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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Frei Carlos Mesters: CARTILHA VOCACIONAL DA FAMÍLIA CARMELITANA.


ÍNDICE

APRESENTAÇÃO

1. O QUE É UMA VOCAÇÃO?

A Vocação básica

Ser chamado pelo nome

Como a Vocação se manifesta na vida

2. COMO A VOCAÇÃO APARECE NA BÍBLIA

A raiz da nossa vocação está em Deus

Os sete passos da resposta de Deus à sua vocação

Os sete passos da resposta que nós damos à nossa vocação

3. COMO NA BÍBLIA AS PESSOAS RESPONDEM À VOCAÇÃO?

Adão e Eva: Descobrir a vocação de Deus na nossa condição humana

O casal profético Gomer e Oséias: Descobrir a vocação na experiência profunda do amor humano

Jeremias, seduzido por Deus: Sempre teve problema de vocação, mas nunca desanimou

Jó e os amigos de Jó: Descobrir a vocação nas contradições da religião

Judite e Ester, mulheres que salvaram o seu povo: Descobrir a vocação na situação conflituosa do povo

José, esposo de Maria: Descobrir a vocação nas dúvidas e ser fiel

A profetisa Ana e o velho Simeão: Descobrir a vocação nos fatos comuns da vida

Os doze homens discípulos: Descobrir a vocação nos chamados que nos vêm dos outros

As sete mulheres discípulas: Descobrir a vocação no seguimento de Jesus

Eunice, Lóide e as avós e avôs das comunidades: Descobrir a vocação na vida familiar

4. EM QUE CONSISTE A VOCAÇÃO PARA O CARMELO?

A grande necessidade do povo de Deus na Idade Média

A Família Carmelitana: sua vocação, seu carisma

O Monte Carmelo: um ideal de vida “ao redor da fonte”

5. O QUE NOS DEFINE COMO CARMELITAS? O DNA DO CARMELO

6. A INICIAÇÃO AO CARISMA DO CARMELO: SETE PASSOS, SETE SÍMBOLOS?

1º Símbolo: Escapulário de Nossa Senhora do Carmo

2º Símbolo: A Bíblia e o Rosário

3º Símbolo: A Cruz de Jesus

4º Símbolo: A Regra de Santo Alberto

5º Símbolo: O Escudo do Carmo

6º Símbolo: O Logotipo do Carmelo

7º Símbolo: Uma Foto pessoal com a sua comunidade

Sugestões de celebrações para o uso da cartilha

7. VIVER EM OBSÉQUIO DE JESUS CRISTO

Jesus deixou a vocação de Deus entrar dentro dele, e ela tomou conta de tudo

Jesus irradia o Reino de Deus pelo seu jeito de conviver …

… com os pobres em espírito

… com os que choram

… com os mansos

… com os que têm fome e sede de justiça

… com os misericordiosos

… com os puros de coração

… com os que lutam pela Paz

… com os perseguidos por causa da justiça

Jesus unido ao Pai pela oração

A FONTE DA NOSSA VIDA: A REGRA DO CARMO

O RECADO DO PROFETA ELIAS

APÊNDICE: Uma Grade síntese do todo

APRESENTAÇÃO

Desde o dia 16 de julho de 2010, festa de Nossa Senhora do Carmo, ate o mesmo dia 16 de julho de 2011, nós Carmelitas (da Província Carmelitana de Santo Elias) estamos celebrando o Ano Vocacional Carmelitano que tem como Tema: “Ser Carmelita é tudo que eu quero”, e como Lema: “Venha beber desta fonte”.

O Ano Vocacional Carmelitano diz respeito a todos os devotos de Nossa Senhora do Carmo que gostam de ser reconhecidos como Carmelitas, sejam eles membros da Ordem Primeira, da Ordem Segunda ou da Ordem Terceira, sejam eles leigos ou leigas; frades, freiras ou monjas enclausuradas. A vocação é a mesma: “Ser Carmelita é tudo que eu quero” – “Venha beber desta fonte”.

De fato, no Brasil são muitas as pessoas que se identificam como Carmelita: os frades das várias províncias; as freiras das muitas Congregações Carmelitas; as monjas dos mosteiros; os membros dos Sodalícios da Ordem Terceira e de tantos outros grupos leigos carmelitas; as pessoas ligadas às paróquias, comunidades e Congregações Carmelitas pelo Brasil afora; os devotos de Nossa Senhora do Carmo que carregam o seu escapulário. Só Deus sabe quantas pessoas no Brasil estão ligadas à Família Carmelitana!

Todos e todas sentimos o “ser Carmelita” como uma vocação que nos vem de Deus e que nos faz viver a Boa Nova de Jesus de um jeito próprio nosso do Carmelo. É para aprofundar e irradiar melhor esta nossa vocação cristã como carmelita que estamos celebrando o Ano Vocacional Carmelitano. O seu objetivo é incentivar-nos a viver com maior fidelidade nossa vocação na Igreja e irradiá-la, para que muitas outras pessoas se enamorem e procurem vivê-la conosco a serviço do Povo de Deus.

Esta Cartilha Vocacional da Família Carmelitana procura contribuir para que a celebração do Ano Vocacional Carmelitano se torne para nós uma verdadeira experiência de Deus e nos leve a viver o Evangelho em maior profundidade e com maior entusiasmo a serviço do povo de Deus, sobretudo dos pobres.

1.O QUE É UMA VOCAÇÃO?

A Vocação básica

Geralmente, falando de vocação, muita gente pensa logo em vocação para padre, freira, diácono, ministro ou ministra; pensa na vocação à santidade ou na vocação que como cristãos recebemos no batismo. Tudo isso é correto, mas não é tudo. É apenas uma parte, e uma parte muito pequena. É olhar apenas um único tijolo e achar que já viu e conhece a casa inteira que tem muitas paredes, quartos e andares.

Existe uma vocação básica que abrange e fundamenta todas as outras vocações. Eu sou Carlos. Você é Maria, João, Raquel, Alberto. A vocação básica de cada um de nós é a gente procurar ser aquilo que a gente já é: ser Carlos, ser Maria, ser João, ser Raquel, ser Alberto. Todos nós somos Seres Humanos. Foi assim que Deus nos criou e nos quis. Graças a Deus!

A vocação básica de todos nós é a gente ser HUMANO, ser gente. É humanizar nossa vida. É contribuir para que a vida da gente seja de fato vida de gente; para que a vida da nossa sociedade seja mais humana. Jesus disse: “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância” (Jo 101,10). Quando falamos em vocação cristã, vocação religiosa ou vocação carmelita, não podemos esquecer esta vocação básica. Não se constrói um prédio começando com o terceiro andar. Não dá certo. Tem que começar da base.

Ser chamado pelo nome

Vocação é o mesmo que ser chamado pelo nome. Ora, ser chamado pelo nome é a coisa mais freqüente e mais comum que acontece com cada um de nós: -“João!” –“Raquel!” -“Carlos!” -“Maria!” Quando alguém chama, você pára, olha e pergunta: “O que há?”

Às vezes, a gente é chamada por alguém, mas não escutamos. Muito barulho ao redor ou dentro de nós. Pode ser também que o chamado foi muito fraco ou vinha de uma pessoa muda que chamava com um gesto que você não entendeu. Condição para poder escutar o chamado é saber fazer silêncio. Sem silêncio não se escuta nada. Hoje, o que mais nos falta é silêncio.

Alguém chama você porque ele está precisando de uma ajuda. Você dá a sua resposta, se compromete e vai agindo. No fundo, tudo que a gente faz na vida de cada dia é resposta a um chamado, a uma vocação: “Recebi uma chamada pelo telefone e fui!” Há chamados pequenos e chamados grandes: chamado de criança que chora; de mendigo que pede; de amigo que convida. Às vezes acontece que alguém chama, e você responde: “Sinto muito, mas agora não posso”. É que um outro chamado o impede de responder positivamente a este novo chamado.

São muitas as palavras que usamos para expressar aquilo que escutamos dentro de nós como vocação e à qual procuramos dar uma resposta ao longo dos dias e dos anos da nossa vida. São palavras comuns que indicam coisas muito comuns, muito humanas: Vocação, Chamado, Telefonema, Chamada, Apelo, Convite, Grito, Lembrete, Convocação, Pedido, Recado, etc.

Como a Vocação se manifesta na vida

Um chamado ou uma vocação pode vir de dentro da gente: “Eu me sinto chamado para isto ou para aquilo”. Também pode vir de fora. Alguém bate na porta e diz: “Maria, será que você pode vir ajudar a gente?”

Geralmente, a vocação é algo que, ao mesmo tempo, vem de dentro e de fora da gente. É como uma semente que está dentro da terra. Mas se não houver chuva e sol que vem de fora, a semente que está dentro da gente não cresce e não se desenvolve.

Tem semente de alface e semente de jacarandá. Semente de alface, tendo sol e chuva, cresce rápida. Semente de jacarandá cresce bem mais devagar. A semente da vocação dentro da gente é de jacarandá: cresce devagar, durante tantos anos quantos anos dura nossa vida.

Vocação é como gente. Ninguém nasce sozinho, mas nasce de pai e mãe, no meio de uma família. Não cresce sozinho, mas com a ajuda de outras pessoas. Dizia o cearense filósofo lá do sertão que nunca estudou: “Eu não sou pessoa não. Sou pedaço de pessoa. Pessoa é a comunidade, e quanto mais eu participo na comunidade, mais pessoa eu fico”. É assim que cresce a vocação dentro da gente: convivendo.

Vocação pode nascer de muitas maneiras. Por exemplo, quando, diante de uma injustiça, você percebe que tem a possibilidade de fazer algo para mudar a situação, então, dentro de você, nasce um sentimento de responsabilidade que a faz dizer: “Não posso ficar parada! Devo fazer alguma coisa!” Pois bem, esta consciência forte que você, eu ou a comunidade às vezes sentimos de que podemos e devemos fazer algo para mudar o rumo dos acontecimentos ao nosso redor, é uma vocação. Vem de Deus através da consciência. Assim existem muitas vocações, muitos chamados.

Tem gente que vive procurando durante anos para saber “O que será que Deus quer de mim”. Quando depois de muitos anos de busca e de reza, finalmente, encontra a resposta que procurava, a pessoa diz: “Até que enfim encontrei o que eu queria. Acho que nasci para isso!” Naquele momento, tudo se encaixa e a pessoa se sente no lugar onde Deus a queria desde o momento em que nasceu.

No tempo do profeta Jeremias, as pessoas diziam a mesma coisa, mas com outras palavras. Jeremias sentia Deus dizendo a ele assim: “Jeremias, antes de formar você no ventre de sua mãe, eu o conheci; antes que fosse dado á luz, eu o consagrei, para fazer de você o profeta das nações” (Jr 1,5). Hoje dizemos: “Acho que estou no lugar onde Deus me quer. Nasci para isto!”.


2.COMO A VOCAÇÃO APARECE NA BÍBLIA

A Bíblia é uma luz importante para nos ajudar a descobrir a vocação de Deus que está em nós. Ela nos faz saber a raiz da nossa vocação e nos ajuda como acolhê-la e realizá-la.

A raiz da nossa vocação está em Deus

Diz o livro do Êxodo (Ex 2,23-25):

“Muito tempo depois, o rei do Egito morreu. Os filhos de Israel gemiam sob o peso da escravidão, e clamaram; e do fundo da escravidão, o seu clamor chegou até Deus. Deus ouviu as queixas deles e lembrou-se da aliança que fizera com Abraão, Isaac e Jacó. Deus viu a condição dos filhos de Israel e a levou em consideração”.

E um pouco mais adiante diz novamente (Ex 3,7-10):

“Javé disse a Moisés: “Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo do poder dos egípcios e para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel, o território dos cananeus. O clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e eu estou vendo a opressão com que os egípcios os atormentam. Por isso, vá. Eu envio você ao Faraó, para tirar do Egito o meu povo, os filhos de Israel”.

Estes textos e tantos outros mostram que a raiz da nossa vocação está em Deus. Antes de nós, Deus teve vocação, pois Deus foi chamado pelo povo sofrido e Ele deixou que este chamado entrasse dentro dele. Deus escutou, e deu uma resposta coerente. A vocação de Deus é o grito do povo oprimido!

Para ser fiel à sua vocação, Deus chamou Moisés e chama a cada um de nós. Chamou a mim. Chama a você também! Nossa vocação tem a sua origem em Deus, na vontade que Ele tem de comprometer-se com a vocação que recebe do povo para libertá-lo.

Os sete passos da resposta de Deus à sua vocação

Vejamos como Deus foi chamado e como Ele respondeu à sua vocação. Isto nos ajudará para saber como responder à nossa vocação. A Bíblia anota sete passos bem precisos da maneira como Deus respondeu à sua vocação:

1. Deus ouviu as queixas, escutou o clamor que vinha da realidade dos oprimidos.

2. Deus lembrou-se da aliança que fizera com Abraão, Isaque e Jacó.

3. Deus viu a condição, a miséria do seu povo e a opressão com que os egípcios o atormentavam.

4. Deus conheceu os seus sofrimentos e os levou em consideração.

5. Deus desceu para libertá-lo.

6. Deus decidiu fazê-lo subir para uma terra fértil.

7. Deus chamou Moisés e o enviou ao faraó para tirar o povo do Egito.

Os sete passos da resposta que nós damos à nossa vocação

Vale a pena você fazer uma análise da sua própria vida e da sua vocação percorrendo estes mesmos sete passos que Deus percorreu para dar uma resposta adequada e fiel à sua vocação: OUVIR, LEMBRAR, VER, CONHECER, DESCER, DECIDIR, CHAMAR. Não são passos distintos, um depois do outro, mas são os vários aspectos da resposta que damos ao chamado que recebemos.

1. OUVIR: Deus ouviu o clamor.

A gente deve aprender a escutar o grito calado do pobre; deve aprender a perceber os problemas das pessoas, dos irmãos e das irmãs, do povo; deve estar atento aos acontecimentos. Como Jesus na estrada de Emaús, devemos aproximar-nos das pessoas, caminhar com elas, perguntar, fazer silêncio para escutar o que conversam (Lc 24,13-35); ter um desconfiômetro para perceber em nós eventuais resistências, filtros, desvios ou enganos, que nos impedem de escutar. O ponto de partida é saber fazer silêncio dentro de nós para poder escutar a vocação.

2. LEMBRAR: Deus se lembrou da aliança com Abraão, Isaque e Jacó.

Muitas vezes, ao presenciar um fato na rua ou escutar uma notícia na televisão ou no rádio, você se lembra de alguma situação já vivida antes. Os fatos que acontecem hoje trazem de volta na memória as coisas do passado, tanto da sua vida pessoal, como da família e da comunidade, do Brasil e do mundo. E esta lembrança do passado, por sua vez, ajuda a dar uma resposta mais coerente aos apelos que recebemos hoje. A memória do passado é chave para poder analisar bem a situação presente e perceber os apelos ou as vocações que aí existem para nós. Sem memória do passado, não há futuro para o povo! Por falta de memória já erramos muito na vida.

3. VER: Deus viu a miséria do seu povo.

Todos os dias vemos a miséria do Brasil: pobres na rua, brigas em família, desemprego, corrupção, exploração, fome, violência, etc., mas nem sempre nos damos conta do que está acontecendo. Vemos as coisas, mas não as percebemos. Nós nos acostumamos e nos tornamos insensíveis aos problemas do país e das pessoas. Muitas vezes, os meios de comunicação, a TV, os grandes jornais e as revistas determinam o nosso pensamento. Não analisamos as coisas e, para acalmar uma possível reação da nossa consciência, arrumamos motivos e pretextos para não nos envolver. Por falta de análise crítica da realidade não enxergamos o apelo de Deus na vida e, mesmo vendo, não descobrimos nossa vocação.

4. CONHECER: Deus conheceu os sofrimentos.

Na Bíblia, a palavra conhecer indica não só um conhecimento teórico obtido pelo estudo. (Isto pertence ao terceiro passo do VER). Na Bíblia, conhecer indica uma experiência prática, obtida na convivência. Uma coisa é observar de longe, outra é sentir de perto. Quem vive em condomínio fechado não sabe o que sofre um favelado. Quem já esteve na casa de um desempregado sabe o que significa não ter o que comer. Quem é dono de terras não sabe o que sofre um Sem Terra. Uma vocação que não se envolve não atinge o seu objetivo. Quem não namora antes, não sabe com quem vai casar, e pode dar um passo em falso. Quem não aprofunda a vida, vive na superficialidade, sem raiz. Não resiste.

5. DESCER: Deus desceu para libertar o seu povo.

A situação do povo que gritava fez com que Deus saísse do lugar onde estava para colocar-se no lugar onde estava o povo. Mudou de posição. Fez opção pelos pobres e oprimidos. Descer significa mudar de posição social. Para poder assumir sua vocação é muito importante a pessoa fazer algo, por menor que seja, para descer, mudar de posição. Por exemplo, no jeito de oferecer uma ajuda aos outros ou de dar uma esmola; na hora de votar; nas decisões que se tomam; na maneira de fazer análise dos problemas; etc. Diz um provérbio egoísta: “A fome na China pode ser grande, mas o meu calo dói mais!” É colocando-me no sapato do outro, que vou perceber que a fome na China dói bem mais que o meu calo. Aí eu saio do meu egoísmo, e mudo de posição.

6. DECIDIR: Deus decidiu fazê-lo subir para uma terra fértil e espaçosa.

Deus ouviu, lembrou, viu, conheceu e desceu. Agora Ele começa a agir, tomando decisões concretas a partir da posição do outro, com o enfoque do outro, e elabora um projeto para libertar o povo daquela situação. Deus percebeu que o povo não podia continuar do jeito que estava lá no Egito e que era necessário encontrar uma saída “para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel”. O projeto de Deus levou quarenta anos de andanças no deserto para ser realizado, desde a travessia do Mar Vermelho até à entrada na Terra Prometida. Deus parece não ter pressa. Ele não planta alface. Planta é jacarandá.

7. CHAMAR: Deus chamou Moisés e o enviou para tirar o povo do Egito.

Para realizar seu projeto Deus chamou Moisés, Moisés chamou Aarão, Aarão chamou outros, os outros chamaram outros. Iniciou-se um processo que chegou até nós. Deus tomou iniciativas, envolveu pessoas, fez com que os outros passassem pelo mesmo processo. A raiz da vocação de Moisés e da vocação de todos nós é a preocupação de Deus em ser fiel à vocação que Ele, Deus, está recebendo do povo para libertá-lo da opressão e do sofrimento em que vive.

Através do chamado que Deus assim nos dirige e que nós vamos descobrindo dentro dos fatos, Deus vai dando uma resposta à vocação que Ele está recebendo hoje do povo, sobretudo dos pobres, aqui no Brasil. Foi assim que Jesus viveu a sua vocação lá na Palestina. É assim que também nós devemos viver a nossa vocação. Isto dá maior profundidade e compromisso ao que já estamos assumindo.

A única certeza que Deus nos dá quando nos chama para alguma missão é esta: “Vai! Estou contigo!”. Deus não dá cheque assinado nem dinheiro. Não dá diploma nem nos coloca no seguro. Não muda o nosso caráter, nem tira nossos defeitos. Não nos dá segurança psicológica, nem tira nossas dúvidas. Apenas faz saber: “Vai! Estou com você!” Foi o que ele disse a Moisés (Ex 3,12), a Maria, a mãe de Jesus (Lc 1,28), aos apóstolos (Mt 28,20), e a tantos outros, antes de nós. Foi o nome que ele deu a Jesus: Emanuel, que quer dizer Deus Conosco (Mt 1,23). Ele está conosco, sempre, para que possamos realizar nossa missão, nossa vocação!


3.COMO NA BÍBLIA AS PESSOAS RESPONDEM À VOCAÇÃO?

Deus chamou Moisés, Moisés chamou Aarão, Aarão chamou outros, os outros chamaram a nós. Como responder a este chamado? Neste capítulo 3, apresentamos dez espelhos, nos quais transparece como as pessoas da Bíblia reagiram diante do chamado. No capítulo 6, apresentaremos outros sete espelhos: Maria a mãe de Jesus, Abraão, Madalena, o apóstolo Paulo, Moisés, Rute e o profeta Elias.

Nestes espelhos veremos as reações das pessoas diante do chamado. Estas mesmas reações costumam acontecer nas nossas vidas: as dificuldades, as resistências, as alegrias, a coragem, o medo de comprometer-se, as dúvidas, a falta de fé na promessa, os pretextos para escapar, os enganos e os falsos rumos que desviam do caminho. Por isso mesmo, estas histórias da Bíblia podem ajudar-nos no discernimento da nossa vocação.

Adão e Eva

Descobrir a vocação de Deus na nossa condição humana

Diz o livro do Eclesiástico: “Acima de qualquer outra criatura viva está Adão!” (Eclo 49,16). Adão e Eva somos todos nós, seres humanos. Independente de idade ou de raça, de condição social ou de grau de cultura, de gênero ou de religião, somos todos feitos de barro e sopro de Deus (Gn 2,7). Adão e Eva representam nossa pequenez e nossa grandeza como seres humanos. Tropeçando, caminhamos em direção a Deus. Todos e todas nascidos de Deus e querendo voltar para Deus: “Tu nos fizeste para Ti, e o nosso coração está inquieto até que não descanse em Ti”. O coração nos diz e a Bíblia confirma que o Paraíso Terrestre não foi destruído e poderá ser alcançado (Gn 3,22-24; Apoc 21,4; 22,1-3 ). O velho Adão e a velha Eva, que existem em todos nós (Rm 6,6; Col 3,9), devem ser renovados segundo a imagem do novo Adão e da nova Eva (Ef 4,16.22). A vocação básica da nossa vida é re-novar, passar do antigo para o novo. Nascemos velhos e velhas, e vamos morrer novos e novas. Graças a Deus!

O casal profético Gomer e Oséias

Descobrir a vocação na experiência profunda do amor humano

Os reis souberam manipular a religião de fertilidade da divindade Baal. Eles aconselhavam as moças a irem nos “lugares altos” para serem prostituídas, em nome daquela divindade. As crianças que assim nasciam eram propriedade do rei e a ele deviam servir como soldados, como trabalhadores ou como empregadas domésticas e amantes (Os 4,1-14; 1Sam 8,11-17). Assim, Oséias, como todos os rapazes da época, freqüentava o “lugar alto”, onde ele encontrou Gomer, moça prostituída (Os 1,2). Os dois se queriam bem e casaram. Mesmo casados, como todo mundo daquela época, os dois continuavam freqüentando o lugar alto. Mas aconteceu algo novo. Eles experimentavam o amor sincero entre os dois como um dom de Deus e, pouco a pouco, a experiência do amor humano levou os dois a desconfiar da ideologia com que a monarquia apresentava o culto da fertilidade. Eles tomam a decisão de romper com o culto da prostituição sagrada e resolvem seguir a vocação nova que estavam sentindo a partir da experiência do amor. Diz Oséias a Gomer: “Por um bom tempo você ficará em sua casa para mim, sem se prostituir, sem relação com homem nenhum, e eu farei a mesma coisa por você” (Os 3,2-3).

Jeremias, seduzido por Deus desde a sua juventude

Sempre teve problema de vocação, mas nunca desanimou

Na hora de tomar consciência do chamado de Deus em sua vida, Jeremias levou susto, ficou meio gago e se desculpou: “Sou apenas uma criança!”. Mas assumiu sua vocação (Jer 1,4-10). Sofreu a vida inteira por causa da vocação assumida (Jr 20,7-18). Deve ter ficado muito velho, pois nasceu em torno de 650 aC e foi morrer no Egito depois do anos 580 aC. Jeremias viveu no período do exílio da Babilônia. Nesse momento mais trágico da história do povo, foi ele, Jeremias, que fundamentou a esperança e a segurança do povo, não na observância perfeita da Lei, mas sim na gratuidade infinita do amor de Deus que se manifesta nos fenômenos da natureza: “Assim diz Javé, aquele que estabelece o sol para iluminar o dia e ordena à lua e às estrelas para iluminarem a noite, aquele que agita o mar e as ondas rugem, aquele cujo nome é Javé dos exércitos: Quando essas leis falharem diante de mim – oráculo de Javé – então o povo de Israel também deixará de ser diante de mim uma nação para sempre” (Jr 31,35-36; cf. 33,19-26). Jeremias ensina a observar a lei de Deus, não para merecer, mas sim para agradecer. Foi ele com sua vida tão sofrida e tão fiel que inspirou aos discípulos e discípulas de Isaías a figura do Servo de Javé, imagem do povo sofrido, descrita nos quatro cânticos do Servo (Is 42,1-9; 49,1-6; 50,4-9; 52,13 a 53,12). Os cânticos do Servo, por sua vez, inspiraram Jesus na realização da sua vocação e missão como Messias.

Jó e os amigos de Jó

Descobrir a vocação nas contradições da própria religião

O livro de Jó é um teatro. O ensino oficial dizia: “Sofrimento é castigo de Deus”. O teatro verbaliza a tensão entre o ensino oficial e a consciência rebelde dos sofredores. Jó representa a consciência rebelde dos sofredores. Os três amigos representam a visão tradicional. A cabeça de Jó, formada pela ideologia dominante, dizia: “Jó. você sofre porque é pecador!” Mas o coração, a consciência, lhe dizia: “Não pequei! Acho que Deus é injusto comigo!”. Jó critica os três amigos, que identificam Deus com o nível econômico das pessoas: “Vocês usam mentiras para defender a Deus!” (Jó 13,7). “Vocês são capazes de leiloar um órfão e vender seu próprio amigo!” (Jó 7,27). A chave do teatro está na frase final. Jó se dirige a Deus e diz: “Eu te conhecia só de ouvir falar de Ti, mas agora meus olhas te viram. Por isso me retrato e me arrependo sobre pó e cinza” (Jó 42,4-6). A luta não era contra Deus, mas sim contra a imagem errada de Deus que falsificava a consciência das pessoas e destruía a convivência humana. É a rebeldia profética de um velho sábio.

Judite e Ester, mulheres que salvaram o seu povo

Descobrir a vocação na situação conflituosa do povo

Tanto a história de Judite como de Ester são novelas populares, narradas e transmitidas nas rodas de conversa e nas celebrações populares para estimular a fé, a esperança e a resistência do povo nas épocas de perseguição. Judite era uma viúva jovem, muito respeitada (Jdt 8,4-8). Ela criticou a atitude entreguista dos sacerdotes de Jerusalém (Jdt 8,9-14). Rezando muito (Jdt 9,1-14) e usando a arma da sua beleza, ela conseguiu derrotar Holofernes, o general poderoso de Nabucodonosar (Jdt 10,1-5.20-23). Ester é o nome persa de Hadassa, uma órfã de pai e mãe, criada pelo tio Mardoqueu (Est 2,5-7). Por causa da sua beleza, ela tornou-se rainha por acaso (Est 2,15-17), mas soube usar a sua posição de destaque para defender o seu povo contra a prepotência de alguns anti-semitas que queriam eliminar o povo de Deus (Est 4,12-17).

José, esposo de Maria

Descobrir a vocação nas dúvidas e ser fiel

Os livros apócrifos dizem que José era um viúvo de certa idade com uma porção de filhos e filhas que seriam os irmãos e irmãs de Jesus (Mc 6,3). José era justo (Mt 1,19). Quando soube que Maria estava grávida antes de ele conviver com ela, ele não exigiu a aplicação da lei ao pé da letra. Sua justiça era maior que a justiça dos escribas e fariseus (Mt 5,20). Graças à justiça de José, Maria não foi apedrejada, e Jesus continuou vivo. Ajudado pelo anjo de Deus, José rompeu com as normas do machismo da época. Ela não mandou Maria embora, aceitou-a como sua esposa e Jesus pôde nascer (Mt 1,18-25).

A profetisa Ana e o velho Simeão

Descobrir a vocação nos fatos comuns da vida

Estas duas pessoas, ambas bem idosas, aparecem no evangelho de Lucas por ocasião da apresentação de Jesus no Templo (Lc 2,22-38). O olhar dos dois era um olhar de fé, capaz de distinguir o Salvador do mundo num menino recém nascido, trazido por um casal pobre de camponeses lá da Galiléia, no meio de muitos outros casais que traziam suas crianças para serem apresentadas a Deus no Templo. Os dois tinham dentro de si uma convicção de fé que lhes dizia que não iriam morrer antes de verem a realização das promessas (Lc 2,26). Este é, aliás, o desejo de todos nós. Cada ser humano traz dentro de si uma promessa de séculos. Simeão fez um cântico bonito de agradecimento (Lc 2,29-32). Ana era uma viúva de 84 anos de idade que também reconheceu o sinal de Deus no menino (Lc 2,38).

Os doze homens discípulos

Descobrir a vocação nos chamados que nos vêm dos outros

João Batista apontou Jesus aos seus discípulos (Jo 1,35-37). André chamou Simão Pedro (Jo 1,41-42). Filipe chamou Natanael (Jo 1,45). Jesus chamou Tiago e João (Mc 1,19-20). Os Doze foram chamados para estar com Jesus, para anunciar a palavra e para combater o poder do mal (Mc 3,13-19). Nas pinturas e figuras eles sempre aparecem como idosos. Na realidade eram todos jovens, casados ou solteiros, com em torno de 30 anos de idade ou menos. Vale a pena ver de perto a figura de cada um deles, o seu jeito de ser e de se relacionar com Jesus e com o povo. Olhando a vida deles, a gente se consola e cria coragem. Pedro era pessoa generosa e entusiasta (Mc 14,29.31; Mt 14,28-29), mas na hora do perigo e da decisão, o seu coração encolhia e voltava atrás (Mt 14,30; Mc 14,66-72). Jesus rezou por ele (Lc 22,31). Por isso ficou firme. Ele era pedra de apoio (Mt 16,18) e pedra de tropeço (Mt 16,23). Apoio e tropeço ao mesmo tempo! Tiago e João eram dois irmãos conhecidos como os “filhos de Zebedeu”. Estavam dispostos a sofrer com Jesus (Mc 10,39), mas eram violentos. Queriam fazer baixar o fogo do céu para matar os samaritanos que não quiseram receber Jesus (Lc 9,54). Jesus deu a eles o apelido de filhos do trovão (Mc 3,17). João pensava ter o monopólio de Jesus e não permitia que os outros usassem o nome de Jesus para expulsar demônios. Jesus o corrigiu (Mc 9,38-40).

As sete mulheres discípulas

Descobrir a vocação no seguimento de Jesus

No grupo que seguia Jesus também havia mulheres. Elas seguiam a Jesus (Lc 8,2-3; 23,49; Mc 15,41). A expressão seguir Jesus tem aqui o mesmo significado que quando é aplicado aos homens. Elas eram discípulas que seguiam Jesus, desde a Galiléia até Jerusalém (Lc 23,55). O evangelho de Marcos define a atitude delas com três palavras: Seguir, Servir, Subir até Jerusalém (Mc 15,41). Os primeiros cristãos não chegaram a elaborar uma lista destas discípulas. Mas os nomes de sete destas mulheres estão espalhados pelas páginas dos evangelhos: (1) Maria Madalena (Lc 8,2), (2) Joana, mulher de Cuza (Lc 8,3), (3) Suzana (Lc 8,3), (4) Salomé (Mc 15,40), (5) Maria, mãe de Tiago (Mc 15,40), (6) Maria, mulher de Cléofas (Jo 19,25), (7) Maria, a mãe de Jesus (Jo 19,25). Depois da páscoa, foram as mulheres a quem Jesus apareceu por primeiro e que receberam de Jesus a ordenação de anunciar aos outros a Boa Nova da Ressurreição (Jo 20,17; Mt 28,10). A tradição eclesiástica posterior não valorizou este dado com o mesmo peso com que valorizou o seguimento de Jesus por parte dos homens e as aparições aos homens (cf 1Cor 15,4-8). É pena!

Eunice, Lóide e as avós e avôs das comunidades

Descobrir a vocação na vida familiar

Paulo conservou os nomes da mãe e da avó de Timóteo, Eunice e Lóide (2Tm 1,5). Foram elas que transmitiram a Timóteo a fé e ensinaram a ele o amor pela Palavra de Deus (2Tm 3,14-15). Isto faz a gente se lembrar das avós e avôs dos doze apóstolos, dos 72 discípulos e discípulas, do povo das primeiras comunidades, tantos e tantas. Todos eles e elas pessoas anônimas. Mas Deus conhece e conserva os nomes. Foram estas pessoas anônimas que transmitiram a fé. Também vale a pena lembrar os homens e as mulheres que foram indicados para coordenar as comunidades e que eram chamados de presbíteros ou presbíteras, os mais velhos ou as mais velhas. Eram elas e eles que ensinavam as crianças a rezar e os jovens a cantar. Foi para eles e elas que Paulo fez aquele sermão tão bonito em Mileto (At 20,17-35). Os cânticos espalhados pelo Novo Testamento eram transmitidos por eles nas comunidades: cântico de Maria, de Zacarias, de Simeão, tantos outros.

Resumindo:

A Bíblia é como um álbum de fotografias em que encontramos uma variedade imensa de vocações. A maneira de Deus chamar as pessoas é muito variada. Nenhuma vocação se repete. Ele chama a Abraão e Sara de um jeito e a Maria Madalena, de outro. Também a maneira de eles perceberem a vocação é diferente, diferentes são as respostas. Uns oferecem resistência, outros aceitam logo. Uns, como Jeremias, têm problema e dúvida, lutam com a vocação até o fim da sua vida. Outros, como Amós, não têm problema nem dúvida e aceitam o chamado como o eixo de suas vidas. Uns são chamados desde a juventude, outros, só depois de velhos. Uns são chamados para uma tarefa bem limitada, outros para uma missão que envolve a vida inteira e o povo todo.

Às vezes, a vocação se impõe com força irresistível, como fogo dentro dos ossos (Jr 20,9) ou como marreta que rebenta as rochas (Jr 23,29), e deixa a pessoa na revolta e no sofrimento (Jr 20,7-18); outras vezes, ela é fonte de alegria (Jr 15,16). Para uns, o chamado de Deus vem com muita clareza, para outros não há clareza nenhuma, nem percebem nada de Deus. Sentem apenas uma necessidade humana que não pode ficar sem resposta. E quando, no julgamento final, Deus os elogia (Mt 25,34-35), eles dizem: “Quando foi que vi o senhor com fome e sede, sem roupa e na prisão, doente? Não estou lembrado!” (cf. Mt 25,37-39) E Deus responderá: “Foi quando você ajudou aquela pessoa pobre. Era eu!” (cf. Mt 25,40).

Umas pessoas são chamadas para libertar o povo (Is 61,1; Ex 3,10); outras, para organizá-lo; outras, para presidir suas assembléias, organizar o culto, cantar, profetizar, denunciar, animar, anunciar, aconselhar, guiar, governar (cf. Rm 12,4-8; 1Cor 12,4-11). Vocação para missões grandes e missões pequenas, importantes e menos importantes, ligadas ao povo todo e ligadas a um pequeno grupo. Missões que valem para muitas gerações; outras que valem para pouco tempo ou só para a pessoa que a recebe.

Para chamar as pessoas Deus usa os mais variados meios de comunicação: sorteio, aclamação, indicação pela comunidade, percepção das necessidades do povo, ação de bravura, perigo de guerra, chamado interior, aparição de anjo, sonhos, chamado de um companheiro etc. Nenhuma vocação se repete!

O chamado de Deus não tira a liberdade das pessoas. Cada um reage do seu jeito diante da missão que recebe. Cada um trava duas lutas dentro de si: a grande luta da transformação do mundo e a pequena luta da conversão pessoal. Ambas são igualmente importantes, ligadas entre si.


4.EM QUE CONSISTE A VOCAÇÃO PARA O CARMELO?

Na Igreja há muitas vocações, muitos carismas, muitas tarefas, muitas necessidades, muitos serviços. Ao longo dos séculos, diante das necessidades do povo de Deus, sempre apareceram pessoas que procuravam ler a situação do povo à luz da Palavra de Deus e se sentiam impelidas para responder ao chamado que vinha da realidade. Assim foram surgindo as várias congregações, as ordens, os institutos, os movimentos leigos, as organizações de bairro e tantos outros movimentos e formas de ajuda para melhorar a vida das pessoas e transformar a convivência humana mais de acordo com a vontade de Deus. Assim surgiu a Ordem do Carmo, a Família Carmelitana. Foi na Idade Média, mais de oitocentos anos atrás.

A grande necessidade do povo de Deus na Idade Média

No Século X e XI, apareceu uma grande necessidade no povo da Europa. O sistema social, econômico e político do feudalismo começou a desintegrar-se. Muita gente que vivia nos feudos, no interior, na roça, saía para ir morar nas periferias das cidades que estavam crescendo com muita força e poder. Assim, ao redor das cidades surgiam as massas de pobres, chamados “menores”. Muita gente se aproveitava desta situação confusa para difundir idéias estranhas no meio do povo. Na Igreja, o clero não estava preparado para esta mudança repentina e os grandes mosteiros dos monges, que viviam longe do povo, por ora não tinham resposta adequada.

Diante deste grande clamor, diante desta vocação de Deus vinda da realidade, muitas pessoas começaram a procurar uma resposta. Demorou muito tempo para encontrar o rumo. Uma destas pessoas foi Francisco de Assis. Ele encontrou uma resposta bonita e muito concreta. Para ajudar o povo a reencontrar Deus na vida, ele criou pequenas comunidades itinerantes de leigos que viviam entregues à oração e andavam pelos povoados para anunciar e irradiar a Boa Nova de Jesus. Era chamado o Movimento Mendicante.

Quando Francisco morreu, nem vinte anos depois, já havia mais de 5000 frades franciscanos e muitas religiosas franciscanas junto com Santa Clara. Sinal de que Francisco e Clara souberam ser um apelo forte para a juventude da época.

Os franciscanos (o nome vem de Francisco) se chamavam “Frades Menores”, porque procuravam viver com os “menores” e como os “menores”, os pobres. Como os “Frades Menores” surgiram vários outros grupos mendicantes: Dominicanos, Servitas, Mercedários e outros. Um deles somos nós: a Ordem dos Irmãos da Bem Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, a Família Carmelitana.

A Família Carmelitana: sua vocação, seu carisma

Os mendicantes nasceram para ajudar os “menores”, o povo pobre que vinha dos feudos, do interior, da roça, e enchia as periferias das cidades. Cada grupo mendicante procurava responder a uma necessidade bem concreta do povo. Os Franciscanos identificavam-se, sobretudo, com a pobreza e viviam pobres com os pobres, testemunhando e anunciando a Boa Nova de Jesus. Os Dominicanos procuravam atender às necessidades do conhecimento deficiente que o povo tinha das coisas da fé, pois havia muita gente que semeava confusão entre os pobres. Os Mercedários se uniam para ajudar na libertação dos muitos prisioneiros e escravos. E os Carmelitas? Os frades Carmelitas procuravam atender à grande necessidade que o povo sentia de saber como rezar, como viver com Deus na oração; como viver na presença de Deus, como irradiar esta presença de Deus no meio do povo, no meio dos “menores”.

Os primeiros carmelitas, na sua maioria, eram leigos. Eles abandonaram a Europa, sua terra natal, para poderem viver, como peregrinos, na Terra de Jesus. Eles se estabeleceram no Monte Carmelo, onde era muito viva a memória do profeta Elias e do seu discípulo o profeta Eliseu. Lá no Monte Carmelo, começaram a organizar-se em comunidade ao redor da fonte do Profeta Elias e ao redor de uma capelinha dedicada a Santa Maria do Monte Carmelo. Eles foram morar lá, como eles mesmos diziam, para poder iniciar uma vida nova “em obséquio de Jesus Cristo”. Isto foi em torno do ano 1200.

Eles viviam de maneira muito simples e pobre, cada um numa gruta na montanha, que eles chamavam de Cela. De manhã cedo, reuniam na capela para celebrar a Eucaristia. Durante o dia, rezavam os salmos, meditavam a vida de Jesus e trabalhavam para poder sobreviver. Em determinados dias desciam do Monte para os povoados a fim de anunciar a Boa Nova de Jesus ao povo do lugar. Tinham seus jegues ou jumentos nos quais viajavam para visitar os pobres nas suas comunidades.

Depois de uns anos, eles quiseram ter a aprovação da Igreja para esta sua maneira de viver o evangelho lá no Monte Carmelo. Resolveram conversar com o bispo de Jerusalém, o Patriarca Alberto. Mas antes de falarem com ele, fizeram uma reunião e elaboraram um rascunho, no qual expunham para Alberto o seu jeito próprio de “viver em obséquio de Jesus Cristo”. O patriarca Alberto acolheu o pedido e transformou o rascunho num programa de vida que é a Regra do Carmo. Isso foi em 1207.

Uns 30 anos depois, eles decidiram que um grupo deles devia voltar para Europa, pois, diante das ameaças dos muçulmanos, a situação no Monte Carmelo estava cada vez mais insegura, com menos perspectivas. Eles queriam que a missão continuasse e se espalhasse em outros lugares e países. Assim, alguns deles voltaram para a Europa: uns foram para a ilha de Chipre, outros para Sicília e para o Sul da França. Isto foi em 1238.

Nas cidades da Europa, a situação do povo era bem diferente do que nos povoados ao redor do Monte Carmelo. Por isso, para que pudessem servir melhor aos “menores” da Europa, pediram ao Papa Inocêncio para adaptar a Regra às novas circunstâncias. O Papa atendeu ao pedido, atualizando e aprovando a Regra. Isto foi no dia 1 de outubro de 1247.

Um pouco mais de 50 anos depois, em 1300, já havia mais de 150 Comunidades Carmelitas ou Pequenos Carmelos em quase todos os países da Europa. Sinal de que, como Francisco e Clara, o testemunho de vida deles era um apelo forte para a juventude da época.

A Regra do Carmo, rascunhada pelos frades, escrita por Alberto em 1207 e adaptada e aprovada pelo Papa Inocêncio, está em vigor até hoje, 800 anos depois, animando e orientando toda a Família Carmelitana, a beber da mesma fonte e a produzir os mesmos frutos de vida, de santidade e de justiça.

O Monte Carmelo: um ideal de vida “ao redor da fonte”

O Monte Carmelo marcou para sempre a vida daqueles primeiros frades! Marcou-a de tal maneira, que o Monte deixou de ser uma simples montanha, uma referência geográfica, para tornar-se um ideal de vida. Por isso, em vez de Albertinos (o nome viria de Alberto), eles quiseram ser chamados de Carmelitas, Moradores do Carmelo. Cada pequena comunidade de carmelitas, seja de leigos, leigas, frades, freiras ou monjas, devia ser um Pequeno Carmelo, isto é, um lugar onde as pessoas deviam poder reencontrar o mesmo ideal de vida, a mesma Boa Nova de Deus, o mesmo ambiente acolhedor, a mesma hospitalidade e a mesma fraternidade, que os tinha marcado para sempre desde aquele primeiro início lá no Monte Carmelo. E assim deve ser até hoje.

Até hoje, tentamos recriar em nós o mesmo ideal de vida. Como os nossos Santos e Santas, iniciamos também nós a “Subida do Monte Carmelo”, junto com os filhos e filhas dos Profetas, junto com Alberto, Ângelo, Maria Madalena dei Pazzi, João Soreth, Nuno, João da Cruz, Tereza de Ávila, Teresinha de Lisieux, Tito Brandsma, Isidoro Bakanja, Gabriel Couto, Ângelo Paoli. Tantos e tantas! Homens e mulheres, sacerdotes e religiosas, monjas e leigos, casados e solteiros, pais e mães de família, jovens e velhos, rapazes e moças. Todos eles testemunham com a sua vida: Ser Carmelita é tudo que eu quero e desejo na vida! Venha beber desta Fonte!

Que fonte é esta? É a intuição mística que brota dentro de cada um de nós e sobe do fundo da nossa consciência dizendo: “Deus existe, ele está conosco, ele nos ouve; dele dependemos, nele vivemos, nos movemos e existimos. Somos da raça do próprio Deus” (cf. At 17,28). E o coração humano responde murmurando: “Sim, Tu nos fizeste para ti, e o nosso coração estará irrequieto até que não descanse em Ti!”

E hoje, mais do que nunca, em cada nova geração que nasce, este murmúrio da alma levanta a cabeça em busca de uma resposta urgente e atualizada: Por que existimos? Quem nos fez? Quem é Deus? Qual o sentido da nossa vida? Deus, onde estás? As imagens de Deus mudam, devem mudar, para que os costumes e as imagens envelhecidas e antiquadas não nos impeçam de descobrir a novidade da vocação de Deus na vida de hoje.

A água que Elias bebeu na fonte do Carmelo ajudou-o a redescobrir a presença de Deus quando ele, perdido e desanimado, deitou debaixo de uma árvore e pediu para morrer (1Rs 19,4). Ele imaginava Deus de um jeito: poderoso, forte, ameaçador, como terremoto, tempestade e fogo. Mas Deus já não estava no terremoto, nem na tempestade, nem no fogo (1Rs 19,11-12). A água que Elias tinha bebido na fonte do Monte Carmelo ajudou-o a superar as imagens antigas de Deus e o levou a discernir a presença divina, para além das imagens, na brisa leve (1Rs 19,12), no silêncio sonoro, na noite escura, mais clara que o sol do meio dia (Sl 139,12). Esta fonte brota sempre, até hoje, mesmo de noite! Venha Beber desta fonte!

Quem tiver sede, venha beber, disse Jesus à Samaritana, ao povo de Jerusalém e a todos nós (Jo 4,14; 7,37-39). No Monte Carmelo existe a fonte que, ao longo dos séculos, matou a sede do profeta Elias, do profeta Eliseu, dos filhos dos profetas, dos Santos e Santas do Carmelo. Venha conosco beber desta fonte!


5.O QUE NOS DEFINE COMO CARMELITAS?

O DNA DO CARMELO

Como dissemos, para aqueles primeiros frades, o Monte Carmelo deixou de ser uma simples referência geográfica para tornar-se um ideal de vida. Da mesma maneira, no decorrer dos séculos, outros aspectos da nossa vida carmelita, deixaram de ser simples fatos históricos, pessoas, lugares ou situações concretas para se transformarem em símbolos da nossa própria existência, realidades com as quais nos identificamos e que, sem palavras, falam de nós para o mundo.

Enumeramos aqui doze destes referenciais simbólicos que nos ajudam a perceber melhor os diversos aspectos do nosso Carisma e da nossa Espiritualidade. Agradecemos ao nosso confrade frei Francisco Sales, carmelita da Província Pernambucana, que conseguiu elaborar estes doze pontos tão significativos da nossa espiritualidade:

1. Peregrinação.

Os primeiros Carmelitas são peregrinos, homens inconformados com um modelo de viver a fé que, movidos pelo desejo de seguir a Jesus de forma mais radical, buscam na Terra Santa, o Santo da Terra. Constroem o novo, aventuram-se para garantir a autenticidade de sua fé. O Carmelita é por natureza um inquieto, peregrino, inconformado com a mesmice da fé e da história, aventureiro do Absoluto.

2. Grupo.

No Carmelo na há um líder carismático, um fundador no estrito senso da Palavra. Há um grupo que, movido por um desejo comum de fidelidade ao Evangelho, encontra-se e constroe um modo de vida. Para o Carmelita, a razão da vida tem sua fonte numa comunidade e está necessariamente direcionada para a construção da fraternidade.

3. Corações famintos.

Nós não conhecemos os nomes dos primeiros Carmelitas, mas podemos conhecer seus corações marcados por uma fome. Foram marcados por uma profunda experiência de conversão, saíram do bulício das cidades para viverem na solidão, iniciando uma vida juntos com o intuito de responderem à fome profunda de seus corações.

4. Monte Carmelo.

O caminho Carmelita passa necessariamente pelo monte, com todos os significados que a espiritualidade bíblica a ele atribui. É o lugar da parada dos peregrinos, da subida, da jornada para a comunhão com o Senhor, etc. O Monte confere ao grupo um nome, uma identidade, uma terra. Eles irão levá-lo a todos os recantos por onde se espalham, fazendo de suas habitações outros Pequenos Carmelos, lugares evocativos da aventura inicial.

5. Fonte de Elias.

O ponto de parada dos primeiros Carmelitas é a fonte do Profeta, marco memorial dos grandes feitos de Elias. Ao redor da fonte saciam aquela sede mais intensa e, à imitação de Elias, deixam-se consumir de ardente zelo pelo Senhor Deus dos Exércitos, anunciando a Boa Nova de Deus aos pobres dos povoados ao redor do Monte Carmelo.

6. Celas.

Espaço de solidão e de cultivo da intimidade e do encontro com Deus, chão, no qual se nutre a vida através da lectio divina, lugar de luta contra toda forma de escravidão da pessoa e da conquista da liberdade interior.

7. Oratório.

Centro de convergência da vida, lugar da celebração do louvor comum que transforma a vida em sacramento da presença de Deus. Espaço para a celebração da Eucaristia, do encontro com o Cristo vivo e presente no Pão partilhado que se transforma em ponto gravitacional de toda a existência.

8. A Senhora do Lugar.

O oratório é consagrado à Virgem Maria, e à Senhora do Lugar eles próprios se consagram. No coração da visão carmelita está Maria, como força de inspiração a quem eles chamam irmã e na qual contemplam, como em figura, realizado todo seu desejo de fidelidade ao projeto de Jesus.

9. Um ritmo que orienta a vida.

Viviam em um local aprazível e solitário; distantes o suficiente uns dos outros; dedicavam o seu tempo à oração e reflexão; liam as Escrituras e procuravam marcar com suas linhas os seus corações; jejuavam; trabalhavam e marcavam suas vidas ao compasso do silêncio; reuniam-se diariamente para a eucaristia e semanalmente para revisar a vida à luz do propósito comum; viviam uma vida de pobreza; seu líder era eleito e morava à porta da habitação comum; acolhiam e serviam àqueles que batiam a sua porta; desciam do Monte para irradiar a Boa Nova entre o povo do lugar. A vida no Monte Carmelo centrava suas vidas dispersas e apaziguava suas mentes confusas, libertando os seus corações das urgências e compulsões do tempo. Viveram quase 100 anos neste ritmo de vida.

10. A Norma de Vida.

A vida vivida foi codificada numa Regra que se transforma no referencial permanente, na Fonte que contém as indicações concretas para a fidelidade, sempre aberta para aqueles que fizerem mais. Mais do que normativa, a Regra é um elemento carismático, indicativo e dinâmico.

11. Viagem de volta.

Diante das dificuldades e perseguições, os carmelitas fizeram a viagem de volta, transfigurados. Deixaram o Carmelo, mas o Carmelo nunca mais os deixou, forjaram uma nova visão do Carmelo, como referencial espiritual de suas vidas. O Carmelita é aquele que, uma vez bebendo da fonte, é capaz de refazer o caminho de volta e recontar a própria história a partir da experiência vivida.

12. Mendicância.

A dinâmica das Ordens Mendicantes é assimilada pelo Carmelo desde a sua origem e sobretudo a partir do seu retorno na Europa. Momento vivido com os conflitos próprios de toda mudança. A Regra é adaptada à nova realidade e mais uma nota é acrescida à sinfonia inicial do Carmelo, incorporando outros elementos, como a itinerância, a simplicidade de vida, o serviço ao povo de Deus nas realidades desafiadoras das cidades, a abertura ao inesperado, etc.

Estes referenciais simbólicos estão impressos no coração de cada carmelita, fazem parte do nosso DNA espiritual, renascem em cada nova geração e nos ajudam a entender e a viver melhor o dom especial do Carmelo para a Igreja. Eles nos provocam continuamente em nossos desejos e impulsos de fidelidade, em nossos projetos e escolhas. Eles nos ajudam, diante dos desafios com os quais nos confrontamos, a recriar o significado de nossa vida e de nossa presença na Igreja e no mundo, mantendo a fidelidade à nossa identidade, atualizando-os numa tensão fecunda entre passado e presente em vista do futuro..

6-A INICIAÇÃO AO CARISMO DO CARMELO

SETE PASSOS, SETE SÍMBOLOS,

Cada pessoa tem o seu jeito de viver e de irradiar o Evangelho. Cada grupo de Carmelitas tem o seu jeito de viver o nosso carisma. O que nos enriquece é quando partilhamos nossas experiências. Ouvindo como outros fazem, você compara o que ouve deles com o que você mesmo vive e faz e, assim, vai aprendendo. Assim, aquilo que vamos apresentar neste 6º capítulo é fruto de uma partilha feita com os nossos irmãos e irmãs carmelitas leigos dos Pequenos Carmelos da Delegação Tito Brandsma em Bogotá, Colômbia.

Para ajudar os novos irmãos e irmãs que chegam a se iniciarem na vivência do Carisma do Carmelo, eles estabeleceram quatro etapas e, para cada etapa, utilizam um símbolo significativo: Escapulário, Bíblia e Rosário, Cruz e Escudo do Carmo. Para cada símbolo eles recomendam práticas bem simples e propõem objetivos concretos e viáveis. É com muita gratidão que nos enriquecemos com a partilha desta experiência dos nossos irmãos e irmãs da Colômbia. Ela despertou e orientou a proposta que aqui apresentamos.

Como eles, propomos objetivos concretos, recomendamos práticas simples e sugerimos orações que permitam as pessoas entrarem progressivamente na vivência do carisma do Carmelo e assimilarem a sua espiritualidade. E o faremos a partir de sete símbolos significativos em forma de sete passos progressivos.

Eis os sete símbolos:

1. O Escapulário de Nossa Senhora do Carmo:

2. A Bíblia e o Rosário

3. A Cruz de Jesus

4. A Regra de Santo Alberto

5. O Escudo do Carmo

6. O Logotipo do Carmo

7. A Foto pessoal da pessoa na sua comunidade

Estes sete símbolos não são próprios do Carmelo. A Bíblia, o Terço e a Cruz são de todos. Além disso, na igreja há muitos Escapulários, Logotipos e Regras de vida monástica. Os sete símbolos são como o nosso rosto. O rosto de cada um de nós tem os mesmos elementos: olhos, nariz, boca, orelhas, lábios, fronte. O que faz a diferença é o jeito como estes elementos existem unidos no rosto de cada pessoa. Ou seja, o jeito como estes sete símbolos existem integrados entre si no rosto do Carmelo é algo próprio só nosso. É o tempero que faz a comida ter o seu gosto especial. É este tempero do Carmelo que devemos conservar e irradiar para o bem do povo de Deus.

Os sete símbolos sinalizam sete portas para entrar no coração do Carmelo, apropriar-se do seu carisma e começar a viver a sua espiritualidade. Tendo diante de si estes sete símbolos e procurando praticar o que eles significam e sugerem, nossa comunidade começará a ser, pouco a pouco, um Pequeno Carmelo que vive e irradia hoje a Boa Nova de Deus para o nosso povo do jeito que ela era irradiada pelos primeiros irmãos nossos lá no Monte Carmelo para o povo daquela época.

Não se trata exatamente de sete etapas ou períodos a serem calculados pelo relógio ou pelo calendário. Os símbolos podem até ser usados como etapas ou períodos, mas, na realidade, eles indicam os diferentes aspectos do mesmo carisma. São como sete portas diferentes para dentro da mesma sala; sete degraus da mesma escada; sete passos na mesma estrada, sete espelhos que refletem o mesmo rosto; sete dimensões do mesmo ideal de vida; sete valores da mesma espiritualidade; sete fotografias diferentes da mesma pessoa; sete pilastras que sustentam a mesma casa, cada uma com seus significados, objetivos, orações e práticas, que vamos apresentar agora.

No que segue, para cada símbolo ou cada passo, indicamos sete pontos que mostram como o estudo ou o aprofundamento do símbolo pode servir como porta de entrada para assimilar e viver o carisma e a espiritualidade do Carmelo.

Eis os sete pontos:

1. Significado do Símbolo:

Apresenta o símbolo em si, seu significado e seu poder de evocação e de associação de idéias.

2. Objetivo a ser alcançado:

Apresenta o ideal ou o objetivo que se visa alcançar neste passo através do estudo do símbolo.

3. Práticas sugeridas pela Regra do Carmo:

Sugere algumas práticas bem simples que nos levam a assimilar o valor representado pelo símbolo

4. Atitude Orante a ser cultivada:

Indica determinadas preces e atitudes celebrativas para poder entrar na dimensão orante do Carmelo

5. Padroeira/o Carmelita como modelo

Apresenta um santo ou uma santa Carmelita que viveu o valor representado pelo símbolo

6. Espelho bíblico

Confronta com uma pessoa da Bíblia para ver como ela viveu e realizou o valor deste símbolo,

7. Bíblia

Sugere leituras e salmos da Bíblia para meditação pessoal e para a celebração da entrega do símbolo

Cada um dos sete passos ou símbolos não tem uma duração predefinida. Pode durar mais tempo ou menos tempo. Isto depende de cada grupo. O importante é não ter pressa. Ou melhor, como diz o povo: “Vamos devagar, porque temos pressa. Pois na iniciação ao Carisma do Carmelo não se trata de aprender umas técnicas ou de assimilar uma didática pastoral, mas sim de iniciar um processo de conversão. Para poder nascer todo ser humano precisa de nove meses. Para poder re-nascer precisará de, no mínimo, nove meses. Cada comunidade ou Pequeno Carmelo procure determinar o tempo para cada um dos sete passos ou símbolos, lembrando sempre que de plantar semente, não de alface, mas sim de jacarandá.

Encontros regulares, semanais ou quinzenais, devem acompanhar cada um dos sete passos. Nestes encontros partilhamos, alargamos e aprofundamos o assunto em questão através das práticas sugeridas, através de leituras da vida de santos ou santas carmelitas, através da celebração das suas festas e da reflexão sobre os acontecimentos do dia. Convém marcar bem os dias e o lugar dos encontros e distribuir as tarefas de cada um.

Os símbolos que utilizamos neste processo de iniciação e de integração da Família Carmelitana ajudam a criar uma mentalidade comum entre nós, pois são símbolos que dizem respeito à nossa raiz comum como carmelitas.

Uma observação importante: cuidado para não transformar as sugestões que seguem em leis rígidas e imutáveis a ponto de esquecer o seu objetivo. Mais do que de leis trata-se de ponteiros na estrada, que podem ser modificados de acordo com a situação em que se encontra a caminhada da comunidade.

1º Símbolo.

Escapulário de Nossa Senhora do Carmo

O símbolo do Escapulário de Nossa Senhora do Carmo

* aponta para a pessoa de Maria, a Mãe de Jesus, nossa irmã e educadora

* evoca a proteção de Maria para conosco e nos lembra do compromisso que nós assumimos com ela

* pede que sigamos o exemplo de Maria e que imitemos a sua prática de oração diária

Escapulário de N.S do Carmo
SIGNIFICADO Naquele tempo, século XII, origem da Família Carmelitana, havia muitos escapulários. Um deles era o escapulário do Carmo. O escapulário era uma espécie de avental ou de manto, usado pelos camponeses de um determinado povoado, feudo ou fazenda, para expressar sua pertença à família do dono daquele feudo ou fazenda. A veste do escapulário era um sinal visível da família, a que eles estavam ligados. Conferia identidade às pessoas e as integrava num determinado grupo social ou comunidade. O escapulário era expressão da garantia de proteção que os camponeses recebiam do dono do feudo (fazenda) e da sua esposa, chamada a “senhora do lugar”. Era expressão também do obséquio ou serviço que eles deviam prestar ao fazendeiro e à senhora do lugar. Os primeiros carmelitas, porém, abandonaram a terra do seu feudo na Europa e foram para a Terra de Jesus. Queriam viver em obséquio de outro dono, Jesus; e de outra Senhora do Lugar, Maria, a Mãe de Jesus. O Escapulário é a expres­são visível deste novo jeito de viver a Boa Nova. Manto de proteção e de compromisso.
OBJETIVO O objetivo a ser alcançado neste 1º passo consiste em assumir nossa pertença à Família Carmelitana e aprofundar nossa identidade como Carmelita; viver a proteção de Maria, a Senhora do Lugar, para conosco e levar a sério nosso compromisso com Maria, a Mãe de Jesus; criar em nós o firme propósito de escutar sempre o que Deus nos tem a dizer e de cultivar a sua vontade em todos os momentos da nossa vida.
PRÁTICASSUGERIDAS PELA REGRA DO CARMO Meditar e aprofundar o Pai-Nosso, que é o resumo orante de todo o ensina­mento de Jesus. Muitos dos primeiros carmelitas não sabiam ler. Por isso, diz a Regra do Carmo: Os que sabem recitar as horas canônicas com os clérigos, as recitem conforme as disposições dos Santos Padres e segundo o costume aprovado da Igreja. Os que não o sabem ler, recitem vinte e cinco vezes o Pai Nosso nas vigílias noturnas, com exceção dos domingos e dias solenes, em cujas vigílias determinamos que se duplique o número mencionado, de modo que o Pai Nosso seja recitado cinqüenta vezes. No louvor da manhã, porém, a mesma oração seja recitada sete vezes. Da mesma maneira, em cada uma das outras horas, a mesma oração seja recitada sete vezes, menos nas vésperas, em que devem recitá-la quinze vezes”. (Rc 11). Repetindo a oração do Pai Nosso com calma e atenção, ao longo do dia, durante o trabalho, acontece aquilo que diz o povo: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Aos poucos, o espírito orante da Boa Nova de Jesus e do Carisma do Carmelo se derramará na alma e na mente da gente.
ATITUDE ORANTE A SER CULTIVADA Começar, desde agora, cada dia, a permanecer uns cinco a sete minutos em total silêncio diante de Deus, sem fazer nada, sem dizer nada. Acostumar-se a ficar diante dele, apenas para dizer: “Estou aqui às suas ordens. Como não sei rezar, eu só queria mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar!”
PADROEIRO João de São Sansão: irmão leigo Carmelita, século XVII, francês, músico e artista. Era cego. Ele não podia ler, mas tinha uma profunda experiência de Deus e se acostumou a estar em silêncio diante de Deus, meditando o Pai-Nosso.
ESPELHO BÍBLICO Maria, nossa irmã, nossa mãe, nossa educadora: sua reação diante da Palavra de Deus. O nome Maria significa “amada de Javé”. Ela devia de ter em torno de quinze ou desaseis anos quando teve uma visão e o anjo Gabriel lhe disse que Deus a chamava para ser a mãe do Messias (Lc 1,31). Bonita vocação! Qualquer moça ficaria empolgada! Maria ficou calma, pé no chão. Confrontou a vocação com a sua realidade pessoal e disse: “Como pode ser, pois não tenho marido?” (Lc 1,34). Ela foi fiel a si mesma, à sua condição humana. Não se exaltou. O anjo esclareceu tudo: “O Espírito virá sobre ti!” (Lc 1,35). Esclarecida pela palavra do anjo, Maria não teve dúvida: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Convém olhar neste espelho de Maria e aprender dela como estar sempre atento aos apelos de Deus e como cultivar em nós a mesma reação que ela teve diante das palavras do anjo: “Faça-se em mim segundo a tua Palavra!”.
BÍBLIA Leituras: 1. Is 61,10-11: O Manto de proteção (escapulário), que Deus estende sobre nós2. 2Rs 2,8.11-15: O Manto do Profeta Elias passa para o profeta Eliseu, seu sucessor3. Lc 11,27-28 O elogio de Jesus a sua mãe: ouvir a Palavra de Deus, colocá-la em prática4. Lc 2,41-52: Quando Maria não entende a Palavra, ela medita e rumina até entendê-laSalmos

1. Sl 15(14): Senhor, quem entrará no santuário para te louvar?

2. Sl 23(22): O Senhor é meu Pastor, nada me falta

3. Lc 1,46-55: O Cântico de louvor e de compromisso que a Palavra fez nascer em Maria

Neste 1º passo, a ênfase cai no acompanhamento que Nossa Senhora nos vai dar. Ela é a irmã e a educa­dora que nos acompanhará nesta caminhada, desde o 1º passo até o fim, para que possamos chegar à maturidade da fé (Ef 4,13). Maria soube escutar e cultivar a vontade de Deus (Lc 11,27-28; Lc 1,38; Mc 3,31-35; Jn 2,5; 19,25-27). Assim, ao recebermos o símbolo do Escapulário durante a celebração de abertura deste 1º passo, assumimos o mesmo compromisso que Maria assumiu: escutar e cultivar em nós a vontade de Deus: “Faça-se em mim segundo a tua Palavra!”. Cada comunidade carmelita ou cada Pequeno Carmelo, deve ser um lugar onde se cultiva a vontade de Deus.

O que Nossa Senhora nos tem a dizer é, sobretudo, aquilo que o próprio Jesus disse a respeito dela: “Feliz quem ouve a palavra de Deus e a coloca em prática” (Lc 11,27-28): ouvir a Palavra de Deus e colocá-la em prática! Para poder fortalecer em nós esta atitude sugerimos a prática de, cada dia, ficar diante de Deus, nem que seja apenas uns cinco a sete minutos, só para poder estar com Ele, como o namorado gosta de ficar com a namorada, em silêncio, atentos um ao outro.

O Escapulário simboliza dois aspectos fundamentais da vida Carmelitana: a nossa devoção para com Maria, a mãe de Jesus, e a proteção da parte dela para conosco. A entrega do escapulário é feita dentro da celebração de abertura deste primeiro passo. Para esta celebração serão dadas algumas sugestões no fim deste 6º capítulo.

Na mesma celebração de abertura, a comunidade recebe uma pequena imagem de Nossa Senhora do Carmo, para significar que a Comunidade é a casa dela. Ela é a “Senhora do Lugar”. Esta imagem pode ser levada de casa em casa dos que pertencem ao Pequeno Carmelo, e também para outras pessoas que o desejam.

Um Breve comentário do Pai Nosso

A Regra privilegia a oração do Pai-Nosso. Pede que ela seja rezada com freqüência. Por isso, vale a pena dar um pouco de atenção a esta oração que é o salmo que Jesus nos deixou. Segue aqui um breve comentário.

Introdução: Pai Nosso que estás no céu!1º pedido Santificação do Nome2º pedido Vinda do Reino3º pedido Realização da Vontade4º pedido O Pão de cada dia5º pedido O Perdão das dívidas

6º pedido Não cair nas Tentações

7º pedido Libertação do Maligno

Conclusão: Amém! Assim seja! Apoiado!

1. De maneira muito didática, Jesus resumiu todo o seu ensinamento em sete pedidos dirigidos ao Pai.2. Nestes sete pedidos, ele retoma as grandes pro­messas do Antigo Testamento e pede que o Pai nos ajude a realizá-las.3. Os primeiros três dizem respeito ao nosso relacio­namento com Deus. Os outros quatro dizem res­peito ao relacionamento entre nós.

* Pai Nosso.

Exprime o novo relacionamento que temos com Deus a partir da Boa Nova que Jesus nos trouxe. A origem desta novidade é a experiência que Jesus teve de Deus como Pai, como Mãe. Deus como Pai é o fundamento da fraternidade. Pois, se ele é Nosso Pai, então nós somos irmãos e irmãs uns dos outros.

1. Santificar o Nome:

O nome próprio de Deus é YHWH, JAVÉ. Significa Estou com você! Deus conosco. Neste NOME Deus se deu a conhecer (Ex 3,11-15). O Nome de Deus é santificado quando é usado com fé e não com magia; quando é usado conforme o seu verdadeiro objetivo, i.é, não para a opressão, mas sim para a libertação do povo e para a construção do Reino.

2. Vinda do Reino:

O único Dono e Rei da vida humana é Deus (Is 45,21; 46,9). A vinda do Reino é a realização de todas as esperanças e promessas. É o centro da Boa Nova que Jesus anunciava ao povo (Mc 1,15). É a vida plena, a superação das frustrações sofridas com os reis e os governos humanos. Este Reino acontecerá, quando a vontade de Deus for plenamente realizada.

3. Fazer a Vontade:

A vontade de Deus para nós está expressa na sua Lei. A vontade de Deus deve ser realizada assim na terra como no céu. No céu o sol e as estrelas obedecem às leis de suas órbitas e criam, assim, a ordem do universo (Is 48,12-13). Assim, a observância da lei Deus entre nós será fonte de ordem e de bem-estar para a vida humana.

4. Pão de cada dia:

Cada dia, durante os quarenta anos no deserto, o povo recebia o maná (Ex 16,35). A Providência Divina passava pela organização fraterna, pela partilha. Jesus nos convida para realizar um novo êxodo, uma nova maneira de convivência fraterna que garante o pão para todos (Mt 6,34-44; Jo 6,48-51).

5. Perdão das dívidas:

Cada 50 anos, o Ano Jubilar obrigava todos a perdoar as dívidas. Era um novo começo (Lv 25,8-55). Jesus anuncia um novo Ano Jubilar, um novo começo, “um ano da graça da parte do Senhor” (Lc 4,19). O Evangelho quer recomeçar tudo de novo! Mas hoje, a dívida externa de muitos países pobres nem sempre é perdoada pelos países ricos que, na sua maioria, são cristãos e rezam o Pai-Nosso.

6. Não cair na Tentação:

No êxodo, o povo foi tentado e caiu (Dt 9,6-12). Murmurou e quis voltar atrás (Ex 16,3; 17,3). No novo êxodo, a tentação será superada pela força que o povo recebe de Deus (1Cor 10,12-13).

7. Libertação do Maligno:

O Maligno é o Satanás. Ele afasta de Deus e é motivo de escândalo. Chegou a entrar em Pedro (Mt 16,23) e tentou Jesus no deserto. Jesus o venceu (Mt 4,1-11). Ele nos diz: “Coragem! Eu venci o mundo!” (Jo 16,33)

* Amem, assim seja!

Aprova os pedidos e diz estar de acordo com este programa. Apoiado!

2º SÍMBOLO

A Bíblia e o Rosário

Os símbolos da Bíblia e do Rosário

* evocam a Palavra de Deus na Bíblia e a escuta da mesma Palavra na vida de cada dia.

* pedem que a “Palavra de Deus habite abundantemente na boca e no coração” (Rc 19)

* o Rosário, a Bíblia dos Pobres, nos leva a meditar os Mistérios da Vida de Jesus ao longo das dezenas.

A Bíblia e o Rosário
SIGNIFICADO No dizer do Papa João XXIII, o Rosário ou Terço é “A Bíblia dos Pobres”. A Bíblia nos faz saber que a Palavra de Deus enche a vastidão da terra (Sb 1,7; 8,1). Ela é o livro de Deus que nos abre os olhos e nos faz enxergar. Ela nos traz a Palavra escrita de Deus que nos ajuda a descobrir a Palavra viva de Deus na nossa vida, na nossa história e na beleza da criação. A Palavra de Deus na Bíblia vale não só pelo ensinamento que nos oferece, mas também e, sobretudo, pela pessoa do próprio Deus Pai que nela se dirige a nós. Quando alguém te diz: “Eu te amo”, esta palavra vale, sobretudo, pela pessoa que a pronuncia; não é assim? Ora, a palavra da Bíblia é pronunciada por um Pai amoroso que nos ama muito. Esta dimensão pessoal da Palavra de Deus, tanto na Bíblia como no Terço, é muito importante e deve ser cultivada. A Palavra de Deus se dirige não só para a cabeça, ela fala também ao coração.Meditando os Mistérios da Vida de Jesus durante a reza do Terço, vamos descobrindo o eixo central da Bíblia, que é Jesus, a Palavra Encarnada de Deus (Jo 1,14). Maria, a mãe de Jesus, nos ajudará a encarnar e a assimilar a vida de Jesus em nossa vida.
OBJETIVO O objetivo a ser alcançado neste 2º passo consiste em acostumar-nos a ligar Bíblia com Vida, e Vida com Bíblia; ligar a realidade com a fé, e a fé com a realidade; esforçar-nos para conhecer melhor a Vida de Jesus através da reza do terço e da leitura dos evangelhos; começar a ler a Bíblia, sobretudo os evangelhos, com maior freqüência; cultivar a dimensão pessoal da Palavra de Deus.
PRÁTICASSUGERIDAS PELA REGRA DO CARMO Exercitar-se na Leitura Orante da Palavra de Deus, ou seja, criar o costume de todos os dias fazer uma breve leitura da Palavra de Deus, nem que seja de poucos versículos. Aqui atingimos o coração da espiritualidade carmelitana. Diz a Regra do Carmo: “Permaneça cada um em sua cela ou na proximidade dela, meditando dia e noite na Lei do Senhor e vigiando em orações, a não ser que esteja ocupado em outros justificados afazeres” (Rc 10). Tentar praticar todos os dias esta meditação da Palavra de Deus, mesmo quando não sinto muita vontade. Arrumar tempo para isto, nem que seja levantando cinco minutos mais cedo de manhã. Jesus levantava antes dos outros para poder rezar (Mc 1,35). Nadar se aprende nadando. Rezar se aprende rezando.
ATITUDE ORANTE A SER CULTIVADA Exercitar-se para meditar os mistérios da Vida de Jesus e de Maria, sua Mãe, durante a reza do Terço ou do Rosário. Quanto mais chegamos a conhecer a vida de Jesus, tanto mais nos tornamos capazes de segui-lo e de imitá-lo. Assim conseguimos realizar melhor aquilo que pede a Regra: ”viver em obséquio de Jesus Cristo”. Durante o dia, seja no ônibus ou andando na rua, seja durante o trabalho em casa ou no emprego, rezar de memória uma dezena do terço, dez Avemarias, meditando num dos mistérios da vida de Jesus.
PADROEIRA Santa Terezinha lia e meditava muito os evangelhos. Era o seu livro de cabeceira. Nele encontrava sempre um consolo e uma orientação, mesmo no maior abandono. Mesmo assim o rezava. Ela disse: “Senhor, Tu sabes que só tenho o dia de hoje para te amar”.
ESPELHOBÍBLICO O Pai Abraão. Saber crer e perseverar na vocação, mesmo quando não tenho prova nem muito ânimo: Aos noventa anos de idade, Abraão foi chamado para ser Pai de um povo (Gn 12,1-3). Condição para poder ser pai de um povo é ter ao menos um filho. Abraão não tinha filhos e Sara, sua esposa, era estéril, não podia ter neném e já tinha mais de setenta anos de idade (Gn 17,1,17; 18,13). Inicialmente, os dois não deram conta de crer na vocação. Você acreditaria? É fácil crer numa vocação assim, mesmo sem ter prova nenhuma de que ela é possível? Não é fácil não! É muito difícil! Mas os dois souberam superar as dificuldades e deram conta de crer na vocação. Você também saberá dar conta, ou não? Convém olhar muito neste espelho de Abraão e Sara e aprender deles como crer na força da Palavra de Deus que meditamos no dia a dia da nossa vida, pois para Deus nada é impossível (Lc 1,37).
BÍBLIA Leituras1. Is 55,10-11: A Palavra de Deus é como chuva que lava; sempre produz o seu fruto.2. Jo 1,10-11.14: Jesus é a Palavra encarnada de Deus3. Hb 4,12-13: A Palavra de Deus é viva e eficaz, e penetra até o fundo da alma4. 2Tim 3,14-17 Desde criança, Timóteo meditava a Escritura; aprendeu da mãe e da avó,Salmos

Sl 19(18): A Palavra de Deus na natureza, na história e na vida pessoal

Sl 119(118),1-8: Meditando sem parar a Palavra de Deus

Sl 146(145): O Salmo das oito bem-aventuranças que Jesus conhecia e rezava

Neste 2º passo a ênfase cai na meditação constante da Palavra de Deus e no desejo de conhecer melhor quem é Jesus para nós. A Bíblia é o instrumento que Deus nos oferece para irmos descobrindo a Palavra de Deus em nossa vida. Ela contém a Palavra de Deus e nos ajuda a reconhecê-la e assumi-la em nossa vida. A Regra do Carmo recomenda com insistência a Leitura Orante da Palavra de Deus. Ela pede (1) que meditemos dia e noite na lei do Senhor (Rc 10); (2) que se faça alguma leitura da Bíblia durante as refeições (Rc 7); (3) que a Palavra de Deus habite abundantemente na nossa boca e no coração (Rc 19); e (4) que tudo seja feito na Palavra do Senhor (Rc 19). Por isso é bom criar, já desde este 2º passo, o costume de, todos os dias, fazer uma breve leitura da Palavra de Deus, nem que seja de poucos versículos, repetidos de memória durante o dia enquanto a gente anda na rua, trabalha na cozinha ou descansa ouvindo música. Assim aprendemos a relacionar a vida com a Palavra de Deus e a Palavra de Deus com a vida.

A Palavra de Deus, que criou o universo e orientou o povo hebreu ao longo da sua história, chegou perto de nós em Jesus, nosso irmão (Jo 1,14). Jesus deixou a Palavra tomar conta da sua vida e, por isso, a sua vida é o melhor comentário, a melhor chave, para entender a mensagem da Bíblia. Por isso mesmo, neste 2º passo, insistimos no seguimento de Jesus que caracteriza a vida no Carmelo: Viver em Obséquio de Jesus Cristo.

O Papa João XXIII disse que o Rosário é a “Bíblia dos Pobres”. A reza do Terço nos ajuda a entrar no eixo central da Palavra de Deus. Ela é uma forma simples e popular de Leitura Orante da Palavra de Deus. A sua reza traz consigo um confronto permanente com a pessoa de Jesus, com os mistérios principais da sua vida: gozosos, dolorosos e gloriosos, e agora também os luminosos.

A entrega do símbolo da Bíblia e do Rosário é feita durante a celebração de abertura com que iniciamos este segundo passo. Durante todo o 2º passo, continuam e se aprofundam as práticas assumidas no primeiro passo.

A Vida de Jesus meditada nos Mistérios do Rosário

MISTÉRIOS GOZOSOS (segunda feira e sábado)

1º Mistério

Anunciação do anjo Gabriel à Virgem Maria (Lc 1,26-38).

2º Mistério

A visita de Maria a sua prima Santa Isabel (Lc 1,39-56).

3º Mistério

Nascimento de Jesus na gruta de Belém (Lc 2,1-20).

4º Mistério

Apresentação do Menino Jesus no templo (Lc 1,22-40).

5º Mistério

A perda e o reencontro do Menino Jesus no templo (Lc 2,41-52).

MISTÉRIOS LUMINOSOS (quinta feira)

1º Mistério

Batismo de Jesus no rio Jordão por João Batista (Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22).

2º Mistério

Presença de Jesus na festa de casamento em Caná, onde mudou água em vinho (Jo 2,1-12).

3º Mistério

A proclamação do Reino (Mc 1,14-15) e o Sermão da Montanha (Mt 5,1 a 7,29).

4º Mistério

A transfiguração de Jesus na presença de Moisés e Elias (Mt 17,1-9; Mc 9,2-10; Lc 9,28-37).

5º Mistério

A entrada solene de Jesus em Jerusalém (Mt 21,1-17; Mc 11,1-19; Lc 19,29-48)

e a Instituição da Eucaristia (Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,14-20; 1Cor 11,23-26).

MISTÉRIOS DOLOROSOS (Terça feira, sexta-feira)

1º Mistério

A agonia de Jesus no Horto das Oliveiras (Mt 26,26-46; Mc 14,32-42; Lc 22,39-46).

2º Mistério

Jesus sofre a terrível tortura da flagelação (Mt 27,26; Mc 15,15; Jo 19,1).

3º Mistério

Jesus é coroado de espinhos (Mt 27,27-31; Mc 15,16-20; Jo 19,2-5).

4º Mistério

Jesus carrega a Cruz para o Monte Calvário (Mt 31-32; Mc 15,20-22; Lc 23,26-32; Jo 19,16-17).

5º Mistério

A crucificação e morte de Jesus (Mt 27,33-56; Mc 15,22-41; Lc 23,33-49; Jo 19,18-30).

MISTÉRIOS GLORIOSOS (Quarta feira e Domingo)

1º Mistério

A ressurreição de Jesus (Mt 28,1-10; Mc 16,9-13; Lc 24,13-35; Jo 1-2.11-18).

2º Mistério

A ascensão de Jesus aos Céus (Mc 16,14-20; Lc 24,50-52; Mt 28,16-20; At 1,6-11).

3º Mistério

A descida do Espírito Santo sobre Maria, a Mãe de Jesus, e os Apóstolos (At 1,1-4).

4º Mistério

A assunção de Maria aos Céus e a sua glorificação (Apoc 12,1-12; 21,1-7; 21,9-14).

5º Mistério

A vinda gloriosa de Jesus no fim dos tempos (Mc 13,26-27; Lc 21,27-28; 1Tes 4,15-18).


3º Símbolo.

A Cruz de Jesus

O símbolo da Cruz

* evoca a paixão, morte e ressurreição de Jesus, fonte da nossa esperança

* mostra concretamente que “prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão”

* pede que entreguemos nossa vida como serviço total a Deus e aos irmãos

A Cruz de Jesus
SIGNIFICADO A cruz era o pior instrumento de tortura inventado pelo império romano para dissuadir e abafar qualquer rebeldia contra o poder central. Visava desumanizar as pessoas a ponto de destruir nelas qualquer auto-estima ou sentimento de humanidade, e as matava através de uma agonia cruel e prolongada. Para um crucificado não havia sepultura. Ficava pendurado na cruz até o corpo apodrecer ou ser comido pelos bichos. Em Jesus, porém, a consciência de humanidade foi mais forte que a desumanidade do poder romano. Em vez de odiar e vingar, Jesus perdoava e rezava: “Pai, perdoai, eles não sabem o que fazem!” (Lc 23,34). O amor ao Pai e aos irmãos levou-o a perdoar seus próprios torturadores e assassinos. Com este gesto Jesus mostrou que um grande amor é capaz de vencer o ódio que mata. Esta resistência humana e humanizadora de Jesus destruiu na raiz o instrumento da desumanização. Em Jesus, a força desumanizadora da cruz, esse terrível instrumento de ódio e de tortura, foi esvaziada. A cruz de Jesus tornou-se o símbolo da vitória do amor sobre o ódio, da vida sobre a morte. O amor levou Jesus ao dom total de si mesmo e, assim, tornou-se fonte de esperança para todo ser humano.
OBJETIVO O objetivo a ser alcançado neste 3º passo consiste em aprender a viver melhor a fé na res­surreição. A ressurreição acontece quando em nós o amor vence o ódio, quando a esperança derruba o desespero, quando a atitude de serviço supera o egoísmo. A experiência da ressurreição cria em nós uma atitude de doação a Deus e aos irmãos e nos leva a colocar o bem dos outros acima do meu próprio bem-estar.
PRÁTICASSUGERIDAS PELA REGRA DO CARMO A Eucaristia. É muito importante meditar e celebrar constantemente o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus, pois é lá que encontramos a fonte para poder viver em obséquio de Jesus Cristo. É, sobretudo, na celebração da Eucaristia que atingimos e atualizamos o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus e com ele nos identifica­mos. Diz a Regra do Carmo: O oratório, de acordo com as possibilidades, seja construído no meio das celas, aonde, cada dia pela manhã, vocês devem reunir-se para participar da solenidade da Missa, quando as circunstâncias o permitirem” (Rc 14). Mesmo quando eu não posso participar da Missa todos os dias, eu posso e devo alimentar em mim uma profunda e constante atitude eucarística, isto é, morrer e ressuscitar com Jesus, todos os dias, para poder servir a Deus e aos irmãos. São Paulo dizia: “Quero conhecer a Cristo, o poder da sua ressurreição e a comunhão em seus sofrimentos, para tornar-me semelhante a ele em sua morte, a fim de alcançar, se possível, a ressurreição dos mortos “ (Filp 3,10-11).
ATITUDE ORANTE A SER CULTIVADA Presença de Deus. O noivo, mesmo estando sozinho, pensa sempre na noiva e, por amor a ela, suporta qualquer problema. É bom exercitar-nos a pensar sempre em Deus, que revelou seu amor por nós nas atitudes que Jesus tomava com as pessoas. Por amor a ele, devemos aprender a carregar nossa cruz atrás de Jesus. Para isto é útil e proveitoso levar na memória a lembrança de algum gesto amoroso de Jesus, narrado nos evangelhos.
PADROEIRO Tito Brandsma, carmelita, jornalista, holandês, morto no campo de concentração dos na­zistas durante a guerra em 1942. Como Jesus, ele foi preso e condenado por ter defendido a justiça, a liberdade e a fraternidade diante das aberrações do sistema nazista.
ESPELHOBÍBLICO Maria Madalena. Saber crer na força do amor de Deus, apesar de todas as nossas deficiências pessoais. Maria Madalena era uma moça da cidade de Magdala, à beira do lago da Galiléia. Por isso era chamada Maria Ma(g)dalena, Maria de Magdala. Ela deve ter sido uma moça cheia de problemas. Diziam que Jesus tirou dela sete demônios (Lc 8,2; Mc 16,9). Pessoas assim não costumam ter muito auto-estima; a vizinhança as rejeita e marginaliza, e elas mesmas costumam ter muita dificuldade em carregar sua cruz. Mas Maria Madalena foi acolhida por Jesus e começou a fazer parte do grupo dos discípulos (Mc 15,40-41; Lc 8,2). Ela soube crer no amor de Jesus, amor tão grande que regenerou a pessoa dela e lhe devolveu toda a sua auto-estima e sua vocação. O amor de Jesus criou nela tanta coragem que chegou a ir com ele até o Calvário ao pé da Cruz (Jo 19,25). Ela carregou sua cruz atrás de Jesus e foi testemunha da sua morte e sepultura (Mc 15, 40.47). Madalena foi a primeira pessoa a receber uma aparição de Jesus Ressuscitado (Mc 16,9; Jo 20,16). Como você vive a sua vocação; ela o ajuda a crer no amor e a ter maior auto-estima? São Paulo dizia: “Nada nos pode separar do amor de Deus” (Rom 8,38-39).
BÍBLIA LeiturasMt 16,24: Tomar sua cruz e seguir JesusMc 15,39: Um pagão reconhece: “Realmente este homem era Filho de Deus!”Gál 2,19-20;6,14: Paulo dizia: Não sou eu, mas é Cristo que vive em mim.Rom 8,38-39: Nada nos pode separar do amor de Deus, revelado em Jesus.Salmos

Sl 22,2-12: O Salmo que Jesus rezou na Cruz

Sl 31,2-9: Outro salmo que Jesus rezou na cruz

Sl 77,2-16: Será que Deus mudou? Mudou não! Sou eu é que não sei enxergar.

Neste 3º passo, a ênfase cai na pessoa de Jesus carregando a sua cruz. Para que possamos segui-lo, devemos nós também carregar a cruz. Ele disse: “Tome a sua cruz, e siga-me!” Jesus não pede para a gente carregar a cruz dos outros, nem para carregar a cruz que ele carregou, mas pede que cada um carregue sua própria cruz, não de qualquer jeito, mas sim “atrás de Jesus e por amor a ele e ao evangelho” (Mc 8,35). Isto é, eu devo carregar-me a mim mesmo com as minhas limitações, defeitos e pecados; devo procurar ser eu mesmo sem pretensão nem arrogância, e colocar-me a serviço, atrás de Jesus, do jeito que Jesus carregou a sua cruz. Foi assim que ele realizou sua missão: “Eu não vim para ser servido, mas para servir” (Mc 10,45).

Atenção! Junto ao nosso povo não convém insistir demais nesta obrigação de que devemos sofrer, como se Deus quisesse o nosso sofrimento. Não! Deus não quer o nosso sofrimento. Ele quer é que tenhamos vida e vida em abundância (Jo 10,10). Não há necessidade de insistir sempre no sofrimento, pois o povo já vive cercado de sofrimento. O sofrimento já faz parte do quotidiano da sua vida. É algo normal que o povo já aceitou e vive, desde criança. Não se deve pedir um compromisso a mais neste ponto. O compromisso que se pede consiste em não buscar saídas individuais para problemas coletivos. A Cruz de Jesus pede que coloquemos o bem comum acima do bem pessoal ou familiar (de sangue, classe, cultura e demais extensões do ‘eu’). Esta é a vontade do Pai a nosso respeito como tão claramente transparece nos sete pedidos da oração do “Pai Nosso”. Aliás, este é o resumo de toda a Bíblia: “Tudo o que vocês desejam que os outros façam a vocês, façam vocês também a eles. Pois nisso consistem a Lei e os Profetas.” (Mt 7,12).

Durante o 3º passo continuam as práticas iniciadas no 1º e no 2º passo. No decorrer do 3º passo é importante aprofundar o significado da Cruz de Jesus com a ajuda de textos da Bíblia, sobretudo das cartas de Paulo. É um período para olhar e experimentar de perto o sofrimento que marca a vida humana, sobretudo a vida dos pobres, aqui no Brasil. no meio do qual vivemos nós Carmelitas. Completamos assim o que falta à paixão de Cristo (Col 1,24).

A Meditação da Paixão e Morte de Jesus

Os sete Passos da Paixão de Jesus

Foram sobretudo os frades Carmelitas que divulgaram a devoção aos Sete Passos da Paixão de Jesus. Estes sete passos encontram-se nas igrejas carmelitas, sobretudo da Ordem Terceira. Eles eram levados em procissão na Sexta feira Santa. Um significativo conjunto dos sete passos foi feito por Aleijadinho. Eis o Sete Passos:

1) O DOM DA EUCARISTIA: Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,14-20; 1Cor 11,23-26.

2) AGONIA DE JESUS NO HORTO DA OLIVEIRAS: Mt 26,36-46; Mc 14,32-42; Lc 22,39-46).

3) A TRAIÇÃO DE JUDAS: Mt 26,20-25; 26,47-50; Lc 22,47-48; Jo 13,18-30; 18,1-3;

4) A NEGAÇÃO DE PEDRO: Mc 14,26-31; 14,66-72; Lc 22,54-62; Jo 13,36-38; 18,15-18.25-27; 21,17.

5) JESUS DIANTE DE PILATOS: Lc 23,1-25; Jo 18,28 a 19,16;

6) JESUS FLAGELADO E COROADO DE ESPINHOS: Mt 27,26-31; Mc 15,15-20; Jo 19,1-5.

7) JESUS CARREGA A SUA CRUZ: Mt 27,31-32; Mc 15,20-22; Lc 23,26-32; Jo 19,16-17

As catorze estações da Via Sacra de Jesus

Foram sobretudo os frades Franciscanos que divulgaram a devoção da Via Sacra. No exercício da “Via Sacra” percorremos com Jesus o caminho da Cruz que ele andou, desde o Pretório de Pilatos até o monte Calvário. Cada uma das catorze estações apresenta uma cena da Paixão a ser meditada. Ultimamente, foi acrescentada a décima quinta estação que medita a Ressurreição de Jesus:

Eis as quinze Estações da Via Sacra:

Estação: Jesus é condenado à morte: Mc 3,6; Jo 11,49-50; Mt 27,15-26; Lc 23,13-25

Estação: Jesus carrega a cruz nas costas: Jo 19,17; Is 53,4

Estação: Jesus cai pela primeira vez debaixo da cruz: Is 53,4-5

Estação: Jesus encontra a sua Mãe: Jo 19,25-27; Lc 2,35

Estação: Simão, o Cirineu, ajuda Jesus a carregar a cruz: Mc 15,21; Lc 23,26

Estação: Verônica limpa o rosto ensangüentado de Jesus: Is 50,6; 53,1-3

Estação: Jesus cai pela segunda vez debaixo da cruz: Is 53,6-8

Estação: Jesus encontra as mulheres de Jerusalém: Lc 23,27-32; Mc 15,40-41; Mt 27,55-56

Estação: Jesus cai pela terceira vez debaixo da cruz: Sab 3,12-20

10ª Estação: Jesus é despojado de suas vestes: Mt 27,35; Mc 15,24; Lc 23,34; Jo 19,23-24

11ª Estação: Jesus é pregado na cruz: Lc 23,33-43; Jô 19,18-22

12ª Estação: Jesus morre na cruz: Mt 27,45-54; Mc 15,33-39; Lc 23,44-49; Jo 19,28-30

13ª Estação: Jesus morto nos braços de sua Mãe: Jo 19,25-26; Lc 2,35

14ª Estação: Jesus é enterrado: Mt 27, 57-66; Mc 15,42-47; Lc 23,50-56; Jo 19,38-42

15ª Estação: Jesus ressuscita da morte: Mt 28,1-10; Mc 16,9-13; Lc 24,13-35; Jo 1-2.11-18

4º Símbolo.

A Regra de Santo Alberto

O símbolo da Regra de Santo Alberto

* evoca o Monte Carmelo, transformado em ideal de vida através da Regra de Santo Alberto

* evoca o ideal Mendicante que coloca os Carmelitas a serviço dos menores, dos pobres e excluídos

* pede que aprofundemos, cada vez mais, o espírito do Carmelo, assimilando em nós o seu DNA

A Regra de Santo Alberto
SIGNIFICADO A Regra foi dada por Santo Alberto aos primeiros frades Carmelitas que viviam no Monte Carmelo. Foi no silêncio daquele Monte que eles tinham feito o rascunho do seu projeto de vida. Alberto usou o rascunho para fazer a Regra do Carmo. Deste modo, o Monte Carmelo deixou de ser uma simples referência geográfica para tornar-se símbolo e referência do ideal de vida dos primeiros Carmelitas, ideal que agora está expresso na Regra. O símbolo do Monte tem uma força evocativa muito forte. Traz à memória a Montanha de Deus do profeta Elias (1Rs 19,8), o Monte Sinai do levita Moisés (Ex 3,1); o Monte das nações do profeta Isaías (Is 2,2); o Monte Tabor da Transfiguração de Jesus (Mt 17,1); o Monte das Oliveiras da Ascensão de Jesus (Mt 28,16;Lc 24,50; At 1,9); a Subida do Monte Carmelo de São João da Cruz. Evoca as dificuldades da subida, a solidão das alturas, a vastidão do panorama e o silêncio longe dos rumores. O símbolo da Regra de Santo Alberto, rascunhada e dada no Monte Carmelo, resume em si os valores dos três passos anteriores: Escapulário, Bíblia e Cruz, transforma-os em norma de vida e abre o horizonte para os valores dos três passos que seguem: Escudo, Logotipo e Foto. Aqui no 4º passos estamos à metade do caminho. Como para o profeta Elias, assim também para nós, resta-nos uma longa caminhada (1Rs 19,6).
OBJETIVO O objetivo a ser alcançado neste 4º passo consiste em conhecer melhor a Regra do Carmo e fortalecer em nós a identidade como Carmelitas, não só com a cabeça, nas idéias, mas também com o coração, na vivência diária. O texto da Regra, você o encontra no fim deste livro. Uma chave de leitura para a Regra encontra-se no fim do 5º passo. É bom reler, cada vez de novo, os doze pontos do DNA do Carmelo, descritos no capítulo 5 deste livro.
PRÁTICASSUGERIDAS PELA REGRA DO CARMO O Silêncio. A Regra do Carmo, a mais curta de todas as Regras monásticas, é como o mapa de viagem que orienta o peregrino na Subida do Monte Carmelo. Ao longo dos seus 24 capítulos você vai subindo e, no capítulo 21, o capítulo sobre o silêncio, você alcança o topo do Monte. São João da Cruz, inspirando-se nas grandes Montanhas da Bíblia, diz que no alto do Carmelo, em cima do Monte, reinam o amor e o silêncio. É importante exerci­tar-nos na prática do silêncio, sobretudo o silêncio interior do coração que consegue estar presente às conversas com as pessoas e, ao mesmo tempo, estar atento a Deus, o bem amado do coração. Diz a Regra sobre o Silêncio: O apóstolo recomenda o silêncio, quando manda que é nele que se deve trabalhar. E como afirma o profeta: a justiça é cultivada pelo silêncio. E ainda: no silêncio e na esperança estará a força de vocês. Por isso, determinamos que, depois da recitação das completas, guardem o silêncio até depois da Hora Primeira do dia seguinte. Fora desse tempo, embora a observância do silêncio não seja tão rigorosa, com tanto mais cuidado abstenham-se do muito falar, porque, conforme está escrito e não menos ensina a experiência: No muito falar não faltará o pecado; e: Quem fala sem refletir sentirá um mal-estar; e ainda: Quem fala em demasia prejudica a sua alma; e o Senhor no Evangelho: De toda palavra inútil que os homens disserem, dela terão que prestar conta no dia do juízo. Portanto, cada um faça uma balança para as suas palavras e rédeas curtas para a sua boca, para que, de repente, não tropece e caia por causa da sua língua, numa queda sem cura que conduz à morte. Que, como diz o profeta, cada um vigie sua conduta para não pecar com a língua, e se empenhe, com diligência e prudência, em observar o silêncio pelo qual se cultiva a justiça” (Rc 21). Há pessoas que não falam, mas não tem silêncio. E há pessoas que conversam normalmente e vivem num silêncio profundo diante de Deus.
ATITUDE ORANTE Salmos. Os Salmos são o lado orante da Bíblia e da Vida. Neles meditamos a Lei de Deus, a História, a Sabedoria e a Profecia. Todas as situações da vida estão refletidas nos salmos. Eles são uma amostra de como rezar. Por isso é bom ir se acostumando a rezar os salmos e até a decorar algum salmo que mais fala ao coração. Foi o que Jesus fazia. Rezou salmos na hora da agonia no Horto: “Minha alma está triste” (Mc 14,34; Sl 31,9-10; Sl 42,5-6), e na cruz: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Mc 15,34; Sl 22,1) e “Em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46; Sl 31,6).
PADROEIRO O Patriarca Alberto. Os capítulos da Regra sobre as armas espirituais (Rc 18 e 19), o trabalho (Rc 20) e o silêncio (Rc 21) são um resumo da tradição monástica da Igreja. Alberto queria que esta tradição tão rica da Igreja fosse colocada a serviço do Povo de Deus através da nossa fidelidade à Regra. Mas mesmo Alberto sendo o autor da Regra, os frades não quiseram ser chamados de Albertinos, mas sim de Carmelitas, isto é, Moradores do Carmelo. Eles queriam e querem que todas as comunidades de Carmelitas sejam Pequenos Carmelos.
ESPELHO BÍBLICO Paulo Apóstolo. A Regra do Carmo nos apresenta o Apóstolo Paulo como modelo e exemplo. Ela diz a respeito de Paulo: “Por sua boca Cristo falava e ele foi constituído por Deus e dado como pregador e mestre dos gentios na fé e na verdade. Se seguirem a ele, não poderão desviar-se” (Rc 20). Inicialmente, Saulo, assim ele se chamava, era radicalmente contra a nova “seita” dos seguidores de Jesus. Achava que eles eram a negação total de tudo aquilo que Deus tinha falado e prometido no passado. Por isso concordou com o assassinato de Estevão e começou a perseguir os cristãos querendo acabar com eles (At 8,1-4). No caminho de Damasco, uma luz o envolveu e o jogou no chão (At 9,3-6). Ele ficou três dias na escuridão total (At 9,9) e ressuscitou para uma nova vida (At 9,17-19). Paulo não se agarrou às suas próprias idéias, mas foi capaz de reconhecer seu erro, de vencer sua teimosia e de entregar-se sem medida à nova vocação que acabava de receber de Deus. Como foi este processo em você?
BÍBLIA LeiturasJr 35,18-19: Os recabitas foram sempre fiéis à Regra que o fundador lhes tinha dado1Rs 19,7-12: Elias no topo do Monte Horeb tem um reencontro com DeusLc 9,28-35: No Monte Tabor, Moisés e Elias conversam com Jesus transfiguradoJoão 20,19-23: Não ter medo, pois Jesus nos envia seu espíritoSalmos

Sl 119, 1-16: Meditar a Lei de Deus, a norma de vida, pensando no autor da Lei

Sl 42(41): A longa caminhada em direção a Deus passa por vales áridos

Sl 62(61) Só em Deus minha alma repousa:

A Regra contém o projeto de vida elaborado pelos primeiros Carmelitas. O próprio Alberto diz na Regra: “visto que vocês nos pedem que, de acordo com o seu projeto, lhes apresentemos uma forma de vida à qual, de agora em diante, devem manter-se fiéis, determinamos”. Em seguida, vem o texto da Regra.

Os Carmelitas viviam orando no alto do Monte e desciam para anunciar a Boa Nova e atender à necessidade do povo de saber como rezar, como viver com Deus na oração; como viver na presença do Deus libertador e irradiar esta presença no meio da comunidade.

De volta na Europa, pediram ao Papa que adaptasse a Regra às novas circunstâncias, para que eles pudessem servir melhor aos “menores” da Europa. Esta Regra, adaptada e aprovada pelo Papa, é a que até hoje anima e orienta toda a Família Carmelitana. Já tem mais de 800 anos! Mas árvore velha do fundo do quintal não se corta quando, cada ano de novo, ela continua produzindo frutos novos. De fato, cada século, até hoje, a Regra está produzindo frutos novos na Igreja a serviço do povo de Deus, sobretudo dos “menores”, dos pobres.

Na medida em que subimos o Monte, o caminho vai ficando mais estreito, mas a visão do horizonte vai se alargando. Neste 4º passo, já nos encaminhamos para ir sintetizando e consolidando as coisas que fomos aprendendo ao longo dos quatro primeiros passos. Por isso, é bom reler sempre de novo aqueles doze pontos do nosso DNA, da nossa identidade e missão na Igreja e no meio do Povo de Deus.

Sobre o Silêncio na Regra do Carmo

Na solidão do Monte Carmelo, reinava um grande silêncio. Não havia barulho, a não ser os ruídos da própria natureza que convidam ao silêncio. Mesmo assim, a Regra recomenda com muita insistência o silêncio. Numa cidade barulhenta tem sentido insistir que se faça silêncio; mas pedir que se faça silêncio naquela serra imensa do Carmelo, cheia de solidão, qual o sentido? Qual o silêncio que a Regra pede de nós Carmelitas? Há muitos tipos de silêncio: o silêncio de uma sala de estudo ou de uma biblioteca; o silêncio que se pede num hospital; o silêncio da noite ou da madrugada; o silêncio da natureza, o silêncio da morte; o silêncio do medo; o silêncio do censurado e do povo silenciado e amordaçado; o silêncio do aluno que não sabe a resposta. Qual o silêncio que a Regra pede e recomenda?

Para descrever o valor do silêncio, a Regra cita duas frases do profeta Isaías: “A justiça é cultivada pelo silêncio”, e “É no silêncio e na esperança, que se encontrará a vossa força. O silêncio recomendado pela Regra tem a sua origem nos profetas. É um silêncio profético! Conforme as frases de Isaías, este silêncio tem a ver com a prática da justiça, com a esperança e a força (i.é, resistência). É o silêncio do profeta Elias.

O silêncio profético do Carmelo tem dois aspectos, expressos nas duas frases de Isaías. A primeira frase diz que o cultivo do silêncio gera justiça. Isaías compara a prática do silêncio com o trabalho do agricultor que cultiva sua roça para ter boa colheita. Esta primeira frase indica o esforço ativo nosso que visa atingir um determinado resultado. A segunda frase do profeta sugere o contrário. Em vez de esforço ativo em busca de um resultado, aqui a prática do silêncio é vista como a atitude de espera de algo que deve acontecer, mas que não depende do nosso esforço. Depende de Deus. No fim, a Regra retoma a frase inicial sobre a justiça como fruto do silêncio e diz: Cada um procure diligentemente observar o silêncio, pelo qual se cultiva a justiça. No começo e no fim, a Regra insiste na prática do silêncio como caminho para a justiça. Qual o sentido disto para nós hoje?

Hoje em dia, o barulho é tanto, que nos impede de perceber o que está acontecendo de fato. Envolve-nos de tal maneira, que acabamos achando normal aquilo que, na realidade, é uma situação de morte. A violência tornou-se tão normal que já nos acostumamos. A miséria crescente do povo, a injustiça impune, o sofrimento dos que nunca cometeram algum mal, o abandono, o desemprego, a exclusão, a doença, a solidão, o desamor…! Vivemos numa situação de morte, e já não nos damos conta. E o consumismo mata qualquer esforço de consciência crítica. O primeiro passo do silêncio profético consiste no trabalho ativo de fazer silenciar o barulho dentro de nós, para que a realidade possa aparecer do jeito que ela é em si mesma e não como aparece desfigurada através do muito falatório, do barulho da moda, do diz-que-diz, ou através dos meios de comunicação, da ideologia dominante. Este trabalho ativo da prática do silêncio produz o desmantelo das falsas idéias da ideologia dominante e dos preconceitos. Faz nascer a visão justa das coisas. Gera em nós a justiça. Este primeiro passo do silêncio profético é fruto do esforço ativo nosso de fazer silenciar o muito falatório da propaganda, da ingenuidade sem consciência crítica.

O segundo passo do silêncio profético está expresso na segunda frase do profeta Isaías: No silêncio e na esperança está a força de vocês. Este segundo passo é fruto da ação de Deus. Ele aparece na Bíblia de várias maneiras. Trata-se da experiência mística. Por exemplo:

* Salmo 37,7 diz: Descansa em Javé e nele espera. Literalmente se diz: Esvazia-te diante de Javé e agüenta firme. A palavra esperar (agüentar), sugere a atitude da mulher em dores de parto. Ela agüenta firme, porque sabe que vai nascer vida nova, apesar das muitas dores.

* Lamentação 3,26 diz: É bom esperar em silêncio a salvação de Javé. É a mesma experiência da certeza que vem de Deus. A pessoa não sai de frente de Deus, porque sabe que vai ser atendida.

* Este mesmo silêncio foi acontecendo na vida do profeta Elias na caminhada para o Monte Horeb (1Rs 19), na vida de Maria ao pé da Cruz e na vida dos Santos e Santas Carmelitas.

5º Símbolo.

O Escudo do Carmo

O símbolo do Escudo do Carmo

* é o escudo da fé, fortalecida em nós pela convivência, pela luta, pela oração e pela Palavra de Deus

* suas três estrelas evocam Maria, Elias e Eliseu que nos ensinam como “viver em obséquio de Jesus Cristo”

* pede que caminhemos e assumamos com decisão a vida carmelitana, expressa na Regra de Santo Alberto.

O Escudo do Carmo e suas três Estrelas
SIGNIFICADO Olhe bem o Escudo com todos os seus detalhes: a espada, as doze estrelas ao redor, as três estrelas maiores no centro, a coroa, a frase, o desenho. O escudo é uma arma defensiva que evoca luta. A única arma ofensiva é a espada da Palavra de Deus. O escudo traz três estrelas. São as estrelas-guia do Carmelo: Maria, Elias e Eliseu. Elas indicam como viver em obséquio de Jesus Cristo. O Escudo ainda traz a frase do profeta Elias: “O zelo por Javé dos Exércitos me consome”. Indica o ardor com que a luta deve ser conduzida. Aparecem ainda as doze estrelas que envolvem Maria, a mulher que aparece no Apocalipse (Apoc 12,1). Elas trazem à memória tudo que Maria fez para encarnar a Palavra de Deus em sua vida. A Regra do Carmo afirma que o escudo da fé nos defende contra todos os ataques do poder do mal (Rc 19), isto é, da ideologia dominadora do sistema neo-liberal, dos enganos e falsas idéias de nós mesmos, e de tantos outros males que nos afligem a nós e ao povo de Deus.
OBJETIVO O objetivo a ser alcançado neste 5º passo consiste em começar a resumir tudo aquilo que, nas etapas anteriores conseguimos apreender sobre Maria como irmã e educadora nossa, sobre Elias como fonte de inspiração, e sobre Eliseu como discípulo-modelo de Elias; resumir também o que dos três aprendemos sobre como viver em obséquio de Jesus Cristo. É para que tenhamos maior clareza de como, para onde e a favor de quem devemos conduzir a luta que a Regra pede de nós.
PRÁTICASSUGERIDAS PELA REGRA DO CARMO Armas Espirituais. A Regra tem todo um capítulo sobre a luta e as armas espirituais. Quem quer praticar esporte, deve saber disciplinar sua vida (1Cor 9,24-27). Quem quer ser discípulo e discípula de Jesus no Carmelo, deve preparar-se para a luta. Eis o que a Regra diz sobre a luta e a armadura de Deus: Visto que a vida humana na terra é uma tentação, e todos os que querem viver fielmente em Cristo sofrem perseguição, e como o seu adversário, o diabo, rodeia por aí como um leão que ruge, espreitando a quem devorar, procurem, com toda a diligência, revestir-se da armadura de Deus, para que possam resistir às embosca­das do inimigo. Os rins devem ser cingidos com o cíngulo da castidade, o peito protegido por pensamentos santos, pois está escrito: O pensamento santo te guardará. A couraça da justiça deve ser usada como veste, a fim de que vocês amem o Senhor com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças, e o próximo como a si mesmos. Sempre e em tudo deve ser empunhado o escudo da fé, com o qual possam apagar todas as flechas incendiárias do maligno, pois sem a fé é impossível agradar a Deus. O capacete da salvação deve ser colocado sobre a cabeça, para que esperem a salvação unicamente do Salvador, pois é ele que libertará o seu povo dos pecados. E que a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus, habite abundantemente em sua boca e em seus corações, e tudo que vocês tiverem de fazer, seja lá o que for, que seja feito na Palavra do Senhor” (Rc 18 e 19). Para enfrentar e vencer a “tentação”, a “perseguição” e o “assalto” (devorar) do poder do mal, as armas são estas seis: 1) o cíngulo da castidade, 2) o peito protegido por pensamentos santos, 3) a couraça da justiça ou do amor, 4) o escudo da fé, 5) o capacete da salvação ou da esperança e 6) a espada da Palavra de Deus.
ATITUDE ORANTE Oração Aspirativa. Acostumar-se a decorar uma breve prece, uma jaculatória, um versículo da Bíblia, e repeti-lo durante o dia. Ou formular uma palavra sagrada significa­tiva, que vamos repetindo durante o dia como se fosse uma bala gostosa na boca que nunca derrete, como uma flecha de amor dirigida para o coração de Deus.
PADROEIRO João Soreth. Foi o Superior Geral da Ordem no começo do século XV, depois da peste negra que devastou a Europa e desintegrou grande parte da Vida Religiosa no Carmelo. Ele lutou pela reforma da Ordem e pela observância mais fiel a Regra. Foi ele que abriu as portas do Carmelo para a entrada de leigos e religiosas na vivência do nosso Carisma. Devemos muito a ele. A reforma promovida por João Soreth foi a mais importante ao longo da história do Carmelo.
ESPELHO BÍBLICO O Levita Moisés. Saber ter coragem de aceitar a vocação, mesmo diante do perigo. Moisés foi chamado para enfrentar sozinho o Faraó do Egito, o dono do mundo. Sua vocação era libertar o povo que estava sendo explorado e oprimido pelos capatazes do Faraó. Quarenta anos antes, Moisés já tinha tido uma experiência dolorosa quando, em defesa dos irmãos oprimidos, matou um capataz egípcio (Ex 2,12). Teve que fugir da polícia que queria matá-lo (Ex 2,15). Agora, novamente, lá no Monte, na sarça ardente, Deus o chama para voltar ao Egito e enfrentar o homem mais poderoso do mundo (Ex 3,1-10). Inicialmente, Moisés não deu conta. Ficou com medo e arrumou uma porção de desculpas para escapar da vocação (Ex 3,11.13; 4,1.10.13). De fato, uma vocação assim dá medo na gente. Você já sentiu medo? Moisés soube superar o medo e, no fim, com confiança em Deus, entregou-se e realizou sua vocação (Ex 4,18). Vocação é um processo. Leva tempo. É jacarandá. Na vida de todos nós existe uma sarça ardente, existe o Monte do reencontro com Deus e com a vocação.
BÍBLIA LeiturasGn 15,1: Deus diz a Abraão: Eu sou teu escudo!Eclo 34,16-17: Deus é um escudo poderoso de proteçãoEf 6,13-17: Paulo descreve as armas da armadura de Deus de que devemos revestir-nos.SalmosSl 18,2-7: Deus é escudo e proteção na luta

Sl 28,6-8: Deus nos protege como escudo e rocha

Sl 121(120): Deus é o guarda do seu povo, sua sombra protetora

O simbolismo do Escudo do Carmo vem desta frase da Regra: “Sempre e em tudo deve ser empunhado o escudo da fé, com o qual vocês possam apagar todas as flechas incendiárias do maligno, pois sem a fé é impossível agradar a Deus”. O escudo da fé nos capacita para caminhar sem desanimar e para enfrentar a dura luta da vida junto com os irmãos e irmãs da comunidade e com todos os outros mendicantes a serviço da dos “menores” e da renovação da igreja.

O Escudo do Carmo simboliza nossa pertença à Família Carmelitana. É nossa carteira de identidade, distintivo visível que carregamos na lapela. A Regra diz que devemos “viver em obséquio de Jesus Cristo”. O Escudo é o resumo desta vida em obséquio de Jesus Cristo, pois traz a estrela do Profeta Elias: “Vivo é o Senhor, em cuja presença estou!” (1Rs 17,1). Traz a estrela de Maria, a Mãe de Jesus: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1,38). Traz a estrela do profeta Eliseu: “Eliseu levantou-se, seguiu Elias, e se colocou a seu serviço”(2Reis 19,21).

O Escudo é uma arma de defesa e não de ataque. A fé nos defende através do testemunho e da proteção das três figuras, Elias, Maria e Eliseu. Elias, com seu fogo profético; Maria, com seu desejo de encarnar a Palavra; Eliseu, com sua vontade de ser discípulo fiel. As três repetem para nós o que Maria disse ao povo nas bodas de Caná a respeito de Jesus: “Fazei tudo que ele vos disser” (João 2,5). Eles apontam Jesus como caminho, verdade e vida; como pastor que nos guia; como vida e ressurreição que nos enche de esperança; como a fonte que mata em nós a sede de Deus.

Uma chave de leitura para a Regra

I. Prólogo (Rc 1-3)

Rc 1: Saudação e Bênção

Rc 2: O rumo de vida para todos: viver em obséquio de Jesus Cristo

Rc 3: O projeto comum, próprio dos Carmelitas

II. A infra-estrutura da vida comunitária (Rc 04-09)

Rc 4: O Prior e os Votos: assumir o projeto da Comunidade

Rc 5: O Lugar de Moradia: preservar o deserto interior

Rc 6: A Cela dos Frades: garantir o diálogo com Deus

Rc 7: A Refeição em comum: aprofundar o convívio fraterno

Rc 8: A Estabilidade no Lugar: assumir a forma de vida dos mendicantes

Rc 9: A Cela do Prior na entrada: acolher e encaminhar os visitantes

III. Os pontos básicos do ideal da Vida Carmelitana (Rc 10-15)

Rc 10: Na cela: meditar dia e noite na lei do Senhor e vigiar em orações

Rc 11: Em comunidade: o Ofício Divino ou a reza do Pai Nosso

Rc 12: Na vida: opção do Carmelo pelos “menores” através da comunhão de bens

Rc 13: No dia-a-dia: adaptação em vista das necessidades das pessoas

Rc 14: Na capela: a memória de Jesus através da Eucaristia diária

Rc 15: No compromisso de todos: revisão semanal e correção fraterna

IV. Os meios para alcançar o ideal (Rc 16-21)

Rc 16: O jejum: santificar o tempo, desde a festa da Cruz até à Páscoa

Rc 17: A abstinência: passar pelo nada para chegar ao tudo

Rc 18: A condição humana: a fragilidade que pede resistência

Rc 19: A luta da vida e as armas espirituais: não desistir nunca

Rc 20: O trabalho: ocupar o tempo e providenciar o próprio sustento

Rc 21: A prática do silêncio: esvaziar-se para Deus e os irmãos

V. Recomendações finais para uma convivência madura (Rc 22-23)

Rc 22: O prior como servidor dos irmãos

Rc 23: O respeito dos irmãos para com o prior

VI. Epílogo (Rc 24)

Rc 24: Discernimento, e opção dos pobres pelo Carmelo


6º Símbolo

O Logotipo do Carmelo

O símbolo do Logotipo do Carmelo

* mostra como a contemplação, a mística, é a fonte e o fruto de tudo que acontece no Carmelo

* mostra como da contemplação ou da mística, surgem a oração, a fraternidade e a profecia

* conjugadas, estas três virtudes pedem a nós a prática da ternura, da solidariedade e da justiça

Logotipo do Carmelo
SIGNIFICADO O Símbolo do logotipo consiste em três círculos que resumem todo o carisma e espiritualidade do Carmelo. Por uma feliz coincidência a combinação dos três círculos fez surgir no centro o símbolo do Escudo do Carmo, que já foi meditado no 5º passo. Observe bem o logotipo com todos os seus detalhes e procure decifrá-los: os círculos, as palavras, o desenho, a figura central, a combinação das palavras, das linhas e dos círculos. No lugar da palavra “mística” você deve ler “justiça”, pois a mística já está implícita na palavra “contemplação”. Procure descobrir a ligação que há entre os três círculos e as várias palavras. Tente descrever o que significa para você oração, fraternidade e missão profética.
OBJETIVO O objetivo a ser alcançado neste 6º passo consiste em continuar o que iniciamos no passo anterior e completar a síntese de tudo que, até agora, meditamos e aprendemos. Tente fazer esta síntese olhando e usando os vários elementos do logotipo.
PRÁTICASSUGERIDAS PELA REGRA DO CARMO Trabalho. Aos poucos, a vivência do carisma do Carmelo deve penetrar e animar todos os aspectos e setores da nossa vida, não só a oração e a vida interior, mas também a nossa participação na sociedade e o nosso trabalho, seja em casa, seja no emprego. Diz a Regra do Carmo a respeito do trabalho: Vocês devem fazer algum trabalho, para que o diabo sempre os encontre ocupados e não consiga, através da ociosi­dade de vocês, encontrar alguma brecha para penetrar em suas almas. Nisto vocês tem o ensinamento e o exemplo de São Paulo apóstolo, por cuja boca Cristo falava e que por Deus foi consti­tuído e dado como pregador e mestre dos gen­tios na fé e na verdade. Se se­guirem a ele, não poderão desviar-se. Ele escreve: Em meio a trabalhos e fadigas estivemos entre vocês, trabalhando dia e noite, para não sermos um peso para nenhum de vocês. Não que não tivéssemos esse direito, mas queríamos apresentar-nos como um exemplo a ser imitado. Com efeito, quando estávamos com vocês, demos esta regra: Quem não quiser trabalhar, também não coma! Ora, temos ouvido falar que entre vocês há alguns que levam uma vida irrequieta, sem fazer nada. A esses tais ordenamos e suplicamos no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem em silêncio e, assim, comam seu próprio pão. Este caminho é santo e bom. É nele que devem andar” (Rc 120). No Monte Carmelo, os primeiros Carmelitas trabalhavam na roça, copiavam códigos, teciam cestos e faziam outro tipo de trabalhos manuais e domésticos. O trabalho, ocupando a mente, impede que o mal entre de fora para dentro. Deste modo, a presença de Deus pode irradiar de dentro para fora.
ATITUDE ORANTE Contemplação. Como Carmelitas, devemos dar cada vez mais atenção à contemplação, à mística, à vida na presença de Deus. Convém retomar as práticas sugeridas na “atitude orante” dos cinco passos anteriores e intensificar estes exercícios.
PADROEIRO João da Cruz, carmelita, foi o grande místico contemplativo. Ele nos ensina a relativizar as idéias e as imagens que temos de Deus e sobre Deus. Deus é sempre maior do que tudo aquilo que a respeito dele pensamos ou afirmamos. João da Cruz ensina que a nossa segurança não pode estar nas nossas idéias sobre Deus, mas sim em Deus, Ele mesmo.
ESPELHO BÍBLICO Rute, amiga. Saber ser fiel às pessoas, mesmo que elas não tenham nada para retribuir. O nome Rute significa “amiga”. Ela era de uma região chamada Moab. Encontrou por lá um casal de migrantes israelitas Noemi e Elimelek com dois filhos. Ela e uma outra moça, chamada Orpa, casaram com os dois filhos daquele casal. O azar foi que morreram os três maridos e ficaram só as três viúvas, humanamente falando sem futuro (Rt 1,1-5). Noemi, já bem idosa, resolveu voltar para a terra dela e dizia às duas noras: “Vocês voltem para sua casa.” (Rt 1,6-13) Orpa voltou, mas Rute foi fiel à sua sogra, ficou com ela e tornou-se estrangeira na terra de Israel. Rute deu um passo no escuro sem saber o que a esperava. Mas foi assim que ela descobriu e assumiu a sua vocação. Ela foi capaz de superar tudo o que pensava sobre Deus e chegou a dizer a Noemi: “Teu povo, meu povo; teu Deus, meu Deus!” (Rt 1,16). Um dos descendentes de Rute, a estrangeira, é Jesus, o filho de Maria (Mt 1,5).
BÍBLIA LeiturasMt 6,5-15: Oração: Jesus ensina como rezarMt 18,15-22: Fraternidade: Jesus ensina como praticar a fraternidadeMt 11,1-5: Missão Profética: Jesus ensina como realizar a missão proféticaRom 12,9-21: Paulo descreve como deve ser a vida em comunidadeSalmos

Sl 27,1-8: A força da oração que faz crescer a fé em Deus

Sl 133: A beleza da fraternidade

Sl 58 e 82 A coragem de denúncia profética

Sl 8 Contemplar a beleza da Natureza

O Símbolo do 6º passo é o logotipo do Carmelo que resume tudo num desenho que pode ser meditado e refletido em grupo como sendo o resumo de tudo que estudamos nos cinco passos anteriores. Os três círculos trazem as palavras centrais do nosso carisma e espiritualidade: Oração, Fraternidade, Missão profética. Ou seja: “fraternidade orante no meio do povo”. Vale a pena cada comunidade carmelita, de vez em quando, colocar-se diante deste Logotipo para fazer uma avaliação da sua vida, da sua maneira de ser Carmelita e de viver o Carisma.

A combinação dos três círculos faz surgir no centro a figura do nosso Escudo com as três estrelas-guia de Maria, Elias e Eliseu, e a palavra contemplação (mística) como fonte e fruto de tudo que se vive no Carmelo. Se a Fraternidade nossa for banhada pela Oração, ela produz Ternura na maneira de conviver entre irmãos e irmãs e com o povo. Se a Fraternidade procurar ser Profética, ela produz Solidariedade. Se a Fraternidade, nascida da contemplação e alimentada pela oração, procurar ser verdadeira ela se engaja na luta pela Justiça.

O que é Mística?

Desde os tempos mais remotos da história da humanidade chegam até nós os ecos e os sinais da experiência humana quase universal de que a realidade que nos envolve é mais ampla e mais profunda do que as coisas que conseguimos analisar com a razão, perceber com os olhos, apalpar com as mãos, ouvir com os ouvidos, cheirar com o olfato. Todos os povos, culturas e religiões registram expressões desta percepção mística do invisível, desde Platão até os monges budistas, desde os primeiros cristãos de Jerusalém até os frades Carmelitas que viviam no Monte Carmelo, desde os ritos dos mitos indígenas até a intuição das crianças quando olham o céu estrelado.

A mentalidade utilitarista da eficiência, que olha a natureza apenas do ponto de vista do proveito que dela podemos tirar, nos faz perder a sensibilidade para esta dimensão mais ampla e mais profunda da vida, a dimensão mística. Porém, graças a Deus, hoje em dia, em todo canto, está renascendo a busca de espiritualidade, de mística.

A palavra mística vem do grego. Significa “escondido”; indica algo que é real, mas não se vê. A palavra mistério sugere a mesma coisa: a realidade escondida da presença de Deus atrás ou na raiz da realidade que observamos com os olhos, apalpamos com as mãos ou pisamos com os pés.

Na mística não se trata de experiências extraordinárias, mas sim de perceber, de intuir e de viver a vida com a atitude não de dono e de aproveitador, mas sim de admirador e de servidor. Ser capaz de ficar maravilhado ou de sentir-se interpelado diante de um por do sol, diante de uma criança, uma obra de arte, um texto bíblico, um pobre que pede esmola, um doente, uma experiência de amor, uma situação de injustiça, um desastre da natureza, um gesto de doação, uma música, um canto, uma flor, um problema sem solução, um panorama, uma árvore frondosa, uma cruz pendurada na parede.

Algumas pessoas têm uma sensibilidade maior diante da natureza, outras diante de situações humanas, outras diante de intuições filosóficas, outras diante de suas reações interiores, outras quando se encontram em meio ao borbulho da vida agitada na cidade. É a partilha destas experiências que enriquece a vida de todos.

A Bíblia nos ajuda a perceber esta dimensão mais profunda da nossa vida. Santo Agostinho dizia que a Escritura nos devolve o olhar da contemplação, nos ajuda a decifrar o mundo e contribui para que a vida se torne novamente transparente.

Experiência mística, dizia o Carmelita Tito Brandsma, não é algo só de alguns místicos privilegiados, mas é uma experiência profundamente humana e comum. É um olhar diferente sobre as coisas do dia-a-dia da vida. Na experiência mística, não se trata de você sentir algo diferente, algo fora de comum, mas sim de uma convicção que vai nascendo aos poucos e que não depende de um sentimento passageiro. Uma convicção como aquela de Jeremias. Quando na tragédia do cativeiro, causada por Nabucodonosor, rei da Babilônia, todos os apoios tradicionais falharam e o povo se desesperava, Jeremias redescobriu a fonte da esperança na certeza tão simples e tão comum do nascer do sol a cada manhã: “Assim diz Javé, aquele que estabelece o sol para iluminar o dia e ordena à lua e às estrelas para iluminarem a noite, aquele que agita o mar e as ondas rugem, aquele cujo nome é Javé dos exércitos: Quando essas leis falharem diante de mim – oráculo de Javé – então o povo de Israel também deixará de ser diante de mim uma nação para sempre. Assim diz Javé: Quando alguém puder medir o tamanho do céu nas alturas ou examinar com cuidado os profundos alicerces da terra, só então eu rejeitarei o povo inteiro de Israel, por causa de tudo o que ele fez – oráculo de Javé” (Jr 31,35-37; 33,20-21.25-26).

Jeremias soube ler a natureza com outros olhos. Os problemas e as forças contrárias podem ser grandes, insuperáveis; Nabucodonosor pode ter muita força, mas jamais ele será capaz de impedir o nascer do sol no dia seguinte, pois maior é o poder do amor de Deus, experimentado e revelado no sol que renasce todos os dias. E assim, em Jeremias renasceu a esperança como resposta a este amor maior de Deus, redescoberto na raiz dos fenômenos da natureza, que envolve todas as coisas do universo. “Deus nos amou primeiro”, dirá São João, séculos depois (1Jo 4,19).

Assim, através de altos e baixos, através de noites escuras e dias ensolarados, vamos penetrando aos poucos no mistério escondido da vida e da realidade, percebendo os limites das nossas idéias e práticas, descobrindo a força deste amor maior que nos envolve de todos os lados. Vamos subindo a Montanha, o Monte Carmelo, desfazendo-nos de tudo que pode atrapalhar ou impedir a subida e a experiência do amor.

Na mesma medida em que vamos chegando ao topo da Montanha, aproximamo-nos das outras pessoas que, como nós, cada uma dentro da sua religião, tradição e cultura, hindus, judeus, cristãos, muçulmanos, tantos e tantas, também vão subindo a mesma montanha, entrando para dentro do mesmo mistério da vida. Juntos, eles e nós, descobriremos então, como diz São João da Cruz, que no topo da Montanha reinam o silêncio e o amor. Lá em cima, seremos todos um, “como tu, Pai, em mim e eu em ti” (Jo 17,21).

Para nós cristãos, a revelação maior deste amor criador de Deus, presente na raiz de todas as coisas e objeto dos anseios mais profundos do coração humano, aconteceu em Jesus. Foi em Jesus que o apóstolo Paulo, no caminho de Damasco, fez a grande descoberta que o sustentou ao longo da sua vida até o martírio: “Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes nem as forças das alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura, nada nos poderá separar do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 8,38-39).


7º Símbolo

Uma Foto pessoal sua, na sua comunidade

O símbolo da sua foto pessoal na sua comunidade

* apresenta você como pessoa integrada dentro da Família Carmelitana

* sugere que a pessoa só cresce e amadurece como gente e pessoa é na convivência comunitária.

* pede que cada um elabore e viva o seu programa pessoal de vida em obséquio de Jesus Cristo

Uma foto sua pessoal na sua Comunidade
SIGNIFICADO A foto é um exemplo do símbolo deste 7º passo. Você também deve fazer uma foto sua dentro da sua comunidade. Quem olha a foto não vê você. Mas você, olhando sua foto, logo se percebe a si mesma como fazendo parte do grupo com o qual você convive e trabalha. Quem não conhece você nem o grupo, dirá que se trata de um grupo qualquer. Mas você, que conhece o grupo e faz parte dele, dirá: “É a nossa comunidade. Aquela pessoa lá sou eu!” Você lembrará o nome de todos e todas e saberá enumerar o que aprendeu de cada um. Também lembrará aquilo com que você contribuiu para o crescimento do grupo, da família. Sim, como carmelitas temos que viver em comunidade. Jesus nos chamou para estar com ele e ir em missão (Mc 3,13-14). Viver em comunidade é a plataforma de onde se parte para a missão, para irradiar a Boa Nova do Reino que Jesus nos trouxe. Sem comunidade, nossa palavra é microfone sem alto falante; é lâmpada bonita sem luz elétrica; peruca em cabeça careca. Engana, e não realiza nada.
OBJETIVO O objetivo a ser alcançado neste 7º passo consiste em duas coisas: 1) estimular e aprofundar nossa convivência comunitária, seja na família seja na comunidade, através do diálogo e da escuta; 2) elaborar uma síntese, não uma síntese teórica, pois isto já foi feito no 6º passo, mas sim uma síntese em forma de um programa pessoal de vida com Tema e Lema próprios, pessoais, de como você, daqui para frente, pretende viver em obséquio de Jesus Cristo. Este programa ou compromisso pessoal de vida deverá ser partilhado na celebração final, com a qual se encerra esta iniciação de sete passos na vivência do Carisma e da espiritualidade do Carmelo.
PRÁTICASSUGERIDAS PELA REGRA DO CARMO Compromisso Comunitário. A prática mais importante nesta fase final da iniciação ao Carmelo é o compromisso comunitário. Diz a Regra do Carmo: Da mesma maneira, nos domingos ou em outros dias caso for necessário, vocês devem tratar da observância na vida comum e do bem-estar espiritual das pessoas. Igualmente, nessa mesma ocasião, as trans­gressões e culpas dos irmãos, que por ventura forem encontradas em algum deles, sejam corrigidas mediante a caridade” (Rc 15). De acordo com este texto, cada um é responsável por três coisas básicas da vida comunitária: 1) pelo andamento do bem comum; 2) pelo bem-estar de cada irmão e irmã e 3) pela correção das faltas que possam ter ocorrido na comunidade. Neste encontro semanal, também chamado de capítulo, a co-responsabilidade de todos é exercida e aprofundada, pois as pessoas conversam entre si sobre o andamento da sua vida em comunidade. Se não há conversa nem diálogo, não acontece nunca a conversão. Não há conversão sem conversa sincera e fraterna. Só consegue conversar bem quem aprendeu a silenciar para escutar o que o outro tem a dizer.
ATITUDE ORANTE Oração Comunitária. Procurar dar grande atenção a todas as formas de oração comunitária. Seja na família ou na comunidade, seja na paróquia ou em qualquer outro grupo. Jesus rezava sozinho nas montanhas, mas também participava da reza nos encontros comunitários nas sinagogas e das romarias para o Templo em Jerusalém.
PADROEIRA Teresa de Ávila. Ela é a Santa da conversão, da Reforma constante da nossa vida de acordo com as exigências que Alberto colocou na Regra. Ela disse: “Guardamos a Regra de Nossa Senhora do Carmo, sem mitigação, tal como a redigiu frei Hugo, Cardeal de Santa Sabina, em 1247, no quinto ano do Pontificado do Papa Inocêncio IV” (Vida, 36,26). Ninguém melhor do que Teresa para nos orientar na vivência do nosso carisma e espiritua­lidade e na conversão e reforma permanentes da nossa vida.
ESPELHO BÍBLICO O profeta Elias. Viver em conversão permanente para não perder o rumo. Sempre existe a necessidade de conversão, não só da conversão moral e disciplinar, mas também e sobretudo da conversão em profundidade, do nosso modo de pensar e de enxergar Deus, os irmãos e a vida. Neste ponto o profeta Elias é o espelho bíblico. Elias já tinha realizado grandes coisas. Enfrentou sozinho o rei Acab e os 450 profetas do falso deus Baal (1Rs 18,7-39). Mas teve um momento de desânimo tão forte que perdeu a vontade de viver. Só queria comer, beber e dormir. Estava sem rumo, perdido, no meio do deserto, sozinho: “Quero morrer! Não sou melhor do que os outros!” (1Rs 19,3-6). Ele imaginava sua vocação de um jeito, e ela vinha a ele de outro jeito. Você já teve momentos assim? Como fez para reencontrar o caminho? Elias conseguiu reencontrar o caminho, mas teve que passar por uma conversão dolorosa. Para além das imagens visíveis, reencontrou a presença de Deus na “brisa suave” (1Rs 19,12). Reencontrou sua vocação e conseguiu transmiti-la para o profeta Eliseu (1Rs 19,19-21).
BÍBLIA LeiturasJoão 14,22-26: O Espírito Santo virá completar em nós a obra iniciada por JesusMateus 11,1-6: Jesus ajuda João Batista a fazer uma conversão em profundidadeApoc. 22,1-5: A visão do futuro, para o qual a vida no Carmelo nos preparaSalmosSl 131(130): Prece final que traduz o ideal da Mística

Sl 1 e 150: As duas dimensões da oração diante de Deus

Sl 112(111): Retrato de um/a carmelita fiel

O Símbolo deste sétimo e último passo é uma fotografia de você com a comunidade carmelitana a que você pertence. Aqui convém lembrar o que dizia o Cearense: “Eu não sou pessoa não. Sou pedaço de pessoa. Pessoa é a comunidade, e quanto mais eu participo na comunidade, mais pessoa eu fico”. O crescimento pessoal só se faz e só é possível dentro da comunidade. Jesus chamava seus discípulos com um duplo objetivo: “estar com ele”, isto é, formar comunidade com ele, e “ir em missão” (Mc 3,13-14). A comunidade é a plataforma de onde parte a missão. Sem vida em comunidade, a missão carmelitana não é como deve ser.

A dimensão comunitária, bem assumida e bem vivida, completa e consolida tudo aquilo que vimos e meditamos até agora nestes sete passos, orientados pelos sete símbolos. Todo o estudo e esforço feitos até agora não terão tido sentido nenhum, se o resultado não aparecer no testemunho comunitário da sua vida renovada como carmelita. Não basta o estudo teórico das coisas, por mais importante que seja, se não produzir uma verdadeira conversão em nossas vidas e não começar a irradiar através de nós na comunidade e no meio do povo. Por isso, no fim, como conclusão de tudo, é bom cada um, cada uma, elaborar para si mesmo um programa pessoal de vida de como vai fazer para ir realizando esta sua missão como Carmelita na sua comunidade.

É bom que haja uma celebração final, na qual cada um se compromete definitivamente com o ideal do Carmelo. Nesta ocasião seria bom cada um partilhar para os outros como pretende realizar o seu propósito. É bom que esta celebração definitiva seja precedida por um breve retiro.

Fraternidade Orante e Profética no meio do Povo

A Missão dos Pequenos Carmelos

Nossa Regra surgiu como proposta de vida naquele grupo de peregrinos que viviam no Monte Carmelo. Eles pediram ao Alberto para que, em nome da Igreja, confirmasse a proposta deles. A forma de vida que eles adotaram, desde o começo, era o novo tipo de Vida Religiosa que estava surgindo na Europa e que se chamava Movimento Mendicante. A novidade da vida mendicante era a insistência na fraternidade como revelação da Boa Nova do amor de Deus para com os “menores”, os pobres. A fraternidade mendicante era a fraternidade dos “menores”, do povo pobre que necessitava criar entre si laços de solidariedade para poder sobreviver nas cidades. Ser mendicante significava optar para viver numa fraternidade pobre, de “menores”. Eles eram chamados frades menores.

A fraternidade não é uma tarefa a mais ao lado das outras, mas sim uma atitude de vida que deve permear tudo. Na Regra do Carmo, a vivência da Fraternidade está no mesmo nível do “meditar dia e noite na lei do Senhor”. Assim como Deus é presença constante na vida do Carmelita, também o irmão e a irmã devem ser presença constante. O exercício da fraternidade nasce da experiência de Deus e conduz para uma experiência mais profunda de Deus.

Aos escrever a Regra, o patriarca Alberto tinha diante de si o modelo da comunidade dos primeiros cristãos de Jerusalém, da qual dizem os Atos dos Apóstolos: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma” (At 4,32). Comparando o ideal da Regra (Rc 10 a 15) com o que dizem os Atos dos Apóstolos a respeito da comunidade dos primeiros cristãos (At 2,42-47; 4,32-35), aparecem os seguintes cinco pontos que marcaram a vida comunitária dos primeiros cristãos e que formam também a base da fraternidade no Carmelo. Eis o esquema:

Comunidade dos primeiros Cristãos Comunidade dos primeiros Carmelitas

“Perseveravam na oração” (At 2,42; 4,24)”Freqüentavam o Templo” (At 2,46-47)”Tinham tudo em comum” (At 2,42.44; 4,32.34-35)”Fração do pão nas casas” (At 2,42.46)”Eram um só coração e uma só alma” (At 4,32; 1,14) 1. Oração e vigilância (Rc 10)2. Oração litúrgica (Rc 11)3. Comunhão de bens (Rc 12 e 13)4. Celebrar eucaristia (Rc 14)5. Revisão semanal (Rc 15)

1. A fraternidade deve alimentar-se na Palavra de Deus e na oração: isto exige Leitura Orante e meditação constante (Rc 10).

2. A fraternidade deve ter a sua expressão comunitária na oração litúrgica ou na celebração comunitária da Palavra de Deus (Rc 11).

3. A fraternidade deve ter a sua expressão econômica bem concreta na partilha dos bens, na igualdade básica de todos, na pobreza que os leva a ficar do lado dos “menores” (pobres) (Rc 12 e 13).

4. A fraternidade deve alimentar-se na Eucaristia, que é a participação na Morte e Ressurreição de Jesus: doação total de si mesmo a Deus e aos irmãos (Rc 14).

5. A fraternidade se consolida e se aprofunda através da revisão semanal, que promove a co-responsabilidade de todos no andamento do conjunto e no bem-estar de cada um dos irmãos (Rc 15).

Este ideal de fraternidade orante e profética no meio do povo, próprio dos carmelitas, está situado dentro do conjunto da Regra da seguinte maneira:

A 1ª parte (Rc 4 a 9) assegura o espaço e fornece a infra-estrutura para a vivência da fraternidade.

A 2ª parte (Rc 10 a 15) descreve o ideal da fraternidade como sendo cópia da comunidade de Jerusalém.

A 3ª parte (Rc 16 a 21) proporciona os meios necessários para poder realizar a fraternidade.

Rc 4 a 9A infra-estrutura da vidaGarante as condições necessárias Rc 10 a 15O ideal a ser realizadoImita a comunidade de Jerusalém Rc 16 a 21Os meios para realizar o idealA riqueza da tradição Monacal

A fraternidade é como uma árvore. Para crescer bem, ela deve lançar raízes para baixo, para dentro da terra. Assim ela crescerá para cima e dará frutos. Lançar raízes para dentro do chão é perder-se em Deus através da oração e da meditação constante da Palavra de Deus. Crescer e dar frutos significa irradiar o Reino de Deus, para além de nós mesmos, no meio do povo, sobretudo dos pobres. A fraternidade é o tronco que sustenta tudo: com a raiz no chão e os galhos para o alto.

Sugestão de celebrações

Para o uso os sete símbolos

Acabamos de percorrer os sete símbolos que apontam sete passos ou sete valores da espiritualidade e do carisma do Carmelo. É importante que o início de cada passo seja marcado e solenizado por meio de uma celebração, na qual se explicitam o significado do símbolo, o objetivo a ser alcançado e as práticas e orações a serem realizadas. Deve ser uma celebração bonita, simples, bem participada. Para isto damos aqui algumas sugestões.

* Fazer preceder a dia da celebração com um breve retiro. Preparar bem os símbolos (escapulário, bíblia, rosário, cruz, regra, escudo, logotipo, fotografia) que vão ser entregues durante a celebração, pois a celebração quer visualizar o compromisso das pessoas com a vivência do valor expresso pelo símbolo.

* É bom enfeitar bem o ambiente para que transpareça o significado do símbolo que vai ser entregue. Colocar os símbolos que os candidatos vão receber num lugar bem visível em cima do altar ou da mesa.

* Procurar cânticos que explicitem o valor do símbolo, e insistir para que toda a comunidade do Pequeno Carmelo participe na celebração.

* Escolher algumas das leituras bíblicas sugeridas em cada um dos símbolos ou encontrar outras.

* Sugestões para o andamento da celebração:

1. Cântico de entrada

2. Palavra de acolhida pela pessoa que coordena e preside a celebração e, em seguida, e convidar as pessoas que vão receber o símbolo a se apresentarem.

3. Sinal da cruz e canto de invocação da luz do Espírito Santo

4. Uma pessoa mostra o símbolo a todos e explica o seu sentido à comunidade

5. Cantar ou Rezar um salmo que diz respeito ao assunto

6. Fazer uma leitura da Bíblia

7. Breve explicação do salmo e da leitura, aplicando-os à cerimônia da entrega do símbolo que está sendo realizada

8. O presidente convida as pessoas que participam do processo da iniciação a vir receber, um por um, e Símbolo com uma fórmula de compromisso.

9. A comunidade faz preces

10. Rezar ou cantar mais um salmo

11. Pai Nosso e Ave Maria

12. Canto de encerramento com benção final

Agora no fim deste capítulo, é bom lembrar o aviso dado no início: “Cuidado para não transformar todas estas sugestões em leis rígidas e imutáveis a ponto de esquecer o seu objetivo. Mais do que de leis trata-se de ponteiros na estrada, que podem ser modificados de acordo com a situação em que se encontra a caminhada da comunidade”. Para além das sugestões e por meio delas, o que se quer alcançar é a criatividade do grupo, o envolvimento participativo de todos e a vivência da liberdade dos filhos e filhas de Deus em total obediência ao Pai.

7.VIVER EM OBSÉQUIO DE JESUS CRISTO

Jesus, nosso modelo de vida

O Patriarca Alberto escreve o seguinte no prólogo da Regra do Carmo:

“Muitas vezes e de muitas maneiras os Santos Padres estabeleceram como cada um, qualquer que seja o estado de vida a que pertença ou o modo de vida religiosa que tenha escolhido, deve viver em obséquio de Jesus Cristo e servi-lo fielmente com coração puro e consciência serena. No entanto, como vocês nos pedem que, de acordo com o seu projeto, lhes apresentemos uma forma de vida à qual, de agora em diante, devem manter-se fiéis, estabelecemos: …”.

Em seguida Alberto descreve a “forma de vida” e nela estabelece o jeito próprio dos Carmelitas viverem em obséquio de Jesus Cristo. Por isso, neste capítulo final, vamos olhar de perto a pessoa de Jesus: como ele deixou a vocação de Deus entrar dentro de si; como vivia em Deus, como irradiava a Boa Nova de Deus convivendo com o povo da sua terra, e qual o segredo que o sustentava a vida inteira até à morte, e morte de cruz.

Jesus deixou a vocação de Deus entrar dentro dele, e ela tomou conta de tudo

A experiência de Deus como Pai é a raiz da consciência que Jesus tinha de si mesmo, da sua missão e do anúncio que fazia do Reino. Jesus chegou a identificar-se em tudo com a vontade de Deus: “Eu faço sempre o que o Pai me manda fazer” (Jo 12,50). “O meu alimento é fazer a vontade do Pai” (Jo 4,34).

Jesus foi fiel ao Pai e aos pobres da sua terra. Diz São Paulo: “Embora fosse rico, Jesus tornou-se pobre por causa de vocês, para com a sua pobreza enriquecer a vocês” (2Cor 8,9). Conheceu a pobreza pelo lado de dentro. Esvaziou-se e foi esvaziado (Flp 2,7). Experimentou a fraqueza na hora da agonia, e o abandono na hora da mor­te (Mc 15,34). O abandono ao qual eram condenados os pobres! Morreu soltando o grito dos pobres (Mc 15,37), certo de ser ouvido pelo Pai que escuta o clamor do pobre (Ex 2,24; 3,7). Por isso, Deus o exaltou (Fl 2,9)!

Fazer a vontade do Pai e cumprir a missão era o eixo da vida de Jesus. Como diz a carta aos hebreus, citando o salmo: “Ao entrar no mundo ele afirmou: “Eis me aqui! Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vonta­de!” (Hb 10,5.7; Sl 40,8-9). Ao deixar o mundo, Jesus faz revisão e diz: “Tudo está realizado!” (Jo 19,30). Jesus se deixou moldar pelo Pai a cada momento da sua vida.

A comunhão entre Jesus e o Pai não era automática, mas sim fruto de uma luta que Jesus travava dentro de si para obedecer ao Pai em tudo e estar sempre unido a Ele. Jesus dizia: “Por mim mesmo nada posso fazer: eu julgo segundo o que ouço” (Jo 5,30). “O Filho por si mesmo nada pode fazer, mas só aquilo que vê o Pai fazer” (Jo 5,19). Não foi fácil. Foi um longo processo. Começou com o Sim de Maria (Lc 1,38) e terminou com o último Sim de Jesus na hora da morte. Jesus lutou para ser fiel ao Pai. Ele teve momentos difíceis, em que gritavau: “Afasta de mim este cálice!” (Mc 14,36). Teve que pedir a ajuda dos amigos (Mt 26,38.40). Teve que rezar muito para poder vencer (Hb 5,7; Lc 22,41-46). Mas venceu! Ele mesmo o confirma: “Eu venci o mundo!” (Jo 16,33). Como diz a carta aos Hebreus: “Durante a sua vida na terra, Cristo fez orações e súplicas a Deus, em alta voz e com lágrimas, ao Deus que podia salvá-lo da morte. E Deus o escutou, porque ele foi submisso. Embora sendo Filho de Deus, aprendeu a ser obediente através de seus sofrimentos. E, depois de perfeito, tornou-se a fonte da salvação eterna para todos aqueles que lhe obedecem”. (Hb 5,7-9) Deste modo, Jesus tornou-se para nós revelação e manifestação de Deus Pai: “Quem vê a mim vê o Pai”(Jo 14,9). Como diz o povo do menino que se parece com o pai: “É a cara do pai!”.

A obediência de Jesus ao Pai não era disciplinar, mas sim profética, reveladora do Pai. A união da vontade de Jesus à vontade do Pai deu a ele olhos novos para perceber a presença do Reino de Deus no meio do povo. O Reino já estava aí, mas ninguém o percebia (Lc 17,20-21). Jesus o percebeu e o revelou (Mt 16,1-3). Ele via o tempo maduro, o campo branco para a colheita (Jo 4,35), e anunciava (Mc 1,15):

Esgotou-se o prazo. O reino de Deus chegou!

Mudem de vida e acreditem nesta Boa Notícia.

E logo em seguida começou a irradiar a Boa Nova do Reino no meio do povo.

Jesus irradia a Boa Nova do Reino pelo seu jeito de conviver com o povo

A Boa Nova do Reino era como um fertilizante que faz a semente brotar e crescer. Pelo seu jeito de ser e de conviver, com o calor do seu bem-querer e a chuva dos seus ensinamentos, Jesus despertava no povo a força adormecida do Reino que o próprio povo não conhecia ou tinha esquecido, e a semente do Reino que estava escondida brotou e apareceu. Jesus desobstruiu o acesso à fonte dentro das pessoas. A água começou a jorrar e o povo se alegrou (Jo 4,14). Assim, muitas pessoas, através da fé em Jesus, despertaram para uma vida nova.

No que segue vamos ver como Jesus irradiava a Boa Nova do Reino pelo seu jeito de conviver …

… com os pobres em espírito

Jesus via como os doutores da lei ensinavam aos pobres a tradição dos antigos (Mc 7,1-5). Eles explicavam tudo direitinho conforme a letra da lei, mas a muitos deles faltava o espírito da lei. Em nome da fidelidade à letra, querendo ou não, eles marginalizavam muita gente: os pobres, os doentes, os deficientes físicos, as mulheres, os impuros, as crianças. Diziam que a pobreza, o sofrimento, os males da vida e as deficiências eram castigos de Deus. Em vez de ensinar a lei de Deus como expressão do rosto carinhoso do Pai, eles escondiam a imagem do Pai atrás de uma máscara de normas e obrigações que tornavam impossível a observância da lei para os pobres (Mc 7,6-13).

Jesus experimentava Deus de maneira diferente. Sentia Deus como Pai, como Mãe. Ele tinha um outro espírito, que o fazia meditar a letra da lei com um novo olhar e o levava a escutar os pobres com muita ternura. Jesus também era pobre. Nasceu pobre e escolheu ficar do lado dos pobres. Nascer pobre é algo que a pessoa não escolhe. Mas escolher ficar do lado dos pobres é opção pessoal. Com a capacidade e a inteligência que tinha, Jesus não teria tido dificuldade para sair da pobreza. Mas ele nunca tentou uma saída individual, só para si. Continuou solidário com os pobres. Vivia no meio dos pobres da sua terra, igual a eles.

Porém, para Jesus, nascer pobre e ser pobre não eram uma fatalidade nem um castigo de Deus, mas sim a expressão de um apelo de Deus. Jesus não era um pobre revoltado com inveja daqueles ricos que acumulavam toda a riqueza para si. Na sua pobreza Jesus tinha uma riqueza maior: Deus estava com ele. O Reino de Deus vivia nele e o espírito do Reino levava a lutar para que a injustiça fosse eliminada e os bens da terra fossem partilhados e se tornassem fonte de fraternidade para todos. Esta riqueza do Reino de Deus e da fraternidade, Jesus a irradiava no meio dos pobres e queria que todos a descobrissem. Por isso dizia a quem queria ouvi-lo: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino do céu!” (Mt 5,3)

Jesus e seus discípulos viviam misturados com os pobres e os excluídos (Mc 2,16; 1,41; Lc 7,37). Jesus reconhecia a riqueza e o valor dos pobres (Mt 11,25-26; Lc 21,1-4), e proclamava-os felizes (Lc 6,20; Mt 5,3). Não possuía nada para si, nem mesmo uma pedra para reclinar a cabeça (Lc 9,58). E a quem desejava segui-lo para conviver com ele, mandava escolher: ou Deus, ou o dinheiro! (Mt 6,24). Mandava fazer opção pelos pobres (Mc 10,21). A pobreza, que caracterizava a vida de Jesus, caracterizava também a sua missão. Ao contrário dos outros missionários (Mt 23,15), os discípulos e as discípulas de Jesus não podiam levar nada, nem ouro, nem prata, nem duas túnicas, nem sacola, nem sandálias, mas somente a Paz! (Mt 10,9-10). Eram pobres em espírito, pois iam animados pelo mesmo espírito de Jesus.

Jesus anunciava o Reino para todos, para pobres e ricos. Não excluía ninguém. Mas o anunciava a partir dos pobres e excluídos: prostitutas eram preferidas aos fariseus (Mt 21,31–32; Lc 7,37-50); publicanos tinham precedência sobre os escribas (Lc 18,9-14; 19,1-10); leprosos eram acolhidos e limpos (Mc 1,44; Mt 8,2-3; 11,5; Lc 17,12-14); doentes eram curados em dia de sábado (Mc 3,1-5; Lc 14,1-6; 13,10-13); mulheres faziam parte do grupo que acompanhava Jesus (Lc 8,1-3; 23,49.55; Mc 15,40-41); crianças eram apresentadas como professores de adultos (Mt 18,1-4; 19,13-15; Lc 9,47-48); samaritanos eram apresentados como modelo para os judeus (Lc 10,33; 17,16); famintos eram acolhidos como rebanho sem pastor (Mc 6,34; Mt 9,36; 15,32; Jo 6, 5-11); cegos recebiam a visão (Mc 8,22-26; Mc 10,46-52; Jo 9,6-7) e os fariseus eram declarados cegos (Mt 23,16); possessos eram libertados do poder do mal (Lc 11,14-20); a mulher adúltera era acolhida e defendida contra os que a condenavam em nome da lei de Deus (Jo 8,2-11); estrangeiros eram acolhidos e atendidos (Lc 7,2-10; Mc 7,24-30; Mt 15,22). Os pobres perceberam a novidade e acolheram Jesus dizendo: “Um novo ensinamento dado com autoridade!” (Mc 1,27), diferente dos escribas e dos fariseus (Mc 1,22). Todo este carinho de Jesus na convivência com os pobres era a maneira de ele revelar a preferência do amor do Pai para com eles.

Jesus queria que os pobres tomassem consciência deste amor do Pai que o animava por dentro, e que, como ele, encontrassem em Deus a fonte da sua felicidade. Por isso repetia o seu conselho amigo a quem quisesse ouvi-lo: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu”.

… com os que choram

Não existe pessoa neste mundo que nunca chorou. Nem Jesus escapa. Nascemos chorando. Uns choram mais que os outros. O choro pode ter muitas causas: choro de raiva e de ódio, e choro de amor e de compaixão. Choro alegre e choro triste. Jesus, ele mesmo, chorou várias vezes. Chorou sobre Jerusalém, a capital do seu povo, porque ela não soube perceber o dia da visita do Senhor (Lc 19,41-44). Deve ter chorado, quando os romanos destruíram a cidade de Séforis, capital da Galiléia, matando e escravizando seus moradores. Jesus tinha de 7 a 8 anos de idade e Séforis ficava a apenas oito quilômetros de Nazaré. Jesus se comovia diante do povo faminto que o procurava (Mc 6,34). O evangelho de Mateus diz que, diante da tristeza de tanta gente, causada pela pobreza e opressão, Jesus imitava o Servo de Javé anunciado por Isaías: “Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e carregou as nossas doenças” (Mt 8,17).

Jesus deve ter enxugado muitas lágrimas e devolvido a alegria a muita gente. Ele imitava Deus que, como diz Isaias, “enxugará as lágrimas de todas as faces, e eliminará da terra inteira a vergonha do seu povo” (Is 25,8). Como devem ficado alegres a viúva de Naím, cujo filho único ele ressuscitou (Lc 7,11-17); a Cananéia, cuja filha curou (Mc 7,24-30); a mulher de hemorragia irregular que se curou graças a sua fé em Jesus (Mc 5,25-34); o cego Bartimeu (Mc 10,46-52), o velho Zaqueu (Lc 19,1-10), a Samaritana (Jo 4,7-42), a mulher adúltera (Jo 8,1-11), a mulher curvada (Lc 13,11), Madalena (Lc 8,2; Jo 20,11-18), Marta e Maria, irmãs de Lázaro (Jo 11,17-44), e tantos e tantas! Não dá para enumerar todos os casos de aflição que se converteram em consolo e alegria graças à bondade de Jesus. Jesus retomou o projeto de Deus Pai que criou a vida para ser bendita (Gn 1,28). Onde havia tristeza, onde a vida não tinha condições de ser bendita, lá Jesus se compadecia e procurava devolver a alegria.

Ele combateu os males que faziam o povo sofrer e chorar: combateu a fome, pois alimentou os famintos (Mc 6,30-44; 8,1-10); combateu a doença, pois curou os enfermos (Mt 4, 24; 8,16-17); combateu os males da natureza, pois acalmou as tempestades (Mt 14,32; 8,23-27); expulsou os maus espíritos e os proibia de falar (Mc 1,23-27.34; Lc 4,13); combateu a ignorância, pois ensinava o povo (Mt 9, 35; Mc 1,22); combateu o abandono e a solidão, pois acolhia as pessoas e não as marginalizava (Mt 9,36; 11,28-30); combateu as leis que oprimiam, pois colocou o ser humano como objetivo de todas as leis (Mt 12,1-5; 23,13-15; Mc 2,23-28); combateu a opressão, pois acolhia o povo oprimido (Mt 11,28-30) e denunciava os opressores que se faziam passar por benfeitores (Lc 22,25); combateu o medo, pois dizia sempre: “Não tenham medo!” (Mt 28,10; Mc 6,50).

Poder consolar os tristes e aflitos deve ter sido para Jesus uma fonte de muito consolo e alegria. Ele deve ter tido momentos de profunda alegria. Por exemplo, quando percebeu que os pobres entendiam as coisas que ele ensinava sobre o Reino, Jesus ficou tão feliz que expressou sua alegria numa prece espontânea: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado” (Lc 11,21; Mt 11,25-26). Jesus queria que todos tivessem esta mesma alegria de poder dizer uma palavra de conforto a quem estava aflito e desanimado (Is 50,4). Por isso dizia: “Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados”.

… com os mansos

Jesus disse: “Venham a mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a minha carga e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração.” (Mt 11,28-30). A mansidão a que Jesus se refere não é a de uma pessoa sem fibra, sem vontade própria, que aprova tudo e concorda com tudo, pois Jesus não era assim. A mansidão a que ele se refere é a mansidão resistente do Servo de Javé, anunciado pelo profeta Isaías: “Ele não grita, nem levanta a voz, não solta berros pelas ruas, não quebra a planta machucada, nem apaga o pavio que ainda solta fumaça. Com fidelidade promove o direito sem desanimar nem desfalecer, até estabelecer o direito sobre a terra” (Is 42,2-4).

A mansidão consistia em divulgar o direito, não tomar atitudes agressivas de gritaria e propaganda vazia, não apagar a esperança dos pequenos, não desanimar nunca, mas ir em frente até que o direito alcance os confins da terra. Assim era a mansidão de Jesus. Isaías completa a descrição da mansidão dizendo que ela consiste em “saber dizer uma palavra de conforto a quem está desanimado” (Is 50,4). E o próprio Servo acrescenta: “O Senhor me abriu os ouvidos e eu não resisti, nem voltei atrás. Ofereci minhas costas aos que me batiam e o queixo aos que me arrancavam a barba. Não escondi o rosto para evitar insultos e escarros. O Senhor é a minha ajuda! Por isso, estas ofensas não me desmoralizam. Faço cara dura como pedra, sabendo que não vou ser um fracassado” (Is 50,5-7).

A mansidão de Jesus é a resistência que nasce da certeza de fé de que a vitória final não será dos violentos, dos corruptos, dos prepotentes, mas sim dos que tem a mansidão do Servo. Jesus era uma amostra viva desta mansidão resistente. Para ele, tudo se resumia em imitar Deus: “Vocês ouviram o que foi dito: Ame o seu próximo, e odeie o seu inimigo. Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos, e rezem por aqueles que perseguem vocês! Assim vocês se tornarão filhos do Pai que está no céu, porque ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos. Portanto, sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no céu” (Mt 5,43-45 e 48; cf Lc 6,36).

Jesus imitou o Pai e revelou o seu amor. Cada gesto, cada palavra de Jesus, desde o nascimento até à morte na cruz foi um crescendo contínuo. A manifestação plena desta mansidão foi quando na Cruz ofereceu o perdão ao soldado que o torturava e matava. O soldado, empregado do império, prendeu o pulso de Jesus no braço da cruz, colocou um prego e começou a bater. Deu várias pancadas. O sangue espirrava. O corpo de Jesus se contorcia de dor. O soldado bruto e ignorante, alheio ao que estava fazendo e ao que estava acontecendo ao redor, continuava batendo como se fosse um prego na parede da sua casa para pendurar um quadro. Neste momento Jesus dirige ao Pai esta prece: “Pai, perdoa! Eles não sabem o que estão fazendo!” (Lc 23,34) A crucifixão, castigo cruel inventado pelo império, tinha por objetivo provocar a total desumanização da vítima. Porém, por mais que quisessem, a desumanidade dos perseguidores não conseguiu apagar em Jesus a mansidão, a humanidade. Eles o prenderam, xingaram, cuspiram no rosto, deram soco na cara (Mt 26,67), fizeram dele um rei palhaço com coroa de espinhos na cabeça (Lc 23,11; Mt 27,27-30), flagelaram, torturaram (Mc 15,15-19), fizeram-no andar pelas ruas como um criminoso, teve que ouvir os insultos das autoridades religiosas (Mt 27,39), no calvário o deixaram totalmente nu à vista de todos e de todas (Mc 15,24). Mas o veneno da desumanidade agressiva não conseguiu alcançar a fonte da mansidão resistente que brotava de dentro de Jesus. Olhando aquele soldado ignorante e bruto, Jesus teve dó do rapaz e rezou por ele e por todos nós: “Pai, perdoa!” E ainda arrumou uma desculpa: “São ignorantes. Não sabem o que estão fazendo!” Diante do Pai, Jesus se fez solidário com aqueles que o torturavam e maltratavam. Era como o irmão que vem com seus irmãos assassinos diante do juiz e ele, vítima dos próprios irmãos, diz ao juiz: “São meus irmãos, sabe! São uns ignorantes. Perdoa. Eles vão melhorar!” Era como se Jesus estivesse com medo que o mínimo de raiva contra o rapaz que o matava pudesse apagar nele o último restinho de humanidade que ainda sobrava nele. Este gesto incrível de humanidade e de mansidão foi a maior revelação do amor de Deus. Jesus podia morrer: “Está tudo consumado!” E inclinando a cabeça, entregou o espírito (Jo 19,30).

Jesus era uma amostra viva da vitória da mansidão sobre a violência. Na hora de morrer, ele confirmou o que tinha ensinado: “Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra!”

… com os que têm fome e sede de justiça

No tempo de Jesus, muitos escribas e fariseus ensinavam que a justiça só se alcançaria observando a lei até nos seus mínimos detalhes. Deste modo, o relacionamento com Deus se tornava comercial: Eu dou algo a Deus, para que Ele me pague. Se eu observar bem toda a lei, posso exigir que Ele me dê a recompensa prometida. No ensino deles o acento caía na observância, no merecer. Eles não deixavam espaço para a gratuidade e a misericórdia (cf Mt 9,13). Jesus não concordava com esta justiça e dizia: “Se a justiça de vocês não for maior que a justiça dos fariseus e escribas, vocês não vão poder entrar no Reino dos céus” (Mt 5,20).

Na raiz desta falsa justiça estava a injustiça maior que era a falsa imagem de Deus que a religião oficial assim comunicava ao povo. Por causa da insistência só na observância da Lei, Deus aparecia para o povo como um juiz severo que ameaça com castigo, provoca medo e condena, e não como um pai que acolhe e perdoa. Esta tremenda injustiça para com Deus se manifestava nas coisas mais comuns do dia-a-dia e transformava a vida de muitas pessoas num inferno. Por exemplo, eles não podiam comer sem lavar as mãos (Mc 7,3); não podiam sentar à mesa com quem era de outra raça ou de outra religião (Mc 2,16); não podiam entrar na casa de um pagão (At 10,28); não podiam arrancar espigas em dia de sábado para matar a fome (Mt 12,1-2); não podiam curar um doente em dia de sábado (Mc 3,1-2). E assim havia muitas outras normas, observâncias e costumes. A impureza que a lei assim exigia ameaçava o povo de todos os lados: “Pecado! Proibido! Não Pode!” O “pecado” estava em toda parte!

O povo, em vez de sentir-se em paz diante de Deus e feliz com a perspectiva do Reino, tinha a consciência pesada, pois não conseguia observar a Lei, nem alcançar a justiça (cf. Rom 7,15.19). Só quem observava toda a lei é que se tornava justo e recebia de Deus o prêmio da sua justiça. Assim eles pensavam, e assim se ensinava.

Jesus não pensava assim. Ele tinha fome e sede de uma outra justiça. Tinha outra imagem de Deus no coração. Para Jesus, nossa justiça diante de Deus não é fruto das nossas observâncias, mas é um dom que recebemos de Deus. A mãe ama a criança não porque a criança é boa e lhe obedece em tudo, mas porque ela mesma é mãe. Mãe é Mãe! Amor de mãe não se compra, nem se merece, mas se recebe de graça pelo simples fato de nascer. “Quisesse alguém dar tudo o que tem para comprar o amor, seria tratado com desprezo” (Ct 8,7). Temos que observar a lei de Deus, sim, sempre, mas não para merecer ou comprar o céu. Observamos a lei para retribuir e agradecer a imensa bondade com que Deus nos acolhe e “nos amou primeiro”, sem mérito algum da nossa parte (1Jo 4,19).

Esta nova visão da justiça cresceu em Jesus, desde pequeno, convivendo em casa com sua mãe que lhe falava do amor e da misericórdia de Deus (cf Lc 1,54-55). Ele descobria o amor de Deus Pai no amor que recebia de Maria, sua mãe, de Ana, sua avó, e de José, seu pai, que era um homem justo (Mt 1,19). Jesus, por sua vez, traduzia este amor naqueles gestos tão simples de ternura com que recebia e acolhia as pessoas, desde as criancinhas até os velhos: Zaqueu (Lc 19,1-10), Bartimeu (Mc 10,46-52), Talita (Mc 5,41), Nicodemos (Jo 3,1-15), Madalena (Lc 8,2; Jo 20,11-18), Levi (Mc 2,13-17), a mulher adúltera (Jo 8,1-11), a moça do perfume (Lc 7,36-50), a Samaritana (Jo 4,7-26), a Cananéia (Mt 15,21-28), as mães com crianças pequenas nos braços (Mc 10,13-16), tantos e tantas…!

Irradiando esta sua fome e sede de justiça, Jesus sentia, ele mesmo, uma enorme satisfação de ver o povo feliz, alegre, reconciliado consigo mesmo e com Deus. Ele experimentava em sua própria vida que, quando uma pessoa se esforça para viver e irradiar esta fome e sede de Justiça, ela começa a sentir um prazer imenso em poder colaborar para criar um mundo mais justo e mais fraterno. Jesus queria que todos pudessem sentir este mesmo prazer que nasce quando se vive e se pratica esta fome e sede de justiça. Por isso, repetia e ensinava como fruto da sua própria experiência: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”.

… com os misericordiosos

Jesus era a misericórdia em pessoa. Tinha o coração na miséria dos outros. Ele conhecia de perto a miséria e o sofrimento do seu povo. Basta você ler e meditar as parábolas. Nelas transparece a situação de dor e de angústia das pessoas daquele tempo. Por exemplo, a situação dos trabalhadores desempregados que viviam à espera de um biscate e nem sempre o conseguiam (Mt 20,1-6); a situação do povo que vivia cheio de dívida e era ameaçado de ser escravizado (Mt 18,23-26); o desespero que chegava a levar o pobre a explorar seu próprio companheiro (Mt 18,27-30; Mt 24,48-50); a extravagância dos ricos que ofendia os pobres (Lc 16,19-21); a luta da viúva pobre pelos seus direitos (Lc 18,1-8). Jesus sabia o que se passava no seu país. A miséria do povo o rodeava e enchia o seu coração.

O que Jesus mais fazia era atender às pessoas que o procuravam em busca de alguma ajuda ou alívio. Ele fazia isto desde pequeno. Lá em Nazaré, como todo mundo, ele trabalhava na roça e, além disso, ajudava o povo como carpinteiro. Carpinteiro era aquela pessoa bem prática do povoado a quem todos recorriam para resolver seus pequenos problemas domésticos: mesa quebrada, telha estragada, arado desregulado, etc. Este seu jeito natural de servir aos outros, Jesus o deve ter aprendido de sua mãe que chegou a viajar mais de 100 quilômetros só para ajudar sua prima idosa Isabel, no primeiro parto (Lc 1,36-39.56-57). Jesus dizia de si mesmo, resumindo o sentido da sua vida: “Eu não vim para ser servido, mas para servir” (Mc 10,45).

Sim, Jesus era a misericórdia em pessoa. Certa vez, ele queria descansar um pouco e foi de barco para o outro lado do lago (Mc 6,31). O povo soube e foi a pé na frente dele e ficou esperando por ele na praia (Mc 6,33). Vendo o povo, Jesus esqueceu o descanso e dizia: “Tenho dó desse povo. São como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34). Outra vez, em Cafarnaum, terminado o sábado, no momento de aparecer a primeira estrela no céu, o povo levou a ele todos os doentes da cidade, e ele curou a todos (Mc 1,32-34). Era tanta gente que o procurava, que nem sobrava tempo para ele comer (Mc 3,20; Mt 6,31). O evangelho conta muitos episódios desta atenção misericordiosa de Jesus para com as pessoas: com a mulher adúltera (Jo 8,11), com o paralítico (Mc 2,9), a moça pecadora (Lc 7,47), o bom ladrão (Lc 23,34). Perdoou até o soldado que o estava matando (Lc 23,34).

Pedro, ouvindo Jesus falar tanto em misericórdia e perdão, perguntou: “Quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18,21) O número sete significava a totalidade. No fundo, Pedro pergunta: “Então devo perdoar sempre?” E Jesus responde: “Não lhe digo que até sete vezes, Pedro, mas até setenta vezes sete”. Ou seja: “Não lhe digo até sempre, mas até setenta vezes sempre!”

O evangelho conta também as brigas e discussões que Jesus sustentava para defender os sofredores contra as agressões injustas das autoridades religiosas. Defendeu a mulher que vivia curvada há 18 anos e que foi agredida pelo coordenador da sinagoga (Lc 13,10-17). Defendeu a moça que foi agredida como pecadora na casa de um fariseu (Lc 7,36-50). Defendeu as mães que queriam uma bênção para suas crianças, contra a má vontade dos discípulos (Mt 19,13-15). Defendeu os discípulos quando criticados por arrancarem espigas em dia de sábado (Mt 12,1-8). Defendeu a mulher acusada de adultério por alguns fariseus (Jo 8,1-11). Defendeu e curou o rapaz com mão seca dentro da sinagoga em dia de sábado (Mc 3,1-6). Acolhia os leprosos, os doentes, os cegos, os coxos, todos e todas que o procuravam. E ele explicou o motivo que o levava a ter esse seu comportamento. Ele disse: “Quero misericórdia e não sacrifício” (Mt 9,13; 12,7; 23,23). Agindo assim, Jesus irradiava para os outros o amor que ele mesmo recebia do Pai. Colocava em prática o que recomendava aos outros: “Sede misericordiosos como o Pai de vocês é misericordioso” (Lc 6,36).

Jesus abria o coração para a miséria do povo. Por isso, o povo abria o coração para Jesus, gostava dele e o seguia por todo canto. Jesus deve ter sido uma simpatia ambulante para o povo, que ia atrás dele para estar com ele, sentir sua bondade e ouvir a sua palavra. Mostrando todo este carinho, Jesus recebia de volta o carinho e a misericórdia do povo. Ele estava partilhando sua própria experiência quando dizia: “Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia”,.

… com os puros de coração

Fazia parte do programa de Jesus “abrir os olhos dos cegos” (Lc 4,18). Ele dizia aos discípulos: “A lâmpada do corpo é o olhar. Quando o olhar é sadio, o corpo inteiro também fica iluminado. Mas, se o olhar está doente, o corpo também fica na escuridão. Portanto, veja bem se a luz que está em você não é escuridão” (Lc 11,34-35). Quem tem um olhar de inveja, não enxerga corretamente as pessoas e não percebe a presença de Deus nos outros. Quem tem um olhar de orgulho, de raiva ou de vingança, não consegue apreciar direito os fatos da vida. Tais pessoas são cegas. Jesus dizia que alguns fariseus eram cegos, porque não enxergavam direito nem a vida nem as coisas de Deus (cf. Mt 15,14; 23,16-17; Jo 9,40-41). Mas quem tem um olhar puro, esse consegue perceber os apelos de Deus na vida.

Jesus, ele tinha um olhar limpo, puro, e o mantinha puro por meio da oração, tendo sempre presente a vontade do Pai (Jo 4,34; 5,19). Ele só fazia aquilo que o Pai lhe mostrava que era para fazer (Jo 5,19). Ele falava só aquilo que ouvia do Pai (Jo 5,30).

Jesus procurava ajudar os discípulos a limpar o olhar, mas nem sempre conseguia. Ele dizia: “Cuidado com o fermento dos fariseus e de Herodes!”, e eles entendiam tudo diferente (Mc 8,15-16). A mentalidade do “fermento de Herodes e dos fariseus” (Mc 8,15) tinha raízes profundas na vida daquele povo. Também hoje, o “fermento do consumismo” tem raízes profundas na nossa vida e exige uma vigilância constante. Jesus procurava atingir essas raízes para poder arrancar o “fermento” que os impedia de perceber a presença de Deus na vida.

É bonito ver como Jesus, através do diálogo, ia ajudando as pessoas a enxergar melhor. É o evangelho de João que dá uma atenção especial a esta preocupação de Jesus em ajudar as pessoas a purificar a maneira de olhar as coisas da vida e de Deus. Por exemplo, a conversa de Jesus com a Samaritana (Jo 4,7-26), com Nicodemos (Jo 3,1-15), com Marta (Jo 11,21-27), com o cego que foi curado sem nem sequer saber quem era Jesus (Jo 9,35-39). Jesus ajudava até mesmo as pessoas que resistiam contra ele: alguns judeus (Jo 8,31-59) e Pilatos (Jo 18,33-38).

Jesus se esforçava para que as pessoas modificassem seu olhar sobre o próximo. Por exemplo, ele dizia: “Tudo que vocês fizerem a um destes meus irmãos mais pequeninos é a mim que o fizeram” (Mt 25,40). Ele se identifica com os pequenos: “Era eu!” (Mt 25,40.45). Ele levava as pessoas a perceber a presença dele até nas coisas mais simples da vida como dar um copo de água (Mt 10,42; Mc 9,41).

Vale a pena ver de perto como ele fazia para purificar os olhos dos discípulos e como combatia os vários tipos desse falso fermento, dessa falsa mentalidade, que até hoje impedem a visão correta das coisas: Certa vez, alguém, que não era da comunidade, usava o nome de Jesus para expulsar os demônios. João viu e proibiu, pois, assim ele dizia, aquela pessoa não fazia parte do grupo (Mc 9,38). Era o falso fermento da mentalidade de grupo fechado. Jesus responde: “Não impeçam! Quem não é contra é a favor!” (Lc 9,39-40). Outra vez, os discípulos brigavam entre si pelo primeiro lugar (Mc 9,33-34). Era o falso fermento da mentalidade de competição e de prestígio. Jesus reage: “O primeiro seja o último” (Mc 9,35). “Não vim para ser servido, mas para servir” (Mc 10,45; Mt 20,28; Jo 13,1-16). Outro dia, mães com crianças queriam chegar perto de Jesus. Os discípulos as afastavam. Era o falso fermento da mentalidade de quem marginaliza o pequeno. Jesus os repreende: ”Deixem vir a mim as crianças!” (Mc 10,14). “Quem não receber o Reino como uma criança, não pode entrar nele” (Lc 18,17). Outro dia ainda, vendo um cego os discípulos perguntavam: “Quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?” (Jo 9,2). Era o falso fermento da mentalidade de quem segue a opinião da ideologia dominante. Jesus responde: “Nem ele, nem os pais dele, mas para que nele se manifestem as obras de Deus” (cf Jo 9,3).

Em todas estas atitudes era como se Jesus dissesse: se você quiser perceber os apelos de Deus na vida, então faça um esforço para purificar seu olhar, sua maneira de julgar as pessoas e de opinar sobre os acontecimentos. Toda esta experiência em torno da pureza do olhar, Jesus a formulou na bem-aventurança que diz: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”.

… com os que lutam pela Paz

A construção da Paz começa nas coisas miúdas como desejar um “Bom Dia!”, e só terminará quando o mundo estiver reconstruído: sem guerra, sem fome, sem doenças, sem injustiça, sem opressão, todos vivendo como irmãos e irmãs, uns dos outros. Este é o objetivo da construção da Paz, da Paz completa. SHALÔM. A Paz é como uma casa para morar: ela é construída tijolo por tijolo. Quem não cuida do tijolo, nunca terá casa para morar. Qual é o tijolo que serve para construir a casa da Paz? No tempo de Jesus não havia paz. A vida estava desintegrada por tantos fatores: opressão e exploração romana que destruía as famílias e provocava ódio sem solução. A religião oficial marginalizava muitas pessoas e as impedia de participar da vida comunitária.

A vida de Jesus é uma amostra de como ser construtor de paz. Onde havia ódio, ele levava o amor; onde havia ofensa, levava o perdão; onde havia discórdia, levava a união; onde havia dúvida, levava a fé; onde havia erro, levava a verdade; onde havia desespero, leva a esperança; onde havia ofensa, levava o perdão; onde havia tristeza, levava a alegria; onde havia injustiça, levava a justiça e o direito; onde havia trevas, levava a luz.

Aos discípulos amedrontados dizia: “A paz esteja com vocês!” Soprou sobre eles dizendo: “Recebam o Espírito Santo!”, e deu a eles e a todos nós o poder de perdoar e de reconciliar (Jo 20,21-23). E quando os enviou em missão, não permitia levar nada, a não ser uma única coisa: a Paz. E quando chegavam em algum lugar, eles deviam dizer: “A Paz esteja nesta casa!” (Lc 10,5). Assim recomeçou e recomeça o processo da Paz que reverte o processo do ódio, da confusão, da discórdia, da ofensa, da destruição, iniciado com Adão e Eva (Gn 2,1-7), com Caim e Lamec, (Gn 4,8.24), com o Dilúvio (Gn 6,13-17) e a Torre de Babel (Gn 11,1-9). Assim recomeça sempre a reconstrução do Paraíso Terrestre da Paz.

Não se começa a construção da casa pelo telhado, mas pelo alicerce. Qual o alicerce da casa da Paz? É a reconstrução do relacionamento humano entre as pessoas, bem na base, para que possa nascer e renascer a vida em comunidade. No tempo de Jesus, o povo esperava que o profeta Elias voltasse “para reconduzir o coração dos pais para os filhos e o coração dos filhos para os pais” (Ml 3,23-24). Ou seja, eles esperavam que fosse refeito o tecido básico da convivência humana, pois sem este alicerce, o resto não teria consistência. Seria construir a casa em cima da areia (cf Mt 7,26). Seria uma peruca em cima de uma careca. Não faz nascer cabelo.

O que Jesus mais fez foi exatamente isto: refazer a vida comunitária nos povoados da Galiléia. Conforme o Evangelho de Marcos, a primeira coisa que Jesus fez foi chamar discípulos para formar comunidade com eles (Mc 1,16-20; 3,14). Ao redor dele nascia a nova fraternidade, fundamento na construção da Paz. Ele acolhia as pessoas, dava lugar aos que não tinham lugar, era irmão para os que viviam isolados, denunciava as divisões que impediam a construção da paz: divisão entre próximo e não-próximo (Lc 10,29-37); entre pagão e judeu (Mt 15,28; cf. Lc 7,6); entre puro e impuro (Mt 23,23-24; Mc 7,13-23); entre pobres e exploradores (Lc 20,46–47; 22,25). Quando curava uma pessoa ou perdoava um pecador, dizia: “Vai em paz!” (Lc 7,50; 8,48; Mc 5,34). Quando, depois da ressurreição, aparecia aos discípulos, ele dizia: “A Paz esteja com vocês!” (Lc 24,30; Jo 20,19.26). Ele trouxe a paz que só Deus nos pode dar (Jo 14,27). É a paz fruto da justiça, fruto de longa luta e de muito sofrimento. Por isso disse em outro lugar que não veio trazer a paz, mas sim a espada e a divisão (Mt 10,34; Lc 12,51).

Jesus reforçava a vida em comunidade que é o fundamento da Paz. A Paz existe quando todos e todas são acolhidos como irmãos e irmãs, uns dos outros, todos sendo filhos e filhas do mesmo Pai. Jesus procurava reintegrar as pessoas marginalizadas na convivência humana (Mc 1,40-45). A Comunidade deve ser como o rosto de Deus, transformado em Boa Nova para o povo. Jesus era ecumênico e universal. Acolhia a todos: judeus, romanos, samaritanos, a mulher Cananéia.

Jesus, que tanto lutou pela Paz, é nosso irmão mais velho, é o Filho de Deus por excelência. Por isso, os que lutam pela Paz serão chamados filhos de Deus. Toda esta sua experiência como construtor da Paz, Jesus a formulou quando disse: “Bem-aventurados os construtores da paz, porque serão chamados filhos de Deus”.

… com os perseguidos por causa da justiça

A maior injustiça na época de Jesus era a falsa imagem de Deus que a religião oficial comunicava ao povo: um Deus severo, juiz que ameaçava com castigo e condenava. Por causa desta falsa imagem de Deus, a própria vida humana era falsificada e aparecia de um jeito que já não correspondia mais ao projeto de Deus. Em vez de abrir a porta do Reino, a religião parecia querer fechá-la. Jesus dizia: “Vocês fecham o Reino do Céu para os homens. Nem vocês entram, nem deixam entrar aqueles que o desejam” (Mt 25,13).

Jesus não agüentava esse tipo de religião que, em nome da lei de Deus mal interpretada, matava na alma do povo a alegria de viver. Ele não veio para condenar o mundo, mas sim para salvá-lo (Jo 12,47). Jesus anunciava a Boa Notícia de um Deus amoroso que acolhe e salva e não a notícia triste de um Deus severo que condena e castiga. Ele dizia: “Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por meio dele” (Jo 3,17). Jesus irradiava este amor em atitudes bem concretas para com os pobres, os mansos, os aflitos, os que tinham fome e sede de justiça, os que buscavam ter misericórdia com os miseráveis, os que buscavam ver e experimentar a presença de Deus na vida, os que lutavam pela paz.

Por causa deste seu amor à justiça, Jesus foi criticado e perseguido. Quando perdoou o paralítico, foi criticado (Mc 2,6-7). Quando foi jantar na casa do publicano Levi, foi reprovado (Mc 2,16). Quando num sábado curou o cego de nascimento, foi denunciado (Jo 5,16). Quando comia sem lavar as mãos, era ridicularizado (Mt 15,2). Tentaram desmoralizá-lo dizendo que ele era um possesso (Mc 3,22), um comilão e beberrão (Mt 11,19), um louco (Mc 3,21), um pecador (Jo 9,24), um blasfemo (Mc 14,64). Quando Jesus desafiou as autoridades e dizia que a maneira de elas interpretarem a Lei de Deus era contrária à vontade de Deus, elas decidiram matá-lo (Mc 3,6).

Jesus sabia que não conseguiria mudar a cabeça dos líderes do povo. Sabia que a sua fidelidade ao Deus amoroso que acolhe a todos como filhos e filhas seria interpretada como heresia e que o seu destino seria prisão, tortura e morte de cruz. As profecias sobre o Servo de Javé não deixavam dúvida a este respeito (cf. Is 50,6; 53,3-10). Se quisesse, Jesus poderia ter escapado da morte. Mas Jesus não quis escapar. “Pai, não se faça a minha, mas a tua vontade!” (Lc 22,42). Até o último respiro da sua vida, ele continuou revelando a face do Deus amor aos excluídos. Era esta sua obediência radical ao Pai, que o levava a desobedecer às autoridades religiosas do seu tempo.

Por este seu jeito de ser e pelo testemunho de sua vida, Jesus encarnava o amor de Deus e o revelava ao povo e aos discípulos (Mc 6,31; Mt 10,30; Lc 15,11-32). Revelando o Pai em gestos bem concretos, Jesus revelava ao mesmo tempo a podridão do sistema. Por isso era perseguido, mas mesmo perseguido, Jesus estava em paz. Esta atitude de paz frente à perseguição era o Reino Deus presente em Jesus. Ele queria que todos os perseguidos pudessem ter esta mesma experiência do Reino. Por isso dizia: “Bem-aventurados os perseguidos, por causa da justiça, porque deles é o Reino do céu!”

Jesus unido ao Pai pela oração

Chegando ao fim desta longa meditação sobre a maneira de Jesus conviver com o povo da sua terra, volta de novo a pergunta: Qual foi o segredo que sustentava a Jesus nas suas andanças e o mantinha na fidelidade aqueles anos todos, a vida inteira, até à morte, e morte de cruz?

O eixo escondido da vida de Jesus era o Pai. Jesus vivia unido a Ele através da oração. Sim, a oração é a marca da vida de Jesus, o segredo que o sustentava. Os primeiros cristãos, sobretudo Lucas, conservaram uma imagem de Jesus orante que vivia em contato permanente com o Pai. A respiração da vida de Jesus era fazer a vontade do Pai (Jo 5,19).

Em vários momentos ele aparece rezando, sobretudo nos momentos decisivos de sua vida. Eis alguns destes momentos. Você pode completar a lista:

* Aos doze anos de idade, lá no Templo, na Casa do Pai (Lc 2,46-50).

* Na hora de ser batizado e de assumir a missão, ele reza (Lc 3,21).

* Na hora de iniciar a missão, passa quarenta dias no deserto (Lc 4,1-2).

* Na hora da tentação, ele enfrenta o diabo com textos da Escritura (Lc 4,3-12).

* Na hora de escolher os doze Apóstolos, passa a noite em oração (Lc 6,12).

* Na hora de fazer levantamento da realidade e falar da sua paixão (Lc 9,18).

* Diante da revelação do Evangelho aos pequenos: “Pai eu te agradeço!” (Lc 10,21)

* Na cura do surdo-mudo, olhou para o céu e gemeu (Mc 7,34)

* Na hora de ressuscitar Lázaro: “Pai eu sei que Tu sempre me ouves!” (Jo 11,41-42)

* Tem o costume de participar das celebrações nas sinagogas aos sábados (Lc 4,16)

* Participa das romarias ao Templo de Jerusalém nas grandes festas (Jo 5,1).

* Reza antes das refeições (Lc 9,16; 24,30).

* Procura a solidão do deserto para rezar (Mc 1,35; Lc 5,16; 9,18).

* Rezando, desperta vontade de rezar nos discípulos (Lc 11,1).

* Rezou por Pedro para ele não desfalecer na fé (Lc 22,32).

* A pedido das mães dá a bênção às crianças (Mc 10,16).

* Na crise sobe o Monte para rezar e é transfigurado enquanto reza (Lc 9,28).

* Celebra a Ceia Pascal com seus discípulos (Lc 22,7-14).

* Na hora da despedida reza a oração sacerdotal (Jo 17,1-26).

* Ao sair da Ceia para o Horto reza salmos com os discípulos (Mt 26,30).

* Na agonia no horto ele reza: “Triste é minha alma” (Mc 14,34; cf Sl 42,5.6).

* Na angústia da agonia pede aos três amigos para rezar com ele (Mt 26,38).

* Na hora de ser pregado na cruz, pede perdão pelo seu carrasco (Lc 23,34).

* Na cruz, faz o lamento: “Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Mc 15,34; Sl 22,2)

* Na hora da morte: “Em tuas mãos entrego meu espírito!” (Lc 23,46; Sl 31,6)

* Jesus morre soltando o grito do pobre (Mc 15,37).

Esta lista mostra como Jesus rezava em quase todos os momentos importantes da sua vida: na crise e na tentação, na escolha dos apóstolos e na decisão de ir para Jerusalém, na agonia do Horto e na hora de morrer na cruz, na alegria e na tristeza, Ele vivia em contato com o Pai. Sua vida era uma oração permanente: “Eu a cada momento faço o que pai me mostra para fazer!” (Jo 5,19.30). A ele se aplica o que diz o Salmo: “Eu (sou) oração!” (Sl 109,4).

Jesus gostava de rezar os Salmos. Como todo judeu piedoso, conhecia-os de memória. A reza dos salmos tinha uma dimensão mística e criativa. Era um momento não só para recitar as orações feitas por outros, mas também para cada pessoa vivenciar sua própria união com Deus. O ideal era este: cada pessoa aprender a rezar os salmos de tal maneira que por eles fosse despertada a criar o seu próprio salmo. Jesus aprendeu a lição. Como bom judeu chegou a fazer o seu próprio salmo e o ensinou aos apóstolos, que o transmitiram para nós. É o Pai-Nosso (Lc 11,2-4; Mt 6,9-13).

Esta foi a maneira de Jesus ser fiel à sua vocação e missão. Ele deixou que a vocação do Pai entrasse dentro dele, e ela tomou conta de tudo, da sua vida inteira, a ponto de o apóstolo Paulo dizer: “Em Jesus habita a plenitude da divindade” (Col 2,9). Jesus é para nós o Filho de Deus que nos revela o Pai. “Da sua plenitude todos nós recebemos” (Jo 1,16). Deus ressuscitou Jesus, confirmando assim que o caminho de Jesus é o caminho do agrado do Pai.

Terminamos repetindo as palavras com que o patriarca Alberto descreve o ideal da vida no Carmelo no prólogo da Regra do Carmo:

viver em obséquio de Jesus Cristo

servi-lo fielmente

com coração puro e

consciência serena.


A FONTE DA NOSSA VIDA

REGRA DE VIDA

DOS IRMÃOS E DAS IRMÃS

DA FAMÍLIA DA BEMAVENTURADA VIRGEM MARIA

DO MONTE CARMELO

I. Prólogo (Rc 1-3)

Saudação e Bênção

1. Alberto, pela graça de Deus, chamado a ser Patriarca da Igreja de Jerusalém, aos amados filhos em Cristo B. e demais eremitas que, sob a sua obediência, vivem junto à Fonte no Monte Carmelo, a Salvação no Senhor e a Bênção do Espírito Santo.

O rumo de vida para todos: viver em obséquio de Jesus Cristo

2. Muitas vezes e de muitas maneiras os Santos Padres estabeleceram como cada um, qualquer que seja o estado de vida a que pertença ou qualquer que seja o modo de vida religiosa que tenha escolhido, deve viver em obséquio de Jesus Cristo e serví-lo fielmente com coração puro e consciência serena.

O projeto comum, próprio dos Carmelitas

3. No entanto, como vocês nos pedem que, de acordo com o seu projeto, lhes apresentemos uma forma de vida à qual, de agora em diante, devem manter-se fiéis:

II. A infra-estrutura da vida comunitária (Rc 04-09)

O Prior e os Votos: assumir o projeto da Comunidade

4. Determinamos, em primeiro lugar, que tenham um de vocês como prior, que seja eleito para este serviço através do consenso unânime de todos ou da parte mais numerosa e mais madura. A ele cada um dos outros prometa obediência e se empenhe em cumprir de verdade, na prática, o que prometeu, juntamente com a castidade e a renúncia à propriedade.

O Lugar de Moradia: preservar o deserto interior

5. No que se refere a lugares de moradia, vocês pode­rão tê-los em localidades solitárias ou onde lhes forem doados, desde que sejam apropriados e adequadas à opção de sua vida religiosa, de acordo com o que o prior e os irmãos, mediante discerni­mento, decidirem.

A Cela dos Frades: garantir o diálogo com Deus

6. Além disso, levando em consideração o conjunto do lugar que se propuseram como moradia, cada um de vocês tenha uma cela individual e separada, que lhe será indicada por disposição do próprio prior e com o consen­timento dos outros irmãos ou da parte mais madura.

A Refeição em comum: aprofundar o convívio fraterno

7. De tal modo, porém, que, num refeitório comum, tomem o alimento que lhes for doado, ouvindo juntos alguma leitura da Sagrada Escritura, onde isto puder ser feito sem dificuldade.

A Estabilidade no Lugar: assumir a forma de vida dos mendicantes

8. A nenhum irmão será permitido, a não ser com a licença do prior em exercício, mudar-se do lugar que lhe foi indicado ou trocá-lo com outro.

A Cela do Prior na entrada: acolher e encaminhar os visitantes

9. A cela do prior deve localizar-se junto da entrada do lugar, para que ele seja o pri­meiro a ir ao encontro dos que vierem a esse lugar; e, depois, todas as coisas que devem ser feitas aconteçam de acordo com o seu critério e a sua disposição.

III. Os pontos básicos do ideal da Vida Carmelitana (Rc 10-15)

Na cela: meditar dia e noite na lei do Senhor e vigiar em orações

10. Permaneça cada um em sua cela ou na proximidade dela, meditando dia e noite na Lei do Senhor e vigiando em orações, a não ser que esteja ocupado em outros justi­ficados afazeres.

Em comunidade: o Ofício Divino ou a reza do Pai Nosso

11. Os que sabem recitar as horas canônicas com os clérigos, as recitem conforme as disposições dos Santos Padres e segundo o costume aprovado da Igreja. Os que não o sabem, recitem vinte e cinco vezes o Pai Nosso nas vigílias noturnas, com exceção dos domingos e dias solenes, em cujas vigílias determinamos que se du­plique o número mencionado, de modo que o Pai Nosso seja recitado cinqüenta vezes. No louvor da manhã, porém, a mesma oração seja recitada sete vezes. Da mesma maneira, em cada uma das outras horas, a mesma oração seja recitada sete vezes, menos nas vésperas, em que devem recitá-la quinze vezes.

Na vida: opção do Carmelo pelos “menores” através da comunhão de bens

12. Nenhum dos irmãos diga que algo é propriedade sua, mas tudo entre vocês seja comum, e seja distribuído a cada um pela mão do prior, quer dizer, pelo irmão por ele designado para este serviço, conforme cada qual estiver precisando, levando-se em consideração as idades e as necessidades de cada um.

No dia-a-dia: adaptação em vista das necessidades das pessoas

13. Contudo, na medida em que alguma necessidade de vocês o exigir, lhes é permitido possuir burros ou mulos, e algum tipo de animais ou de aves para criação.

Na capela: a memória de Jesus através da Eucaristia diária

14. O oratório, de acordo com as possibilidades, seja construído no meio das celas, aonde, cada dia pela manhã, vocês devem reunir-se para participar da solenidade da Missa, quando as circunstâncias o permitirem.

No compromisso de todos: revisão semanal e correção fraterna

15. Da mesma maneira, nos domingos ou em outros dias caso for necessário, vocês devem tratar da observância na vida comum e do bem-estar espiritual das pessoas. Igualmente, nessa mesma ocasião, as trans­gressões e culpas dos irmãos, que por ventura forem encontradas em algum deles, sejam corrigidas mediante a caridade.

IV. Os meios para alcançar o ideal (Rc 16-21)

O jejum: santificar o tempo, desde a festa da Cruz até à Páscoa

16. O jejum, vocês o observem todos os dias, com ex­ceção dos domingos, desde a festa da Exaltação da San­ta Cruz até o Dia da Ressurreição do Senhor, a não ser que enfermidade ou debilidade do corpo ou outro justo motivo acon­selhem dis­pensar o jejum, pois a necessidade não tem lei.

A abstinência: passar pelo nada para chegar ao tudo

17. Abstenham-se de comer carne, a não ser que seja tomada como remédio em caso de enfer­mi­dade ou debilidade. E visto que, durante as suas viagens, vocês se vêem obrigados com maior fre­qüência a mendigar o seu sustento, para não inco­modarem a quem os hospeda, fora de suas casas vocês poderão comer alimentos preparados com carne. Também será permitido comer carne em viagens marítimas.

A condição humana: a fragilidade que pede resistência

18. Visto que a vida humana na terra é uma tentação, e todos os que querem viver fielmente em Cristo sofrem perseguição, e como o seu adversário, o diabo, rodeia por aí como um leão que ruge, esprei­tando a quem devorar, procurem, com toda a diligência, revestir-se da armadura de Deus, para que possam resistir às embosca­das do inimigo.

A luta da vida e as armas espirituais: não desistir nunca

19. Os rins devem ser cingidos com o cíngulo da castidade, o peito protegido por pensamentos santos, pois está escrito: O pensamento santo te guardará. A couraça da justiça deve ser usada como veste, a fim de que vocês amem o Senhor com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças, e o próximo como a si mesmos. Sempre e em tudo deve ser empunhado o escudo da fé, com o qual possam apagar todas as flechas incendiárias do maligno, pois sem a fé é impossível agradar a Deus. O capacete da salvação deve ser colocado sobre a cabeça, para que esperem a salvação unicamente do Salvador, pois é ele que libertará o seu povo dos pecados. E que a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus, habite abundantemente em sua boca e em seus corações, e tudo que vocês tiverem de fazer, seja lá o que for, que seja feito na Palavra do Senhor.

O trabalho: ocupar o tempo e providenciar o próprio sustento

20. Vocês devem fazer algum trabalho, para que o diabo sempre os encontre ocupados e não consiga, através da ociosi­dade de vocês, encontrar alguma brecha para penetrar em suas almas. Nisto vocês tem o ensinamento e o exemplo de São Paulo apóstolo, por cuja boca Cristo falava e que por Deus foi consti­tuído e dado como pregador e mestre dos gen­tios na fé e na verdade. Se se­guirem a ele, não poderão desviar-se. Ele escreve: Em meio a trabalhos e fadigas estivemos entre vocês, trabalhando dia e noite, para não sermos um peso para nenhum de vocês. Não que não tivéssemos esse direito, mas queríamos apresentar-nos como um exemplo a ser imitado. Com efeito, quando estávamos com vocês, demos esta regra: Quem não quiser trabalhar, também não coma! Ora, temos ouvido falar que entre vocês há alguns que levam uma vida irreqüieta, sem fazer nada. A esses tais ordenamos e suplicamos no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem em silêncio e, assim, comam seu próprio pão. Este caminho é santo e bom. É nele que devem andar!

A prática do silêncio: esvaziar-se para Deus e os irmãos

21. O apóstolo recomenda o silêncio, quando manda que é nele que se deve trabalhar. E como afirma o profeta: a justiça é cultivada pelo silêncio. E ainda: no silêncio e na esperança estará a força de vocês. Por isso, determinamos que, depois da recitação das completas, guardem o silêncio até depois da Hora Primeira do dia seguinte. Fora desse tempo, embora a observância do silêncio não seja tão rigorosa, com tanto mais cuidado abstenham-se do muito falar, porque, conforme está escrito e não menos ensina a experiência: No muito falar não faltará o pecado; e: Quem fala sem refletir sentirá um mal-estar; e ainda: Quem fala em demasia prejudica a sua alma; e o Senhor no Evangelho: De toda palavra inútil que os homens disserem, dela terão que prestar conta no dia do juízo. Portanto, cada um faça uma balança para as suas palavras e rédeas curtas para a sua boca, para que, de repente, não tropece e caia por causa da sua língua, numa queda sem cura que conduz à morte. Que, como diz o profeta, cada um vigie sua conduta para não pecar com a língua, e se empenhe, com diligência e prudência, em observar o silêncio pelo qual se cultiva a justiça.

V. Recomendações finais para uma convivência madura (Rc 22-23)

O prior como servidor dos irmãos

22. Agora, você, irmão B., e quem quer que for indicado como Prior depois de você, tenham sempre em mente e cumpram na prática o que o Senhor diz no Evan­gelho: Todo aquele que entre vocês quiser tornar-se o maior, seja o seu servidor, e quem quiser ser o primeiro, seja o seu empregado.

O respeito dos irmãos para com o prior

23. E vocês, os demais irmãos, tratem o seu prior com deferência e humildade, pensando, mais do que nele mesmo, em Cristo que o colocou acima de vocês, e que diz aos que estão à frente das igrejas: Quem ouve a vocês, é a mim que ouve; quem des­preza a vocês, é a mim que despreza, a fim de que vocês não sejam condenados como réus por menosprezo, mas possam merecer por obediência a recom­pensa da vida eterna.

VI. Epílogo (Rc 24)

Discernimento, e opção dos pobres pelo Carmelo

24. É isso que, com brevidade, lhes escrevemos com o intento de estabelecer para vocês a forma de conduta, segundo a qual deverão viver. Se alguém fizer mais do que o prescrito, o Senhor mesmo lhe retribuirá quando voltar. Use, porém, de discrição, que é a moderadora das virtudes.



Santo Profeta Elias,

assim como chamaste Eliseu para ser o teu sucessor,

chamaste a todos nós para sermos os teus sucessores neste Século XXI.

Tu és a fonte inspiradora da nossa vida “em obséquio de Jesus Cristo”.

Como Eliseu, aceitamos o desafio de sermos

discípulos e discípulas do profeta.

Ajuda-nos a viver nossa Missão,

ouvindo e praticando, encarnando e irradiando,

a Palavra de Deus,

como o fez Maria, a Mãe de Jesus.