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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Os Cantares de Teresa de Jesus

 



                                      CÂNTICO DOS CÂNTICOS


Poema bíblico que contém uma coleção de cantos de amor. De autor anônimo. Supostamente atribuído a Salomão. Assim o crê também Teresa, que os intitula “Cantares de Salomão” (prólogo de Conc., 1), ou simplesmente “os Cantares” (R 24,1; 44,2; V 27,10; E 16,2), ou “Cânticos” (Conc 1,3.6; 3,14; 6,8). Livro de transmissão bíblica singular, pois provocou uma dupla atitude em sua leitura: por um lado, receio e grande reserva; por outro, encanto e admiração. Esta segunda atitude prevalece nos místicos. Também em Teresa, que entretanto é ao mesmo tempo testemunha da primeira atitude, agravada em seu tempo não só pelo dramático episódio de frei Luís e sua tradução dos Cantares ao castelhano, mas oposição de certos teólogos a que a Bíblia fosse lida por mulheres.
Nesse contexto histórico é surpreendente a postura de Teresa frente ao poema. Será este o único livro bíblico expressamente comentado por ela. Durante vários anos - a fase de sua efervescente exaltação mística: período extático -, a leitura dos Cantares é seu refúgio e consolo, “Tem me dado o Senhor, de alguns anos para cá, um gosto muito grande cada vez que ouço ou leio algumas palavras dos Cânticos...” (Conc. prol. 1). Reiterado mais expressamente, embora no anonimato: “E sei de uma que ficou muitos anos com muitos temores, não havendo coisa que lhe desse segurança até que o Senhor fosse servido de que ela ouvisse algumas coisas dos Cânticos, e nelas entendesse que a sua alma estava no caminho certo” (1,6).
Freqüentemente ela pediu aos teólogos a explicação profunda do texto, “rogando-lhes eu que me declarassem o que o Espírito Santo quer dizer e o verdadeiro sentido dessas palavras (dos Cânticos)...” (1,8). Não é improvável que tenha possuído e lido a tradução manuscrita dos Cantares por frei Luís, tradução destinada por esses anos (1561...) a outra monja, Dª Isabel de Osório, e difundida largamente em Castela e Portugal, e inclusive na América, até que o tradutor frei Luís cai no cárcere inquisitorial de Valladolid (1572).
Seria não muito antes dessa data quando a Madre Teresa decidiu-se a comentar “para as monjas” de seus Carmelos (Conc. Prol. 1) alguns versos do livro bíblico: “para consolo das Irmãs (carmelitas) que Nosso Senhor leva por este caminho, e até para o meu” (ib 2). Uma vez escritas suas “meditações” sobre versos seletos do Cantar, submeteu suas cartilhas à aprovação dos teólogos dominicanos, implicados ao menos um deles no episódio de frei Luís de León, cuja primeira proposição delatada soava que “o Cântico dos Cânticos é um poema amoroso para a filha do Faraó, e ensinar o contrário é fútil”, e a segunda proposição: que “o Cântico se pode ler e explicar em língua vernácula”. O primeiro teólogo, Diego de Yanguas, foi de parecer negativo com relação ao escrito teresiano: “por lhe parecer que não era justo que mulher escrevesse sobre a Escritura, afirmou-lhe, e ela foi tão pronta na obediência..., que o queimou prontamente” (BMC 18,320). Ao contrário, o outro consultor, Domingo Báñez, mais prestigioso e mais metido na polêmica da versão castelhana dos Cantares, foi de parecer positivo. Tarde demais. Quando já o original teresiano sucumbiu ao fogo, escreveu ele de próprio punho uma das cópias salva das chamas: “Vi com atenção estes quatro caderninhos, que entre todos tem oito páginas e meia, e não encontrei nada que seja má doutrina, mas antes boa e proveitosa. No Colégio de São Gregório de Valladolid, 10 de junho de 1575. Frei Domingo Báñez”. (Códice de Alba: BMC 4,268).
Esta tomada de posições por parte do famoso teólogo dominicano reveste especial importância por vários motivos: porque em sua autoridade se apoiaram as duas proposições antes citadas sobre os Cânticos e sua tradução vernácula; porque na data de sua assinatura a favor da autora, está em seu transe crucial o processo de frei Luís, preso na mesma cidade de Valladolid onde Báñez comunica sua aprovação; e porque, igualmente por essas datas, o teólogo dominicano tem em suas mãos o autógrafo teresiano do “Livro da Vida”, já denunciado a Inquisição.
Quando em 1588 frei Luís editar pela primeira vez as Obras da Madre Teresa, omitirá este comentário aos Cantares, e evita assim novas tribulações ao escrito e provavelmente também ao editor.

A leitura teresiana do poema bíblico

A Santa enfrenta a tarefa de interpretar com absoluta espontaneidade. Propõe-se escrever o que o texto bíblico lhe sugere. Sabe que o poema tem outro tipo de leitura, literal e teológica, na qual deve-se empenhar os letrados, responsáveis da palavra de Deus: eles “hão de trabalhar nisso” (Conc 1,2). Mas essa leitura-estudo não exclui, segundo ela, a leitura livre, a partir da vida mesma: “O que pretendo é que, assim como eu me regalo com o que o Senhor me dá a entender quando ouço algumas dessas palavras (dos Cânticos), o dizer-vos talvez vos console como a mim” (Conc 1,8). Nem ficam excluídas desta leitura as mulheres, pois “nós, mulheres, também não haveremos de ficar tão longe de gozar das riquezas do Senhor; fiquemos fora, sim, de entrar em disputas a seu respeito” (1,8). Teresa está convencida de que o poema tem “palavras que muito ferem” (3,14), capazes de atingir a leitores e leitoras altamente enamorados. Chega a pensar que algumas palavras dos Cânticos não se lhas poderá apropriar o leitor senão a partir de um alto grau de enamoramento: que não se pode dizer “com o beijo de sua boca” senão a partir dos contíguos do êxtase: “essas palavras são proferidas pelo amor... Assim é que essas palavras suscitariam verdadeiramente temor se quem as diz estivesse em si, mesmo tomadas ao pé da letra. Mas a quem Vosso amor tirou de si, Senhor, bem perdoareis que diga isso e mais, embora seja atrevimento” (1,12). Eis aqui um espécime desse tipo de leitura:
“ Ó Senhor do céu e da terra! Como é possível que, estando-se ainda nesta vida mortal, se goze de Vós com amizade tão particular! E que o Espírito Santo o diga tão às claras nessas palavras, e que mesmo assim não queiramos entender como são os prazeres com que tratais as almas nesses Cânticos? Que delicadeza, que suavidade! Deveria bastar-nos uma só palavra destas para nos desfazer em Vós...” (3,14).
Geralmente, Teresa prefere dar ao poema valor de simbolismo nupcial entre Deus e o homem. Mais que a tradicional versão esponsal cristológica e eclesial (amor entre Cristo e a Igreja), ela se inclina pelo simbolismo interpessoal: Deus e a alma, ou Cristo e ela. Mas dando por suposta a abertura do símbolo a outros setores.
Desde o ponto de vista literal ou textual, não sabemos quantos e quais versos do Cântico Teresa comentou, devido às mutilações e lacunas com que nos chegaram seu comentário. De fato, naquilo que nos resta de seu escrito aparecem comentados os seguintes versos:
-“Beije-me com o beijo de sua boca...” (Cant 1,1: Conc 1,1).
-“Mais valem teus peitos do que o vinho, fragrantes como os mais preciosos bálsamos” (Cant 1,1-2: Conc 4,1)
-“À sua sombra, como desejei, estou sentada, e seu fruto é doce à minha boca” (Cant 2,3: Conc 5,1)
-“Ele me introduziu no celeiro do vinho e o estandarte erguido sobre mim é o amor” (Cant 2,4: Conc 6,1)
-“Amparai-me com bolos de uva, reanimai-me com maçãs, pois estou doente de amor ” (Cant 2,5: Conc 7,1).
-implícita alusão ao texto da vulgata “lectulus noster floridus” (Cant 1,15: Conc 2,5. -Frei Luís havia traduzido: nosso leito está florido”. No comentário Teresa cita livremente: “Oh, Sua Majestade faz uma cama de rosas e flores para Si na alma”.
-“Eu sou para meu Amado, e meu Amado é para mim” (Cant 6,2; 2,16: Conc 4,8)
-“Ele a mantém com maçãs”: Cant 2,5: Conc 5,5
-“Toda bela és, ó minha bem-amada”: Cant 4,7: Conc 6,9
-“Quem é essa que se eleva como a aurora, bela como a lua, resplandecente como o sol”: Cant 6,9: Conc 6,11
-“Sob a macieira eu te despertei”: Cant 8,5: Conc 7,8.


O poema bíblico nos demais escritos da Santa

Como se sabe, o Cântico dos Cânticos, teve seu melhor eco e prolongação poética no Cântico Espiritual de são João da Cruz. Também em Teresa teve repercussão poética. Na breve coleção de poemas da Santa há duas peças inspiradas no Cântico.
Uma delas comenta o verso “meu Amado para mim” (Cant 6,2), e o incorpora ao estribilho de cada estrofe: “Entreguei-me toda, e assim / Os corações se hão trocado / Meu Amado é para mim / E eu sou para meu Amado”. A este lema inicial seguem duas oitavinhas nas quais reaparecem sendo motivos poéticos do Cântico: a caça do amor (“Quando o doce Caçador / Me atingiu com sua seta,...”), e “era aquela seta eleita, ervada em sucos de amor”, que faz recordar as “palavras que muito ferem” dos Conceitos (cf E 16,2).
O segundo poema não tem tão estreita vinculação com o Cântico. Reproduz o “colóquio amoroso” dos amantes, e pretende a igualdade de amor entre ambos: “Deus meu, se o amor que me tendes,/ É como o amor que vos tenho...”.
Mas além dos poemas, a imagem e simbolismo do livro bíblico estão presentes em quase todos os escritos teresianos, a partir do Livro da Vida. a) O mútuo olhar: “...sem que percebamos, estes dois amantes se olham, face a face, como diz o Esposo à Esposa no Cântico dos Cânticos, ou ao menos acho que ouvi dizer que é aí que diz” (V 27,10, com referência a Cant 4,9 e 6,4: “com um só de teus olhares me enamoraste”, que frei Luís havia traduzido: “roubaste meu coração com um só de teus olhos”). -b) Esse momento simbólico do olhar recíproco recordá-lo-á a seus leitores do Caminho (26,3): “Peço-vos apenas que olheis para Ele..., que o vosso Esposo nunca tira, filhas, os olhos de vós... Vede que Ele, como diz à esposa, não está esperando outra coisa”. -c) Reaparecerá várias vezes nas Exclamações, onde evocará ao menos dois versos não mencionados nos Conceitos: o conjuro das filhas de Jerusalém que vão pelas ruas e praças (Cant 3,2: Excl 16,3), e a Exclamação final, em que se apropria o verso “forte como a morte é o amor, e duro como o inferno” (Cant 8,6), comentado assim: “Ó, quem se visse já morto às vossas mãos e arrojado nesse divino inferno de onde já não esperasse poder sair, ou melhor, já não temesse ver-se expulso!” (E 17,3).
Contudo, o mais decisivo influxo do Cântico bíblico na espiritualidade teresiana acontece nas Moradas, não já pela evocação de versos soltos (cf M 5,1,12; 6,4,10; 6,7,9; 7,3,13), mas porque só neste livro a autora leva a pleno desenvolvimento o símbolo nupcial herdado do Cântico, e que lhe serve para estruturar a seção mística do Castelo. Será aqui, nas Moradas, onde melhor articulará em torno ao símbolo nupcial os outros símbolos dos Cantares: o vinho, a adega, a embriaguez de amor, a flecha, a ferida, o fogo... e o selo, que nos Cânticos é impressão da face da esposa no braço ou no coração do amado (8,6), e que no Castelo é profunda impressão do rosto do Amado na cera da alma (M 5,2,12).
Em um de seus poemas festivos (“Na cruz está a vida...”), Teresa identifica a cruz do Senhor com a “árvore desejada” da Esposa dos Cantares (2,3):

“É o madeiro verdejante
E desejado
Da Esposa, que à sua sombra
Se há sentado,
A gozar de seu Amado,
O Rei Jesus.
Pois ao Céu é a única senda
Que conduz”,

identifica de novo a cruz com a palma preciosa dos Cantares:

“Da cruz é que diz a Esposa
A seu Querido,
Que é a palmeira preciosa
Aonde há subido;
Cujo fruto lhe há sabido

Ao seu Jesus...” (Po 19).


Bibliografía - A. M Pelletier, Lecture du Cantique des Cantiques, Roma 1989, 370-378

T. Alvarez

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Pistas gerais de leitura para estudo das obras menores



Obviamente uma ajuda imprescindível será ter diante uma boa cronologia da santa, para partir de uma ideia básica do contexto no que se escreve cada carta: idade e momento do seu processo espiritual, residência e atividade principal, obras literárias que tem entre mãos (se as houver) … Mas passemos às pistas propriamente ditas:
Que diz Teresa de si mesma? Fixamo-nos no que diz explicitamente e também no que se pode captar de forma implícita: características da sua personalidade que vão aparecendo.
1.      Que diz do contexto e da realidade? Identificamos temas, preocupações, decisões, critérios, conselhos…
Que diz de Deus, da vida espiritual? Também de forma explícita ou de forma implícita.
Claro é sempre importante reparar nas dúvidas e dificuldades ou nas questões que nos tenham surpreendido positivamente, para as retomar e aprofundar, consultar, comentar, partilhar…

2.      Evidentemente, se se tem atenção a estas pistas e, sobretudo, se se for tomando notas precisas, o trabalho deste curso dará lugar a um índice de grandes temas teresianos: relações familiares e afetivas, questões económicas e organizativas, critérios de discernimento vocacional, chaves de acompanhamento espiritual… Naturalmente, e como vem sendo habitual em todos estes anos de preparação para o V Centenário do Nascimento de Santa Teresa, confiamos em que o trabalho pessoal (com cada ficha) culmine e se enriqueça com encontros e reflexões em comum.


3.      Primeiras impressões

Em geral: Que pensais que vos pode trazer a leitura e o trabalho sobre as cartas?
Um exercício de imaginação: se não conhecesses nada de Teresa de Jesus, e se o primeiro contacto com ela fosse através destas cartas que acabas de trabalhar, como descreverias esta mulher? Que dirias dela?


Para refletir, orar… depois da leitura dos textos

4.      Cita-se só com a data da carta, salvo se houver outras com a mesma data no epistolário teresiano; casos em que se acrescenta o destinatário. Os números depois das datas e entre parêntesis indicam os parágrafos concretos da carta a que nos referimos, segunda a edição do Monte Carmelo (se levam uma letra unida: a = em cima, m = meio, e f = fim do parágrafo) de que estão tiradas as 40 selecionadas para este curso pela Comissão do Centenário.


5.      As questões que se colocam nesta secção, como em anos anteriores, não pretendem esgotar a reflexão nem a açambarcar, mas sugerir possibilidades, de modo a que cada pessoa ou grupo utilize só as que lhe sejam úteis. Como se recordará de outros cursos, em cada número se convida a reparar no tema ou paradoxo proposto (se se está de acordo, justificá-lo…), rever a própria vida e a da comunidade e contexto (tem-se em conta, como o aplicar ou concretizar…), orá-lo pessoalmente (agradecer, suplicar, interceder, contemplar…) e em grupo… Portanto, não repetiremos estas pistas ao final de cada número; baste para isso este recordatório inicial.


6.       Algo pouco surpreendente e que salta à vista – pelas datas e destinatários das suas cartas em geral e pelo conteúdo das primeiras que lemos em particular – é a vinculação destas à sua tarefa como fundadora. No entanto, sim que resulta surpreendente e deve dar que pensar, rezar, partilhar… a muita relação com a sua família biológica, sobretudo se recordamos as restrições com respeito a isso que ela mesma decide (cf. CV 8-9, Const. V 6-7, etc.). Atenção pois, nestas primeiras cartas, à intensidade afetiva com os seus familiares e incluso as preocupações e implicações económicas com eles.



7.       Entre as primeiras expressões que pudemos ler, algumas parecem muito ‘providencialistas’, por exemplo, acerca da oportunidade de certas esmolas [23.12.1561 (1f.3m)] ou a oração de intercessão e o valor das relíquias e certos sacrifícios [23.12.1561 (12.13m), 17.1.1570 (14f.17)]. No entanto e ao mesmo tempo, encontramos Teresa muito ativa e astuta: 23.12.1561 (3m.4.15f: grande ‘indireta’ ao seu irmão!), ao rei D. Filipe II 19.7.1575…


8.      Outro desses paradoxos do Senhor: a santa sabe-se inspirada divinamente como fundadora e formadora (escritora): 23.12.1561 (2a), a D. Teotónio 22.7.1579 (1). Mas só depois de o contrastar e muito com letrados: 23.12.1561 (2a), 17.1.1570 (11m), maio 1575. E nós: cremos possível o primeiro? Usamos o segundo?


9.      As primeiras notícias que encontramos acerca da finalidade da sua fundação incluem a oração, mas parecem destacar mais o rigor físico [23.12.1561 (2m)]. Que pensar então da atenção que dá ao cuidado com a saúde? “Enfim, ainda que pobre e pequena [a casa-convento], mas com lindas vistas e campo” [23.12.1561 (3f)], cf. E ainda: 23.12.1561 (3f), 17.1.1570 (4), 4.2.1572 (1), a Mª de S. José 16.6.1581

10.   A propósito de saúde, em 17.1.1570 (4) encontramos uma clara confirmação da experiência que canta no poema-lema do Centenário Vuestra soy, para Vos nací / ¿qué mandáis hacer de mí?: “Dadme muerte, dadme vida / dad salud o enfermedad / honra o deshonra me dad (…) que a todo digo que sí / ¿qué mandáis hacer de mí?”


11.   Já sabemos que a inspiração divina do projeto teresiano não exclui, mas exige os seus cuidados organizativos (cf. acima as citações finais da questão 2), sobretudo, segundo estas primeiras cartas lidas, os de tipo económico: 17.1.1570 (5.11-12.18f). Portanto, parece que viver pobre, austeramente, é oposto a improvisar; requere um constante discernimento, como por exemplo no caso de receber candidatas com dote ou sem ele: 17.1.1570 (17-18).


12.   Interessantes critérios vocacionais se podem extrair dos seus comentários sobre a sua prima Ana Cepeda e, ainda que bastante menos, sobre a sua sobrinha Magdalena de Guzmán: 17.1.1570 (9.10f)


13.  Também desde estes começos fica indicada já a finalidade evangelizadora e missionária da sua reforma: 17.1.1570 (13).


14.  No que diz respeito à vida espiritual, as suas cartas ao seu irmão Lorenzo vão-nos ensinar muito e, de facto, terão uma ficha própria. De momento fica claro que, ainda que haja uma possível alusão a fenómenos extraordinários [23.12.1561 (2a)], Deus, ordinariamente, atua através de mediações normais, sobretudo pessoas: o seu irmão Lorenzo a quem não se cansa de agradecer as esmolas a si e a tantos; ela própria (já notámos nas suas inspirações e cuidados organizativos); Guiomar de Ulloa (ibid. 3a); António Morán (ibid. 6) … Portanto, a vida espiritual tem a ver com essa generosidade com os próprios bens e energias, e não é compatível com uma forma ‘instalada’ de viver conforme aos critérios e costumes do “mundo”: 23.12.1561 (5), 17.1.1570 (1.13).


15.  A vida espiritual não é questão de técnicas ou estratégias: la santa aponta, ainda que nestas cartas muito de passagem, a uma relação interpessoal (servir a alguém) e, sobretudo, destaca o seu carácter dinâmico, de processo, uma luta constante, que pede ir crescendo “cada dia pelo menos um pouquinho”: 23.12.1561 (5). Também destaca que esta relação e processo tem de ser cuidado e educado desde crianças: 17.1.1570 (8).


16.  Nesta forma de tratar e animar a vida espiritual, há um evidente protagonismo do que o céu significa (cf. “a verdade de quando menina”: Vida 3,5 e a ficha correspondente): 23.12.1561 (5), 17.1.1570 (6). Sem que isso contradiga a importância do compromisso com a terra; mais ainda, quanto mais graças e autoridade se tem, maior tem de ser este compromisso como mostra o seu próprio caso (cf. Acima questões 1, 2, 6 e 9) ou as suas ‘exortações’ ao rei [19.7.1575 (4f)] e a D. Teotónio [22.7.1579 (6)].

17.   Nestas primeiras cartas é óbvio que sobressaem duas grandes paixões e preocupações: as suas famílias, a biológica e a religiosa. Não obstante também diz aqui “esses índios não me custam pouco” [17.1.1570 (13)], e além disso encontramos uma apaixonada carta dedicada a mediar a paz entre Espanha e Portugal, a paz entre os cristãos [a D. Teotónio 22.7.1579 (3-7)].

18.   Ainda que talvez nem todos tenhamos fácil acesso à carta ‘complementar’ de setembro de 1568, merece a pena notar como nela, junto ao carácter carinhoso e cheio de detalhes da santa (de sobra provado no resto das cartas lidas), se põe de manifesto e ela mesma o confessa o seu carácter forte: “eu que sou a própria ocasião, que me aborreci com ele [João da Cruz] às vezes.” (2) Conheces casos em que a santidade e este tipo de carácter estejam unidos? Parece-te possível? Como se explica? …


DO BLOG teresadejesus.carmelitas.pt/

CARTA Ao Padre Jerónimo Graciano, em Sevilha Toledo, 5 de Outubro de 1576






Última Carta
03//02//2014
O P. Graciano é um homem completo a meus olhos e, para nós, melhor [superior] do que poderíamos pedir a Deus (12.5.1575: 2)
Ao Padre Jerónimo Graciano, em Sevilha
Toledo, 5 de Outubro de 1576
Até agora, não tínhamos podido publicar nenhuma das cartas que a Santa dirige ao seu querido Padre Graciano, 30 anos mais novo do que ela - que tinha 60 quando o conheceu - mas era o superior que sonhava para a sua reforma. Como a maioria das melhores cartas que lhe dirige são parte da colecção que temos estado a trabalhar (cf. Recursos: Fichas...), não aparecerão nesta secção, escrita ao terminar o importante capítulo provincial dos Descalços em Almodôvar. Escasseiam as mensagens de Andaluzia, o seu centro de atenção pelas tarefas e perigos de Graciano ali. Na sua celazinha toledana, apartada como uma ermida e muito alegre, a Santa lê a Bíblia, ora e escreve mais do que cartas: as «Fundações» e «essas bagatelas». 

Obrigada a enviar a carta pelo correio de Madrid, tem de escrever em «código», não fácil de interpretar.

1. A graça do Espírito Santo seja com V. Paternidade, meu pai. Ao não ter chegado a carta que V. Paternidade enviou através da Corte, como não estaria eu - pois já se passou um dia depois [da festa] de São Francisco e não veio o frei António (1) - sem saber se V. Paternidade tinha chegado bem, até que não vi a sua carta!
2. Bendito seja Deus, pois está bem, e Paulo (2) também, e com sossego interior.
Na verdade, parece coisa sobrenatural, pois tem melhorado tão inteiramente. Tudo parece ser preciso a esta nossa natureza, já que fazem tanto para nos humilharem e termos conhecimento de semelhantes coisas. De minha parte, eu pedia muitíssimo ao Senhor esta bonança, por me parecer que já lhe bastavam os trabalhos que tem; diga-lho V. Paternidade da minha parte (3).
3. Presentemente, encontro-me sem nenhum [trabalho]; não sei onde isto vai parar, porque me deram uma cela apartada como uma ermida e muito alegre, e tenho saúde, e longe de parentes, embora ainda me encontrem aqui para as cartas; só tenho a preocupação do que vai por lá (4), tanto que me dá pena. Confesso a V. Paternidade que, para estar a meu gosto, acertou bem em deixar-me aqui e, mesmo nesta pena que digo sentir, me encontro mais firme do que costumo.
4.Ontem à noite, estava a ler a história de Moisés (5) e os trabalhos que aquele rei lhe dava e a todo o reino, com aquelas pragas, e como nunca lhe tocaram a ele; que até me espanta e me alegra ver que, quando o Senhor quer, não há ninguém poderoso que possa fazer mal. Gostei de ver aquilo do Mar Vermelho, lembrando-me de quanto menos é o que pedimos. Gostava de ver aquele santo naquelas contendas por mandato de Deus. Alegrava-me de ver o meu Eliseu (6); oferecia-o de novo a Deus. Lembrava-me das mercês que me fez e o disse dele José (7). Ainda se há-de ver mais para honra e glória de Deus. Desfazia-me por me ver em mil perigos pelo seu serviço. Nisto e noutras coisas semelhantes se passa a vida, e também escrevi essas bagatelas que aí verá (8).
5. Vou começar agora o das Fundações (9), pois disse-me José que será de proveito de muitas almas. Se Deus me ajudar, acho que sim; embora sem mo dizer, eu já tinha decidido fazê-lo, por mo ter mandado V. Paternidade. Fiquei muito contente de que desse tão longa conta no Cabido (10). Não sei como não sentem afronta do que escreveram em contrário. É muito bom que se vão indo de sua vontade os que talvez se fossem sem ela (11). Parece-me que Nosso Senhor vai dispondo os negócios. Praza a Sua Majestade que se acabem para Sua glória e de proveito dessas almas. Muito bem fará V. Paternidade de mandar o que haja a fazer, desde o seu mosteiro (12), e não terão que ver se vai ao coro ou não; digo-lhe eu que todas as coisas se farão melhor. Por aqui não faltam orações, que são melhores armas do que as que usam esses padres.
6. Por via do correio maior (13), escrevi longamente a V. Paternidade, e até saber se as recebe, não escrevi mais por esse meio, mas por Madrid. Sobre o negócio de David (14), eu penso que ele há-de enganar o padre Esperança (15) como costuma, porque já estão juntos e o irmão dele abalou; embora esteja muito pelo meio frei Boaventura (16), que, como já sabem do negócio entre eles (que foi muita sorte, Deus me perdoe, que quisera que voltasse ao seu primeiro chamamento), temo que não há-de fazer senão embaraçar. Não tenho sabido mais desde então até hoje.
De Vossa Paternidade, filha e serva
Teresa de Jesus



NOTAS
(1) António de Jesus, Prior de Los Remédios (Sevilha) e capitular de Almodôvar.
(2) O Padre Graciano, a quem depois chamará Eliseu.
(3) Jogo de palavras em código: Graciano di-lo-á ao próprio Graciano.
(4) A visita de Graciano a Andaluzia, que também incluía os Calçados, e supunha não só trabalhos e complicações, como também perigo de vida.
(5) Ex 7-11. Compare-se com a visão profética da Santa: Relação 37.
(6) O próprio Graciano.
(7) Dito de José, escreveu a Santa. José é o Senhor.
(8) «Essas bagatelas»: aludem talvez ao escrito teresiano. «Modo de visitar os conventos».
(9) Retomar a redacção do libro das Fundações. Concluiu a sua tarefa no mês seguinte (14.11.1576; F 27,23). Tinha-lho ordenado Graciano pelo mês de Julho, tal como o escreve a seu irmão Lourenço (24.7.1576: 6).
(10) No capítulo.
(11) Alude aos religiosos que abandonam a Ordem antes de ser expulsos dela.
(12) Desde Los Remedies, convento dos Descalços de Sevilha.
(13) António de Figueredo (de Toledo).
(14) A Santa escreveu uns traços enigmáticos (===) antes do nome de David. Trata-se do código de uma personagem difícil de identificar. Talvez frei Baltasar Neto.
(15) Pseudónimo também difícil de identificar.
(16) Diogo de Boaventura, visitador dos Franciscanos.




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