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terça-feira, 13 de outubro de 2009

XXVI – Congresso Provincial OCDS





“PARA VÓS NASCI”

17 de abril a 8 de maio de 2009

UM CAMINHO PARA A FORMAÇÃO PERMANENTE PARA TODA A ORDEM DO CARMELO TERESIANO EM PREPARAÇÃO AO

V CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE SANTA TERESA DE JESUS

28 DE MARÇO DE 1515-2015

  1. A MENSAGEM CAPITULAR (trechos escolhidos: n. 4-10)

O olhar voltado para o V Centenário do nascimento de Teresa de Jesus


4. O Carmelo necessita de «fogo no coração, palavras nos lábios, «profecia no olhar» (Paulo VI, Audiência geral de 29 de Novembro de 1972) para permanecer fiel à sua triple vocação mística, profética e missionária. No nosso mundo em mudança é necessário sermos sólidos e solidários, e trabalhar na direção que é nossa desde a origem, a de «irmos começando sempre» (Cfr F 29,32) em fidelidade criativa ao Espírito Santo. O novo sexênio de 2009-2025 seguirá o dinamismo da esperança iniciado em 2003: «A caminho com Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz: voltar ao essencial». E é assim que nos orientaremos para a celebração do V Centenário do nascimento de Teresa de Ahumada (28 de Março de 1515), aquela a quem chamamos a nossa Santa Madre: Teresa de Jesus. O documento capitular «Para vós nasci» será o guia que orientará o novo sexênio.

Ler, meditar e deixar-se renovar pelos escritos da nossa Santa Madre Teresa


5. Desejamos para todos os membros da nossa Ordem uma nova primavera em nossa vida de seguimento de Jesus. A nossa formação permanente deve ser uma autêntica educação, maturação e crescimento na vida religiosa, na vida comum e na vida de oração. Para isso convidamos a todos e cada um e cada uma de vós para um encontro pessoal com Teresa, a entrar no diálogo que ela própria inicia nos seus escritos quando diz: «Irei falando com elas no que irei escrevendo» (Prólogo do Castelo Interior). Um contato de pessoa a pessoa não é possível a não ser no mais profundo centro da alma na esteira do caminho de oração, da aventura de amizade com Jesus, o rosto humano de Deus e rosto divino do Homem.

Transformados pela experiência de Deus


6. O nosso desejo é o de constituir os escritos da Santa madre no pão nosso de cada dia. A sua palavra vive para nos transmitir o sabor de Deus: «A minha intenção é a de seduzir as almas para um bem tão alto» (V 18,8). Perguntemo-nos: o nosso modo de vida atual tem um real espaço contemplativo de Deus? Somos testemunhas da sua grande bondade, da sua mão generosa, da sua obra libertadora (Cfr. V 4,10; 23,1)? Eis, pois, o esforço verdadeiro e radical que temos de realizar por nós mesmos e pelos outros, a fim de voltarmos a dizer aos homens quem é deus na nossa vida. «Deus é amor», o seu amor é vivificante, transformante e libertador.

7. Teresa convida-nos a «caminhar na verdade diante de Deus e dos homens de todas as maneiras que pudermos» (6M 10,6). Como discípulos e servidores da Palavra de Deus nós buscamos a verdade, avançamos para a luz e alcançamos a liberdade. É a partir desta soberana liberdade que podemos nos constituir em anunciadores e testemunhas, entregando-nos inteiramente a Quem se entregou por nós em seu Filho, o verdadeiro Amigo.

Fiéis ao chamado profético


8. Pela liberdade alcançada após a entrega ao Senhor Teresa pôde elevar a sua voz de mulher em tantas páginas críticas e valentes, onde ela denuncia as intrigas, vaidades e mentiras da sociedade do seu tempo. O seu amor à «santíssima Humanidade» de Cristo ressuscitado apurou o seu olhar e conferiu-lhe lucidez de verdadeira filha da Igreja, perante as condições injustas que alienam o homem de si mesmo e de Deus Teresa respondeu aos desafios do seu tempo preferindo a pobreza e o humanismo cristão para as suas fundações sustentadas numa sóbria e amigável vida comunitária e marcada pelas virtudes evangélicas da suavidade, da humildade e da alegria. Também para nós, hoje, a pobreza massiva e tudo que a provoca, isto é, as desigualdades crescentes e a injustiça em todas as suas formas, são para nós um desafio. A nossa vida contemplativa revela-nos o rosto doloroso de Cristo nos rostos sofridos dos pobres.

Seguindo o impulso missionário da nossa Santa Madre

9. «A oração acesa pelo fogo do amor» é a alavanca que levanta o mundo, diz-nos Teresa do Menino Jesus, herdeira do espírito missionário da Santa Madre. O dinamismo missionário que nos anima alimenta e mantém viva a nossa paixão pela humanidade. No movimento de contínua saída de nós mesmos pomo-nos ao serviço do futuro da humanidade, desejamos suscitar novas formas de esperança concreta. A emergência da globalização, como nova ordem mundial, convida-nos à partilha dos nossos recursos humanos, espirituais e materiais através duma colaboração mais eficaz entre as várias circunscrições e o centro da Ordem, a fim de continuar e consolidar a expansão da Ordem no mundo. ....


10. Porém, a globalização também divide o mundo em fragmentos onde se multiplicam os refugiados e novas formas de miséria. É urgente devolver a dignidade ao homem e de restaurar uma sociedade estropiada. O nosso mundo caracteriza-se pela interconexão mais profunda e pela maior fragmentação de que há memória. Neste contexto podemos oferecer o testemunho e a hospitalidade da nossa vida fraterna sustentada na amizade com Jesus que «destruiu os muros de ódio que nos separavam», como nos diz a carta aos Efésios (2,14). A nossa Santa Madre Teresa de Jesus assumiu plenamente esta humanidade ferida e suportou a dor e a compaixão, sobretudo através da experiência espiritual do «inferno» (Cfr V 32). Este amor pela salvação e libertação total do homem anima a nossa vida e o nosso apostolado. O nosso desejo é o de nos convertermos em «servos do amor» (V 11,1) «verdadeiros espirituais», segundo a descrição que Teresa elaborou: «tornar-se escravos de Deus que marca com o ferro da cruz, porque a Ele é dada a sua liberdade a fim de que os possa vender como escravos de todo o mundo, tal como Ele o foi» (7M 4,8).

2. O DOCUMENTO CAPITULAR PARA VÓS NASCI

“....queremos retornar, neste XC Capítulo Geral (2009) às fontes de nosso carisma teresiano, com uma proposta de leitura programada, pessoal e comunitária, dos escritos de santa Teresa, que nos ajude a tomar e renovar a consciência de nossa identidade e missão na Igreja de hoje.” (PVN 2).

“Exortamos a esta leitura, no marco da preparação do V Centenário de nascimento de santa Teresa de Jesus (2015), de maneira que o contacto direto com os escritos da Santa e a leitura sapiencial dos mesmos nos permita adentrar na aventura humana e espiritual por ela vivida proposta. Queremos reavivar seu espírito em nós, impregnar-nos da sabedoria que brotam de seus escritos, aproximando-nos a eles numa atitude de escuta, como discípulos e como filhos, para dar assim um impulso novo a nossa vida conforme nosso carisma teresiano a serviço da Igreja e do mundo. Buscamos sua palavra como fonte de esperança em nossa experiência humana, cristã e carmelitana.” (3)

2.1. O Documento em esquema:

I. As raízes teresianas do carisma: contexto vital e chaves de leitura (6-22)

1.1. O contexto histórico, sócio-cultural e religioso de sua vida

1.2. Chaves para a leitura de seus escritos

II. Rumo a uma leitura atualizada de seus escritos (23- 31)

2.1. Aproximação do nosso contexto, a partir de experiência de Teresa

2.2. Alguns núcleos vitais da experiência e doutrina teresianas

III. Critérios para um plano de leitura teresiana e propostas operativas (32-48)

Conclusão (49)

3. O CAMINHO A SER PERCORRIDO EM PREPARAÇÃO AO V CENTENÁRIO:

ü Vida – 2009-10

ü Caminho De Perfeição – 2010-11

ü Fundações – 2011-2012

ü Moradas – 2012-2013

ü Relações, Poesias E Cartas – 2013-14

ü 2015 – Celebrações

4. TRÊS ELEMENTOS A SEREM LEVADOS EM CONTA NA LEITURA DE S. TERESA:

1) A Escuta das palavras da Santa Madre e Fundadora;

2) A leitura orante de sua experiência e mensagem, com a reflexão pessoal e comunitária de seus escritos;

3) No horizonte do mundo dramático de hoje e da fé cristã.

ORAÇÃO A SANTA TERESA DE JESUS

(Em preparação a o V Centenário do seu nascimento - 1515-2015)

“ …apresse-seem servir Sua Majestade para me fazer uma graça, pois vossa mercê verá, pelo que aqui escrevi, quão bem é empregada a vida de quem se entrega por inteiro, - como vossa mercê começa a fazer -, a Quem tão sem limites se entrega a nós.”

(Carta de envio de Vida a G. de Toledo)


Santa Madre Teresa de Jesus!

Tu te colocaste totalmente a serviço do amor:

Ensina-nos a caminhar com determinação

E fidelidade no caminho da oração interior,

Com a atenção posta no Senhor, Deus Trindade,

Sempre presente no mais íntimo de nosso ser.

Fortalece em nós o fundamento

De uma verdadeira humildade,

De um renovado desapego,

De um amor fraterno incondicional,

Na escola de Maria, nossa Mãe.

Comunica-nos teu ardente amor apostólico

Para com a Igreja.

Que Jesus seja nossa alegria,

Nossa esperança e nosso dinamismo,

Fonte inesgotável

Da mais profunda intimidade.

Bendize nossa grande família carmelitana,

Ensina-nos a orar de todo coração contigo:

«Vosso/a sou, Senhor, para Vós nasci.

O que mandais fazer de mim?»

Amém.

Fr. Alzinir Francisco Debastiani OCD





O CAMINHO DE TERESA

UM CAMINHO DE VIDA

(fr. Alzinir)

Constituições OCDS 7 :

“A origem do Carmelo Descalço está na pessoa de Santa Teresa de Jesus. Ela viveu uma profunda fé na misericórdia de Deus [Vida 7,18; 38,16], que a fortaleceu para perseverar [Caminho de Perfeição 21,2], na oração, humildade, amor fraterno e amor pela Igreja, levando-a à graça do matrimônio espiritual. Sua abnegação evangélica, sua disposição ao serviço e sua constância na prática das virtudes são um guia cotidiano para viver a vida espiritual [Moradas 5,3,11; 7,4,6.]. Seus ensinamentos sobre a oração e a vida espiritual são essenciais para a formação e a vida da Ordem Secular.”

I. A VIDA DE TERESA DE JESUS

1º TERESA EM FAMÍLIA: 1515-1535

A sua família é numerosa: os pais, doze (?) irmãos, e vários domésticos. Residem na cidade de Ávila, com breves intervalos em Gotarrendura. Pouco a pouco a família começa a desintegrar-se: com a morte da mãe, o casamento da irmã mais velha, a partida dos primeiros irmãos para a América, aos quais seguirão paulatinamente todos os outros irmãos varões. Ao final deste período, Teresa praticamente se torna ama do lar.

2º MONJA CARMELITA NA ENCARNAÇÃO: 1535-1562

Teresa residirá aí 27 anos (desde os 20 aos 47 anos de idade), com breves ausências, por enfermidade ou por outros motivos. Anos de formação, os primeiros. Depois, anos de enfermidade, parênteses de mediocridade, de luta, de maturação espiritual. Iniciação na vida mística. “Graça do dardo” (V 29). Projetos de nova fundação. Mais tarde, regressará como priora da comunidade: 1571-1574.

3º FUNDADORA DO NOVO CARMELO: 1562-1582

Últimos 20 anos de Teresa, dos 47 aos 67 anos de idade. Período de plenitude humana e espiritual. Escritora e fundadora. Percorre os caminhos de Castela, a Mancha e Andaluzia. Associa a sua obra frei João da Cruz. Amplia sua rede de relações humanas nos diversos estratos da vida social. Garcia de Toledo lhe ordena escrever a história da fundação de São José (F prol. 2). Afronta situações conflitivas. Promove a edição de suas Constituições e do Caminho de Perfeição. Morre em Alba de Tormes no final de uma última viagem.

II ) O CAMINHO PERCORRIDO POR TERESA NO LIVRO DA VIDA

Vida tem uma estrutura toda especial, descontínua, por ter sido escrita em períodos diferentes, em caminho, acrescentando fragmentos ao texto precedente.

O mais importante para a compreensão do livro é a paisagem interior da escritora, que “quando isto escreve” está fazendo a travessia da fase mais incandescente de sua vida mística: misteriosamente ferida, acossada por desejos impetuosos, convencida de que a intensidade de suas experiências está a ponto de romper-lhe a tela da vida: “Penso que numa dessas vezes o Senhor será servido, se tudo continuar assim, em me tirar a vida” (V 20,13). De sorte que conclui o relato em tensa espera do acontecimento iminente: “Agora, não acho outro motivo para viver... Fico consolada ao ouvir soar o relógio, pois tenho a impressão de que isso me aproxima um pouco mais de ver a Deus, tendo aquela hora da minha vida se extinguido” (V 40,20), “Ele tornou a minha vida uma espécie de sonho em que o que vejo não parece ter realidade” (V 40,22). E no epílogo do relato: “Assim vivo agora, senhor e padre meu. Suplique vossa mercê a Deus que me leve para Si ou me mostre como servi-Lo” (ib 23).

Já antes de iniciar a redação do livro, Teresa havia escrito várias relações ou relatos menores. Sempre com a finalidade de clarear o sentido de sua vida. Escrevendo, reflete sobre si mesma, submete-se a um letrado, e se autocompreende. De certa maneira, Teresa é una mulher em constante esforço cerebral (e cordial); procura não viver sem entender. Assim o faz, através de numerosas Relações (1569-1577), até o livro do Castelo Interior, em 1577.

Tendo este mesmo objetivo, entre 1562 e1565, escreve Vida como uma relação a mais, só que bem mais extensa. A redige duas vezes: a primeira em Toledo (1561), no palácio de Dª Luisa de la Cerda (texto hoje perdido). A segunda em São José de Ávila, depois de dois ou três anos de fundado o mosteiro. A termina em 1565, com 50 de idade. O autógrafo se conserva íntegro no El Escorial. Sem nenhuma corrupção.

Escrito aos poucos, em trechos que vão sendo acrescentados, o relato fica aberto, à espera do que a autora seguirá vivendo: mais 17 anos de vida mística e de tarefas de fundadora. O livro estrutura-se em cinco secções. Enumeremo-las.

a) seção primeira, capítulos 1-10: da infância aos 39 anos de idade. Conta sua vida em família. Sua passagem à família do Carmelo, até o fato decisivo de sua vida diante de uma imagem de Cristo, mui chagado, empatizando com a conversão de Santo Agostinho. O capítulo 10 faz de ponte com as secções segunda e terceira, inícios da sua experiência mística (c. 10,1).

b)seção segunda, cc. 11-21: interrompe-se a narração. Com poucas referências cronológicas. – Introduz o tratado sobre os graus de oração, uma espécie de premissa doutrinal que permitirá ao leitor entender melhor as graças místicas que se exporão na terceira parte. À medida que avança esta exposição, se vai tornando mais narrativa e autobiográfica. O que ocorre, sobretudo, nos cc. 18-21.

c)seção terceira, cc. 22-31: cronologicamente corresponde aos anos 1554-1561. – Retoma a narração. “É outro livro novo daqui para frente, digo outra vida nova . Aquela até aqui era minha. A que vivi [daqui para frente]… é a de Deus em mim”. Quer dizer, torna à narração, mas muda de nível. Começa a narração do fato místico de Teresa. Temas fortes: período extático, experiência s (e teses) cristológicas, ‘graça do dardo’ (c 29)…

d) Seção quarta, cc. 32-36: desde 1561 até 1565. – Refere a fundação de São José de Ávila. Quer dizer, a vida pessoal de Teresa torna-se missão. Quem tem a iniciativa é Cristo. Teresa vai realizando-a. Aí terminava a narração (c. 36, 29).

e) Seção quinta, cc. 37-40. Não é um apêndice, mas o retomar do relato místico. Imagem clara do que atualmente está vivendo no Carmelo recém fundado: ‘assim vivo agora’, entre ânsias de serviço eclesial, e esperanças de vida eterna.

Segue uma carta de envio (escrita em 1565, apesar da data equivocada), ao primeiro leitor. Destinatário, é o mesmo do epílogo precedente (c.40, 23), o mesmo de tantas e afetuosas passagens dialogais no livro: P. García de Toledo:

III) A PLENITUDE DA VIDA CRISTÃ: COMUNHÃO COM A TRINDADE

Quando Teresa escreve o Livro da Vida (1565), não havia chegado ainda a descobrir o mistério trinitário. Conhece-o pela fé, não pela experiência. Mas é uma fé tão viva, que está disposta a defendê-la em qualquer disputa teológica: “a alma se vê, num átimo, sábia e tão instruída sobre o mistério da Santíssima Trindade e de outras coisas muito elevadas que não há teólogo com quem ela não se atrevesse a argumentar acerca da verdade dessas grandezas” (V 27,9).

Sua primeira experiência do mistério data de maio de 1571. A partir desta data, a experiência se intensifica, como testemunha o relato das Relações.

“Na terça-feira depois da Ascensão..., começou a se inflamar, parecendo-me que entendia claramente que tinha presente toda a Santíssima Trindade em visão intelectual. Nela, por certa maneira de representação (que era uma figura da verdade para que eu, em minha rudeza, pudesse entender), minha alma entendeu que Deus é trino e uno; assim, parecia-me que as três Pessoas me falavam e se representavam distintamente dentro de minha alma. Disseram-me que, a partir desse dia, eu veria melhora em mim em três coisas, porque cada uma dessas Pessoas me concedia uma graça: na caridade, no padecer com contentamento e no sentir essa caridade com abrasamento na alma. Compreendi as palavras que o Senhor diz - “Estarão com a alma em graça as três Pessoas Divinas” -, porque as via dentro de mim do modo como disse... Parece que ficaram tão impressas em minha alma aquelas três Pessoas que vi, sendo Deus um só, que, se durasse assim, seria impossível eu deixar de estar recolhida com tão divina companhia” (R 16; cf. também: R 18; R 33, de 1572).

Teresa realizou a exposição doutrinal do argumento da santidade cristã – plenitude da pessoa - nas sétimas moradas do Castelo Interior. Os quatro capítulos das sétimas moradas serão um pequeno tratado “da santidade” a que pode chegar o cristão aqui na terra. O mais expressivo e relevante é o símbolo nupcial, o mais bíblico dos três. Segundo ele, a santidade equivale ao “matrimônio espiritual” da alma com Deus, em total comunhão de amor entre ambos: em união plena e definitiva, com garantias de irreversibilidade, antecipação da santidade celeste. Dessa forma, a santidade não resulta tanto do crescimento da pessoa humana, quanto da simbiose dela com a divina. É um dom de amor recebido, muito mais que o logro do próprio esforço. Mais que perfeição do santo é comunhão com o Santo dos santos.

Os quatro capítulos das 7 Moradas contêm quatro respostas progressivas, que refletem limpidamente a idéia que Teresa tem do que Paulo chamou “pleroma” (plenitude) do homem novo em Cristo: plenitude de vida da graça.

c. 1º. A santidade é, antes de tudo, um acontecimento trinitário, no qual ao cristão se cumpre a palavra evangélica “que disse o Senhor: que viria Ele e o Pai e o Espírito Santo para morar com a alma que o ama e guarda seus mandamentos”. De sorte que “cada dia se espanta mais esta alma, porque nunca mais lhe parece deixaram de estar com ela [as três Pessoas divinas]..., assim também se entende com clareza que há no interior da alma...” (7M 1,6-7). Santificação do homem por inabitação da Trindade nele. É a Trindade que torna presente no homem a santidade de Deus.

c. 2º. A santidade é um acontecimento cristológico, consistente na união plena do cristão com Cristo, de sorte que possa dizer com são Paulo: “Mihi vivere Christus est mori lucrum. Parece-me que o mesmo pode dizer a alma aqui, porque é onde a borboletinha a que nos referimos morre, fazendo-o com grandíssimo deleite, porque sua vida já é Cristo” (7M 2,5). E se cumprem igualmente as palavras que Jesus disse a seus discípulos, orando por eles para que “fossem uma só coisa com o Pai e com Ele, tal como Ele, Jesus Cristo, está no Pai e o Pai Nele. Não sei que maior amor possa haver” ( 7M 2,7). O amor é unitivo com o de Cristo.

c. 3º. A santidade é um acontecimento humano, que leva a plenitude a vida do homem novo em Cristo, de sorte que também ele, como são Paulo, possa dizer com disponibilidade absoluta: “Que quereis, Senhor, que eu faça?”, convencido de que o Senhor o escuta, “então vos ensinará de muitas maneiras como haveis de agradá-Lo” (7M 3,9). A nível humano, a santidade é um valor que afeta ao homem inteiro nos planos psicológicos, ético e teologal.

c .4º. A santidade é, em definitivo, a plena configuração a Cristo, no serviço da Igreja e dos irmãos, de sorte que realize o gesto simbólico de Maria que com seus cabelos unge os pés de Jesus (7M 4,13), ou que como Jesus mesmo não só vive a serviço dos demais, mas que é também ele “servo de Javé”, e “fazer-se escravo de Deus, marcado com o Seu selo, o da cruz..., assim nos poderá vender como escravos de todo mundo, como Ele próprio foi. Com isso não nos injuria, mas nos concede imensa graça” (7M 4,8).

CONCLUSÃO

Ao longo de todo o processo espiritual, Jesus Cristo foi sempre a meta de Teresa: “ponhamos os olhos em Cristo, nosso bem, e com Ele aprenderemos” (1 M 1,11). “Ponde os olhos no Crucificado e tudo vos parecerá pouco” (7M 4,8). Nela se deu o descreveram os Bispos em Aparecida: “ A vida nova em Cristo é a participação na vida de amor do Deus uno e trino. Começa no batismo e chega à sua plenitude na ressurreição final” (DA 357).

Fontes: 1) S. Teresa Obras Completas. Loyola

2) Dicionário de S. Teresa

3) Subsídios do Capítulo Geral preparado por: P. Ciro García ,P. Tomás Alvarez, P. Giuseppe Pozzobon, P. Conrad de Meesters, P. Rómulo Cuartas

Mesa redonda: “Caminhando com nossos Santos”

Subida do Monte Carmelo – Fr. Afonso

Em N. Pai São João da Cruz estão muito presentes os diversos modos de apresentar o desenvolvimento da vida da graça que tem seu ponto culminante na perfeição – santidade, que é a vivência das Virtudes Teologais.

Um dos modos de apresentar a caminhada (=peregrinação) para Deus é usar a imagem da “subida”, subir o monte. O processo que leva à santidade ou à união com Deus é um “caminho espiritual” (2S,4,6), o caminho de “subir a Deus” (idem,8,3), o “caminho da vida eterna” (2S 30,5), “o caminho da Lei de Deus e da Igreja” (C 12/10/1589).

Nosso Santo não nos ilude: de diversas maneiras adverte aos que querem iniciar a “ditosa ventura” pela subida do monte santo, que terão muitos trabalhos, muitos perigos e enganos tão sutis, que só o socorro da graça e a docilidade de quem caminha poderá levá-los ao cume, onde se regalará com a divina Chama Viva de Amor.

Dois aspectos devem ser sempre considerados, nesta caminhada, sempre em íntima sintonia:

1) A amorosa iniciativa/pedagogia de Deus: Ele é antes e mais que Amado, é “o principal Amante” (Ch 31,2), “o principal agente” (3,29), “o promotor e infusor” (3,50). É uma pedagogia de amar, mais que ensinar.

2) A docilidade e o emprenho. Esta resposta humana já graça de Deus. “É Deus quem opera em vós o querer e o agir”, nos lembra São Paulo.

Caminhar com N.P. São João da Cruz em sua proposta de subir o Monte Carmelo não é outra coisa que seguir a Jesus Cristo, o Único Caminho para o Pai; veja-se, por exemplo 1S,13,3-4; 2S,7 (todo); 2S,22,6-8; 2S,29,9.

O caminho de Cristo – que é Ele mesmo – não consiste em “multiplicidade de considerações, nem de modos, nem maneiras, nem gostos...

Trata-se de uma só coisa necessária: saber negar-se deveras no interior e no exterior, dando-se a padecer por Cristo” (2S 7,8).

É “neste caminho sempre se há de ir adiante para chegar” (1S 11,6) pois é certeza que “ no caminho da perfeição não ir adiante é recuar; e não ir ganhando, é ir perdendo” (Ib. 5).


DOCDOCUMENTOS OFICIAIS DO PROCESSO CANÕNICO

S. TERESA DE JESUS – DOUTORA DA IGREJA – MADRID 1970

DECRETO DA SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A CAUSA DOS SANTOS

Urbis et orbis

Não havendo faltado na Igreja mulheres adornadas não apenas de exímia santidade mas também de ciência eminente, não há de causar estranheza que o Sumo Pontífice Paulo VI, tendo presente os sinais de nosso tempo, haja pensado se podia conceder o título de doutora da Igreja a algumas entre as santas mulheres, que com seus escritos a edificaram e ilustraram.

Por esta razão a Sagrada Congregação de Ritos, obedecendo o mandato do sumo Pontífice, elegeu alguns varões que estudaram oficialmente e examinaram atentamente o assunto. Estes, depois de um profundo e minucioso estudo, deram uma resposta afirmativa.

Depois, no dia 20 de dezembro de 1967, na reunião Ordinária da s. Congregação de Rito, preparado um especial Relatório, propôs para discussão a seguinte questão: “Se o título e culto de doutor da Igreja se pode dar às mulheres santas que com sua santidade e exímia doutrina contribuíram grandemente ao bem comum da Igreja.” Os Cardeais e prelados Oficiais presentes, em unanimidade afirmaram que se podia fazer. O Sumo Pontífice aprovou e confirmou este parecer no dia 21 de março de 1968.

Posteriormente, o Reverendo Padre Miguel Angel de são José, Prepósito Geral dos Carmelitas Descalços, manifestando os sentimentos da mesma Ordem, elevou a sua Santidade uma petição para que benignamente se dignasse colocar a Santa Teresa de Jesus, virgem de Ávila, entre os Doutores da Igreja Universal.

O sumo Pontífice transmitiu esta petição – à qual haviam somado as petições de muitos Cardeais, Arcebispos, Bispos, Superiores Gerais de Ordens e congregações Religiosas, assim como Reitores de Universidades – à dita Congregação de ritos para que desse seu parecer. A qual nomeou de ofício dois teólogos censores, os quais, examinados os escritos e doutrina de Santa Teresa de Ávila e seu influxo na vida da Igreja, deram parecer favorável. Preparou-se depois um volumoso Relatório que, além do Informe do Advogado da Causa, as respostas dos teólogos censores, a Declaração do Promotor Geral da Fé e das Cartas Postulatórias, compreende vários estudos sobre os distintos aspectos da doutrina da Santa.

Depois os Cardeais pertencentes à sagrada Congregação para as Causas dos santos – de cuja competência é o caso, segundo a Constituição Apostólica “Sacra Rituum Congregatio” de 8 de maio de 1969 – foram perguntados se, considerando a insigne santidade de vida, eminente doutrina e benéfico influxo na vida da Igreja de Santa Teresa de Jesus, julgavam oportuno proceder a sua declaração como Doutora da Igreja.

Os mesmos Cardeais, na reunião Ordinária da mesma congregação para as Causas dos Santos do dia 15 de julho de 1969, escutada a douta e amplíssima relação do Cardeal Arcadio M. Larraona, relator da Causa, ouvidos também os Prelados Oficiais, de comum consentimento afirmaram que Santa Teresa de Jesus merecia ser inscrita pelo Sumo Pontífice no catálogo dos Doutores da Igreja.

Feita finalmente fiel relação de tudo ao Papa Paulo VI, sua Santidade aprovou de muito bom grado a resolução da congregação para as causas dos Santos em 21 de julho de 1969, e determinou colocar no catálogo dos Doutores da Igreja universal a Santa Teresa de Jesus, Virgem de Ávila, mandando preparar acerca disto as Letras Apostólicas sob o anel do Pescador, e reservando-se determinar o dia desta solene proclamação.

Dado em Roma, desde a Sé da Sagrada Congregação para as Causas dos Santos, no dia 21 de julho de 1969.

PAULO CARDEAL BERTOLI, Prefeito

F. ANTONELLI, arcebispo de Idica, Secretário

DECLARAÇÃO DO PROMOTOR GERAL DA FÉ

Santíssimo Padre:

A Igreja, até o presente, teve o costume de distinguir com o título e as honras litúrgicas dos doutores, unicamente a santos varões, como se vê ao repassar o elenco dos 30 santos Doutores que desde 1295 com s. Gregório Magno, Santo Agostinho, Santo Ambrósio e São Jerônimo, até 1959 com são Lorenzo de Brindis, foram declarados tais pela Igreja. Na dita lista não há nenhum secular. Porém isto se deve unicamente a imposição da prática, e não a nenhum direito positivo, pois não existe nenhuma lei da Igreja que prescreva como condição necessária do doutorado que o sujeito seja do sexo masculino.

Sempre que se propôs a questão de conceder às mulheres o direito de ensinar na Igreja, acostumou-se a aduzir os textos de São Paulo: “estejam caladas as mulheres nas assembléias, (pois não lhes é permitido tomar a palavra”): (1 Cor. 14, 34), e “Não permito que a mulher ensine, (ou domine o homem. Que conserve, pois, o silencio”): (1 Tm. 2, 12), de onde se deduzia, contrariamente a proposição, que o sexo feminino era impedimento para o Doutorado.

E ainda quando a exegese moderna explicou retamente o sentido destes textos paulinos, não se pode negar que as lutas dos autores católicos contra os hereges e sua sincera vontade de guardar fielmente as prescrições do apóstolo, chegaram a criar uma mentalidade na Igreja, segundo a qual o ofício do magistério eclesial que supõe necessário para a dignidade do Doutor da Igreja, não parecia oportuno concede-lo às mulheres. O mesmo Santo Tomás, que exerceu um influxo eficaz a respeito, conclui: “Pode-se usar duplamente da palavra...; a segunda maneira é falando publicamente a toda a Igreja. E isto não se concede às mulheres” (II-II, q. 167, a.2).

No entanto, as dificuldades contrárias da concessão do título de Doutor a santas mulheres costumavam aduzir baseados nos textos paulino e em razões históricas de antigas heresias, desapareceram em nossos tempos. Pelo que parece oportuno considerar-se novamente a questão da concessão do título de Doutor a algumas santas mulheres.

Certamente, havendo mudado as circunstâncias dos tempos, não só na vida civil, mas também na mesma vida da Igreja, parece oportuno conceder o título de doutor também a algumas mulheres santas, que sobressaíram pela eminência de sua divina sabedoria.

O movimento de emancipação da mulher e equiparação ao homem em todas aquelas coisas e atividades públicas que não contradigam diretamente o sexo, começou já no século passado, e avança cada dia no nosso, de tal modo que as mulheres desempenham altas funções da atividade humana, e os mesmo homens reconhecem de grado os dotes exímios de que para isto gozam.

Muitas mulheres sobressaem no desempenho de altos cargos públicos, exercendo ofícios políticos ou administrativos de todo gênero; encontram-se presentes em convênios internacionais, ressaltando, em primeiro lugar, sua presença na “Organização das Nações Unidas”; dedicam-se a ensinar ou cultivar tanto as letras como as ciências; exercitam as artes e profissões liberais com competência, de tal modo que todo mundo reconhece que a importância da mulher na sociedade civil é capital.

A Igreja sempre defendeu, em conformidade com a divina Revelação, a igualdade do homem e da mulher, e a defendeu quando foi necessário segundo as circunstâncias e os tempos, principalmente no concílio Vaticano II, onde se ressaltou os méritos e os deveres devidos à condição da mulher. E ao falar dos carismas dos seculares, afirmou expressamente, sem fazer distinção de pessoas: “Também o mesmo Espírito não apenas santifica e dirige o Povo de Deus pelos sacramentos e os ministérios e o enriquece com as virtudes, mas distribuindo-as a cada um segundo quer (1 cor. 12, 11), reparte entre os fiéis graças de todo gênero, inclusive especiais, com que os dispõe e prepara para realizar variedade de obras e de ofícios proveitosos para a renovação e uma mais ampla edificação da Igreja” (LG 12).

O mesmo concílio, em mensagem transmitida em sua clausura para as mulheres, fez patente sua alta estima por elas, louvando não apenas seus méritos já adquiridos, mas preludiando uma atividade mais ampla e influxo das mulheres na Igreja e na sociedade, com estas palavras: “A Igreja está orgulhosa, vós sabeis, de ter elevado e liberado à mulher, de ter feito resplandecer, no curso dos séculos, dentro da diversidade dos caracteres, sua inata igualdade com o homem. Porém chega a hora, chegou já, na qual a vocação da mulher se cumpre em plenitude, a hora em que a mulher adquire no mundo uma influencia, um peso, um poder, jamais alcançado até agora” (AAS 58 [1966], 12).

Certamente a Igreja, multiplicadas suas necessidades, favorece uma pluriforme atividade das mulheres em variedade de associações, nas missões, nas escolas, na ação católica, e com estas tarefas as mulheres tornaram fecundo o trabalho da Igreja.

Nem defraudou a Igreja as legítimas aspirações das mulheres, elegendo-as como “auditoras” das sessões do concílio Vaticano II, e depois do mesmo nomeando-as consultoras de algumas Comissões e Discatérios da Cúria Romana e dos Secretariados Pontifícios, como é fácil ver no anuário Pontifício do ano 1969.

Depois que o concílio Vaticano II confirmou a difusão entre todos dos carismas do Espírito, e exaltou de maneira especial as incumbências que à mulher estão reservadas na nova sociedade e na Igreja, era lógico que se proporia de novo a questão sobre a possibilidade de concerder o título de Doutor a alguma mulher. E assim por mandato de vossa Santidade, em sessão ordinária e plenária da Sagrada Congregação de ritos do dia 20 de dezembro de 1967, propôs a dúvida “Sobre se o título e o culto de Doutor da Igreja se pode dar às mulheres santas, que por sua exímia santidade e doutrina, contribuíram grandemente ao bem comum da Igreja.” Ouvido o voto de quatro teólogos a quem foi pedido parecer, contestou-se afirmativamente.

Mas, se a alguma santa mulher há que conceder o título e as honras do Doutorado na Igreja, é evidente que em primeiro lugar se hão de conceder a Santa Teresa de Ávila, que por sua eminente doutrina de teologia mística, vem sendo honrada, tanto pelo Povo de Deus como pelos estudos da teologia espiritual, como Doutora Mística.

Teresa nasceu na cidade de Ávila, na Espanha, no ano de 1515 de pais piedosos; criança ainda, ingressou no convento das monja Agostinianas da mesma cidade para sua instrução, e posteriormente tomou o hábito no convento da Encarnação de monjas carmelitas de Avila, onde professou em 1537. Movida pelo desejo de uma observância mais rigorosa, tendo consultado a santos e doutos varões, e obtida a licença da Santa Sé, começou a Reforma Carmelitana com a fundação do convento de São José na mesma cidade de Ávila, com suma pobreza, no ano de 1562. Desde este momento até o de sua morte ocorrida em 1582, fundou 17 mosteiros espalhados por toda a geografia espanhola, merecedora do título de “monja andariega”. Também começou, ajudada por São João da Cruz, a mesma Reforma Carmelitana entre os religiosos. A partir do ano de 1565 escreveu várias obras sobre teologia mística, o que lhe granjeou, tanto ente o povo como entre os doutos, grande prestígio e autoridade.

Três coisas são necessárias para que se conceda a alguém o título de doutor da Igreja: insigne santidade de vida, proclamada pela Igreja em sua canonização e com a inserção no Martirologio universal; doutrina eminente; e solene declaração ou concessão do título pelo sumo Pontífice ou por um Concílio Ecumenico legitimamente congregado. Estas três normas, de certo modo já típicas, e segundo as quais acostumou-se a julgar aos Doutores, foram assinaladas concisamente por Bento XIV, com estas palavras: “Para nomear alguém doutor da Igreja, são necessárias três coisas, que são doutrina eminente, insigne santidade de vida, e declaração do Sumo Pontífice ou do Concílio Geral legitimamente convocado.”

Primeiro requisito: Insigne santidade de vida de Teresa. –

A insigne santidade de vida de Teresa está patente no fato de que, declaradas suas virtudes heróicas, foi concedido a honra da beatificação em 1614, e depois alcançou a canonização em 1622, sendo incluída no Martirologio Romano e proposta como exemplar que imitar para todos os fiéis cristãos, segundo consta pelas palavras da Bula de Canonização dada por Gregório XV: “Estimados, por tanto, digno e conveniente, que àquela a quem Nosso Senhor Jesus Cristo se dignou manifestar ao povo na glória de seus milagres como esposa adornada, também nós, por nossa autoridade Apostólica, mandamos honrar e venerar como Santa e eleita de Deus, para que todos os fiéis cristão entendam quão abundantemente Deus derramou seu Espírito sobre sua serva, e por isto aumentem cada dia sua devoção para com ela”. E todos os anos, as lições próprias do Breviário, recordam a excelência de suas virtudes, dizendo: “Enriquecida com virtudes angélicas, procurou sempre com solícita caridade não apenas sua própria salvação, mas a de todos.”

Preclaro é o testemunho de são Pio X, que, unindo suas palavras às de Leão XIII, desejava que a festa de Santa Teresa se celebrasse por todos, “pois ilustrou, tanto com as virtudes de sua vida angelical, como com as obras de sua celestial sabedoria, a toda a Igreja Católica” (AAS 6 [1914), 144).

Esta santidade exímia de Santa Teresa a confirmam também muitos santos e beatos coetâneos seus, os quais dão fé de sua santidade e ciência, como São Pedro de Alcântara, são Francisco de Borja, São Luis Beltrán, são João da Cruz, são João de Ribera, Beato João de Avila, Beata Ana de são Bartolomeu, e outros. E ainda os mesmos Irmãos separados, quando falam da santidade católica ou da santidade em geral, ainda que eles, as vezes, a interpretem a seu modo, enumeram com unânime consentimento a Teresa como exemplar esclarecido da mesma.

Segundo requisito: doutrina eminente de Santa Teresa.

É de sobra conhecido como Santa Teresa, mesmo não tendo estudos superiores, movida pela obediência escreveu muitas obras com tal simplicidade, sinceridade e elegância da língua, que, mesmo sem intenção, alcançou grande fama entre os escritores de fala espanhola, assentando magistério no dizer justamente em forma literária suas altíssimas experiências, e causando verdadeiro deleite no animo de qualquer um que leia seus volumes, como provou amplamente o Primeiro Censor em seu voto.

Acerca da autenticidade de suas obras, não há nenhuma dúvida pois conservam-se autógrafas ao menos suas obras maiores, e a maior parte das menores. Nem existe dúvida sobre sua originalidade, pois estão escritas de uma forma bem pessoal, e, ainda que fiéis aos artigos da fé, da Sagrada Escritura e os documentos da Igreja, estão melhor embasadas na experiência de sua vida pessoal.

As obras, nas quais expôs Santa Teresa sua eminente doutrina, são as seguintes:

Obras Maiores: Livro da Vida, ou autobiografia; Caminho de Perfeição; Castelo Interior ou as Moradas; Fundações; conceitos do amor de Deus; constituições (para as monjas Carmelitas Descalças); modo de visitar os conventos.

Obras Menores: são de ressaltar 67 Relações espirituais e 259 cartas, das quais 240 são autógrafas, entre as (talvez 15.000) escritas por ela.

A eminência da doutrina Teresina prova-se por três razões: pela mesma doutrina em si, pelas condições requeridas pela Igreja e por critérios externos, dos quais o principal é o influxo de seus ensinamentos.

Resumo da doutrina teresiana

Toca quase todos os capítulos da doutrina católica, ainda que de um modo não científico. Da Divina Revelação, diz entre outras coisas isto: “Nenhuma [das grandes graças místicas] que não vá conforme à Escritura, façais mais caso delas, que se as ouvísseis do mesmo demônio” (Morada VI, 3, 4); “Todo dano que vem ao mundo é de não conhecer as verdades da Escritura com verdade clara; não faltará um acento dela” (Vida 40, 1); “Chegados a verdades da Sagrada Escritura, fazemos o que devemos: de devoções a bobas nos livre Deus” (vida 13, 16).

Acerca da Fé, proclama isto firmemente; “Sabia de mim que em coisa da fé... por ela... eu poderia morrer mil mortes” (Vida 33, 5); “Está fortalecida (a alma) na fé, que entenda ela de si que por um ponto dela morreria mil mortes...; uma fé viva, forte... que não a moveriam quantas revelações possa imaginar, ainda que visse os céus abertos, um ponto do que tem a Igreja” (Vida 25, 12).

Sobre o Mistério de Deus, além do que profusamente em todas as suas obras diz da presença e providencia de Deus, de sua bondade paternal e sua misericórdia, de sua transcendência e majestade, e tudo de um modo aguçado, um capítulo especial da doutrina teresiana constitui seu ensinamento sobre o mistério supremo da Trindade e sua inhabitação nas almas dos justos, de tal modo que dedicou a explicar este mistério íntegra e principalmente em sua obra das Moradas ou Castelo Interior.

Acerca do Mistério de Cristo e de seu influxo na obra de nossa santificação, deduza-se pelas seguintes palavras toda sua doutrina: “Se perdem o guia, que é o bom Jesus, não acertarão o caminho... porque o mesmo Senhor diz que é o caminho; também diz o senhor que é luz e que ninguém pode ir ao Pai senão por Ele; e quem me vê, vê a meu Pai” (Moradas VI, 7, 6).

O Mistério da Igreja é totalmente inseparável da doutrina teresiana e do reto caminho da perfeição: “Em tudo me sujeito ao que tem a Santa Igreja Católica romana, que nisto vivo e protesto e prometo viver e morrer” (Moradas prólogo, 4); “como vejo as grandes necessidades da Igreja..., estas me afligem tanto, que parece zombaria ter pena de outra coisa” (Relações 3, 7).

Finalmente, acerca do Mistério da Salvação, que de certa maneira compendia e expressa os outros mistérios já mencionados, Teresa resulta uma mestra consumada, quando apresenta em seus escritos a vida cristã em sua plenitude como um progresso da graça batismal que chega até a união e transformação em Cristo; como progresso das virtudes evangélicas que chega a té a perfeição da caridade; como um progresso da graça pessoal que chega até a total fusão no mistério eclesial; finalmente, como progresso da presença de Deus na alma, até submergir ao justo na vida da Trindade que nele habita.

Sobressai a doutrina Teresina por seu modo de tratá-la, cuja profundidade e perspicácia sempre foi causa de admiração para todos por seu modo clarividente de falar da vida espiritual e de suas divinas experiências.

Sobressai do mesmo modo pela ausência de qualquer erro, seja quando ainda vivia seja ao longo de quatro séculos confirmaram com sentimento unânime os doutores, de tal modo que, ao examinar seus escritos, puderam dizer que os teólogos a consideravam como “Mestra, dada por Deus, da doutrina espiritual”.

Sobressai igualmente sua doutrina, porque não se dedica senão à ciência sagrada, sendo toda acerca de Deus e das coisas divinas, pois, como disse um discípulo fiel seu, a Santa em seus escritos “não expõe nada que não seja teológico”.

É eminente, enfim, sua doutrina, pela consecução dos frutos ou efeitos que Bonifácio VIII atribui à doutrina dos Doutores. Já que:

Por ela “as trevas do erro foram afugentadas”, segundo demonstra-se pelos capítulos doutrinais com os quais venceu aos erros de seu tempo e previniu de certo modo aos futuros, como os da Humanidade de Cristo, da necessidade das virtudes na vida espiritual, da autêntica noção de contemplação, da presença real de Cristo na Eucaristia, e da verdade da Igreja Romana, etc.;

Por ela “foram esclarecidas as coisas obscuras” que tocam à vida espiritual, segundo admite o consentimento unânime, que corrobora S. Pio X: “Aquelas coisas da mística teologia, que os Padres obscura e separadamente ensinaram, claramente e num só corpo foram ensinadas por esta Virgem”;

Por ela, finalmente, pode-se também dizer que “os enigmas da Escritura foram desentranhados”, pois, ainda que ela não se ocupou ex professo da exegese, amava em sumo grau a Escritura e a saboreava em seu interior; mais ainda, mesmo ignorando a língua latina, com a graça de Deus tirou delas o sentido mais íntimo e profundo.

Também sobressai sua doutrina em razão de seu admirável influxo e perene atualidade. Todos os escritos de espiritualidade cristã estão de acordo em admitir que a doutrina teresiana exerceu um grande influxo na vida da Igreja nos quatro últimos séculos. Basta percorrer os diversos campos nos quais prestou um grande serviço ao magistério da Santa Igreja. Assim:

Em primeiro lugar, sua doutrina foi alimento espiritual de quase todos os Santos e homens espirituais insignes que floresceram nestes quatro últimos séculos.

Sua doutrina foi aceita e celebrada pelos grandes Doutores da vida espiritual, como São João da Cruz, São Francisco de Sales, Santo Afonso Maria de Ligório, aos que há que acrescentam também Santa Teresa do Menino Jesus.

Igualmente exerceu um influxo saudável nas escolas de espiritualidade católica, das quais uma leva precisamente o nome de “teresiana”.

Sua doutrina foi usada em tempos passados para combater o quietismo e o semi-quietismo; e em nossa mesma idade para promover a instauração da vida mística e a teologia espiritual.

Também aproveitou grandemente para cultivar a ciência da vida cristã e orientar a pedagogia espiritual na difícil arte de conduzir as almas ao cume da santidade.

Porém, principalmente, sua doutrina foi magistério de oração ao longo das gerações, tanto para almas consagradas a Deus, como para os fiéis, em geral, que seguiram santamente no mundo seu conselho do “um quarto de hora de oração”.

A riquíssima Bibliografia cuidadosamente preparada pelo P. Simeão da Sagrada Família. O.C.D., que compreende 1.212 fichas e abarca 200 páginas da Apresentação, nos mostra admiravelmente esta universal e continua presença de Santa Teresa, o mesmo na maravilhosa difusão de seus escritos, não apenas na Espanha, e nas principais línguas da Europa, mas também nas outras terras, ainda nas orientais, e em outros idiomas (como árabe, grego, japonês, malaio, tâmil, chinês, coreano, bengali); resultando disso também encontrar a presença teresiana hoje nas quatro grandes seções, nas quais a Igreja de nosso tempo exercita sua missão apostólica:

Dentro da Igreja católica,

No diálogo cristão com os irmãos separados,

No diálogo religioso com os não cristãos,

No diálogo humano com os não crentes.

Desta quádrupla presença teresiana trata brevemente o Informe do Advogado, remetendo à exímia dissertação da Pontifícia Faculdade Teológica do “teresianum”, onde se dão provas abundantes.

Esta mesma eminência da doutrina teresiana, reconheceu a Igreja na Liturgia, quando na Coleta ensina aos fiéis a orar a Deus “para ser alimentados com o alimento de sua celestial doutrina”, e nas lições do Breviário afirma: “Escreveu muitas obras com celestial sabedoria, com as quais estimula o coração dos fiéis ao desejo da glória celestial”. E, em seu magistério ordinário, os predicadores usam “este grande tesouro de doutrina que o Espírito Santo deu a sua Igreja por mediação de Teresa”, como disse Pio XII (ASS 43 [1951], 734). E os Sumos Pontífices, desde Gregório XV que a canonizou até nossos dias, enalteceram igualmente este tesouro de doutrina;

Gregório XV louva as obras teresianas, “das quais os corações dos fieis percebem frutos ubérrimos, renovando-lhes o desejo da pátria celestial”;

Pio IX deseja que seus escritos “se difundam mais e mais e não faltem nas mãos dos homens”;

Leão XIII diz que há nos mesmos “uma certa dorça secreta mais divina que humana”;

São Pio X a compara com alguns grandes Doutores, dizendo “que foi esta mulher tão eficaz para a instrução religiosa dos cristãos, como os grandes Doutores e Padres da Igreja que citamos e dos que pouco ou nada desmerece”.

A isto há que acrescentar os testemunhos dos últimos Papas: Pio XI a chama “Mestra exímia da contemplação”; Pio XII, “Mestra preclara da ascese e santidade cristã”; e o mesmo vossa Santidade, dizendo que “os livros de santa Teresa estão cheios de celestial sabedoria”, louvando seu magistério, como o de são João da Cruz, afirmando deles que são “os dois grandes mestres da mística católica”, e chamando-a “extraordinária interprete das coisas de Deus”, e nomeando-a patrona principal dos escritores católicos espanhóis.

De acordo com este magistério ordinário da Igreja está também o unânime consentimento dos fiéis, expresso de modos bem diversos. Em primeiro lugar adornou Santa Teresa, engrandecendo a excelência de sua doutrina, com títulos honrosos como “Mística Doutora”, “Seráfica Doutora”, “Mãe dos Espirituais”, e outros semelhantes. . Em concordância com estes títulos, o simbolismo iconográfico a representou continuamente adornada com as insígnias deste nobre magistério (como livro, pena, toga, toga e barrete doutoral, cátedra) ou com outros referentes a origem carismática de sua sabedoria (como em êxtase e com a pomba simbólica); e celebrando as vezes o altíssimo grau de seu magistério, a situaram junto a São Tomás e outros santos Doutores da Igreja, envolvidos em raios de luz que mutuamente se entrecruzam, simbolizando a comum ilustração das coisas do alto. E isto não apenas o fizeram artistas insignes que figuraram assim a pessoa da Santa, mas mesmo o povo fiel, e os editores de suas obras, divulgaram esta imagem doutoral.

Terceiro requisito: A declaração da Igreja.

Certamente não houve até o presente nenhuma declaração expressa da Igreja sobre o Doutorado de Santa Teresa, pois disto se trata precisamente na presente exposição. Porém, como faz notar o Segundo Censor, “tem havido de certo modo uma declaração equivalente, seja na bula de Canonização, seja no Ofício Litúrgico da mesma Santa, seja em muitos documentos do Magistério, que louvam e recomendam muito a doutrina de Santa Teresa de Jesus”. Entre estes testemunhos há que ressaltar o de são Pio X, já citado: “foi esta mulher tão útil para a instrução religiosa dos cristãos como os grandes doutores e Padres da Igreja, que citamos [São Gregorio Magno, são João Crisóstomo e Santo Anselmo], e pouco ou nada desmerece deles.” Assim sendo, uma solene declaração não seria outra coisa que o anúncio oficial desta declaração citada e equivalente.

Por outro lado, o sentido da sociedade de hoje favorece a conveniência desta declaração. Quando se proclama a algum santo Doutor, a Igreja pretende ressaltar seu sentido atual para que os fiéis o compreendam e o entendam. O qual certamente, no caso de santa Teresa e de seu Doutorado, se dá de uma maneira plena, pois a doutrina da Santa responde à mentalidade, e às necessidades e desejos da vida de hoje:

No âmbito sumamente atual do movimento feminista (tanto dentro como fora da Igreja), pelos louvores da mulher, “honra e decoro de seu sexo”; pelos dotes eminentemente femininos de seu magistério, pela equânime visão da mulher e de sua missão na Igreja e no mundo;

No atual fervor da vida cristã e católica, pelo vivíssimo sentido eclesial desta egrégia mulher, que não apenas o viveu de um modo pessoal, mas o infunde a quantos lêem suas obras;

E, mais que nada, porque em nosso mundo de hoje, trabalhado e minado pelo ateísmo, necessitado do testemunho sincero das coisas transcendentes, a pessoa e a mensagem de Santa Teresa são recebidos em toda sua eficácia carismática e profética. Seu testemunho cálido e vital, e ao mesmo tempo simples e sincero, de Deus, de Cristo e das coisas sobrenaturais, pode servir para apagar a sede que os homens de nosso mundo têm das coisas transcendentes e divinas, induzindo-os a levar uma vida cristã mais elevada. Pode ajudar aos mesmos a estabelecer com Deus esse colóquio que Cristo nos ensinou em seu Evangelho, e fazer ressaltar que não há nada que assim engrandeça nossa dignidade humana como a estima e o cultivo das virtudes verdadeiramente cristãs, pelas quais em cada um de nós se torna presente o mistério da salvação. Tudo para a imitação desta Santa, que aparece diante de nossos olhos como humaníssima e cristianíssima, contemplativa e sumamente ativa, fechada na clausura e cumpridora observante de todos os deveres da vida social, simplicíssima e ao mesmo tempo mestra em tudo.

As dificuldades que acima se aduziram baseadas nos textos de são Paulo contra o Doutorado das mulheres em geral, e de Santa Teresa em particular, pode-se dizer que não tem consistência hoje em dia e não necessitam, portanto, uma resposta especial, por considerá-las como dificuldades já completamente resolvidas.

Pelo que toca à práxis da Igreja, é certo que até agora não declarou a nenhuma mulher Doutora sua, mas isto carece de importância, já que sobre as condições aduzidas de Bonifácio VIII e Bento XIV, não consta que se tenha de exigir para conceder a dignidade do doutorado que o sujeito seja do sexo masculino; portanto, amadurecidas as circunstancias e a mentalidade dos homens, nada impede que a Igreja neste ponto, como em outros muitos, segundo sua prudência, possa mudar a práxis tradicional, e assim declare doutora a alguma Santa.

De resto, qualquer dificuldade teológica sobre esta questão se desvanece em seguida, explica-se bem e com clareza a distinção e mútua relação que existe entre o grau magisterial e o ofício hierárquico, como a Igreja sempre o entendeu. É evidente que por um carisma profético dado a algum cristão, como inerente ao seu sacerdócio ministerial, sob influxo do Espírito Santo, pode alcançar formas elevadíssimas de magistério, sem que por isto deva ascender ao grau do magistério hierárquico.

E se trata de colocar objeções em particular contra a pessoa e doutrina de santa Teresa, há que confessar que não se encontra a mais mínima que mereça ser mencionada. Não tem sentido dizer que os escritos teresianos estão faltos de caráter “científico”, já que a sabedoria divina não se há de medir pelos cânones da ciência humana, mas que há de ser a sabedoria evangélica e bíblica a que sirva de medida para conceder a dignidade de um Doutorado carismático. Nem é digna também de especial consideração a objeção que diz que a Santa padeceu o chamado “complexo feminino”; pois, se por um lado defende com igualdade de animo e prudência sua condição de mulher, exaltando a grandeza de seu sexo pela pessoa da Virgem e pelo especial amor de predileção com que Cristo tratou às mulheres, por outro lado confessa uma grande reverencia pela dignidade e os ofícios dos varões, pelo magistério hierárquico exercido pelos homens sacerdotes e pelas qualidades reais que distinguem ao homem da mulher, e que ao mesmo tempo servem de complemento dos dotes desta. E que coisa mais louvável que isto, se é sã doutrina cristã?

Por tudo o que foi dito até o presente, mostra-se com clareza que Santa Teresa goza de todos os requisitos exigidos pelo direito para a concessão do título de Doutor, e que para conceder-lhe o mesmo está adornada de todas as qualidades e não há nenhum impedimento.

Pelo que, e em conformidade com meu ofício, digo que não apenas não encontro nada que oponha à concessão do predito título de doutor, senão que uno meus rogos às súplicas dos Cardeais, Bispos, superiores Gerais de Ordens Religiosas, às de muitos outros preclaros e doutos varões, às de toda Ordem Carmelitana, e suplico a Vossa Santidade, Beatíssimo Padre, encarecidamente, que para confirmar a Doutrina do Concílio Vaticano II que diz como os carismas do Espírito Santo se derramam entre todos os fiéis sem distinção de sexos, e seguindo as pegadas de Vossos predecessores, especialmente de São Pio X, que com grandes louvores engrandeceu o magistério de Santa Teresa, pela suprema autoridade de que gozais, queirais honrar a Santa Teresa de Ávila com o título de Doutora, estendido a toda a Igreja. Do qual unicamente podem seguir ubérrimos frutos, tanto para o apostolado das mulheres, como para a vida interior mais elevada das almas.

Ao apresentar-vos, prostrado humildemente aos pés de Vossa Santidade, esta minha petição, rogo também vos digneis confortar-me com Vossa Benção Apostólica.

Roma, 31 de maio de 1969.

Fr. Rafael Pérez, O.S.A.

Promotor Geral da Fé




Livro da Vida – Santa Teresa de Jesus

Teresa estréia como escritora com o Livro da Vida.

A análise teológica de sua experiência fará que nasça o livro.

A primeira redação foi escrita por obediência ao confessor o padre dominicano Garcia de Toledo no ano de 1562.

A mando do seu superior Provincial, Teresa foi para a cidade de Toledo fazer companhia a uma nobre senhora, dona Luiza de La Cerda. Ali ficou por mais de 6 meses. Justamente aqui escreve o Livro da Vida.

O livro relata o caminho que ela percorreu para alcançar o que desde de criança desejou: “Quero ver a Deus”. Quando, ainda na idade de 7 anos, foge da casa paterna com seu irmão Rodrigo para ir a terra dos Mouros e ali morrerem como mártires.V 1

Em sua caminhada Teresa traduz algo consubstancial.

Interiormente percebe sua vida como um caminho.

Sua experiência é amarga, o que depois se converte em um símbolo de vida. Sua experiência trágica é a consciência do atraso e da perda de tempo de 40 anos, 18-20 considera o tempo da resistência a Deus, de sua involução.São anos vividos na Encarnação. Teresa nos relata esta experiência nos capítulos 6 e 7 do livro da Vida.

V 7,1 – “Comecei, de passatempo em passatempo, de vaidade em vaidade, de ocasião em ocasião, a meter-me em grandes perigos e a andar com muitos estragos na alma causados por tantas frivolidades. Eu já tinha vergonha de me aproximar de Deus em amizade íntima como é o trato de oração”.

V 7,17 – “A vida que eu levava era penosa ao extremo, porque na oração percebia melhor as minhas faltas. Por um lado Deus me chamava, por outro, eu seguia o mundo”.

Não é para ficarmos espantados se Teresa usa com freqüência a palavra “determinação” para significar a grande força de vontade que ela teve e nos ensina que devemos nos decidir quando se trata das coisas que dizem respeito a Deus e à salvação da alma.

Há tantos caminhos, mas não há caminho sem oração. Perder a relação com Cristo é sair do caminho.

E se caminhar é lutar. É um esforçar-se. Às suas filhas ela dirá: “Caminhemos para o céu, monjas do Carmelo”.

Ela mesmo, no momento final da vida, afirmará: “Hora é esta, esposo meu, de encontrarmos. É hora de caminhar”.

O caminho Teresa apresenta como um processo de aproximação de Deus: imersão na vontade divina até a união espiritual com Ele.

Teresa escreve o caminho que percorreu no relacionamento com Deus: Vai contar a história da Graça.

Desde as primeiras páginas, do livro da Vida até o fim Teresa fala de suas misérias e as misericórdias de Deus.

Fruto de uma graça mística, Teresa vai descobrir com muita segurança que Deus está realmente presente em sua vida.

A presença de Deus é comunicação. Presença ativa. Presença de graça.

Esta ação de Deus brilha mais do que o pecado de Teresa.

“Quanto maior o mal, mais resplandece o grande bem de vossas misericórdias! E com quanta razão as posso cantar para sempre! Suplico-vos Deus meu, seja assim e as cante eu sem fim”. V 14,10

Misericórdia contra miséria. Graça contra pecado.

Deus-misericórdia é mais forte que Teresa-miséria.

A segurança de Teresa está na misericórdia de Deus.

“Jamais desconfiei da misericórdia do Senhor”.V 9,7

Os capítulos 27 e 28, capítulos centrais da sua autobiografia, são como a sua profissão de fé cristológica, profissão que se impõe por uma série de graças místicas que tem a Cristo por sujeito e conteúdo.

Ano de 1554 (conversão definitiva – V 9) ao ano de 1582 (sua morte) é um período místico, irrupção do amor, ação envolvente de Deus, triunfo da graça.

Vida mística quer dizer também dinamismo e progressividade. Caminhar, ir adiante. A conversão é ponto de partida. Não é um fim de processo.

A experiência mística teresiana frutifica em “obra” eclesial. A obra da reforma é a manifestação da vontade de Deus na vida de Teresa.

Teresa nos ensina a “servir a Deus com justiça, fortaleza de ânimo e humildade”. V 11,3

Enfim, poderíamos resumir o livro em experiência de Deus (vida – mística) e doutrina (ensino).

Deus concede a Teresa a graça mística de poder entender e comunicar o que recebe. Por isso ela se tornou Mestra dos Espirituais, escritora das coisas místicas.

Uma graça é dar o Senhor a graça, outra é saber descrever e dar a entender como é:

· Vivencia mística, Teresa recebe;

· Inteligência mística, Teresa entende e

· Palavra mística, Teresa comunica.

Teresa foi percebendo a onda de graças místicas depois de sua conversão. Vida que muda de caminho. É um novo livro a partir de agora, uma vida nova. A mudança aconteceu desde que Teresa começou a declarar em oração que Deus vive nela.

Suspende a narração da autobiografia para falar-nos de oração, chave interpretativa deste caminho.

Teresa deixou explicitamente dito: “A oração foi à porta para os favores tão grandes que sua Majestade me tem feito”. V8,9

Abandonar a oração é terminar com a amizade divina. “Verdadeiramente chamo eu queda a das almas que rejeitam o caminho por onde ganha tanto bem”. V 15,3

“Trato de amizade”, a oração é aceitação do amigo que nos ama.

Orar é viver aberto a Deus. Ser amigo de Deus.

Orar é afirmar que a misericórdia de Deus vence a miséria do homem.

Caminho básico para iniciar no caminho de oração é determinar-se a ser servos do amor.Viver com empenho o seguimento de Cristo “que tanto nos ama”.

A humanidade de Cristo é tema sempre presente na oração teresiana. “Pode apresentar-se diante de Cristo e enamorar-se muito de sua sagrada humanidade”. V 12,2

“É grandíssima glória ver a humanidade de Cristo”. V28,3

Cristo-homem, ou a condição humana de Deus foi um autêntico achado de Teresa. Foi o melhor e o mais revolucionário achado. Por via de experiência, que teve na sua vida espiritual. A GRAÇA DAS GRAÇAS.

Sem Cristo-homem, não se explica Teresa, sua espiritualidade.

Jesus na sua condição humana é, para Teresa, presença e proximidade real, viva e verdadeira.

Cristo-homem oferece a Teresa outro manancial que banha e fecunda toda a sua pessoa. Poder tratar com Cristo como a um amigo, tratar de amizade com ele é fazer comunhão, compartilhar, receber e dar.

Teresa mostra-se mulher profundamente humana, sumamente capacitada para a relação interpessoal.

A pedagogia teresiana – que arranca e se alimenta da sua profunda visão da humanidade de Deus – tende a que os seus discípulos busquem pelo Cristo terreno, Cristo crucificado. Aqui devemos mergulhar na sua paixão, assumir o seu destino de Servo sofredor. A ressurreição dar-se-á em conseqüência.

Toda a cristificação é hominização. Aquele que segue Cristo, o homem perfeito, torna-se mais humano.

Portanto, altamente explorado por uma alma que não se tem a perder a humanidade de Cristo:

*‘‘grande coisa como vivemos, somos humanos’’. ‘‘Não somos anjos’’;

*Assim, com tal Amigo presente tudo é possível. O amigo dinamiza a generosidade do homem.

Enfim, “Há de ser o meio da mais alta contemplação a humanidade de Cristo”. V. 22

Bibliografia:

· Livro da Vida - Santa Teresa de Jesus.

· Oração, história da amizade – Maximiliano Herraiz Garcia.

· Introdução ao Livro da Vida – Maximiliano Harraiz Garcia.

· Monte Carmelo Vol. 116 Burgos 2008 nº 3 – Revista de estudos carmelitanos.

Marisa Maria Ribeiro

Comunidade Santa Edith Stein

Divinópolis - MG

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