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sábado, 31 de julho de 2010

Homilia da festa de Nossa Senhora do Carmo - Frei Marcos Matsubara, ocd

Comemoramos hoje a festa da padroeira de nossa comunidade: Nossa Senhora do Carmo. Toda festa mariana, isto é, toda festa dedicada em honra à virgem Maria, deve ser necessariamente cristológica. Seria o mesmo que dizer que Maria jamais poderia ser entendida sem a sua relação estreita com seu filho Jesus. Ninguém como Maria viveu esta intimidade com Jesus. Dizia o padre Gouvêa, num dos dias de nossa novena que, quando Maria estava grávida, corria nela o mesmo sangue que o do seu filho. Dentro dela, Maria sentia o pulsar do coração de seu filho. Como pode haver maior sintonia do que isso? De uma mãe que traz no ventre uma nova pessoa que, na verdade, é também um pouco de si mesma?
É claro que nós sabemos que Maria é somente uma criatura e não pode ser igualada a Deus. Mas, sabemos também que dentre tudo o que foi criado por Deus, ela ocupa um lugar especial porque foi escolhida para gerar o próprio Filho de Deus.
Maria é venerada no mundo inteiro (eu disse venerada, não adorada: porque a adoração se deve só a Deus!), mas a Virgem Maria é, como disse, venerada sob diversos títulos: Maria Imaculada, Maria Aparecida, Maria de Fátima, de Lourdes, das Graças, das Dores, do Bom Parto, da Penha, da Boa Viagem...
Em nossa comunidade a conhecemos como Maria do Carmo. A Virgem do Carmelo. A palavra Carmo vem da mesma raiz de Carmelo e Carmelo significa “Jardim florido”.
E não é à toa que a Virgem do Carmo é chamada também de “Flos Carmeli”, isto é, ela é a flor mais bonita do jardim verdejante de Deus.

E por falar em Jardim, vale aqui lembrar em particular de duas passagens bíblicas que acontecem num jardim: A criação do Mundo (que nos fala do Jardim do Éden) e a Paixão de Jesus (que nos fala do Jardim das Oliveiras e de um outro jardim onde Jesus foi sepultado). O que há de comum entre estas duas passagens (a criação e a paixão)? Muitas coisas... mas aqui nos interessa falar do grande amor de Deus que nos criou por amor (criação) e nos remiu (pela paixão) por Jesus confirmando este mesmo amor pelo qual nos criou.

Mas o Jardim que hoje nos interessa de verdade é o Jardim do nosso coração. Assim como o Jardim do Éden, o nosso coração foi criado para ser puro, para experimentar o bem a doçura, o amor... Contudo, deixamos tantas vezes que ele seja invadido pelas ervas daninhas do rancor, da impaciência, da vaidade e do orgulho que sempre sufocam as flores das virtudes que trazemos em nós. E o que era para ser um “jardim florido” (carmelo) acaba se tornando um deserto sem vida.
Devemos ser bons jardineiros, cuidar para que o jardim do nosso coração esteja sempre florido com as virtudes que certamente possuímos, mas que por descuido deixamos que tantas vezes seque e morra.

Hoje nossa igreja está enfeitada com diversos escudos do Carmelo. Este escudo contém um simbolismo que muitas pessoas não conhecem. Existem basicamente três elementos na representação deste escudo:
A CRUZ, o MONTE e as ESTRELAS.

A cruz: todo carmelita sabe que não podemos eliminar a cruz do nosso caminho espiritual. Ela faz parte necessária no nosso aprendizado, do nosso amadurecimento espiritual, do caminho que nos leva até Deus (quem não carrega a sua cruz não é digno de Jesus). A cruz, no entanto, não é simplesmente um símbolo de dor e de sofrimento porque não somos masoquistas e não queremos sofrer simplesmente porque achamos que o sofrimento, por si só, nos leva a Deus. Contudo, sabemos que o sofrimento, quando assumido com amor, com generosidade é um caminho de libertação. Há momentos em que devemos evitar os sofrimentos desnecessários; noutros precisamos ser corajosos e assumir certas dores e perdas inevitáveis. Nestas horas seria covardia fugir da cruz (como fizeram os amigos de Jesus que o abandonaram no momento em que ele mais precisava de sua companhia).

O monte representa o Monte Carmelo. E o que o Monte Carmelo significa para nós? Na tradição bíblica todo monte está ligado à intimidade com o Senhor, à vida de oração> No monte Sinai Deus falou com Moisés, no Monte Tabor Jesus se transfigurou, no Monte Carmelo Elias fez uma profunda experiência de Deus....
Os carmelitas devem levar a sério a vida de oração e intimidade com Deus. Não basta apenas trabalhar e agir na comunidade. O nosso agir e o nosso trabalho deve ser motivado por uma intensa vida de oração que vai dar sentido ao serviço que prestamos. Caso contrário, quando surgirem as dificuldades, as decepções e experimentarmos a solidão e o abandono no serviço que prestamos, facilmente vamos desistir porque não há uma vida de oração que dê sentido e suporte durante estas experiências humanas de fracasso.

Finalmente temos as três estrelas:
A estrela do meio representa a Virgem Maria. Nossa espiritualidade é mariana. Temos Maria como modelo do discípulo fiel que acompanhou Jesus em todos os seus caminhos. Maria que foi um SIM permanente a Deus, Maria que foi peregrina na fé e teve que aprender muitas coisas que não entendia como nós também não entendemos tantas coisas... E por isso ela nos parece ser tão próxima
As duas outras estrelas representam os profetas Elias e Eliseu. Elias é provavelmente o profeta mais santo e místico que temos dentre os que constam na Bíblia. Eliseu é aquele que recebeu o espírito de Elias e foi seu continuador. Elias é o profeta que arde de amor por Deus, que enfrenta os profetas do mal, que cuida com amor das viúvas e órfãos. Um profeta perseguido por causa da sua fidelidade a Deus. Também nós somos profetas e recebemos no dia do nosso Batismo a tríplice missão de sermos reis, sacerdotes e profetas. A missão do profeta é anunciar e denunciar: Anunciar o que é a vontade de Deus e denunciar tudo o que não está de acordo com sua vontade.

Todas estas coisas estão neste pequeno símbolo do Carmelo:

*O exemplo do amor de Jesus manifesto na sua CRUZ
*Nosso desejo de experimentar a intimidade com o Senhor através de uma vida de oração constante (simbolizada pelo monte)
*Nossa espiritualidade Mariana, isto é, um profundo amor pela Virgem Maria.
*A consciência profética de que não podemos ficar calados e precisamos anunciar a Boa Nova do Evangelho e denunciar o que atenta contra a Vontade de Deus: vícios, drogas, brigas, roubos, violências, agressões, egoísmo...

Se estas coisas são importantes para você. Então você é um carmelita, é uma carmelita.
Feliz Dia de Nossa Senhora do Carmo. Ela é a tua mãe. Filhos... eis aqui a vossa mãe.

Frei Marcos Hideo Matsubara

quarta-feira, 28 de julho de 2010

VERBOS TERESIANOS

Teresa e Maria do Carmelo


ImageNossa Senhora está presente nos momentos mais decisivos da vida de Teresa. Já desde os primeiros balbuceios da sua infância é influenciada pela oração cadenciada do terço.

Com a idade de seis ou sete anos a mãe tinha o cuidado “em fazer-nos rezar e sermos devotos de Nossa Senhora e de alguns Santos”. Teresa continua a contar-nos que desde muito jovem “Procurava solidão para rezar as minhas devoções que eram muitas, em especial o Rosário, do qual a minha mãe era muito devota e assim nos fazia sê-lo”.

Quando Teresa perde sua mãe, que seria entre os treze e quatorze anos de idade, vai-se encomendar a Nossa Senhora. É ela a narrar: “Quando comecei a perceber o que tinha perdido, fui-me, aflita, a uma imagem de Nossa Senhora e supliquei-Lhe, com muitas lágrimas, que fosse minha Mãe. Embora o fizesse com simplicidade, parece-me que me tem valido; porque conhecidamente tenho encontrado esta Virgem soberana, sempre que me tenho encomendado a Ela, e, enfim, tornou-me a Si”.

Por amor e devoção a Nossa Senhora, Teresa entra no Carmelo da Encarnação de Ávila. Neste mosteiro, como em todos os outros, a presença de Maria é uma constante. A tomada de hábito marcou-a profundamente. Tomava o hábito de Nossa Senhora. Para ela, Nossa Senhora do Carmo é como a encarnação do estilo de vida e do espírito da Ordem. A partir da sua experiência mística a presença de Maria torna-se constante e integrante de muitas graças místicas.

São muitas as graças místicas que Teresa recebe ao longo da sua existência e que têm como objecto e conteúdo Nossa Senhora. Algumas são muito significativas para a sua vida e obra de fundadora. Recordo a que ela narra no
Livro da Vida, capítulo 33. É uma espécie de vestidura que Maria faz a Teresa anunciando-lhe o facto de a partir deste momento ser mãe de uma nova família religiosa: o Novo Carmelo. Jesus une sua Mãe a este seu plano. Era no dia de Nossa Senhora da Assunção. Participava na Eucaristia na Capela do Santo Cristo do Convento de S. Domingos e veio-lhe um arroubamento tão grande que ficou fora de si. “Parecia-me, estando assim, que me via vestir uma roupa de muita brancura e claridade. A princípio não via quem ma vestia; depois vi a Nossa Senhora a meu lado direito e a meu Pai S. José à esquerda, que me vestiam aquela roupa. Deu-se-me a entender que já estava limpa de meus pecados. Acabada de vestir e eu com grandíssimo deleite e glória, logo me pareceu Nossa Senhora pegar-me nas mãos. Disse-me que Lhe dava muito gosto sendo devota do glorioso S. José; que tivesse por certo que, o que eu pretendia do mosteiro, se havia de fazer e nele se serviria muito o Senhor e a eles ambos; que não temesse que nisto houvesse jamais quebra, embora a obediência que dava não fosse a meu gosto, porque Eles nos guardariam e já Seu Filho nos tinha prometido andar connosco. Para sinal de que isto se cumpriria dava-me aquela jóia.

Pareceu-me então que me tinha deitado ao pescoço um colar de ouro muito formoso e preso a ele uma cruz de muito valor. Este ouro e pedras são tão diferentes das de cá, que não têm comparação”.

Santa Teresa teve outra graça mística mariana em que ela experimenta a glorificação de Nossa Senhora: “Em dia da Assunção da Rainha dos Anjos e Senhora nossa, quis o Senhor fazer-me esta mercê: num arroubamento representou-se-me a Sua subida ao Céu e a alegria e solenidade com que foi recebida e o lugar onde está. Dizer como foi isto, eu não saberia. Foi grandíssimo o deleite que o meu espírito teve de ver tanta glória. Causou isto em mim grandes efeitos e tirei de proveito ficar com mais e maiores desejos de passar grandes trabalhos e de servir a esta Senhora, pois tanto mereceu” (V 39, 26).

Noutra visão, Teresa compreendeu como o Senhor agracearia as suas irmãs de S. José de Ávila, ao colocá-las sob a protecção de Maria: “Estando todas no coro em oração depois de Completas, vi Nossa Senhora, com grandíssima glória, revestida dum manto branco e, debaixo dele, parecia amparar-nos a todas. Entendi quão alto grau de glória daria o Senhor às desta casa” (V 36, 24).

Apesar de serem muitas as graças místicas marianas experienciadas por Teresa de Jesus, há um parelelismo muito marcado entre a experiência que ela tem de Cristo e de Maria. Depois de tantos trabalhos e sofrimentos passados nas suas fundações Teresa alegra-se com as suas irmãs: “Nós alegramo-nos de podermos em algo servir a Nossa Mãe, Senhora e Padroeira” (F 29, 23). Jesus e Maria são duas criaturas sempre unidas na vida de Teresa e dos seus Carmelos: “Pouco a pouco se vão fazendo outras coisas para honra e glória desta gloriosa Virgem e de Seu Filho. Seja Ele para sempre louvado, ámen, ámen!” (F 29, 28).


P. Jeremias Carlos Vechina, OCD