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segunda-feira, 27 de outubro de 2014

TERESA , MULHER EM PROCESSO




“…Leia-lhe a última morada, e diga-lhe que
naquele ponto a que chegou aquela pessoa
e com aquela paz que aí está,
e assim se vai com a vida bastante descansada,
e que grandes letrados dizem que vai bem” 

A Maria de São José 8.11.1581 (18)
Fundamentais:
A D. Luísa de la Cerda. Ávila 7.11.1571
MC 38. EDE 34. BAC 36.
A D. Maria de Mendoza. Ávila, 7.3.1572. MC 41. EDE 37. BAC 39
A Ambrósio Mariano. Toledo, 16.2.1577
MC 183. EDE 179. BAC 180
A Maria de São José. Ávila, 8.11.1581
MC 412, EDE 397, BAC 396
A D. Lorenzo de Cepeda (filho). Ávila, 15.12.1581. MC 427. EDE 412. BAC 411

Complementares (sobretudo):
A D. Juana de Ahumada: Toledo, dezembro 1569, ou Ávila, dezembro 1577. MC 23. BAC 24. EDE 216
A Maria Bautista. Sevilha, 28.8.1575
MC 88. EDE 85. BAC 87
A J. Gracián: Sevilha, finais de novembro 1575. MC 96. EDE 92. BAC 94


2. Pistas gerais de leitura e partilha (cf. Ficha 1)

Além da ajuda de uma boa cronologia da santa, atender e anotar:
Que diz Teresa de si mesma? Fixamo-nos no que diz explicitamente e também no que se pode captar de forma implícita: características da sua personalidade que vão aparecendo.
Que diz do contexto e da realidade? Identificamos temas, preocupações, decisões, critérios, conselhos…
Que diz de Deus, da vida espiritual? Também de forma explícita ou de forma implícita.
Claro é sempre importante reparar nas dúvidas e dificuldades ou nas questões que nos tenham surpreendido positivamente, para as retomar e aprofundar, consultar, comentar, partilhar



3. Para refletir, orar… depois da leitura dos textos.

Para o modo de citar as cartas e a forma de aproveitar as sugestões e observações dos pontos seguintes, veja-se o indicado na Ficha 1.

1. Começámos esta secção na ficha anterior pelas relações afetivas com os seus familiares (e tudo o que implicam, incluso a solicitude por os ajudar economicamente) e este novo grupo de cartas também trata dessa dimensão da nossa vida tão fundamental: nada transforma tanto como o afetivo. Assim pois, aparece solícita com o amigo que sofre, ao mesmo tempo que repreende com tato as queixas por supostos esquecimentos e até por ciúmes e demandas de mais atenção: 7.11.1571 (1.6), 28.8.1575 (9.13). Não obstante essas repreensões, que também são parte de uma sã relação interpessoal, de um processo afetivo adulto (as faço, as recebo, se dão no meu contexto ou comunidade…?), voltamos à importância do cuidar das amizades, agradecê-las e manifestar-lhes amor… daí a sua preocupação pelas cartas que se perdem e, portanto, pelos carinhos que não chegam: 28.8.1575 (16).Os cuidamos? Os comunicamos…?

2. Se o afeto com benfeitores e amigos é fundamental, não o é por se tratar de uma concessão a leigos; o amor é a chave no humano e no divino, na vida espiritual em geral (“pois também o quer nosso Senhor”) e das suas comunidades em particular; e não só expresso na oração mútua, mas que “se me quer bem, que lho pago [correspondo] e gosto que mo diga”: 8.11.1581 (1-2).

3. Na ficha anterior pudemos comprovar que a sua muita relação com alguns familiares e, por outro lado, as suas também muitas restrições a esse respeito como fundadora e legisladora (cf. CV 8-9, Const. V 6-7, etc.) não eram nenhuma contradição, mas deviam-se às razões teologais, que esses mesmos textos carismáticos aduziam: tratar com eles quando seja pelo seu bem espiritual, pelas suas virtudes… De novo, estas cartas justificam essa predileção pelo seu irmão Lorenzo [28.8.1575 (2-3)], que mais tarde se verá prolongada na sua filha Teresita, já adolescente, e cuja proximidade é motivo de alegria e consolo para a santa na sua velhice: 8.11.1581 (6), 15.12.1581 (3). Podemos aprofundar em tudo isto numa linha algo atrevida e polémica: parece-te tudo isto relações teologais de verdade ou mais bem a desculpas para justificar compensações, como a de uma possível maternidade frustrada? Como são as tuas relações com familiares e seres queridos? Também podemos aprofundar nestes textos, tanto no conhecimento da santa como no conhecimento próprio, reparando no ‘surpreendente’ pedido a favor da sua sobrinha (carmelita descalça!): quer que os seus irmãos não a deixem só e lhe escrevam e regalem para lho mostrar 15.12.1581 (3f).

4. A solidariedade familiar concretizada no económico é uma constante desde as primeiras cartas propostas este curso, daí que Teresa não conceba que possa haver descuidos nisto: repare-se bem nas advertências e exortações ao seu sobrinho (15.12.1581) e de modo especial com as suas obrigações para com a sua filha ‘ilegítima’, além das considerações sobre a dignidade e inocência da menina em toda essa história.

5. Nas primeiras cartas que lemos, a santa se alegrava – apesar de que lhe resultasse “não pequena cruz” – das suas habilidades negociadoras e, em consequência, de poder ajudar o seu irmão, no material e no espiritual, com esses conhecimentos: 17.1.1570 (5.12-13). Não obstante, nas cartas propostas para esta ficha começam já a notar-se algumas importantes complicações que lhe aconteceriam, por isso, no fim da sua vida: 8.11.1581 (8-12), 15.12.1581 (1.3f); ainda que mais adiante teremos mais detalhes, quando nos adentremos noutras cartas dessa época. Talvez o que chame mais a atenção agora, em todo este processo é que, ao contrário do que sucedeu com o seu irmão Lorenzo, tem que acabar por se alegrar com a volta dos seus parentes à América ou pedindo que fiquem ali [15.12.1581 (2f.10)]: por causa da crise dos 70 em Castela? Para sua própria tranquilidade, para não ter que continuar a responsabilizar-se pelos mais necessitados desses parentes? Por outro lado, ainda que também nesta linha familiar e económica, que pensar do contraste entre o seu desprendimento de honras e dinheiro e, ao mesmo tempo, a sua euforia pela prosperidade nisso dos seus sobrinhos: 15.12.1581 (1-4)?

6. Talvez possa parecer pouco adequado insistir tanto na conexão do amor de Deus e dos irmãos com questões materiais, mas a nossa grande mística opinava precisamente o contrário: “ainda que pareça coisa não conveniente começar pelo temporal, pareceu-me que para que o espiritual ande sempre em aumento é importantíssimo” (Modo de visitar os conventos 2). Vamos ter ocasião de o comprovar em muitos momentos e cartas ao longo deste curso. Agora podemos aprofundar algo sobre o que supôs aceitar uma má renda no seu primeiro convento de S. José de Ávila: 8.11.1581 (2f-3.21f), 15.12.1581 (6).

7. Em continuidade com a importância do temporal para o espiritual, chama a atenção o contraste entre o seu ideal de vida e de bens nos seus mosteiros e a difícil realidade que lhe toca viver na Encarnação com 130 freiras, quando aí regresse como priora: 7.3.1572 (2m). Não obstante, o que mais chama a atenção nestas alusões à Encarnação, contra certa ideia superficial de dito convento, é a rápida melhoria das suas religiosas: 7.11.1571 (4), 7.3.1572 (3). Onde estão as chaves da mudança? Seríamos capazes, eu, a minha comunidade, província… de aceitar reformas de costumes tão simples como as que ali se deram, e que além disso não supunham nenhuma invenção mas fidelidade às próprias constituições? Com frequência o processo que necessitamos de ativar não consiste em grandes originalidades, mas em recuperar certas raízes ou prioridades.

8. No seu processo como fundadora, já tratámos na ficha anterior o constante discernimento entre rigor e suavidade. No final da sua vida continua firme na sua intenção inicial de que os mosteiros sejam de “grandíssimo encerramento (assim de nunca sair, como de não ver, se não têm véu diante do rosto), fundadas em oração e em mortificação” [23.12.1561 (2)], ainda que em contraste com o que entendem os frades por mortificação, ela se reafirma naquela certeza, também presente desde os seus inícios, da importância do recreio comunitário, a poesia e a alegria: 8.11.1581 (13-14). Interessante igualmente o que o uso do véu parece significar e, em consequência, com quem o usar e com quem, muito excecionalmente “não se sofre” (ib.7). Tem isto a ver com o devido afeto e comunicação que temos vindo a sublinhar desde o princípio desta secção? Que pode significar para tantas e tantos que não levamos véu, mas estamos chamados a cuidar da qualidade das nossas relações interpessoais?

8. E de novo outro tema que vai aparecer com frequência e ganhando em matizes com as cartas que iremos lendo: o dos critérios vocacionais para discernir as candidatas aos seus carmelos: 7.3.1572 (4-7), 28.8.1575 (5-8), 15.12.1581 (8m).

10. No que à vida espiritual se refere, volta a aparecer a importância do céu e a “verdade de quando menina” (cf. Ficha 1, 4.11): 7.11.1571 (2.6m), 15.12.1581 (8f.10f). Talvez o que agora traz mais novidade é a sua própria surpresa ante essa mescla de esperança e dor que acarreta: “não sei como sentimos os que vão a terra segura […] é querer-nos a nós mesmos e não aos que vão gozar de maior bem”: 7.11.1571 (5). Enfim, o mesmo Senhor chorou por Lázaro, e a Virgem até à extenuação pelo seu Filho: não será um afã mais estoico que evangélico querer ‘sobrevoar’ certas experiências cruciais da vida, querer afastar o processo de luto…? Por outro lado, cuidado com algumas formas de respeito à nossa própria humanidade e contingência que quase inconscientemente a contrapõem à abertura à transcendência e à fé: lembras-te de algum exemplo disto? Entre ambas as tentações, angelismo ou horizontalismo, qual te parece a mais frequente no teu ambiente e porquê? Como ajudar a fazer processo a partir dela? …

11. Pelo que respeita também à vida espiritual e ao processo pessoal de cada um, hoje, mais do que nunca, sabemos que é imprescindível saber aceitar e integrar os limites da existência, o conflito ou os conflitos que a vida vai provocando ao idealismo infantil dos nossos desejos básicos… Evidentemente a santa usa uma linguagem muito mais religiosa: há que crer e agarrar-se a que “o prémio dos trabalhos é o amor de Deus”: 7.11.1571 (2), cf. 16.2.1577 (1m). E tendo isso como rocha firme tratar de superar o conflito: cuidar da saúde, se é o caso, e alegrar-se com as melhorias; ‘aceitar’ as injustiças e perseguições, quando tocam, mas buscar todos os meios, por mais sofisticados que sejam, para as corrigir…: 7.11.1571 (3.8), cf. 16.2.1577 (3-5).

12. Entre as cartas ‘complementares’ há pelo menos um par de detalhes nos que reparar também. Em primeiro lugar o texto, “E uma das coisas que me faz estar aqui contente [momentos iniciais da sua longa e complicada estancia em Sevilha] e há-de… fazer estar mais, é que não há memória dessa farsa de santidade que havia por lá, que me deixa viver e andar sem medo de que essa torre de vento havia de cair sobre mim… que já passou tanto tempo sem a ver”: 28.8.1575 (12).

13. Em segundo lugar: “Muitos anos há que não tive tanto trabalho como depois que andam estas reformas; que ali e aqui sempre digo mais do que quereria, e não tudo o que desejo”: finais 11.1575 (8). Escrupulosa pelas possíveis faltas de caridade nos comentários contra os calçados e outros opositores da sua reforma e, ao mesmo tempo, pelos esquecimentos importantes ou os silêncios por excesso de prudência ou cobardia…? Ou melhor, é a finura de consciência a que move a sua preocupação? Pode-se e convém evitar essa tensão entre o caritativo e o justo, em tantas ocasiões ou, pelo contrário, é uma parte essencial da vida e do processo pessoal e espiritual? Há exemplos concretos que te importem especialmente agora? Podes partilhá-los com o grupo?..

14. Deste-te conta do curioso paradoxo entre a citação da santa copiada no começo desta ficha sob o título (paz, descanso…) e a intensidade e dinamismo de todos os temas apontados nesta secção “Para refletir, orar…”? Isto sugere-te paralelismos com o final das Moradas? 



2013-12-05