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sábado, 25 de agosto de 2012

O encontro entre Edith Stein e Etty Hillesum


"Que viste no meu rosto?"

Os olhares de duas mulheres extraordinárias cruzaram-se antes de enfrentar o inferno de Auschwitz
Publicamos o prefácio de Lucetta Scaraffia ao livro "Il volto. Principio di interiorità. Edith Stein, Etty Hillesum" (Milano, Marietti, 96 páginas, 14 euros) de Cristiana Dobner, OCD.

"Duas das intelectuais mais interessantes do século XX,  duas mulheres extraordinárias, além do mais tendo em comum o facto de serem judias, deportadas e mortas em Auschwitz, Edith Stein e Etty Hillesum, encontraram-se pessoalmente.

Sabemos que este encontro teve lugar no campo holandês de Westerbork, precisamente antes da deportação para o campo de extermínio. Sabemos isto por uma breve anotação de Etty, que  narra a chegada de duas freiras, «nascidas numa família judia, rica e culta, de Breslau», Edith e a irmã Rosa.

Mas nunca saberemos o que disseram, nunca poderemos assistir à troca de olhares. Partilhamos, com Cristiana Dobner, a certeza que se tenham «reconhecido» pelos seus rostos, aqueles rostos que, escreve a autora, revelam «a singularidade e a individualidade concreta da pessoa».

Existem gêneros literários que simulam encontros nunca realizados, em geral entre o autor e uma personagem que viveu noutros tempos, sem dúvida famoso. Chamam-se «entrevistas impossíveis» e gozaram de grande sorte. Ao contrário, o ensaio de Cristiana Dobner escolheu outro percurso, mais difícil e profundo: imaginar e descrever o que cada uma das duas mulheres viu no rosto da outra.
Sabendo que se trata de rostos que revelavam uma longa reflexão interior, rostos que eram espelho da interioridade, conscientes do significado das relações humanas, rostos que tinham escrito o vestígio de outros encontros que tinham vivido, densos de sentido.

Precisamente repercorrendo o seu pensamento e os encontros importantes tidos, Cristiana Dobner procurou reconstruir o que o rosto de cada uma dissera à outra sem palavras, até só com um olhar. Um olhar que, sobretudo num momento tão dramático, sem dúvida era capaz de  ler dentro, de captar o significado essencial daquele olhar-se recíproco.

O rosto de Edith é reconstruído através de um exame atento das poucas fotografias e sobretudo através das palavras de quantos se encontraram com ela, fielmente recordadas nos autos do processo de beatificação de que a autora dispõe. Uma fonte em geral ignorada, mas muito rica. Alguns destes encontros narrados realizam-se quando Edith está em clausura, portanto só um rosto velado por detrás da grade, e a sua alma se revela pela voz, pelas palavras.

As palavras mais intensas sobre elas são as do amigo sacerdote Eric Pržywara, que descreve «o amor fiel e inabalável ao seu povo e (…) a força que emanava». Confirmando um estilo que, escreve Dobner, «vibra de força clássica, filosófica – na união entre a filosofia fenomenológica de Edmund Husserl, então dominante, e o pensamento de Tomás de Aquino – de força artística, preferindo Bach e Reger e a hinologia da Igreja».

Também Etty, quando encontra Edith, transmite força. Nela a terrível angústia da espera do momento da deportação «inexplicavelmente se torna força de vida  e não debilidade assustadora». O longo e doloroso percurso de Etty é menos intelectual que o de Edith, mais experiencial: o verdadeiro rosto da jovem judia holandesa sobressai graças ao encontro com um original psicanalista quirólogo, Julius Spier, que a conduzirá a um longo e doloroso caminho dentro de si mesma.

Etty é guiada neste percurso por um fio condutor, as palavras que conheceu na Torah «Deus criou o homem à sua imagem», mas sabe que este fio é submetido  a tensões contínuas. Em cadernos, cartas e diários, Etty narra minuciosamente esta sua viagem interior, esta descoberta do seu verdadeiro rosto. Precisamente porque conseguiu compreendê-lo, não leva para o campo retratos de pessoas queridas,  sabe que os seus rostos são conservados nas paredes do seu eu interior, onde os encontrará sempre.

A escolha do rosto como intermediário privilegiado de comunicação, por parte da Dobner, não é casual: a autora está consciente de que o tema do rosto se tornou «o novo e mais nobre discurso filosófico da modernidade», como explicou claramente Emmanuel Lévinas, grande filósofo judeu, que escreveu que o rosto, permitindo o encontro com o outro, abre à ideia de infinito.

«Desta forma instaura-se – escreve Cristiana Dobner – uma relação na qual se procura o outro, mas o sentido profundo não é contido na própria relação mas reenvia mais além». E sem dúvida esta abertura ao infinito estava muito presente na mente e no coração das duas mulheres, quando se encontraram, ambas abertas  à epifania do divino. Talvez o tenham encontrado juntas, mesmo se por poucos instantes, e o seu olhar recíproco foi um dom antes do inferno que estavam para enfrentar."



Autora: Lucetta Scaraffia
23 de Fevereiro de 2012
Fonte: 
http://www.osservatoreromano.va

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Edith Stein: Hebraicidade e santidade cristã – I

1 – Os vários âmbitos de sua procura

"Judia, filósofa, carmelita, mártir, Edith Stein (1891-1942), que traz em sua intensa vida uma síntese dramática de nosso século (João Paulo II, 1º de maio de 1985), e que a Igreja enumera entre seus santos (desde 11 de outubro de 1998: n.d.r) abre caminhos de relação e de comunhão em âmbitos e níveis diferentes, mas em pontos nodais da experiência humana, cristã, eclesial, inter-religiosa" (1).

Desta figura feminina tão rica e poliédrica outros expertos escreveram e escreverão para alumiar a contribuição de pensamento e de ação em diferentes âmbitos.

Edith Stein,
numa foto de 1926

Por exemplo, em âmbito cultural social: Edith engenhou-se, com escritos, aulas e palestra, para promover o papel da mulher na sociedade e na Igreja. Com pesquisas sobre a noção do Estado esclareceu a relação dele com a nação, com o povo e a sociedade, e até mesmo seu equilíbrio precário com a esfera religiosa. Ela que no começo era fortemente nacionalista e "prussiana", após a grande guerra foi partidária da república de Weimar, e empenhou-se fortemente em contrastar os primeiros sucessos do partido nacional-socialista.

Especialmente no âmbito filosófico, Edith deixou marcos indeléveis de originalidade: ela que era aluna e assistente de Husserl, em Friburgo, e teria merecido ser sua sucessora na cátedra, (esta foi tomada porém por Heidegger que se manifestou aquiescente com o nazismo!) superando o mestre, procurou lançar uma ponte entre a filosofia contemporânea, sintetizada na fenomenologia husserliana e a tradição medieval, manifestada pela filosofia de S. Tomás, suplantando a neo-escolástica.

Sua obra prima é Ser finito e Ser eterno, quase uma nova ontologia, síntese de filosofia e mística. Se tivesse conseguido continuar suas pesquisas e criar um movimento de pensamento, como estava em sua índole, talvez a teríamos saudada como a maior filosofa do século.

Em fim, no âmbito religioso místico, passando pela espiritualidade dominicana, beneditina e chegando à mística de S. Teresa d’Ávila e de São João da Cruz, completou seu projeto de vida: pensamento e experiência da Cruz com Cristo crucificado, como sacrifício-doação para a salvação de seu povo.

Sua última obra, "A ciência da cruz" (Scientia Crucis), ficou inacabado, porque o teria mesmo concluído numa câmara de gás no campo de Auschwitz!

Em todos esses âmbitos, seja com o pensamento seja com a ação, o fio vermelho da continuidade foi a "intersubjetividade", (Einfühlung, "empatia", intuição empática), a "comunhão". O que quero mostrar agora é o caminho de relação e de comunhão realizado na vida de Edith, entre o seu ser judia e o ser santa, mártir católica.

2 – Família hebraica e educação em família

Temos sorte, porque a mesma Edith nos deixou a história de sua família, com lineamentos autobiográficos da infância e dos anos da juventude (2). Edith nasceu em Breslavia (agora território polonês), aos 12 de outubro de 1891 numa família hebraica muito praticante. Última de sete filhos, nasce mesmo numa festa religiosa hebraica, no dia do Kippur, isto é da Expiação. Para a mãe Augusta era um pressentimento do destino da filha.

Eis como lembra a tradição religiosa na família materna:

"Os meninos estudaram religião com um professor hebreu; aprenderam também um pouco de hebraico... Aprenderam os mandamentos, leram trechos tirados das escrituras e decoraram alguns salmos (em alemão). Sempre foi ensinado para eles o respeito para com todas as religiões e de nunca falar mal delas. O avô ensinou a seus filhos as rezas prescritas. No sábado à tarde, os pais chamavam os filhos que estavam em casa para rezar junto com eles as preces vespertinas e explica-las. O estudo diário das Escrituras e do Talmud – considerado uma obrigação do homem hebreu nos séculos precedentes e ainda hoje para os hebreus orientais – não era mais praticado na casa dos avós, mas todos os preceitos da Lei eram observados com o máximo rigor".

Em seguida Edith conta a prática religiosa vivida em família na ocasião das festas principais. Algumas anotações nos abrem à compreensão do tipo de educação assimilada. Por exemplo, na ocasião da liturgia do Seder (a Páscoa), ela anota:

"A solenidade da festa sofria pelo fato que só minha mãe e as crianças menores participavam com devoção. Os irmãos que deviam fazer as orações em lugar de nosso pai, que tinha falecido, o faziam em modo pouco digno. Quando o maior faltava e o menor assumia a função de dono da casa, claramente fazia notar quanto se burlava de tudo isso".

Na ocasião da festa da Expiação (Kippur): "Naquela tarde mia mãe ia para o templo, acompanhada pelas irmãs mais velhas e também os irmãos achavam um dever moral não faltar. Ninguém de nós deixava o jejum, também quando não tínhamos mais a fé de nossa mãe e não fazíamos as prescrições rituais fora de nossa casa".

Edith neste ambiente plantou raízes profundas; mas não foi a fé no Deus de Israel, e sim um forte rigor moral, derivante da Lei. " A mãe nos ensinava o horror do mal. Quando dizia: "é pecado", aquela palavra expressava o máximo da feiúra e da maldade, e nos deixava transtornados".

Assim, em outra parte ( 3), Edith lembra os anos infantis. Ela mesma, já próxima da transferência de Breslavia para a Universidade de Göttingen (1911), se confessa "não crente, dotada de forte Idealismo ético". Ela guardará grande estima e admiração pela piedade religiosa da mãe, e a acompanhará sempre, quando está em família, na sinagoga, também depois do batismo e na vigília de sua entrada para o Carmelo.

Alguns traços de sua limpidez moral: quando pela leitura de um texto romanceado lhe se apresentava a vida estudantil com traços repugnantes, devassidão, alcoolismo, etc., ela ficava tão enjoada que precisava semanas para se restabelecer em sua alegria. Porém, Edith, mesmo exteriormente reservada e dedicada com abnegação ao trabalho, levava no coração "a esperança de um grande amor e de um matrimônio feliz", e anota: "Sem ter algum conhecimento da dogmática e da moral católica, estava porém impregnada pelo ideal matrimonial católico". É o caminho subterrâneo da Lei de Moisés para o Evangelho do Amor!

3.1 - Husserl e a universidade de Göttingen

Eis como, depois de anos de experiência, descreve o método de Husserl: "Seu modo de guiar o olhar sobre as coisas mesmas e de educar a captá-las intelectualmente com absoluto rigor, a descrevê-las com sóbria maneira, libertou seus alunos de todo arbítrio e de toda fatuidade no conhecimento, levando-os a uma atitude cognitiva simples, submetida ao objeto e por isso humilde. No mesmo tempo ensinou a se libertar dos preconceitos e a tirar todo obstáculo que poderia destruir a sensibilidade para com as novas intuições. Esta atitude, à qual nos educou responsavelmente, libertou muitos de nós, nos tornando disponíveis em relação à verdade católica" ( 4).

Mas desde os primeiros anos de Göttingen (1911-1914) anota: "Tinha um profundo respeito para as questões de fé e tinha conhecido pessoas crentes; até ia numa igreja – protestante – com minhas amigas... mas ainda não tinha reencontrado o caminho para Deus".

3.2 - O ambiente do grupo husserliano

É um fato histórico notável: no grupo de alunos e colaboradores de Husserl aconteceram muitas conversões religiosas. O mesmo Husserl e sua esposa passaram do judaísmo ao protestantismo, à Igreja reformada luterana de Viena, onde receberam o batismo (Husserl tinha 27 anos). Os filhos foram criados na religião protestante.

Mesmo que em seu trabalho filosófico não se punha explicitamente o problema religioso e que afirme de não ser um filósofo cristão, Husserl, também numa conversa com a aluna e amiga de Edith, Aldegonda, exclama: "Já vos falei muitas vezes: minha filosofia, a fenomenologia, quer ser uma via, um método que permita a quantos se distanciaram do cristianismo e da Igreja voltar para Deus" (5).

No grupo husserliano distingue-se o prof. Adolf Reinach que, junto à mulher Ana se converte do judaísmo para a fé evangélica. E esta, após a morte do marido na guerra, passa para a Igreja Católica. O mesmo acontecerá com a mulher de Husserl e do prof. Alexandre Koyré, também ele convertido.

A prof.ra Hedwig Conrad-Martius, converteu-se à fé evangélica junto com o marido, e os dois serão grandes amigos de Edith; é na casa deles que Edith terá a grande fulguração, após a leitura de um fôlego, da Autobiografia de Santa Teresa d’Ávila: "Esta é a verdade!" E será a amiga Hedwig, protestante, a madrinha no batismo católico de Edith.

Mas foi sobretudo Max Scheler, se juntando mais tarde ao grupo e freqüentemente em polemica com Husserl, a exercer influência sobre Edith: "a maneira que tinha... de difundir solicitações geniais, sem aprofundar sistematicamente, tinha algo de brilhante e encantador". Seus escritos sobre os valores e a empatia tinham para Edith uma importância particular.

Adolf Reinach,
com a mulher Ana.

Desde então começou a se ocupar do problema da Einfühlung (empatia, intuição empática) que foi o assunto de sua tese de láurea.

Mas a influência de Scheler adquiriu importância também além do âmbito filosófico. Ele, de fato, passou do judaísmo para a Igreja católica, mas depois, por motivos de vida privada se distanciou e no fim voltou de novo.

Scheler "tinha muitas idéias católicas e sabia divulgá-las fazendo uso de sua brilhante inteligência e habilidade lingüística. Foi assim que entrei em contato pela primeira vez com um mundo que desde então era para mim desconhecido. Isso ainda não me levou à fé, porém de desabrochou um campo de "fenômenos" diante dos quais não podia ficar cega. Os limites dos preconceitos racionalistas em que cresci sem sabe-lo, caíram, e o mundo da fé apareceu improvisamente diante de mim. Pessoas com quem tinha relações quotidianas e a quem olhava admirada, viviam naquele mundo. Devia então valer a pena de começar uma séria reflexão.. Por enquanto não me ocupei de questões religiosas: estava muito ocupada em outras coisas. Contentei-me acolher em mim, sem opor resistência, os estímulos que me vinham do ambiente que freqüentava, e quase sem perceber, devagarzinho fui transformada.".

Na verdade, estes anos de Göttingen, a "sede da verdade" que Edith dizia ser sua única oração, incônsciamente se transformava em "sede de Deus". Quando, por exemplo, em 1916, na véspera da discussão de sua tese, em Friburgo, tem uma longa conversa com Hans Lipps, um do grupo que ironiza sobre o fervor de dois amigos, Dietrich von Hildebrand e Siegfried Hamburger, convertidos ao catolicismo, Edith anota: "Não, eu não estava entre aqueles. Teria quase dito: "Infelizmente não"". O amigo afirma entender nada, e ela: " Eu entendia u m pouco. Mas não podia dizer muito a respeito disso".


Notas
1.
Emanuela Ghini o.c.d., Edith Stein: ebrea, filosofa, carmelitana, martire, Osservatore Romano, 13 settembre 1998.
2.
Edith Stein, Storia di una famiglia ebrea, Città Nuova, Roma 1998.
3.
Teresa Renata dello Spirito Santo, Edith Stein, Morcelliana, Brescia, 1952, p.18.
4.
J.Blouflet, Edith Stein, filosofa crocifissa, Paoline, Milano 1998, pp.157-158.
5.
Dal Diario di Sr Aldegonda, in E.De Miribel, Edith Stein, Paoline, Milano, 1987, p. 214.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011





HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II
NA CERIMÓNIA DE CANONIZAÇÃO
DE EDITH STEIN

11 de Outubro de 1998

1. Quanto a mim, que eu não me glorie, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Gl 6, 14).

As palavras de São Paulo aos Gálatas, que acabámos de escutar, adaptam-se bem à experiência humana e espiritual de Teresa Benedita da Cruz, que hoje é solenemente inscrita no álbum dos santos. Também ela pode repetir com o Apóstolo: Quanto a mim, que eu não me glorie, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo.

A cruz de Cristo! No seu constante florescimento, a árvore da Cruz dá sempre renovados frutos de salvação. Por isso, os fiéis olham com confiança para a Cruz, haurindo do seu mistério de amor a coragem e o vigor para caminhar com fidelidade nas pegadas de Cristo crucificado e ressuscitado. Assim, a mensagem da Cruz entrou no coração de muitos homens e mulheres, transformando a sua existência.

Um exemplo eloquente desta extraordinária renovação interior é a vicissitude espiritual de Edith Stein. Uma jovem em busca da verdade, graças ao trabalho silencioso da graça divina, tornou-se santa e mártir: é Teresa Benedita da Cruz, que hoje repete do céu a todos nós as palavras que caracterizaram a sua existência: «Quanto a mim, que eu não me glorie, a não ser na cruz de Jesus Cristo».

2. No dia 1 de Maio de 1987, durante a minha visita pastoral na Alemanha, tive a alegria de proclamar Beata, na cidade de Colónia, esta generosa testemunha da fé. Hoje, a onze anos de distância aqui em Roma, na Praça de São Pedro, é-me dado apresentar solenemente esta eminente filha de Israel e filha fiel da Igreja como Santa perante o mundo inteiro.

Assim como nessa data, também hoje nos inclinamos diante da memória de Edith Stein, proclamando o testemunho invicto que ela deu durante a vida e sobretudo com a morte. Ao lado de Teresa de Ávila e de Teresa de Lisieux, esta outra Teresa vai colocar-se no meio da plêiade de santos e santas que honram a Ordem carmelitana.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, que vos congregastes para esta solene celebração, dêmos glória a Deus pela obra que realizou em Edith Stein.

3. Saúdo os numerosos peregrinos vindos a Roma, com um particular pensamento para os membros da família Stein, que quiseram estar connosco nesta feliz circunstância. Uma cordial saudação dirige-se também à representação da Comunidade carmelitana, que se tornou a «segunda família» para Teresa Benedita de Cruz.

Depois, dou as minhas boas-vindas à delegação oficial da República Federal da Alemanha, chefiada pelo Chanceler Federal resignatário, Helmut Kohl, a quem saúdo com deferente cordialidade. Além disso, cumprimento os representantes das regiões de Nordrhein-Westfalen e Rheinland-Pfalz, bem como o Primeiro Presidente da Câmara Municipal de Colónia. Inclusivamente da minha Pátria veio uma delegação oficial, guiada pelo Primeiro-Ministro Jerzy Buzek.

Dirijo-lhe uma cordial saudação. Depois, quero reservar uma especial menção aos peregrinos das dioceses de Vratislávia, Colónia, Monastério, Espira, Cracóvia e Bielsko-Žywiec, presentes com os seus Bispos e sacerdotes. Eles unem-se ao numeroso grupo de fiéis vindos da Alemanha, dos Estados Unidos da América e da minha Pátria, a Polónia.

4. Dilectos Irmãos e Irmãs! Porque era judia, Edith Stein foi deportada juntamente com a irmã Rosa e muitos outros judeus dos Países Baixos para o campo de concentração de Auschwitz, onde com eles encontrou a morte nas câmaras de gás. Hoje recordamo-nos de todos com profundo respeito. Poucos dias antes da sua deportação, a quem lhe oferecia uma possibilidade de salvar a vida, a religiosa respondera: «Não o façais! Por que deveria eu ser excluída? A justiça não consiste acaso no facto de eu não obter vantagem do meu baptismo? Se não posso compartilhar a sorte dos meus irmãos e irmãs, num certo sentido a minha vida é destruída».

Doravante, ao celebrarmos a memória da nova Santa, não poderemos deixar de recordar todos os anos também o Shoah, aquele atroz plano de eliminação de um povo, que custou a vida a milhões de irmãos e irmãs judeus. O Senhor faça brilhar o seu rosto sobre eles, concedendo-lhes a paz (cf. Nm 6, 25s.).

Por amor de Deus e do homem, lanço de novo um premente brado: nunca mais se repita uma semelhante iniciativa criminosa para nenhum grupo étnico, povo e raça, em qualquer recanto da terra! É um brado que dirijo a todos os homens e mulheres de boa vontade; a todos aqueles que crêem no Deus eterno e justo; a todos aqueles que se sentem unidos em Cristo, Verbo de Deus encarnado. Aqui, todos nós devemos ser solidários: é a dignidade humana que está em jogo. Só existe uma única família humana. É isto que a nova Santa afirmou com grande insistência: «O nosso amor pelo próximo - escrevia - é a medida do nosso amor a Deus. Para os cristãos - e não só para eles - ninguém é "estrangeiro". O amor de Cristo não conhece fronteiras».

5. Estimados Irmãos e Irmãs! O amor de Cristo foi o fogo que ardeu a vida de Teresa Benedita da Cruz. Antes ainda de se dar conta, ela foi completamente arrebatada por ele. No início, o seu ideal foi a liberdade. Durante muito tempo, Edith Stein viveu a experiência da busca. A sua mente não se cansou de investigar e o seu coração de esperar. Percorreu o árduo caminho da filosofia com ardor apaixonado e no fim foi premiada: conquistou a verdade; antes, foi por ela conquistada. De facto, descobriu que a verdade tinha um nome: Jesus Cristo, e a partir daquele momento o Verbo encarnado foi tudo para ela. Olhando como Carmelita para este período da sua vida, escreveu a uma Beneditina: «Quem procura a verdade, consciente ou inconscientemente, procura a Deus».

Embora sua mãe a tenha educado na religião hebraica, aos 14 anos de idade Edith Stein, «consciente e propositadamente desacostumou-se da oração». Só queria contar consigo mesma, preocupada em afirmar a própria liberdade nas opções de vida. No fim do longo caminho, foi-lhe dado chegar a uma surpreendente conclusão: só quem se une ao amor de Cristo se torna verdadeiramente livre.

A experiência desta mulher, que enfrentou os desafios de um século atormentado como o nosso, é para nós exemplar: o mundo moderno ostenta a porta atraente do permissivismo, ignorando a porta estreita do discernimento e da renúncia. Dirijo-me especialmente a vós, jovens cristãos, em particular aos numerosos ministrantes reunidos em Roma nestes dias: evitai conceber a vossa vida como uma porta aberta a todas as opções! Escutai a voz do vosso coração! Não permaneçais na superfície, mas ide até ao fundo das coisas! E quando chegar o momento, tende a coragem de vos decidirdes! O Senhor espera que coloqueis a vossa liberdade nas suas mãos misericordiosas.

6. Santa Teresa Benedita da Cruz conseguiu compreender que o amor de Cristo e a liberdade do homem se entretecem, porque o amor e a verdade têm uma relação intrínseca. A busca da verdade e a sua tradução no amor não lhe pareciam ser contrastantes entre si; pelo contrário, compreendeu que estas se interpelam reciprocamente. No nosso tempo, a verdade é com frequência interpretada como a opinião da maioria. Além disso, é difundida a convicção de que se deve usar a verdade também contra o amor, ou vice-versa. Todavia, a verdade e o amor têm necessidade uma do outro. A Irmã Teresa Benedita é testemunha disto. «Mártir por amor», ela deu a vida pelos seus amigos e no amor não se fez superar por ninguém. Ao mesmo tempo, procurou com todo o seu ser a verdade, da qual escrevia: «Nenhuma obra espiritual vem ao mundo sem grandes sofrimentos. Ela desafia sempre o homem inteiro». A Irmã Teresa Benedita da Cruz diz a todos nós: Não aceiteis como verdade nada que seja isento de amor. E não aceiteis como amor nada que seja isento de verdade!

7. Enfim, a nova Santa ensina-nos que o amor a Cristo passa através da dor. Quem ama verdadeiramente, não se detém diante da perspectiva do sofrimento: aceita a comunhão na dor com a pessoa amada. Consciente do que comportava a sua origem judaica, Edith Stein pronunciou palavras eloquentes a este respeito: «Debaixo da cruz, compreendi a sorte do povo de Deus... Efectivamente, hoje conheço muito melhor o que significa ser a esposa do Senhor no sinal da Cruz. Mas dado que se trata de um mistério, isto jamais poderá ser compreendido somente com a razão». Pouco a pouco, o mistério da Cruz impregnou toda a sua vida, até a impelir rumo à oferta suprema. Como esposa na Cruz, a Irmã Teresa Benedita não escreveu apenas páginas profundas sobre a «ciência da cruz», mas percorreu até ao fim o caminho da escola da Cruz. Muitos dos nossos contemporâneos quereriam fazer com que a Cruz se calasse. Mas nada é mais eloquente que a Cruz que se quer silenciar! A verdadeira mensagem da dor é uma lição de amor. O amor torna o sofrimento fecundo e este aprofunda aquele. Através da experiência da Cruz, Edith Stein pôde abrir um caminho rumo a um novo encontro com o Deus de Abraão, Isaac e Jacob, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. A fé e a cruz revelaram-se-lhe inseparáveis. Amadurecida na escola da Cruz, ela descobriu as raízes às quais estava ligada a árvore da própria vida. Compreendeu que lhe era muito importante «ser filha do povo eleito e pertencer a Cristo não só espiritualmente, mas inclusive mediante um vínculo sanguíneo».

8. «Deus é espírito e aqueles que O adoram devem adorá-Lo em espírito e verdade» (Jo 4, 24). Caríssimos Irmãos e Irmãs, com estas palavras o divino Mestre entretém-se com a Samaritana junto do poço de Jacob. Quanto Ele deu à sua ocasional mas atenta interlocutora, encontramo-lo presente também na vida de Edith Stein, na sua «subida ao Monte Carmelo ». A profundidade do mistério divino tornou-se-lhe perceptível no silêncio da contemplação. Ao longo da sua existência, enquanto amadurecia no conhecimento de Deus adorando-O em espírito e verdade, ela experimentava cada vez mais claramente a sua específica vocação de subir à cruz juntamente com Cristo, de abraçá-la com serenidade e confiança, de amá-la seguindo as pegadas do seu dilecto Esposo: hoje, Santa Teresa Benedita da Cruz é-nos indicada como modelo em que nos devemos inspirar e como protectora à qual havemos de recorrer. Dêmos graças a Deus por este dom. A nova Santa seja para nós um exemplo do nosso compromisso no serviço da liberdade e na nossa busca da verdade. O seu testemunho sirva para tornar cada vez mais sólida a ponte da recíproca compreensão entre judeus e cristãos. Santa Teresa Benedita da Cruz, ora por nós! Amém.