalhava Miguel Ângelo. E em 1515, um monge alemão, então de 33 anos, tinha acabado de improvisar um sistema teológico que considerava como prolongamento das ideias de São Paulo e de Santo Agostinho, mas que estava tão carregado de explosivos espirituais, que cortou de alto a baixo todo o edifício da vida e da cultura cristãs, e abriu a brecha para todos os conflitos da vida moderna.

Pelo que me acabas de dar a saber e pelo meu próprio conhecimento das circunstâncias históricas, eu diria que foi então uma interessante coincidência o teu nascimento e a proclamação do dogma luterano da graça…

- Sim, poder-se-á ver assim as coisas, pois eu viria a considerar a tarefa da minha vida como antídoto e expiação da sua. Lutero, atormentado pelo conflito entre a carne e o espírito, tentou resolvê-lo abraçando as coisas boas deste mundo, e fracassou. Eu calquei-as todas sob os meus pés calçados de sandálias, e triunfei.


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