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sexta-feira, 27 de março de 2009

O SEGREDO DE UM SORRISO




PIERRE DESCOUVEMONT

 

PREFACIO

 

O rosto é o reflexo da alma

Teresa.

 

            Teresa de Lisieux dizia, alguns meses antes de morrer: “Não vejo o que terei a mais, depois da morte, que já não tenha nesta vida. Verei a Deus, é verdade! Mas estar com ele, já estou aqui na terra” (1)

            Esta impressão de já viver na terra algo da alegria do céu faz parte de toda experiência cristã autêntica. Para os cristãos a vida eterna começa aqui, segundo a promessa de Cristo: “Aquele que crê em mim possui a vida eterna”. (2)

            Não se trata de viver na ilusão. Igual a nós, os santos não viveram numa nuvenzinha de felicidade, entre o céu e a terra. Todos nos lembramos da célebre frase da Virgem a Bernadete: “Não lhe prometo torná-la feliz neste mundo, mas sim no outro”. E sabe-se toda a espécie de sofrimentos que Teresa experimentou antes e depois de sua entrada no Carmelo.

            Ela própria pressentia, aliás, pelo fim da vida, que os homens se enganariam mais tarde a respeito do que se escondia atrás de seu sorriso. A 30 de agosto de 1897, dizia à Madre Inês, sua irmã, mostrando um remédio parecido com xarope de groselha: “Este copinho é a imagem de minha vida. Eis o que apareceu aos olhos das criaturas. Sempre pensaram que eu bebia licores finos, mas eram amargos. Aliás, amargos não! Minha vida não foi amarga porque eu soube transformar a amargura em alegria e doçura”. (3) No dia seguinte, fazia uma reflexão do mesmo gênero: “Encontrei a felicidade e a alegria na terra, mas unicamente no sofrimento, pois aqui sofri muito; é preciso que as almas o saibam”. (4)

            Entretanto, seria um grande erro reduzir a alegria dos santos à esperança do céu. Infelizmente, com freqüência, se faz essa idéia da vida cristã.

            Os cristãos levariam exatamente a mesma vida que os outros — com sua sucessão de alegrias e dificuldades. Viveriam no mesmo túnel que seus irmãos não crentes. Com a única diferença de caminharem na certeza de desembocar um dia na luz eterna. Algumas clareiras viriam lembrar, de vez em quando, o fim magnífico da virgem, enquanto que a sinalização indicaria as velocidades e prioridades a se respeitar.

            O medo da “policia divina” associado a uma pacífica espera da recompensa prometida aos “bons motoristas”, tais são ainda, geralmente, os dois elementos aos quais foi reduzida a vida cristã.

            Então passa-se ao largo do essencial: a presença do sol que brilha para o cristão, mesmo dentro dessa espécie de túnel, e que realmente trans figura toda sua existência: “Meu sol é o Senhor, então eu canto”.

            Não me esqueço de que, nos dezoito últimos meses da vida, Teresa mergulhou na noite e, um mês antes da morte, confiava à Madre Inês achar-se como dentro de um buraco negro. (5) Mas Teresa sabia que “acima das nuvens, o sol brilhava sempre” (6)

            Desejo exatamente demonstrar, ao longo desse modesto ensaio, como os raios desse sol divino podem trazer alegria e luz àqueles e àquelas que, como Teresa de Lisieux, receberam a graça de uma fé viva na ternura de Deus. Paulo já dizia aos cristãos de Éfeso que, se compreendessem todas as dimensões do amor de Cristo por eles, ficariam cheios da plenitude de Deus. E Jesus poderia dizer a muitos dentre nós: “Se você conhecesse realmente o dom de Deus, não faria essa cara”.

            Muitas vezes nos arriscamos, na apresentação da vida cristã, a opor levianamente afirmações que, na realidade. são complementares. O ideal evangélico consiste com efeito, em efetuar um maravilhoso equilíbrio entre atividades aparentemente contraditórias. Trata-se, por exemplo, de viver plenamente o momento presente, ao mesmo tempo prevendo o mais possível o futuro próprio e o dos irmãos. Trata-se de apresentar-se diante de Deus com as “mãos vazias”, levando a sério não deixar escapar nenhuma ocasião de enriquecer o patrimônio espiritual da Igreja.

            Em resumo, a vida espiritual é simples, mas não simplista. E isto deriva do Mistério de Deus, que é a própria simplicidade, mas cuja riqueza só pode ser expressa em linguagem humana por meio de proposições complementares: Deus é o mais próximo e ao mesmo tempo o mais Outro; aquele que faz tudo por nós e também aquele que quer nossa total autonomia.

            Nada se lucra, em simplificar excessivamente a Boa Nova, reduzindo-a a um só de seus aspectos. Se o cristão pode ser feliz em todas as circunstâncias, é exatamente porque o sol do Evangelho se refrata em múltiplos raios, capazes de iluminar todos os setores da vida e todas as situações da existência.

            Tal foi, em todo caso, a maneira de agir de Teresa de Lisieux. Claro, sua maneira de viver, de amar e de rezar foi muito simples. Ela teria gostado da divisa de João XXIII: “Não complicar as coisas simples e simplificar as coisas complicadas”. Mas essa simplicidade e essa naturalidade evangélicas vinham exatamente de que Deus a tinha feito descobrir, muito jovem, “todas as riquezas contidas no Evangelho”, como gostava de dizer. Toda vida procurou compreender as palavras do Senhor e, na autobiografia, está sempre agradecendo a Deus pelo que a fez «compreender»: emprega noventa e quatro vezes o verbo nesse sentido. Teresa não escolhe um dos diferentes aspectos do Evangelho, antes, segundo sua célebre frase da infância, ela “escolhe tudo”.

            Colocando-nos em sua escola, perscrutando com ela as riquezas do Evangelho, temos todas as chances de aprofundar um pouco mais o segredo de sua alegria e de nos deixarmos conquistar por seu sorriso.

            Então acontecerá um pouco mais em nossa vida o que ousamos dizer cada dia:

            Pai, na terra como no céu, santificado seja o vosso Nome venha a nós o vosso Reino seja feita a vossa Vontade!

            Compreenderemos um pouco melhor que o céu do cristão começa na terra, pois aqui podemos já, com toda verdade

- dar a Deus o nome de Pai e saborear o seu Amor;

- trabalhar eficazmente pela vinda de seu Reino;

- dar-lhe prazer fazendo sua Vontade.

 

NOTAS - PREFÁCIO

1. CJ (Caderno Amarelo) 15/5/7.

2. Jo 6,47

3. CJ 30/7/9.

4. CJ 31/7/13.

5. CJ 28/8/3.

6. M (Manuscrito) B, 5 reto.

 

 

Capítulo 1 - TUDO É GRAÇA

 

“Meu Céu é sentir em mim a semelhança de Deus

que me criou com seu Sopro Poderoso.

Meu Céu é permanecer sempre em sua presença,

chamá-lo meu Pai e ser sua filha”. 1

 

            Viver cada minuto da vida como um filho querido do Pai, cumprir cada tarefa convencido de que ela é capaz de agradar o coração do Pai, tal é incontestavelmente um dos grandes segredos da alegria cristã. Não é este o ponto central da Boa Nova?

            Mas nunca será demais repetir que o amor de Deus pelos homens é um mistério. Primeiro porque este Amor universal não é absolutamente uma realidade evidente. “Tudo isso é bonito demais para ser verdade”. Quantas vezes não ouvimos esta objeção! Efetivamente, se fosse evidente que todos os homens são ininterruptamente amados por Deus, os órfãos, os deficientes, as vítimas de todos os acidentes da natureza e de todas as injustiças da história não teriam nenhuma dificuldade de acreditar. O que é que nos prova não terem os homens inventado a existência de um Pai infinitamente bom, velando por eles no céu, a fim de se consolarem de todas as misérias da terra?

            Jesus, concluindo a Revelação começada na antiga lei, veio nos garantir a realidade desse amor. Confiados na sua Palavra ousamos dizer “Pai nosso”, mesmo depois de um dia cheio de aborrecimento. Não tentemos, pois, convencer aqueles que não acreditam em toda a Revelação judeu-cristã. Contentemo-nos em responder-lhes: “É claro que não basta uma afirmação ser bonita para ser verdadeira...” Mas não é por ser bela que é falsa. Por que não teria Deus o direito de amar infinitamente seus filhos e de lhes vir dizer isso?” Nossa fé em Cristo Jesus nos dá a audácia de afirmar este amor universal de um Deus-Pai.

            Mas o amor de Deus pelos homens é igualmente um mistério no sentido de que supõe — como todo mistério — a afirmação de duas verdades aparentemente contraditórias sobre as quais vamos refletir um pouco. Por um lado, Deus nos ama com um amor absolutamente gratuito — e neste caso não precisa de nós; mas por outro lado, sente um real prazer, um prazer infinito em nos amar — e aí podemos dar-lhe algo!

 

I. UM AMOR ABSOLUTAMENTE GRATUITO

 

1. Um Deus que dá a vida

 

            Diz-se, às vezes, que Deus nos cria para sua glória. Está certo, no sentido de que nos cria para termos enfim a possibilidade de conhecê-lo, saboreá-lo e cantar eternamente: “Sim, o Senhor é bom”! O que não significa a necessidade de ter toda uma falange de adoradores e adoradoras prostrados diante dele.

            Deus não precisava de nós, absolutamente. É o mistério de sua transcendência, afirmado pela Escritura e proclamado por toda a Tradição da Igreja. Assim o canta um dos prefácios utilizados em dias de semana:

            Ainda que nossos louvores não vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de vos louvar. Pois, se nada acrescentam à vossa riqueza, contribuem para a nossa salvação.

            Foi pois unicamente para nós, para conhecermos a alegria de viver, de respirar, de amar, de trabalhar e de cantar que Deus criou tudo e nos deu vida. A criação supõe a existência, em Deus, de um amor absolutamente desinteressado, verdadeiramente incompreensível e inimitável, chamado “ágape” pelo Novo Testamento. Quando amamos alguém é porque já descobrimos o seu encanto — mesmo que ainda em esboço. Deus, pelo contrário, é capaz de nos amar até antes de existirmos. Não nos ama pelas nossas qualidades; é o seu amor que cria tudo o que somos e temos. Diante dele nossa pobreza é radical: a ele devemos tudo, ele nada nos deve.

            Uma das alegrias fundamentais do cristão é exatamente acolher tudo o que ele é e possui, como presente perpétuo do Pai. O marido cristão não julga amar sua mulher mais do que um não crente. Entretanto, recebe-a como uma obra-prima magnífica. “Meus Deus, como sois poderoso, dando-me uma esposa assim”! O cristão acolhe todas as alegrias da vida como “amabilidades” preparadas pelo Pai, desde toda a eternidade. Gosta de exercitar a memória para melhor saborear essas delicadezas do Senhor. Foi o que Teresa de Lisieux fez durante o ano de 1895, escrevendo a história de sua vida: “A flor que vai contar sua história alegra-se em publicar as amabilidades inteiramente gratuitas de Jesus, reconhece não ter nada capaz de atrair os olhares divinos e o bem existente é fruto unicamente de sua misericórdia” 2

            A oração de ação de graças é o momento privilegiado de nossa vida, onde a mão de Deus nos entrega o nosso ser, onde acolhemos, ao mesmo tempo, as nossas energias interiores e as circunstâncias providenciais de nossa história como presente pessoal do Pai.

            Pois não somos artigos fabricados em série. O Pai nos cria modelos únicos: todos somos estrelas singulares no céu de sua criação. O Talmude comenta assim o fato de sermos criados à imagem e semelhança de Deus: “O homem foi criado único e nisso é semelhante a Deus”. 3 Segundo o belo jogo de palavras de André Frossard, “Deus só sabe contar até um”. 4

            Com a liturgia, gostamos de repetir: “Pela vossa sabedoria fomos criados e a vossa providência nos conduz”. E nossa oração de ação de graças desabrocha espontaneamente em oração de abandono. Surgindo dos dedos de Deus, sentimos a necessidade de nos abandonarmos em suas mãos, a fim de que nos modelem ainda mais à imagem de seu Filho:

 

            Em vossa mão, Senhor, residem a força e o poder (1 Cr 29,13).

            Nos vossos braços divinos não temo a tempestade.

            O total abandono, eis minha única lei! 5

 

            A Bíblia tem uma belíssima expressão para traduzir esse movimento de abandono do homem a Deus. A palavra hebraica berakha que significa “bênção” vem da raiz brkh que quer dizer “o joelho”. Aliás, em francês, um camelo ajoelhado diz-se “baraqué”. A berakha significa, ao mesmo tempo, a atitude do homem ajoelhado diante do Criador para bendizê-lo e os benefícios derramados por Deus sobre as criaturas prostradas diante dele. 6

            A revelação do mistério da Trindade nos ajuda a compreender melhor o mistério da total gratuidade da criação. Assim, melhor que os judeus ou os muçulmanos, compreendemos, porque Deus não precisava criar para ser infinitamente feliz.

            Quando se representa Deus como um grande e eterno solitário, é-se tentado a pensar que tivesse necessidade de criar seres diversos para não ficar mais sozinho, para conhecer o amor. Esta foi a tentação à qual sucumbiram, aliás, tantos filósofos na história do pensamento, a tentação do panteísmo: o mundo seria uma emanação necessária de Deus. Deus precisaria do mundo para se realizar em plenitude. Os judeus e os muçulmanos ortodoxos nunca aceitaram esta solução. Não obstante, na sua teologia, a criação do mundo parece acrescentar algo a Deus — a possibilidade de sair de si, de amar.

            Os cristãos, pelo contrário, podem compreender melhor a liberdade completa do ato criador. Deus não necessita criar um mundo para escapar à solidão. Ele próprio é um Trio eterno de amor. Foi por uma decisão eterna, absolutamente livre, que o Pai quis que o Filho adorado tivesse uma multidão de irmãos partilhando — na medida do possível — sua felicidade de Filho.

 

2. Um Deus que se dá

 

            Revelando-nos esse mistério da Trindade, Jesus nos indicava não apenas a razão profunda da gratuidade absoluta do gesto criador. Trazia-nos sobretudo a Boa Nova de uma delicadeza extraordinária: se o Pai nos criou foi, afinal, para que entrássemos como filhos, com todos os direitos, na sua família!

            O Filho único veio partilhar nossa condição humana para nos levar, em suas mãos todo-poderosas de Ressuscitado, até aos braços do Pai. E é tão verdade que somos filhos do Pai que nos dá seu próprio Espírito, esse dom eterno com que está sempre cumulando o Filho no seio da Trindade.

            Assim, pois, a oração do homem não mais consistirá apenas em receber todo o ser — corpo e alma — das mãos de Deus. Consistirá em receber o próprio Espírito de Deus, deixando-se invadir, impregnar, transformar por ele.

            O Pai e o Filho nos dão continuamente seu Espírito. Que alegria saber que Deus está tão próximo e se dá todo a nós.

            Meu céu, encontrei-o na Trindade Santa que habita em meu coração, prisioneira de amor. Aqui, contemplando meu Deus, repito, sem medo, que quero servi-lo e amá-lo para sempre. 7

            Não merecíamos existir e, muito menos, tornar-nos verdadeiramente filhos de Deus. De fato “o somos” (1 Jo 3,1). Se nosso nascimento já é um dom absolutamente gratuito da parte do Pai, nosso renascimento nas águas do batismo é uma graça mais maravilhosa ainda. Aliás, a esse dom sobrenatural da própria vida do Pai, a teologia reserva o nome de “graça”. O que não quer dizer que o amor pelo qual Deus nos cria já não seja absolutamente gratuito, pois — nós o vimos — é um amor que nos cria “do nada”.

            Isso também não significa que todos os homens não tenham sido chamados a tornar-se filhos de Deus, templos de Deus.

            Teresa sempre se extasia diante desta vontade de Deus de habitar no coração do menor dos homens: “Só temos, pois, que entregar nossa alma, abandoná-la ao nosso grande Deus. Que importa, então, não possuir dons que brilhem exteriormente, se dentro refulge o Rei dos Reis com toda a sua glória! Como seria preciso uma alma ser grande para conter um Deus!...” No entanto, a alma de uma criança de um dia é para ele um paraíso de delícias . 8

 

3.Um Deus que perdoa

 

            Mas a gratuidade do amor divino ainda não disse sua última palavra!

            Deus vai nos manifestar até onde ela pode ir, amando-nos apesar de nosso pecado. Então seu amor se faz Misericórdia, isto é, nossa miséria não o impede de conservar para nós todo seu coração de Pai.

            Isto quer dizer, concretamente, que não houve uma única noite em nossa vida em que Deus nos amasse menos porque tivéssemos “desmerecido” a seus olhos. Como poderia o amor infinito de Deus ter-nos amado menos em algum momento de nossa vida? O amor de Deus não é como o nosso que tem seus altos e baixos. No coração de Deus não há “quedas de pressão”. O amor a cada um de nós é sempre infinito.

            Em nós é que, às vezes, existe baixa de pressão. Em determinados momentos — principalmente depois de certas faltas — não temos mais coragem de acreditar na profundeza de seu amor misericordioso. As parábolas do Evangelho clamam, entretanto, em todos os tons, essa misericórdia incansável do Pai. Nossas sandálias, nosso anel e nossa túnica de festa estão sempre preparadas na sua casa e ele só deseja no-los dar. E Jesus sempre repetiu não ter vindo pelos justos, mas pelos pecadores e que o Filho do homem tinha vindo procurar e salvar o que estava perdido.

            Pode-se dizer, sem medo de errar, que só compreendeu verdadeiramente o Evangelho quem já descobriu essa profundeza do amor de Deus por nós. Só tendo visto claramente a miséria de que se é capaz, pode-se saborear a ternura incomparável de Deus. A vergonha de ter pecado cede então lugar à confusão de ser tão amado, “apesar de tudo”!

            Perguntei um dia a Jacques Lebreton como lhe tinha sido possível abandonar a Deus durante vários anos, e vir paradoxalmente a reencontrá-lo num hospital, depois de um acidente que o deixara sem olhos e sem mãos. “Não seria, adiantara eu timidamente, por não ter ainda descoberto sua misericórdia?” — “Foi exatamente isso”, respondeu-me. “Foi preciso que o abandonasse para vir a descobrir sua verdadeira face — que é Misericórdia. Agora estou certo de que nunca mais o deixarei — ou melhor, ele não me abandonará mais”. E cada um de nós poderia dizer que foi depois de ter cometido pecados “indesculpáveis” que enfim descobriu ser amado, com um amor “perfeito”!

            Não é necessário ter pecado muito para conhecer, por experiência, a profunda miséria de nosso coração. Basta ter reparado, em certos momentos, como seríamos capazes do pior e como talvez o tivéssemos feito, se as circunstâncias nos tivessem favorecido. O Pe. Bro conta o choque produzido nele, em 1945, por uma frase de seu Padre Mestre de noviços. Foi na ocasião em que se descobriu, na Europa, a monstruosidade dos campos de concentração. “Meus irmãos, declarou-lhes um dia o Pe. Chevignard, se vocês não sabem que seriam capazes de fazer o mesmo que aqueles carrascos, nada compreenderam”. 9 Sim, todos nós poderíamos ter-nos transformado em monstros.

            Teresa de Lisieux o sabia e, no entanto, em 1897 confiava à Irmã Maria da Eucaristia, sua prima, que desde os três anos de idade nunca havia recusado nada a Deus. Dois meses depois da entrada no Carmelo, pôde fazer uma confissão geral da vida como nunca fizera antes. Confessou-se ao Pe. Pichon, vindo para a Profissão de sua madrinha. “No fim, escreve ela, o padre me disse essas palavras, as mais consoladoras que me soaram aos ouvidos da alma: ‘Na presença de Deus, da Santa Virgem e de todos os santos, declaro que você nunca cometeu nenhum pecado mortal’. Depois acrescentou: ´Agradeça a Deus o que fez por você, pois se a tivesse abandonado, em vez de ser um anjinho ter-se-ia tornado um diabinho’. Ah! não foi difícil acreditar, eu sentia o quanto era fraca e imperfeita”. 10

            De fato, Teresa já havia experimentado sua fragilidade inerente, original, especialmente por ocasião de uma viagem de quinze dias que, aos dez anos havia feito a Alençon, durante a qual fora muito admirada: “Aos dez anos, o coração facilmente se perturba. Assim, vejo como uma grande graça não ter ficado em Alençon. Nossos amigos de lá eram muito mundanos e sabiam misturar bem as alegrias da terra com o serviço de Deus”. 11

            Alguns anos mais tarde, fez novamente a experiência, de outro modo. Foi quando se tinha ligado profundamente a uma das colegas e percebeu que esta, depois de uma ausência de poucos meses, passou praticamente a ignorá-la: “Como agradeço a Jesus por me ter feito encontrar apenas ´amarguras nas amizades do mundo’. Tendo um coração como o meu, eu me teria deixado prender e cortar as asas. E então, como teria podido ‘voar e descansar’? (...) Não tenho nenhum mérito em não me ter entregue ao amor das criaturas, pois foi a grande misericórdia de Deus que me preservou” 12

            E Teresa, nessa ocasião, inventa a parábola do médico que cura um de seus filhos de um ferimento e ao segundo filho evita um tombo, retirando uma pedra muito perigosa do caminho por onde iria passar... “O Senhor, observa Teresa, me remiu por antecedência das faltas que teria cometido, se não tivesse sido preservada por uma graça toda especial de sua misericórdia. Ah! sinto-o, Jesus sabia que eu era fraca demais para me expor à tentação”.

            E Teresa escreve isso com muita sinceridade: sente e sabe que é muito fraca.

            Conheço cristãos que, primeiro, ficaram enervados e desanimados por causa da perfeição de Teresa. Como imitar uma moça que, desde a idade de três anos, tivera o cuidado de obedecer a Deus nas menores coisas? Mas de alguma forma se “reconciliaram” com ela, ao compreenderem este aspecto essencial de seu pensamento — que é o ponto vital de sua “pequena via” de pobreza espiritual.

            Donde a reflexão muito sincera, dois meses antes da morte, a 29 de julho de 1897, na noite em que sentira mais uma vez o quanto era imperfeita. Pensaram dar-lhe prazer trazendo para o quarto uma caixinha de música, oferecida à Irmã Marta no aniversário. Em vez de acolher o presente com o habitual sorriso, Teresa deu a entender que não estava em estado de se divertir com aquilo. Mas logo se dominou, dizendo com os olhos cheios de lágrimas: “Oh, peço-lhes perdão; agi por impulso, rezem por mim”.

            E à noite, confiava à Madre Inês: “Oh, como sou feliz vendo-me imperfeita e tendo tanta necessidade da misericórdia de Deus na hora da morte”. 13

            Não foi à-toa que terminara o último manuscrito com essa frase: “Não é por ter Deus, em sua preveniente misericórdia, preservado minha alma de pecado mortal, que me elevo até ele pela confiança e pelo amor”. Quantos cristãos foram sacudidos por essas palavras! Numa conferência dada em Roma, em 1948, John Wu, o último embaixador da China junto ao Vaticano, no tempo de Chang Kai-Chek, confessava ter sido a leitura dessa pequenina frase de Teresa que provocara sua conversão definitiva ao catolicismo. 14

            Tal é a profundeza do amor do Pai por nós. Não apenas vem habitar o íntimo de nosso ser para o transfigurar, divinizar, mas vem buscar-nos no fundo de nossa miséria. Não desanima com a mediocridade de nossa vida.

            Este amor se manifestou, de maneira definitiva, em Nazaré e em Jerusalém. Em Nazaré é Deus que se dá. O Filho de Deus ama os homens de tal modo que vem habitar no meio deles, dar-se-lhes inteiramente, permitir-lhes viver, com ele, uma vida de filhos de Deus.

            Em Jerusalém é Deus que perdoa. O Filho de Deus continua a amar-nos e sorrir-nos, até mesmo na hora em que o torturamos, ridicularizamos, pregamos na cruz: “Façam-me sofrer o quanto quiserem, é como se nos dissesse Jesus na cruz, nada me impedirá de amá-los”.

            Santa Teresa do Menino Jesus da Santa Face tinha recebido a graça de compreender, de modo muito intenso, esta dupla lição do presépio e do calvário. Gostava muito do diálogo atribuído a São Bernardo:

            - Jesus, quem o fez tão pequenino?

            - O amor.” 15

            “O único crime de que Herodes acusou Jesus, escreve, foi o de ser louco e estou de acordo. Sim, era uma loucura procurar os pobres e pequenos corações dos mortais para fazer deles seus tronos, ele, o Rei da glória, que está assentado sobre os querubins! Ele, cuja presença replena os céus! Era louco, o nosso Bem-amado, vir à terra procurar pecadores para fazê-los seus amigos, seus íntimos”. 16

            Mas sabemos que Teresa também olhava muito para a imagem da Santa Face. Especialmente a partir de fevereiro de 1889, data em que o Sr. Martin enlouqueceu a ponto de ter que ser levado para uma casa de saúde. Até então a sua afeição paternal havia sido para Teresa uma das imagens mais eloqüentes do amor de Deus. Daí em diante, o pensamento do rosto humilhado do pai “internado” recordava-lhe continuamente o rosto humilhado de Jesus, durante a Paixão. Teresa do Menino Jesus se tornava cada vez mais Teresa do Menino Jesus da Santa Face. Foi, aliás, em março de 1889 que ela acrescentou essas últimas palavras ao seu nome.

            Reparemos que Teresa não escreve “Teresa do Menino Jesus e da Santa Face”. Suprimindo a conjunção “e” entre os dois mistérios, o gozoso e o doloroso de seu Senhor, Teresa mostra-nos claramente a que ponto deseja uni-los. Sabe que foi o mesmo amor que fez o Filho descer a um presépio e subir a uma cruz. Não é de espantar que a Santa Face fosse para ela essencialmente “um livro onde recolhia a ciência do amor”. 17

            “Jesus arde de amor por nós, escreve a Celina. Olhe para sua Face adorável! Olhe para esses olhos apagados e baixos! Olhe para as chagas! Olhe para Jesus bem no rosto... Aí verá como nos ama”. 18

            E quando beijava o crucifixo, em vez de beijar as mãos ou os pés do Crucificado, como de costume, preferia beijar o rosto e, sobretudo, deixar-se beijar por ele para recordar seu sorriso eterno. 19

            Nunca nos esqueçamos que, de fato, é ele quem nos olha primeiro. Ele nos ama primeiro:

            Só o teu olhar faz a minha felicidade. Vivo de amor. 20

 

II. UM AMOR QUE GOSTA DE OLHAR PARA NÓS

 

            Acabamos de lembrar que Deus nos ama com um amor absolutamente gratuito, incondicional. Seu amor não é motivado por nosso valor, pois é anterior à nossa existência e subsiste apesar de nossos pecados.

            A partir do momento em que começamos a viver, somos para sempre objeto da ternura de Deus. Podemos recusar esse amor — é o drama daquele que se condena — mas nunca poderemos impedir Deus de nos amar.

            No entanto, não devemos imaginar que Deus derrama seu amor sobre nós com uma cascata despeja suas águas num lago de montanha, indiferente ao que se passa lá embaixo. Deus não fica indiferente à maneira pela qual recebemos seu amor. Apesar de não ficar com depressão nervosa porque o esquecemos, nem de ter realmente necessidade da reciprocidade de nosso amor, Deus não lhe é insensível. Este é exatamente o segundo termo evocado no começo do capítulo e sobre o qual vamos agora insistir.

 

1. A alegria de Deus

 

            Desde a primeira página da Bíblia, Deus nos é apresentado como alguém que gosta de olhar para sua criação: “E Deus viu que tudo era bom”. Agradam-lhe a multiplicidade e diversidade dos seres que cria. Sente um prazer especial em olhar para cada uma de suas criaturas.

            A Bíblia sempre volta a essa verdade extraordinária. Sofonias, profeta da alegria divina, mostra-nos Deus, dançando de alegria, diante da renovação de seu povo (3,14-15). O autor inspirado dos Provérbios apresenta-nos a Sabedoria de Deus fazendo as delícias do Senhor e deliciando-se ela em estar com os filhos dos homens (8,30-31). E o Sl 103 exclama: “Alegre-se Deus em suas obras!”.

            Mas para melhor valorizar essa alegria de Deus, os profetas empregam uma outra comparação. Deus não apenas nos admira, como um artista admira suas obras ou como um pai admira seus filhos. Ele nos olha com os olhos de um marido que se extasia diante de sua jovem mulher.

            Assim como um jovem desposa uma jovem, aquele que te tiver construído te desposará; e como a recém-casada faz a felicidade de seu marido, tu farás a felicidade de teu Deus (Is 62,5).

            E no Cântico dos Cânticos, o esposo divino exclama, ao olhar para a esposa: “És toda bela, ó minha amiga, tu me fazes delirar com um só dos teus olhares, com uma só pérola do teu colar” (4, 7.9). Comentando essa passagem, João da Cruz se alegra ao pensamento de podermos agradar a Deus pela menor de nossas ações cumpridas com amor. Teresa também gostava muito desse texto. 21

            Sob o pretexto de sermos sempre, aos olhos de Deus, uns pobres pecadores, seria um erro achar que em nós não existe nada de válido. Claro, sempre somos como crianças diante de Deus — e até mesmo crianças pecadoras — mas crianças nas quais pode colocar suas complacências. Melhor ainda, sente por nós a paixão que arrasta para a bem-amada um enamorado. Esta linguagem nupcial da aliança de Deus com seu povo exprime, de maneira talvez mais significativa ainda que a linguagem paternal, a que dignidade o Senhor nos eleva: faz de nós seus amigos, podemos dar-lhe alguma coisa, contribuir para sua alegria eterna. O ágape de Deus por nós não é um amor em “mão única”, não esperando nada em compensação; é uma philia, uma amizade. O Pe. A. Feuillet observa que, na verdade, na reciprocidade o amor de Deus por nós não mereceria tal nome: “Enquanto nos contentarmos em socorrer materialmente os infelizes, sem considerá-los capazes de nos pagar na mesma moeda, pelo menos de algum modo, enquanto não os tratarmos como parceiros iguais e não demonstrarmos dar importância à sua resposta de amor e aos sentimentos afetuosos para conosco, não os amamos verdadeiramente, como as pessoas humanas desejam ser amadas (...). A maravilha do amor divino, tal como o descreve São João, dirigindo-se de início a homens pecadores e indignos, tende a torná-los dignos de amor, amigos de Deus, capazes de pagar amor com amor. Deus se digna dar a maior importância à nossa resposta humana. 22

            Deveríamos comungar mais com a admiração de Deus pela criação, alegrar-nos com ela. Quando, à noite, cruzamos com pessoas de volta do trabalho, pensamos no olhar de ternura a admiração de Deus para nós: “Está indo bem!” diz ele, verificando o desenvolvimento de seus filhos e, por mais que o diga Hughes Auffray, nunca se irrita na sua oficina.

            Depende de nossa generosidade que o mundo seja eternamente mais belo... até para Deus!

 

2. Pode-se dizer que aumentamos a alegria de Deus?

 

            Será que podemos, por isso, dizer que aumentamos a felicidade de Deus? Acrescentar uma gota de alegria ao oceano infinito da alegria divina?

            Assim o afirma Dom Gay: “É pois verdade que vocês podem agradar a Deus e alegrá-lo? O quê? Meter uma gota de alegria nesse oceano de felicidade sempre cheio, sempre repleto, de onde provém toda felicidade criada? Não me perguntem como é possível. Absolutamente, não o compreendo. Mas sei infalivelmente. Deus, diz-nos o Espírito Santo, se alegrará em suas obras (Sl 103,31)...” 23 Reconheçamos que a linguagem humana dificilmente chega a exprimir corretamente um tal mistério. Como sempre, afirma-se simultaneamente duas verdades, aparentemente contraditórias.

            Por um lado, sabemos que o Pai se satisfaz infinitamente na contemplação do Filho bem-amado e muito amoroso, no qual põe as suas complacências (Mt 17,5). Neste sentido, não se pode acrescentar nada de substancial a essa infinita alegria divina.

            Mas sabemos, por outro lado, que ao decidir criar-nos, o Pai decidiu igualmente comprazer-se em nós. Claro, é “em Cristo” que nos vê e nos admira. Não significa que nada tenhamos de admirável de nós mesmos. Cada um é para ele insubstituível e todos, neste mundo, podemos dar-lhe algo de único.

            Monsenhor Gay tem, pois, razão de concluir: “Podemos agradar a Deus. Não há sol de setembro que doure uma paisagem como essa certeza doura a nossa vida. Ela basta para acender, para alimentar nossa paixão de amá-lo”.

            Teresa do Menino Jesus se entusiasmava com a idéia de poder “agradar” a Deus. Muito jovem, tinha aprendido a fazer mortificações —  “práticas” — como então se dizia, para “agradar a Jesus”. E no ato de oferecimento, em junho de 1895, escreve ainda: “Quero trabalhar unicamente por seu amor, com a finalidade única de agradar, consolar seu coração sagrado, salvando almas que o amarão eternamente”.

            No seu manuscrito, Teresa só usa duas vezes a expressão “agradar a Deus”; prefere “agradar a Jesus”, empregando-a sete vezes. Isto lhe permite falar com mais liberdade no prazer que pode dar a seu Deus, pois é literalmente verdade aumentar a felicidade humana de Jesus pela generosidade de nossa vida.

            Aqui abordamos um dos grandes segredos do sorriso de Teresa. Sua alegria consiste em poder fazer Jesus sorrir. Canta-o numa de suas últimas poesias, composta para o onomástico de Madre Inês, a 21 de janeiro de 1897, intitulada “Minha alegria”.

 

            Quero sofrer sem nada dizer para Jesus ser consolado.

            Minha alegria é vê-lo sorrir

            enquanto meu coração está no exílio.

 

            E na estrofe seguinte chega a dizer:

 

            Minha alegria nesta terra

            é poder dar-te alegria. 24

 

            É a principal razão de não desanimar diante dos insucessos aparentes de seus gestos fraternais: se não conseguem alegrar sempre as irmãs, sempre dão alegria a Jesus: “Uma palavra, um sorriso amável bastam muitas vezes para dilatar um coração triste; mas não é de modo algum esse o motivo por que quero praticar a caridade, pois sei que logo ficaria desanimada. Uma palavra dita com a melhor das intenções talvez fosse mal interpretada. Assim, para não perder meu tempo, quero ser amável para com todos (especialmente com as irmãs menos amáveis) para dar alegria a Jesus” 25

            Note-se que Teresa não é indiferente à eficácia de seus gestos fraternos e faz todo o possível para alegrar os que a cercam. Insiste até muito, nos últimos meses da vida, sobre o dever de manifestar o amor. Mas a certeza de alegrar o coração de Deus, quaisquer que sejam os resultados imediatos, lhe dá um entusiasmo inalterável.

            Se em 9 de junho de 1895 ofereceu-se como vítima ao amor misericordioso, foi porque compreendeu a “necessidade” que Deus tem de “fazer transbordar sobre nossas almas as torrentes de infinito amor nele represadas”. “Acho, escreve, que, se encontrasse almas que se oferecessem como vítimas de holocausto ao seu amor, as consumiria rapidamente; penso que ficaria feliz por não ter que represar as ondas de infinita ternura do seu coração”. 26

            Teresa compreendia então perfeitamente, aquilo que entrevira em julho de 1887, diante da imagem do crucificado, a verdadeira perda — deixar escorrer para a terra o sangue de Jesus, sem que houvesse ninguém para recolhê-lo. Tinha então decidido conservar-se em espírito junto à cruz para receber o sangue de Cristo e derramá-lo sobre os pecadores.

            Como teria gostado de saber que é exatamente o que sugere, o evangelista, apresentando o sangue e a água que saem do lado transpassado de Jesus, como a fonte de água viva, anunciada para os tempos messiânicos e destinada a purificar, desalterar eternamente todos os que dela se dessedentam, cheios de confiança:

 

            Naquele dia voltarão os olhos para mim.

            Farão lamentações sobre aquele que transpassaram.

            Naquele dia jorrará uma fonte para a casa de Deus

            e para os habitantes de Jerusalém,

            que apagará os seus pecados e as suas impurezas. (Zc 12,10;13,l)

 

            E para o evangelista, o centurião, ao atravessar o lado de Cristo, repete, de certa maneira, o gesto de Moisés fazendo jorrar a água do rochedo. O rochedo, a verdadeira fonte de água viva, é o Cristo.

            Em resumo, segundo a magnífica frase de Santo Agostinho, “Deus sitit sitiri”. Deus tem sede de nossa sede.

            Também se pode dizer, com justiça, que Jesus é o maior enamorado do mundo e reclama, espera o amor de sua esposa. Um amor do qual não precisa para ser infinitamente feliz — pois é infinitamente plenificado pelo amor de que goza com o Pai no Espírito — mas um amor que lhe proporciona um infinito prazer!

            Teresa pensava freqüentemente, com alegria, nessa possibilidade de desalterar a sede de Cristo: “Deus, que afirma não precisar nos dizer se está com fome, não receia mendigar um pouco de água à samaritana. Tinha sede. Mas dizendo: ‘Dá-me de beber’, o criador do universo reclamava era o amor de sua pobre criatura. Tinha sede de amor... Ah! Sinto-o mais do que nunca: Jesus está sedento”. 27 E muitas vezes chama Jesus “o divino mendigo de nosso amor”. 28

            É impossível compreender o coração dos santos e suas loucuras, se não tivermos presente o realismo com que acreditam no poder de alegrar o coração de Deus. A história dos santos é sempre uma história de amor. “Não sei se Deus está contente comigo, dizia Bourdaloue, mas sei que eu estou contente com ele”. Efetivamente, esta é a primeira fonte de alegria no coração dos santos. Qualquer que seja o estado de saúde e o do humor, têm certeza de serem infinitamente amados por Deus. Mas deve-se acrescentar, para compreender bem sua experiência e sua alegria, que tanto ficam contentes com a idéia de que Deus esteja satisfeito com eles, como com a de poderem contribuir para aumentar a alegria humana de seu Senhor e Mestre.

            Como dizia Dom Etchegaray, no final da Assembléia dos Bispos da França, em novembro de 1977: “Algo ficará faltando à alegria de Cristo Salvador enquanto a ternura de Deus não for revelada a todos os homens. E quem a poderá fazer descobrir, se não cristãos transbordantes desta ternura?” Então todos compreenderão que “a Igreja é aquela ‘reserva de coração’ na qual os homens sentem-se reconhecidos, são rotulados, perdoados, loucamente amados”. 29

 

3. Pode-se falar do sofrimento de Deus?

 

            Se Deus é capaz de se comprazer com o bem feito por nós, será que sofre com o mal que praticamos? Recentemente, o Pe. E. Varillon o afirmava, 30 retomando e desenvolvendo o pensamento de Orígenes: “O Pai não é impassível”.

            Pessoalmente, prefiro dizer que a sensibilidade de Deus às ações humanas não é acompanhada do sofrimento que o homem sente quando seu amor não é correspondido. A grande tradição teológica consiste em falar de Deus de maneira analógica, isto é, atribuir a Deus nossas qualidades humanas — sem por isso atribuir-lhe também as imperfeições de que são acompanhadas todas elas. Dizemos, por exemplo, que Deus é “Pai”, mas acrescentando que ele “está nos céus” queremos mostrar que não é dependente como todos os outros pais, é o único pai que não tem pai. Por que também não poderíamos dizer que Deus sente a perfeição do amor inclusive com a possibilidade de se emocionar com o que fazemos — sem sentir, por isso, o que julgamos ser uma imperfeição, isto é, o sofrimento por não ser amado?

            Aliás, o próprio Pe. Varillon, a quem fiz essas observações, me respondeu: “Você me diz: ‘Por que Deus não sentiria todas as nossas perfeições, sem as imperfeições?’ Se o sofrimento é necessariamente uma imperfeição, na certa tem razão. Mas o problema está exatamente aí”.

            Sim, aí está todo o problema. Será possível afirmar que o sofrimento não é uma imperfeição? Contanto que se elimine o seu aspecto doloroso, retendo apenas a sensibilidade manifestada diante da presença ou da ausência do amor do outro. Entretanto, como disse acima, poder-se-ia afirmar que Deus possui uma sensibilidade infinita em relação às ações humanas, sem sentir o sofrimento que sempre acompanha a nossa experiência de não ser correspondido no amor?

            Ou melhor, aqui como em outros casos, não se deve querer ir longe demais na compreensão do mistério divino. E preciso, sobretudo, evitar construir-nos a imagem de um Deus “humano demais” sob o pretexto de que ele se fez homem.

            O próprio Orígenes, no texto citado pelo Pe. Varillon, lembra ser necessário falar analogicamente da paixão do amor de Deus por nós: “Será que o próprio Pai, Deus do universo, cheio de longanimidade, de misericórdia e de piedade, será que não sofre de algum modo”? 31

            Jacques Maritain parece respeitar mais o mistério, quando escreve: “Não se deveria dizer que a misericórdia em Deus se encontra no estado de perfeição, sem nome, como a glória ou o esplendor inefáveis, sem nenhuma imperfeição, ao contrário daquilo que chamamos de sofrimento ou de tristeza, e sobre a qual não temos nenhuma idéia, conceito ou nome exclusivamente aplicável a Deus (...). Encontramo-nos diante do inevitável enigma da dor, ao mesmo tempo marca de nossa miséria (e portanto não atribuível a Deus) e nossa nobreza incomparavelmente fecunda e preciosa (e então, em conseqüência, parecendo impossível não se encontrar em Deus algum misterioso exemplar)”. 32

 

4. A paixão do Filho bem-amado

 

            Dito isto, é bem certo que para nós, cristão, existe um mistério pelo menos tão grande quanto o do amor impassível de Deus: é o mistério da Paixão de Jesus. Em Jesus, quem sofreu foi verdadeiramente Deus, o Filho único. Afirmação literalmente “espantosa”.

            Realmente, foi vendo o Filho de Deus sofrer e agonizar por eles que os homens acabaram compreendendo um pouco melhor o coração de Deus. Na verdade, só acreditam de fato no amor de quem se deixa matar por eles. Na sua eterna sabedoria, Deus sabia que os homens só compreenderiam perfeitamente sua paixão eterna de amor — uma paixão infinitamente alegre — através da paixão histórica de seu Filho sob Pôncio Pilatos — uma paixão infinitamente dolorosa.

            Aliás, qual foi, na história humana, o primeiro homem a escrever a famosa equação: “Deus é ágape, Deus é amor”? Foi João, o único discípulo testemunha ocular da tragédia atroz. Não é impossível que, depois de “ruminar” por toda vida a cena do calvário, tenha acabado por resumir toda a sua experiência nessa fórmula: “Deus é amor. Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos ele amado e enviado seu Filho para expiar os nossos pecados (lJo 4,8.10).

            Como diz o Pe. Bro, quando o “Deus dos Exércitos” é “desarmado”, fica desarmante. Acrescentaríamos, de bom grado, que foi preciso os homens traspassarem o coração do Crucificado para enfim penetrar o segredo de Deus, descobrir o que Pe. Varillon chama com razão “a humildade de Deus”.

            “Em todo amor existe um excesso de humildade”. Esse gracejo de Chesterton exprime admiravelmente o centro da mensagem cristã. Quando um muçulmano se ajoelha diante de Deus, faz-se pequenino diante do amor que o criou; quando um cristão se ajoelha diante de seu Deus, faz-se pequenino diante daquele que, antes, havia se ajoelhado diante dos discípulos para lhes lavar os pés e, em seguida, subido a uma cruz como um escravo... “Nunca poderemos fazer por ele, dizia Teresa, as loucuras que fez por nós e nossas ações não merecem o nome de loucura, porque não passam de atos muito judiciosos e abaixo daquilo que nosso amor gostaria de fazer”. 33

            Vejamos, entretanto, como podemos responder a esse amor infinito do Senhor.

 

NOTAS CAP. 1

1. Meu céu, Poesia no. 32

2 Manuscrito A, p. 3r

3 1. Eisenberg e A. Abecassis, A Bible ouverte, Albin Michel, 1978, p. 109

4 Il y a un autre monde, Fayard, 1976, p. 26.

5 Poesia no. 32

6 A. Chouraqui, Traduire la Bible, em Foi a Langage, abril-junho, 1977, p. 208

7 Poesia no. 32

8 Carta de Teresa no. 165

9 Devenir Dieu, Cerf, 1978, p. 36.

10 Manuscrito A, p. 70r

11 Manuscrito A, p. 32v

12 Manuscrito A, p. 38v

13 Caderno amarelo, 29.7.3.

14 Du confusianisme au catholicisme, Pontificia Universitá Gregoriana, Roma, 1948, p. 43

15 Conselhos e Lembranças, p. 41.

16 Carta de Teresa no. 169

17 Conselhos e Lembranças, p. 83

18 Carta de Teresa no. 87

19 Conselhos e Lembranças, p. 47

20 Poesia no.17

21 Carta de Teresa no. 164 e no. 191

22 A. Feuillet, Le mystére de I’amour divin dans la Theologie Johannique, Gabalda, 1972, pp. 88-89

23 Conférences aux mères chrétiennes, Tours, 1919, t. 11, pp. 54-55

24 Poesia no. 45

25 Manuscrito C, p. 28r/v

26 Manuscrito A, p. 84r

27 Carta de Teresa no.196

28 Carta de Teresa no.145 e no. 172

29 Documentation Catholique, 20 de novembro de 1977, p. 989

30. La souffrance de Dieu, Centurion, 1975

31 Homélies sur Ezéchiel, 6,6 (op. cit. p. 47). O grifo é nosso.

32 Ouelques réflexions sur le savoir thêlogique, em Revue thomiste, janeiro-março de 1969, pp. 5-27.

33 Carta de Teresa no.169.

 

Capítulo 2 -  MÃOS VAZIAS E CORAÇÃO EM CHAMAS

 

1. Temos o direito de amar a Deus

 

            Fé no amor de Deus e amor ao próximo, eis as duas atitudes em que João parece resumir, em suas cartas, toda a vida cristã. E quando Paulo fala de ágape, a palavra quase sempre designa o amor de Deus pelos homens ou o amor dos cristãos pelos seus irmãos — raramente o dos homens por Deus.

            Daí se vai concluir que, segundo o Novo Testamento, o cristão não deva procurar amar muito a Deus? No seu livro Ëros e Ágape, o teólogo luterano A. Nygren chegou mesmo a dizer que, quando o cristão começa a amar a Deus com toda a alma, com todas as forças, quando começa a saborear Deus, torna-se meio pagão: deixa-se então levar pelo movimento ascencional de Éros, que conduz naturalmente os homens para o mundo divino. A única maneira, autenticamente cristã, de agradar a Deus seria crer no seu amor e amar, como ele, de modo incondicional, todos os irmãos, especialmente aqueles a quem não se tem uma razão natural para amar: os pobres, os deficientes, os inimigos, O amor evangélico — o ágape — seria um amor que só poderia descer do superior para o inferior. Seria, pois, ilusório, pretensioso querer amar a Deus e A. Nygren chega até a censurar o apóstolo João por ter-se deixado contaminar pelo paganismo, falando de uma possível amizade entre o homem e Deus. 1 A amizade supõe uma certa igualdade entre os parceiros, uma reciprocidade no amor. Como poderia o homem dar a Deus alguma coisa do amor com que é amado?

            Não há, entretanto, razão para não tomar ao pé da letra as palavras tão claras do Evangelho: o primeiro mandamento do Senhor é amar a Deus de todo coração... Não somos simples agentes de ligação — tubos, dizia Lutero — entre a misericórdia de Deus e a miséria dos homens; somos verdadeiramente filhos, chamados a gozar da presença e do amor do Pai. Não podemos, pois, subscrever a tese de Louis Evely, segundo a qual “o amor não foi feito para ser amado, mas para ser um ímã” 2 Diríamos, pelo contrário, que o Senhor é, ao mesmo tempo, o amante que nos ama, faz-nos amar os irmãos e o ímã que nos atrai e se deixa amar e querer bem pelos seus filhos.

            Recorda-se o grito de Francisco, ressoando nas ruas de Assis: “O amor não é amado!” E Teresa de Lisieux começa seu ato de oferecimento, escrevendo: “Ó meu Deus, Trindade bem-aventurada, desejo amar-vos e fazer-vos amado”. Nunca duvidou, um só instante, de seu direito — e dever — de amar a Deus de todo coração, com toda alma, com todas as forças. No seu tempo, como no nosso, a vocação estritamente contemplativa de uma carmelita nem sempre era compreendida. Faz alusão a isso numa carta de 19 de agosto de 1894, dirigida a Celina, quando esta se preparava para juntar-se-lhe no Carmelo: “Os cristãos mais fervorosos, os padres acham que somos exageradas, que deveríamos servir com Marta, em vez de consagrar a Jesus os frascos de nossas vidas, com os perfumes neles contidos”. 3

            “Por que, continua Teresa, muitos cristãos não compreendem essa consagração a Deus assim, sem reservas? Porque ainda não compreenderam as suas loucuras de amor por nós”.

            Mesmo no fim da vida, quando compreendeu o lugar capital da caridade no Evangelho, não duvidou um só momento que seu primeiro dever continuava a ser o de amar o Senhor com todas as forças e que isso não impedia absolutamente, muito ao contrário, de amar ao próximo como o mesmo Senhor o pedia, isto é, deixando entrar no coração o dinamismo de seu amor divino.

 

2.Um duplo desejo

 

            Mas como Teresa procedia para amar a Deus?

            Quando se aborda esse problema do amor de Deus em Teresa, é preciso, como em outros lugares, evitar todo o simplismo. Não privilegiar tal expressão em detrimento de tal outra.

            A vida espiritual de Teresa, por mais simples que tenha sido, era de uma riqueza magnífica, a riqueza do amor. Quando, na terça-feira de carnaval do ano de 1895, em plena adoração das Quarenta-horas, sente a necessidade de expressar num canto o que é “Viver de amor”, precisa de quinze estrofes para explicitar as diferentes palpitações de seu ser, todo vibrante de amor. Claro, é uma síntese ainda imperfeita, pois é anterior às grandes luzes de 1895 e dos meses seguintes, mas aí já se encontram os dois movimentos que se sucedem continuamente em sua alma e que se revelam tão freqüentemente nos seus escritos.

            Ora, o amor se traduz no desejo de se unificar com seu Deus, de desaparecer nele, de deixá-lo reinar em si e nele se perder.

            Ora traduz-se no desejo de pagar ao seu Senhor amor com amor, de oferecer-lhe muitos sacrifícios, a fim de lhe salvar muitas almas. Nessa nova perspectiva, o amor não é mais uma fusão com Deus mas uma resposta de amor a quem nos amou até à loucura da cruz.

 

3. As raízes teológicas desta complementariedade

 

Esses dois desejos complementares do amor são tradicionais na mística cristã. Enraízam-se, um e outro, no Evangelho e manifestam os dois componentes, um mais contemplativo, outro mais ativo, do amor. Ora a alma só tem um desejo, o de “permanecer no amor do Senhor” (Jo 15,9); ora deseja cumprir generosamente todos os seus mandamentos (Jo 15,10). Nessas duas frases consecutivas, o próprio Jesus resumiu as duas maneiras complementares pelas quais poderíamos amar a Deus: “permanecer” no seu amor, “observar” os mandamentos. São dois verbos que nunca se deve dissociar, sob pena de cair no farisaísmo ou no quietismo. O fariseu esquece que Deus é a fonte de todas as boas obras que pratica. O quietista esquece a parte de combates que sofre necessariamente toda vida autenticamente cristã.

            Esses dois componentes do amor têm, em última análise, sua origem em dois aspectos diferentes da Revelação cristã.

            Por um lado, efetivamente, o Evangelho nos revela que Deus é tudo: para possuí-lo é preciso desejá-lo, amá-lo acima de tudo, tudo abandonar para segui-lo. Igualmente, ele é quem faz tudo: trata-se, pois, de deixá-lo agir em nós.

            Mas, por outro lado, Deus gosta, verdadeiramente, de nos contemplar; nós lhe interessamos. Ele nos pede para trabalharmos no aperfeiçoamento do cosmos e na salvação do mundo. E, nesse sentido, o que somos e o que fazemos tem muita importância!

            Encontram-se esses dois aspectos nas duas afirmações complementares de Paulo a respeito das relações entre o Cristo e sua Igreja.

            Por um lado, Cristo é a Cabeça da Igreja e nós somos seus membros. Nesse sentido devemos, como o próprio Cristo nos convida, limitar-nos a permanecer nele, deixá-lo reinar em nos: “Permanecei em mim e eu em vós”. Se apenas pensarmos neste aspecto do mistério cristão, a impressão é de nada termos a fazer, senão deixá-lo agir, pois “sem ele nada podemos fazer”.

            Mas, por outro lado, Cristo é o esposo de sua Igreja e esta deve amá-lo com a delicadeza e a fidelidade de uma esposa (Ef 5,24). Deve, noutros termos, pagar a seu Senhor amor com amor e acrescentar, misteriosamente, alguma coisa à paixão de Cristo (Cl 1,24).

            Notemos logo que a necessidade de se perder no oceano divino apóia-se numa representação mais maternal de Deus, concebido como um seio materno no qual se deseja mergulhar. Uma espiritualidade que privilegiasse de modo exclusivo, essa maneira de ir a Deus, transformaria aos poucos a oração em fusão panteística com o Grande Tudo...

            O desejo de dar algo a Deus, de lhe pagar amor com amor se apóia numa representação mais paternal de Deus: ele é o Outro, que exige e espera alguma coisa de novo.

            Na Bíblia, Deus se apresenta, ao mesmo tempo, como uma mãe infinitamente terna que quer tomar-nos ao colo (Is 66,11-13) e como um pai exigente que deseja a autonomia dos filhos: dar-lhes-á, escrito numa pedra branca, um nome novo, desconhecido de todos (Ap 2,17). Empregando as duas imagens, a Bíblia nos recorda que, sendo o braseiro no qual queremos desaparecer, Deus permanece eternamente o Outro...

            Vejamos como Teresa viveu, com alegria, esses dois aspectos complementares de todo amor autêntico a Deus.

 

I. O DESEJO DE FUSÃO COM DEUS

 

            Cristo Jesus nos faz de tal sorte participar na sua vida trinitária que é normal descobrir, em nossa oração, o ritmo binário de sua união com o Pai. Ora é só acolhimento ao Pai, recebendo dele tudo o que é, deixando-se amar e invadir pelo seu Espírito; ora volta-se inteiramente para o Pai e, levado pelo Espírito, atira-se a ele, clamando:Abba!

            Pois bem, encontramos esse duplo movimento na oração cristã. Ora ela parece uma inspiração, quer dizer, com Cristo e nele, acolhemos em nosso coração o poder do Espírito, dado pelo Pai. Ora nossa oração parece mais uma expiração, quer dizer, com Cristo e nele, deixamo-nos levar pelo poder do Espírito, o qual murmura em nós: Abba!

 

1.O movimento de inspiração

 

            Quando nossa oração parece uma inspiração, desejamos Deus como aquele que vem encher o cálice vazio de nossa alma. Abrimo-nos então, com confiança e amor, à invasão do seu Espírito. É assim que Teresa se conserva muitas vezes diante de Deus: com um coração de pobre, as mãos abertas diante dele, a fim de receber as ondas transbordantes do Espírito. Assim, participa do movimento de todas essas orações bíblicas que nos convidam a acolher a riqueza infinita do Senhor, como a terra ressecada aspira pela chuva (Sl 63,2) ou como o cervo sedento suspira pela água viva (Sl 62,2).

            Teresa logo compreendeu que esses gritos de confiança são igualmente atos de amor, pois o que então desejamos é o próprio Deus. Alegramo-nos à idéia de ele vir habitar em nosso coração, como Jesus no-lo prometeu: “Se alguém me ama, guardará minhas palavras, meu Pai o amará e viremos a ele e nele faremos nossa morada” (Jo 15,23).

            Quando, em fevereiro de 1895, quer expressar o que significa para ela “Viver de amor”, a primeira idéia que lhe vem é essa nossa maravilhosa possibilidade de possuir Deus dentro de nossos corações:

 

            Viver de amor é guardar a ti,

            Verbo incriado, palavra de meu Deus.

            Ah! tu o sabes, divino Jesus, eu te amo!

            O Espírito de amor, com seu fogo, me abrasa,

            amando-te, atraio o Pai,

            meu pobre coração guarda-o para sempre.

            Ó Trindade! Sois prisioneira

            de meu amor. 4

 

            Teresa de Lisieux muito contribuiu para fazer os cristãos de nosso tempo redescobrirem que a primeira coisa e em certo sentido, a única — pedida por Deus é acreditarmos em seu amor e nos deixarmos amar e transformar por ele. Pois nada lhe agrada tanto como derramar sobre nós as torrentes de sua infinita ternura. As grandes descobertas de Teresa foram no aspecto de um aprofundamento da fonte inexaurível de graça que é o Senhor, com o exclusivo desejo de nos cumular. Abrir-se a Deus não é apenas um meio de se deixar transformar, de chegar à santidade à qual nos convida; é também o melhor meio de amá-lo, de agradar-lhe, pois seu único desejo é vir a nós. Dois anos antes do ato de oferecimento ao amor misericordioso, Teresa já escrevia: “O mérito não consiste nem em fazer, nem em dar muito, ao contrário, em receber, em amar muito”. Guardemos esta equação: o amor pode consistir em receber. E Teresa explica o motivo:

            “Quando Jesus quer assumir o gosto de dar, não seria delicado recusar”. 5

            A 9 de junho de 1895, Teresa compreenderá, numa luz deslumbrante, a que ponto o Senhor é uma fornalha ardente de amor e misericórdia, desejoso de apenas abrasar as almas que se lhe oferecem: “Ó meu Deus, será que vosso amor desprezado vai ficar comprimido no vosso coração? Creio que se encontrásseis almas que se oferecessem como vítimas de holocausto ao vosso amor, vós as consumiríeis rapidamente; creio que ficaríeis feliz por não terdes mais que reprimir as vossas ondas de infinitas ternuras... Ó meu Jesus, seja eu esta feliz vítima!”

            Noutros termos, Teresa redescobre o que já afirmava o Salmo 147: “Agradam ao Senhor somente os que confiam em sua misericórdia” (v. 11). É amar a Deus, é agradar-lhe, abrir-se-lhe com total confiança, permitir-lhe realizar em nós o sonho eterno de se dar aos homens.

            O pecado, pelo contrário, consiste em conservar-se em atitude de “defesa”, endurecer o coração. Por isso a primeira bem-aventurança consiste em ter uma alma de pobre, suficientemente vazia para acolher o reino de Deus.

            E quando Teresa receber a graça de aprofundar o mandamento da caridade fraterna, compreenderá que o Senhor quer, de tal forma, tomar posse de nossas vidas, que sua vontade é amar, ele mesmo, em nós, todos aqueles que nos manda amar.

            Teresa compreende assim, cada vez melhor, à medida que se adianta, que o Senhor é uma torrente de amor com o único desejo de nos inundar.., na proporção de nossa confiança: “Seja-nos manifestada, Senhor, a vossa misericórdia, como a esperamos de vós” (Sl 33,22).

            Mas esse desejo de se deixar invadir por Deus toma freqüentemente uma outra forma.

 

2. O movimento de expiração

 

            Quando nossa oração se assemelha a uma expiração, desejamos perder-nos em Deus como a gota d’água no oceano, ou melhor ainda, como a criança vai se atirar nos braços do pai.

            Esse desejo de fusão com Deus já existia no coração de Teresa, na hora da primeira comunhão: “Jesus e a pobre Teresinha já não eram dois, Teresa havia desaparecido como a gota d’água que se perde no oceano”. 6

            Mais tarde, meditando sobre os textos do Antigo Testamento, copiados num caderninho por Celina, Teresa descobriu melhor que, para se elevar até o céu, não era preciso crescer, mas, pelo contrário, conservar-se bem pequenina, a fim de poder melhor ser levada até o Pai nos braços de Jesus, nosso “divino elevador”. 7

            Nas suas Poesias, Teresa canta muitas vezes essa atitude de abandono nas mãos de Jesus ou do Pai, que para ela é também um gesto de confiança e de amor:

 

            Nos seus braços divinos não temo a tempestade,

            O total abandono, eis minha única lei.

            Adormecer no teu coração, junto à tua face,

            eis o meu céu! 8

 

            Sabe-se que esse movimento de abandono nas mãos de Deus é psicologicamente suspeito aos olhos de alguns. Desconfiam tratar-se de uma atitude infantil de medo e fuga diante da realidade. E também é verdade que existem falsas atitudes religiosas, que a pseudo-oração de certos cristãos não passa de uma maneira sutil de evasão do real e de afastamento do próximo.

            Mas seria preciso censurar páginas inteiras da Bíblia, se não tivéssemos mais o direito de nos abandonarmos nos braços do Pai, conservando nossa alma em paz e silêncio, “tal como uma criança no seio materno” (Sl 131,2). A Bíblia insiste na importância dessa entrega de si mesmo —corpo e preocupações — nas mãos do Senhor: “Depõe no Senhor os teus cuidados, porque ele será teu sustentáculo” (Sl 55,23). E a grande tradição cristã sempre viu nesta oração de abandono um autêntico ato de amor. Testemunha a célebre oração do Pe. de Foucauld: “Meu Pai, eu me abandono a vós (...) Entrego minha alma em vossas mãos. Eu vo-la dou, meu Deus, com todo o amor do meu coração porque vos amo e, para mim, é uma necessidade de amor entregar-me em vossas mãos com uma infinita confiança, porque sois meu Pai”.

            Nesta perspectiva, amar a Deus é atirar-se nele com a impetuosidade do rio correndo para o mar, é deixar-nos atrair como a limalha de ferro imantada.

            Da mesma maneira que os professores de ginástica convidam os alunos a prolongar, o mais possível, a fase da expiração nos movimentos respiratórios, assim os mestres de vida espiritual propõem aos discípulos o prolongamento da fase expiratória da oração, quando o Espírito Santo os leva nessa direção. Não é gás carbônico nem impurezas que então oferecem a Deus, mas o amor, a alegria, uma oração gratuita de louvor, uma verdadeira “eucaristia”: “Pai, santificado seja o vosso nome!” Sua oração é uma participação na prece de admiração, no grito de amor de Cristo, repetindo continuamente ao Pai — no Espírito: Abba!

            A última oração de Jesus na cruz foi: “Nas tuas mãos, Senhor, entrego meu espírito”.

            Esses são os dois movimentos de amor a que o cristão se entrega, quando segue a ordem do Mestre: “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós” (Jo 15,4). Quando, à imitação de Maria de Betânia, senta-se aos pés do Senhor, seja para contemplá-lo — permanece nele — seja para acolhê-lo no coração — deixa então o Senhor permanecer em si.

 

II. O DESEJO DE PAGAR AMOR COM AMOR A DEUS

 

            Se o amor de Teresa por Deus toma, muitas vezes, o aspecto de um repouso contemplativo nele, expressa-se, noutros momentos, sob a forma do desejo de pagar a Deus amor com amor — como se dizia na época 9 — de não deixar escapar nenhuma ocasião de sacrifício e de lhe salvar muitas almas.

            Assim, Deus não aparece mais como quem dá, mas como o que recebe, que espera nossa resposta, como o “divino mendigo de nosso amor”. A alma que se lembra disso, compreende que “a maior honra que Deus pode dar a uma alma não é dar-lhe muito mas pedir-lhe muito”. 10

            Sabe-se o lugar importante desse desejo no seu coração de criança e de adolescente. Multiplicando os sacrifícios, prepara-se para a primeira comunhão. A partir de 1887, quer obter a conversão dos pecadores e, depois, apronta-se para a entrada no Carmelo, em começos de 1888.

            A leitura das conferências do Pe. Arminjon havia, aliás, intensificado, no coração da adolescente, o desejo de ser generosa na terra, a fim de que, no último dia, o Senhor pudesse lhe dizer: “Agora é a minha vez”... de ser generoso! Uma reminiscência dessa leitura aparece, por exemplo, numa carta a Celina, de 12 de março de 1889: “A eternidade avança a largos passos. Logo viveremos da vida de Jesus. Depois de nos dessedentarmos na fonte de todas as amarguras, seremos deificadas na própria fonte de todas as alegrias”. 11

            Alguns meses mais tarde, depois de ter falado no sofrimento heróico da aridez espiritual escondida, conhecida apenas por Jesus, sofrimento que equivale a um verdadeiro martírio — martírio sem honra e sem glória — evoca também a recompensa prometida aos que assim o tiverem amado: “Um dia, o Deus reconhecido exclamará: ‘Agora é a minha vez’. Oh! que veremos então?... O que será esta vida sem fim?... Deus será a alma de nossa alma” 12

            É ainda o desejo de pagar ao Senhor amor com amor que se revela na carta dirigida à madrinha, em setembro de 1896. Durante o retiro, sentiu crescer o desejo de fazer loucuras pelo Rei bem-amado: “Sinto a necessidade, o desejo de praticar por ti, Jesus, todas as ações, as mais heróicas... Sinto-me com a coragem de um cruzado (...) Mas quereria, acima de tudo, ó meu bem-amado Salvador, que-rena por ti derramar meu sangue até à última gota”. 13

            Continuando a meditação, Teresa retoma a comparação do apóstolo Paulo entre a Igreja e um corpo de muitos membros; mas não fala nessa passagem, nem uma vez, do Cristo como Cabeça da Igreja, difundindo sua vida de amor em cada um dos membros. Não diz que seu papel deve ser o de acolher a vida, vinda da cabeça, a fim de deixá-la melhor difundir-se nos outros membros.

            Aqui, efetivamente, Teresa considera o Cristo essencialmente como o esposo adorado, que fez por nós loucuras de amor, e que a esposa deve então procurar amá-lo, por sua vez, até à loucura. Compreende então que, contentando-se em amar, em permanecer no “coração da Igreja”, aquela que ama, ajudará todos os seus outros membros a amarem também.

            Aqui não se trata de se apresentar diante de Deus com “as mãos vazias”, mas de ter um coração ardente, de aumentar, de alguma forma, o capital de amor da Esposa do Cristo, a fim de que os apóstolos anunciem melhor o Evangelho e os mártires não se recusem a derramar o sangue.

            E “como testemunhará (ela) seu amor, pois o amor se prova por atos? Pois bem, a criancinha jogará flores, perfumará com suas fragrâncias o trono real, cantará com voz argentina o cântico do amor”. 14 Refere-se, como se vê, a um amor provado por atos, ao segundo aspecto do amor que estamos descrevendo, isto é, o desejo de fazer grandes coisas pelo Rei, como dizia Santo Inácio, na meditação dos dois estandartes.

            Teresa acredita, de todo coração, que Deus nos ama verdadeiramente, com um amor de amizade. Dá-nos a possibilidade de lhe pagar amor com amor. Não somos escravos, mas seus amigos.

            Sabe que Deus dá grande importância à nossa resposta humana. Como João da Cruz, ficou impressionada com as palavras do esposo no Cântico dos Cânticos: “Tu me fazes delirar, minha irmã, minha esposa, com um só de teus olhares, com um só de teus cabelos”. Por isso, explica à Leônia, “cativemos Jesus pelo nosso olhar e por um só fio de nossos cabelos, quer dizer, pela maior e pela menor coisa. Não lhe recusemos o menor sacrifício, tudo é tão grande na vida religiosa... Apanhar um alfinete pode converter uma alma! Que mistério! Só mesmo Jesus pode dar tal preço às nossas ações” 15.

 

III. A ALTERNÂNCIA DOS DOIS DESEJOS

 

            Num notável artigo, o Pe. J. de Guibert opunha, outrora, dois tipos de espiritualidade. Para certas almas, escreve, “o mistério de predileção será a Encarnação, a união da natureza humana à divina na pessoa do Verbo, Deus abaixando-se por amor até à sua criatura a fim de se unir a ela, modelo de nossos aniquilamentos interiores diante do Criador”. Enquanto que os olhares de outras se voltarão continuamente para o Calvário, para o Deus feito homem, sacrificando-se, dessedentando-se de dores e opróbrios, abraçando todo sofrimento e toda humilhação humana a fim de enternecer os corações dos homens seus irmãos. O ápice da santidade será “sofrer grandes coisas pelo Cristo em união com ele. E o grau mais elevado será o martírio, vida por vida sacrificada ao Cristo, a união, a assimilação, a conformidade mais completa a seu holocausto. A abnegação, o sofrimento não serão considerados tanto como purificações para levar a alma à união, mas antes como testemunhos de amor prodigalizados a quem nos amou primeiro, custosa e dolorosamente. “A pobreza, os opróbrios com Cristo pobre e humilhado, dirá Santo Inácio”. 16

            Julgamos impossível classificar Santa Teresa do Menino Jesus da Santa Face em uma ou em outra dessas espiritualidades. Pode-se, aliás, indagar se, de fato, existiram sem mistura!

            Com uma admirável flexibilidade Teresa passa, movida pelo Espírito, de um a outro desses dois exercícios de amor. Ora o seu amor a Deus toma a forma de um desejo de fusão com ele: como uma criancinha, atira-se aos braços de Jesus, deixando-se levar com ele e nele para o “colo de Deus”. Ora sente o desejo de pagar-lhe amor com amor, não permitindo escapar nenhuma ocasião de sacrifício: como uma criancinha, deseja jogar muitas flores diante do trono real.

            Com essa diferença importante: Teresa nunca se esquece não passar de uma “pequenina alma” que só pode oferecer “coisas bem pequeninas”. As grandes penitências lhe são proibidas — prova disso são os problemas de saúde advindos por ter usado, por algum tempo, uma cruzinha de ferro ao peito. “Os outros, dizia, se apresentarão no céu com seus instrumentos de penitência e eu, com um aquecedorzinho. Entretanto, a única coisa que conta é o amor e a obediência”. 17

            Teresa, aliás, sabia que, praticando o que o Pe. Petitot chamaria mais tarde “a ascese da pequenez”, ficaria menos arriscada a cair na tentação da presunção, que muitas vezes surpreende quem pode se entregar às penitências extraordinárias.

            Mas não nos esqueçamos de que o desejo do martírio, desenvolvido no coração da adolescente, especialmente por ocasião da peregrinação a Roma, sempre esteve no coração da carmelita — como prova o manuscrito B. A composição de uma recreação, em honra de Joana d’Arc, tinha-lhe permitido, aliás, em janeiro de 1894, renovar o desejo de também ela praticar grandes coisas pelo seu rei. As palavras colocadas nos lábios de Joana — cujo papel vai representar — aplica-as certamente a si mesma. Mostram-nos a que ponto a jovem carmelita, de vinte e um anos, percebe não ser o claustro um ninho macio onde se pode levar uma vida feliz. Se preciso, estaria pronta, também ela, a deixar o silêncio do retiro pelo tumulto das batalhas:

 

            Para agradar-vos, Senhor, eu empunharia a espada,

            em vez de me distrair com as flores dos campos.

            Minha voz que se misturava ao sopro da brisa

            logo ressoará no meio dos combates.

            Em vez do som romântico de um sino indeciso

            ouvirei o clamor de um povo que luta!

            Desejo a cruz, amo o sacrifício.

            Ah! dignai-vos chamar-me, eu estou pronta para sofrer.

            Sofrer por vosso amor, ó Mestre, que delícia!

            Jesus, meu bem-amado, por vós quero morrer. 18

 

            Vamos verificar esta alternância dos dois movimentos no coração de Teresa, analisando um pouco alguns temas de seu pensamento.

 

1. O tema da infância

 

            Por meio dessa imagem evangélica da infância, Teresa exprime, essencialmente, o desejo de ser uma alma bem pequenina, vazia de si, capaz de acolher plenamente o Deus de amor que quer se lhe dar. Seja-nos permitido não insistir neste aspecto fundamental da “pequena via”. Citemos apenas, como lembrete, a frase esplêndida dirigida à Irmã Genoveva, no Natal de 1896, e que Teresa coloca nos lábios da Virgem Maria: “Se você puder suportar em paz a provação de não estar satisfeita consigo, dar-me-á um doce asilo; é verdade que vai sofrer, pois terá de ficar de fora, mas não tenha medo, quanto mais pobre for, mais Jesus a amará” 19 Nessa perspectiva, quanto menor alguém se fizer, mais Jesus o carrega nos braços. 20 Quanto mais se desce ao vale da humildade, mais se tem Deus no coração. 21 Pela mesma razão, Teresa quer ser um “átomo”, uma simples “gota de orvalho”, a fim de, mais facilmente, se perder no fogo devorador do amor divino. 22

            Mas se Teresa se considera uma “pequena alma”, é também porque tem consciência de não fazer grande coisa em comparação com os atos heróicos, praticados pelos grandes santos da história da Igreja, e, sobretudo, com as loucuras de amor de Jesus, seu Mestre e Senhor. Deve contentar-se com ações bem ordinárias os mínimos sacrifícios e as humildes renúncias da vida cristã nelas colocando o máximo de amor.

            Noutros termos, é preciso assinalar na “pequena via” dois elementos que nem sempre se costuma dar ao trabalho de especificar, porque têm, um e outro, seu símbolo na atitude da criança. Teresa quer permanecer sempre uma “pequena alma” porque tem consciência de que, no plano sobrenatural, é Deus quem faz tudo. O cristão deve esperar tudo do Pai do céu como uma criança tudo espera de seu pai.

            Mas é também por causa da ascese da pequenez, para a qual é feita, ela e toda a legião de “pequeninos” que por vocação quer atrair ao seu seguimento. Ela não é chamada, como o fizeram os grandes santos, a praticar penitências extraordinárias; tem pouquíssimo para oferecer ao Senhor. Mas pode fazê-lo, à maneira de uma criança muito feliz, brincando sob as vistas do pai: “Tu nos escolheste, Senhor, para te servir e nos alegrarmos na tua presença”. Aliás, quando se percebe a pequenez de nossos sacrifícios em comparação com as loucuras de amor do Crucificado, não se tem vontade nenhuma de considerá-los mais do que os de um “menorzinho”.

            Quando, a 6 de agosto de 1897, a própria Teresa comenta, a pedido da Madre Inês, a expressão “conservar-se criancinha diante de Deus”, 23 vemo-la passar, insensivelmente, de um ponto de vista a outro. Começa por identificar o espírito de infância com o sentimento de radical dependência do Pai: “É, diz ela, reconhecer o seu nada, esperar tudo de Deus, como uma criancinha tudo espera do seu pai. É não se preocupar com nada, não fazer fortuna. Até entre os pobres, dá-se à criança o necessário, mas assim que cresce, o pai não quer mais sustentá-la e diz: ´Agora, trabalha, já podes viver sozinho’. Foi para não ouvir isso que eu não quis crescer, sentindo-me incapaz de ganhar a vida, a vida eterna do céu: Então fiquei sempre pequenina”.

            Mas, sem interromper, Teresa acrescenta que a criancinha é também a que “oferece” seus sacrifícios, à medida que tem ocasião de fazê-lo. Temos então o segundo movimento do amor: “Então permaneci sempre pequena, com a única ocupação de colher flores, as flores do amor e do sacrifício, e oferecê-las a Deus para lhe dar prazer”.

            Sem esquecer, sem dúvida, que nossos sacrifícios, que “nossos méritos, segundo a frase de Santo Agostinho, são sempre dons de Deus” e voltamos ao primeiro movimento, ao abandono da criancinha: “Ser pequeno é, ainda, não se arrogar as virtudes que se pratica, acreditando-se capaz de alguma coisa, mas reconhecer que Deus coloca esse tesouro nas mãos de seu filhinho para dele se servir quando precisar; mas o tesouro continua pertencendo a Deus”.

            E o comentário se encerra com um “N.B” muito teresiano, todo inspirado numa total confiança na misericórdia:

            “Enfim, não desanimar com as faltas, pois as crianças estão sempre caindo, porém são pequenas demais para se machucarem muito”.

            Vê-se, pois, tudo o que se oculta sob o símbolo da criança:

            — umas vezes, deseja ser bem pequenina, para melhor se unir a Deus; seja como uma pequena alma, vazia de si, totalmente aberta à invasão de Deus (fase de inspiração); seja como uma gota de água, perdendo-se facilmente no oceano divino (fase de expiração);

            outras, quer oferecer a Deus a menor de suas ações pela salvação dos irmãos, pois “apanhar um alfinete por amor pode converter uma alma”.

 

2.O modo de viver as humilhações

 

            Alimentada pela Imitação de Cristo, Teresa sentira cedo desabrochar no coração a vontade de viver “ignorada e desprezada”. Em 1887, a leitura das conferências do Pe. Arminjon consolidou sua convicção de que, em comparação com as alegrias eternas, os louvores desse mundo pouco valem. Nessa época, junto com Celina, gostava de repetir, à janela dos Buissonnets, a aspiração de João da Cruz: “Senhor, sofrer e ser desprezado, por vós”. Depois da entrada no Carmelo, a meditação sobre a Santa Face aprofundou ainda mais o desejo de esquecimento e humilhação: “Como o de Jesus, queria que meu rosto fosse verdadeiramente escondido, que na terra ninguém me reconhecesse. Tinha sede de sofrer e de ser esquecida” 24

            Mas o que animava, em Teresa, essa vontade de ser ignorada e desprezada? São os dois desejos do amor, analisados acima.

            Ora quer oferecer ao Senhor um novo sacrifício pela salvação dos pecadores, quer assemelhar-se a Jesus na paixão e consolá-lo de todas as ingratidões humanas.

            Ora via mais, na humilhação, especialmente nas merecidas, um meio providencial de entreter no coração o sentimento benéfico de seu “pequeno nada”, de sua “radical impotência para todo bem”, em suma, a consciência tranqüila de sua pobreza espiritual. Então, sua reação diante de uma humilhação não era tanto a de oferecer um novo sacrifício do amor próprio, mas a de serena aceitação de sua pequenez.

            Deve-se receber a definição de alegria perfeita, dada por Teresa nos últimos meses da vida, à luz dessa disposição fundamental: “Ultimamente, tive uma demonstração de temperamento com uma Irmã. Creio que ela não percebeu; o combate foi interior. Entretanto, sustentei-me com o pensamento de que ela me tinha achado sem virtude e isso me alegrou” 25 “Sinto uma grande alegria, não só quando me acham imperfeita, mas sobretudo, quando eu mesma o percebo. Isso excede todos os elogios, que aborreço”. 26

            Notar-se-á logo o quanto essa dupla maneira de agir permite transformar nossas humilhações em atos de amor, qualquer que seja nosso estado psicológico.

            Há dias em que podemos viver a humilhação pensando na bondade única de Deus e em ser ela uma ocasião privilegiada de nos recolocar em nosso verdadeiro lugar, diante da grandeza e do amor de Deus. Esta humilhação, merecida ou não, serve-nos de trampolim para um novo ato de amor: “Só tu és bom, Senhor! Concede-me gozar-te mais e perder-me em ti, com um renovado entusiasmo”.

Mas, noutros dias, nos sentimos incapazes de tal comportamento. Nossa sensibilidade e nosso amor próprio sentem mais repugnância. É então o momento de oferecer a Deus um duplo sacrifício: ‘Nada tenho para te oferecer hoje, Senhor, além da minha dificuldade. É tão grande que me obriga a reconhecer minha falta de humildade. Dou ainda muita importância à minha reputação. Mas alegro-me por poder oferecer-te também o sacrifício de não estar satisfeita comigo! O essencial é agradar-te”.

            Vê-se, por esse exemplo, como o cristão que assimilou bem o ensinamento de Teresa, serve-se verdadeiramente de tudo para amar a Deus. Quando a sensibilidade aceitar facilmente uma humilhação, aproveita-se disso para saborear no justo valor seu valor infinito a ternura de Deus; e quando ela está mais exacerbada, utiliza-a para oferecer ao Senhor um duplo sacrifício de paciência e de não estar contente consigo. Realmente, “tudo é graça”.

            Será Preciso acrescentar que nosso amor a Deus pode e deve consistir, muitas vezes, em lutar contra o mal? O cristão não fica sempre oferecendo as costas para receber as bordoadas descarregadas pelos outros... Mas chega um dia em que ele deve se assemelhar a Jesus, humilhado na sua cruz.

 

3. O modo de viver a aridez espiritual

 

            Percebe-se o duplo ritmo do amor na maneira como Teresa vivia os estados de aridez espiritual, que muitas vezes fizeram parte de sua oração. Ora aí via um meio privilegiado de participar mais na agonia de Jesus e de obter, assim, a conversão dos pecadores, ora de apenas se unir a Jesus e não de buscá-lo para sua própria consolação: “Ele quer que as mais puras alegrias se transformem em sofrimentos, a fim de lhe voltarmos o coração, a ele, nosso único sol e alegria” 27

            Igualmente, a falta de ânimo para começar o trabalho, a impossibilidade de vencer a tristeza ou as variações da sensibilidade, o constrangimento freqüente de levar as cruzes “debilmente”, isto é, sem coragem nem entusiasmo, são outros tantos meios de provar o amor ao Senhor, ocasiões continuamente renovadas de lhe salvar almas. “Não acreditemos poder amar sem sofrer, sem sofrer muito, explica à Celina, ao felicitá-la pelos seus 20 anos. Nossa pobre natureza aí está e não é à-toa. É a nossa riqueza, nosso ganha-pão! Soframos com amargura, sem coragem! Jesus sofreu com tristeza; sem tristeza a alma poderia sofrer? E nós quereríamos sofrer generosamente, com grandeza... Que ilusão!” Mas Teresa acrescenta, em seguida, ver nessa falta de ânimo um meio singular de reiterar a experiência de sua fraqueza, sua pequenez, o que é ainda um grande benefício, porque assim Jesus tem mais vontade de carregá-la nos braços. Teresa, na verdade, de tudo se aproveita. Tudo lhe é pretexto, seja para oferecer a Deus uma nova prova de amor, um novo sacrifício redentor, seja para se abrir mais à sua misericórdia. Esses dois desejos animam continuamente todos os seus pensamentos e todas as suas ações. Estão tão intimamente ligados que, na mesma carta e até no mesmo parágrafo, Teresa passa facilmente de um para outro. Às vezes, a mesma imagem simboliza um e outro. Num bilhete, datado de 1889, Teresa confia à madrinha ter uma sede ardente do Deus vivo, sede que nenhuma criatura é capaz de estancar, mas fala imediatamente de uma outra sede, a de sofrer em segredo pelo seu Senhor” 29

            Desejo de possuir a Deus, desejo de fazer por ele grandes coisas, sucedem-se assim, continuamente, em sua alma.

            Quando Teresa se deixa arrastar pela sede de Deus, seu coração lhe parece incomparavelmente grande: “Como uma alma é grande, para poder conter um Deus!” 30 Sente, então, a vontade de ser como uma tenda imensa e vazia de todo o bem criado, a fim de deixar todo o espaço para o seu Criador. 31 Mas logo em seguida, o coração lhe parece bem pequenino, quando pensa em tudo o que deveria fazer, para pagar a Jesus amor com amor: “ incrível como meu coração me parece grande quando considero os tesouros da terra, pois todos reunidos não poderiam contentá-lo, mas quando considero Jesus, como me parece pequenino.. Eu queria amá-lo tanto! ... Amá-lo tanto como nunca foi amado!” 32

 

4. O valor de nossos méritos

 

            Nesta luz, evidentemente, é preciso interpretar as frases, aparentemente contraditórias, pronunciadas por Teresa, a respeito do valor de seus méritos.

            Teresa só conta com Deus para fazê-la chegar à perfeição do amor. Sente-se incapaz de ganhar a vida, a vida eterna do céu. No fim desta existência, quer aparecer diante de Deus “com as mãos vazias”. 33

            Por outro lado, entretanto, quer ganhar muitos méritos para a Igreja. Uma noite, ao ver Madre Inês anotar uma privação que se tinha imposto durante aquele dia, Teresa lhe disse:

            “Meu mérito talvez fique perdido, pois eu lhe disse e você está escrevendo?

            — Então você quer adquirir méritos? retorquiu Madre Inês.

            — Sim, respondeu Teresa, mas não para mim, para os pobres pecadores, para as necessidades de toda a Igreja, enfim, para jogar flores a todo mundo, justos e pecadores” 34.

            Sem dúvida, Teresa nunca se esquece de que seus sacrifícios são também tesouros que Deus vai colocando em suas mãos, de tal modo que lhe é impossível glorificar-se pela menor de suas ações. No mesmo dia em que afirmava a necessidade de adquirir méritos para a Igreja, fazia Madre Inês tomar nota de que não era a sua paciência admirável, mas a que Cristo lhe dava, a conta-gotas: “Ainda não tive um minuto de paciência. A paciência não foi minha! As pessoas sempre se enganam!” 35

            Que equilíbrio na espiritualidade de Teresa! Encoraja-nos à confiança total no amor, para a nossa salvação e a de nossos irmãos, mas, ao mesmo tempo, longe de todo quietismo, encoraja-nos a não perder nenhuma ocasião de sacrifício. Claro, o que agrada a Deus na sua alma é a esperança na misericórdia, mas sabe também ser preciso sofrer muito para salvar as almas. Alguns dias antes de morrer, confiava ainda: “É verdade que eu quis sofrer muito por Deus e é verdade que ainda o desejo”. 37

            Esses dois desejos complementares do amor correspondem, como se viu, aos dois aspectos complementares de nosso relacionamento com Deus. Num sentido, Deus é tudo em nossa vida, só a ele desejamos, só ele trabalha em nossa alma. Mas num outro sentido, Deus quer que juntemos nossa parte à obra da redenção realizada por Cristo e que participemos nos seus sofrimentos, antes de sermos totalmente mergulhados no oceano do amor.

            É o equilíbrio muitas vezes encontrado nas orações litúrgicas, por exemplo, na oração final da missa do XXI domingo:

 

            Fazei agir plenamente em nós

            o sacramento do vosso amor

            e transformai-nos de tal modo pela vossa graça,

            que em tudo possamos agradar-vos.

 

            O cristão não se esquece que tem sempre a necessidade de ser curado pela misericórdia de Deus, mas também conhece, pela sua generosidade, a maravilhosa possibilidade de agradar a Deus em todas as coisas e com isso se rejubila.

 

NOTAS CAP. 2

 

1 “Já não vos chamo servos, mas amigos” (Jo 15,15), Ver Eros et Agape, t. 1, Aubier, 1944, p. 162.

2 La prière d’un homme moderne, p. 104.

3 Carta 169.

4 Poesia 17.

5 Carta 142.

6 Manuscrito A, 35r.

7 Manuscrito C, 3r.

8 Poesia 32.

9 O desejo de pagar ao Senhor “amor com amor” era uma senha corrente na literatura espiritual da época. Madre Maria de Gonzaga, como muitas outras carmelitas, tinha mandado gravá-la no crucifixo de profissão. Teresa conta ao Pe. Pichon, na primeira carta escrita do Carmelo, ser esta a sua divisa (Correspondência Geral 1, p. 3745).

10 Carta 172.

11 Carta 85.

12 Carta 94.

13 Manuscrito B, 2-3.

14 Manuscrito B, 4r.

15 Carta 164.

16 “Charité parfaíte et désir de Dieu” em Revue d’Ascétique et de Mystique, 1926, pp. 241-242.

17 Conselhos e Lembranças, 117.

18 Recreações 1.

19 Carta 211.

20 Carta 241.

21 Carta 137, 165.

22 Carta 141.

23 Caderno Amarelo 6.8.8.

24 Manuscrito A, 71r.

25 Conselhos e Lembranças, 23.

26 Caderno Amarelo, 2.8,6.

27 Carta 149.

28 Carta 89.

29 Carta 75.

30 Carta 165.

31 Carta 93.

32 Carta 74.

33 Ato de Oferecimento.

34 Caderno Amarelo, 18.8.3.

35 Caderno Amarelo, 18.8.4.

36 Carta 197.

37 Caderno Amarelo, 25.9.2.

 

 

Capítulo 3 - SER ÚTIL A TODA A IGREJA

 

            Teresa, como boa normanda, queria ter uma existência “lucrativa”. Não desejava perder tempo nem desperdiçar a vida. E um dos segredos de seu sorriso era, incontestavelmente, a convicção de ser muito útil a toda a Igreja, por causa de seu tipo de vida. Era consciente de estar participando numa imensa empresa de salvamento. A finalidade da entrada para o Carmelo? “Salvar almas e, sobretudo, rezar pelos Padres” (1). E, algumas horas antes da morte, confessava: “Nunca pensei que fosse possível sofrer tanto! Nunca! Nunca! Só posso explicar pelos meus ardentes desejos de salvar almas” (2).

            Toda vida, Teresa acreditara na eficácia apostólica da menor de suas ações. “Apanhar um alfinete por amor, gostava de repetir, pode salvar uma alma. Que mistério!” (3) Era a maneira bem simples de comentar o pensamento de João da Cruz de que muito gostava, citando-o freqüentemente: “O menor movimento de puro amor tem mais valor aos olhos de Deus e é mais proveitoso à Igreja que o conjunto de todas as outras obras” (4).

            Por que tantas pessoas são infelizes? Porque não se consideram nada úteis. Suas atividades são de limitada eficácia e sua influência quase nula. Nada fazem de “marcante” e, menos ainda, nada de “notável”!

            Perdida no pequeno Carmelo de província, ocupada com tarefas repetitivas e muito banais, não é essa a impressão de Teresa. Está persuadida de que “não é o valor, nem mesmo a santidade aparente das ações o que conta, mas somente o amor com que são feitas”. (5) Nada é pequeno, pois Jesus o faz em nós. Poderia repetir com Pascal: “Fazer as pequenas coisas como se fossem grandes, por causa da majestade de Jesus Cristo que as faz em nós e vive a nossa vida, e as grandes como se fossem pequenas e fáceis, por causa da sua onipotência” (6).

            É uma das razões do entusiasmo por tudo que faz —qualquer que seja a disposição de sua “coragem”. Se está “em forma”, agradece ao Senhor: é uma graça recebida por causa de sua fraqueza. Se não sente nenhuma coragem para começar o trabalho, é ainda uma graça concedida pelo Senhor: um sacrifício a mais para lhe oferecer. Sim, “tudo é graça”.

            Não insistiremos sobre a confiança desta carmelita na eficácia diretamente apostólica de sua oração e de seus sacrifícios. Achamos mais útil esclarecer a maneira como Teresa interpretava esta eficácia. O que dissemos no capítulo precedente nos permitirá compreender melhor essas duas maneiras de Teresa pensar nas almas, em sua vida contemplativa.

            Ora considerava-as como irmãos a ajudar. Rezava então com eles e se lhes identificava de alguma maneira na oração.

            Ora reputava-as como filhos a salvar. Rezava então por eles e oferecia por eles seus atos de generosidade. Duas atitudes que se alternavam com bastante facilidade em Teresa.

 

I. IRMÃOS A AJUDAR

 

            Colocando-se nessa perspectiva, Teresa deseja que seus irmãos e irmãs se unam a Deus como ela própria deseja unir-se-lhe. Na sua oração fraterna se encontram muito naturalmente os dois movimentos analisados mais acima, estudando o desejo de união com Deus.

 

1. Que se abram a Deus

 

            Quando parece uma inspiração, é acolhimento de Deus, a sua oração fraterna consiste muito simplesmente em desejar a total abertura dos corações à invasão das torrentes da misericórdia divina. Que alegria, para uma carmelita, ser para Deus uma “guarda de represa”, permitir à fonte de água viva derramar-se mais sobre o mundo! S o céu na terra:

            Meu céu é poder atrair para as almas, para a Igreja minha mãe e para as minhas irmãs graças de Jesus e suas chamas divinas que bem sabem abrasar e alegrar corações. Tudo posso obter quando, no mistério, falo francamente a meu divino Rei esta oração tão doce, junto ao santuário, Eis o meu céu! (7)

            Pois bem! Posso obter tudo de Deus para meus irmãos se me apresento com as mãos vazias, isto é, pedindo-lhe olhar, “não os nossos méritos, mas a fé, a confiança de sua Igreja”.

            “Ah, se eu pudesse lhe comunicar a paz dada por Jesus à minha alma, quando eu mais chorava, escreve Teresa a Celina. É o meu pedido por você, meu outro eu”. (8)

            Separada da irmã pelas grades do Carmelo, tem a impressão de estar unificada com ela: “Sim, separando-nos, Jesus nos uniu de um modo até então desconhecido para minha alma, pois desde esse momento não posso desejar nada só para mim, mas somente para nós duas” (9).

            Teresa vive com tal convicção de o Senhor habitar no coração dos seus, que não se preocupa quando não consegue fazê-los compreender alguma coisa de importante, por ocasião de uma visita. O próprio Senhor fará o trabalho.

            Por exemplo, conta-nos Madre Inês, “quando, depois de ter tentado encorajar e consolar sua irmã Celina não o tinha conseguido, pedia a Deus, com uma grande confiança, consolá-la ele próprio e fazê-la compreender tal ou tal coisa. Depois, não se inquietava mais. E a sua confiança, disse-me ela, nunca foi enganada. Cada vez Celina recebia as luzes e consolações pedidas. Ela percebia pelas confidências feitas no parlatório seguinte” (10).

            Em muitos outros casos, não era tão rapidamente atendida. Basta pensar nas dificuldades tidas durante anos com tal ou tal de suas noviças ou na oração perseverante, até ao fim da vida, pela conversão do Pe. Loyson — antigo pregador de Notre Dame, que havia “apostatado”, como se dizia na época. Mas Teresa sabia que o Senhor queria, então, aprofundar sua esperança.

            Rezando pelos irmãos missionários, pede espontaneamente para eles o que deseja para si mesma: “Tudo o que peço a Jesus para mim, escreve ao Pe. Roulland, peço-o também para você” (11). Era, aliás, a oração do dia de sua profissão solene, a 8 de setembro de 1890, pedindo ao Senhor para suscitar uma vocação sacerdotal na sua Igreja: “Não podendo ser padre, (eu) queria que no (meu) lugar, um padre recebesse as graças do Senhor, tivesse as mesmas aspirações, os mesmos desejos que (eu)”. (12)

            Com uma tranqüila audácia, Teresa chega mesmo a se apropriar das palavras de Jesus, pedindo ao Pai que amasse seus irmãos — especialmente os irmãos missionários pelos quais a priora a havia responsabilizado — que os amasse e cumulasse como se sentia ela mesma cumulada: “Ó meu Jesus, talvez seja uma ilusão, mas acho que não podeis cumular uma alma de mais amor do que o fizestes à minha; é por isso que ouso pedir-vos que, assim como me amastes, ameis os que me destes” (13).

            Abrir-se a Deus, sabendo que esse movimento de abertura vai aproveitar igualmente aos outros, tal é a primeira maneira de conceber a eficácia apostólica de sua vida de oração. Teresa resumiu sua convicção a respeito, no dia 4 de agosto de 1897, mostrando à Madre Inês a mais bela espiga de trigo de um feixe acabado de ser colhido: “Minha Madre, esta espiga é a imagem de minha alma: Deus me encheu de graças, para mim e para muitos outros” (14).

 

2. Que se deixem atrair por Deus

 

            Quando, pelo contrário, a oração de Teresa lembra uma expiração, sua oração fraterna é um desejo de as almas se deixarem levar com ela na direção do sol divino, o qual deveria cada vez mais fascinar.

            Teresa sabe que não somos águias, a levantar o vôo em direção ao sol... mas devemos nos deixar carregar até ao Pai pelas mãos do Cristo Jesus. Ele é a águia divina que nos leva para o céu, o “elevador” divino no qual subimos para o Pai.

            E numa imagem magnífica Teresa expressa, no último manuscrito, o que o Senhor a fizera compreender a respeito, ao meditar um dia sobre o versículo do Cântico: “Atrai-me, corramos à fragrância de vossos perfumes”.

            Compreende que, quanto mais se corre ao encontro do Senhor, tanto mais correm conosco todos e todas a nós unidos pela Comunhão dos Santos. Teresa compreende que, no domínio espiritual, há uma verdadeira lei de atração universal, permitindo a ajuda mútua de todos no movimento ascensional para Deus. Toda alma que se eleva, eleva um pouco mais o mundo inteiro para Deus. Não é lirismo, mas a própria expressão de nossa solidariedade em Cristo. Amar a Deus é uma atividade extremamente eficaz. Se nos deixamos atrair por Deus, o mundo inteiro anda um pouco mais, ou antes, corre para ele.

            A esposa dos Cânticos diz ao esposo: “Atraí-me, correremos ao odor de vossos perfumes”. Meditando sobre esse versículo, Teresa ficou impressionada com a oposição entre o singular e o plural dos dois pronomes pessoais.

            “Ó Jesus, não é mesmo necessário, pois, dizer: ‘Atraindo-me, atraí também as almas que amo!’ Esta simples palavra: ‘Atraí-me’, basta. Senhor, compreendo, ao deixar-se uma alma cativar pela fragrância embriagadora de vossos perfumes, não lhe seria mais possível correr sozinha. Todas as almas amadas seriam arrastadas atrás de si. Isto se faz sem violência, sem esforço; é uma conseqüência natural da atração divina” (15).

            Noutros termos, Teresa compreende melhor, através da meditação desse texto bíblico, o valor diretamente apostólico de seu amor a Deus, quando é simples contemplação amorosa de seu Senhor e Mestre. “Quando for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim” (Jo 12,32). O cristão seduzido pela imagem e realidade do Crucificado, de olhos fixos nele, na atitude do servo ou serva atento às mãos do Mestre, arrasta uma multidão de irmãos. A oração mais solitária é sempre solidária com todos os membros da comunidade humana.

            Mistério extraordinário da Comunhão dos Santos, sem o qual é impossível compreender a alegria de uma. vida contemplativa!

 

II. FILHOS A SALVAR

 

            Até aqui, vimos Teresa unir-se aos pobres pecadores, que deseja ajudar pela oração. Poderíamos citar ainda, para ilustrar seu pensamento a respeito, o célebre texto em que explica como vive a noite espiritual dos dezoito últimos meses de vida. Considera-se sentada “à mesa dos pecadores”, partilhando o pão da amargura e suplicando ao Senhor derramar sobre eles e também sobre ela as torrentes de sua misericórdia. Em nome dos irmãos pecadores, repete continuamente: “Tende piedade de nós, Senhor, pobres pecadores... Oh! Senhor, despedi-nos purificados” (16).

            Deve-se concluir por isso, então, que Teresa rompe radicalmente com toda aquela tradição espiritual de considerar os pecadores filhos a salvar, mediante o oferecimento de seus sacrifícios? No fim da vida, Teresa teria abandonado esse nocivo maternalismo espiritual, no qual as almas “justas” acreditam poder fazer algo pelos “pobres pecadores”. Essa mentalidade seria contrária ao verdadeiro espírito evangélico, o qual nos convida a considerarmo-nos pobres pecadores, sem nenhum mérito. Teresa teria compreendido, no fim da vida, a inutilidade de oferecer sacrifícios pela salvação dos pecadores, como o fazia na juventude. Deveria se contentar em oferecer, por si e pelos irmãos pecadores, sua pobre oração.

            Assim pensa o Pe. Jean-François Six: “Teresa se distanciou do modo de ver da maioria das carmelitas da época, as quais se supunham as mães dos pecadores. Teresa ousou, baseada também na tradição, ser infiel às suas ‘madres’: a Sra. Martin, a Madre Inês, a Madre Gonzaga e a totalidade das carmelitas francesas no século XIX. Suas ‘madres’ ofereciam uma espiritualidade de pequenos esforços que importavam e ajudavam diante de Deus. Teresa, ao contrário, propõe a confiança em Deus e as mãos vazias. Por isso mesmo, não se apresenta como ‘mãe’ dos incrédulos e pecadores, mas os vê como irmãos e irmãs”. (17)

 

1. A maternidade espiritual

 

            Somos forçados a dizer que esta interpretação é totalmente oposta aos textos. Até ao fim da vida, Teresa via os pecadores também como filhos a salvar — lembremo-nos de Pranzini, de quem sempre se considerou mãe. O próprio Pe. J-F. Six cita, na página 323 de sua obra, a passagem do Manuscrito A onde, em 1895, Teresa ainda chama Pranzini “meu primeiro filho”.

            Até ao fim, soube ser preciso trabalhar arduamente pela salvação dos pecadores, tal como uma mãe, ganhando a vida para os filhos. Pela manhã, ao levantar-se, oferecia logo os sacrifícios do dia, “a fim de ganhar a vida para meus filhos, dizia. Beijo meu crucifixo, coloco-o delicadamente em cima do travesseiro, enquanto me visto, e lhe digo: ‘Meu Jesus, trabalhastes, chorastes bastante nos trinta e três anos de vossa vida nesta pobre terra! Hoje, descansai; é minha vez de lutar e sofrer” (18).

            E quando uma de suas noviças, a Irmã Maria da Trindade, se demorava quando devia ir para a lavagem de roupa, Teresa a interpelava: “É assim que a gente se apressa quando tem filhos para alimentar e precisa trabalhar para sustentá-los?” (19)

            Aliás, nas poesias, Teresa gosta de cantar a fecundidade atribuída pelo Senhor Jesus à vida consagrada:

 

Virgem sou, ó Jesus! No entanto, que mistério,

se me uno a ti, das almas sou mãe.

Das flores virginais

que salvam os pecadores, Oh! lembra-te! (20)

 

            Bem mais, a própria Teresa reconhece na afeição sempre tão fraterna por Celina, uma feição cada vez mais maternal: “Posso dizer, escreve em 1895, que meu afeto por Celina, a partir de minha entrada no Carmelo foi amor de mãe e de irmã” (21). Quer ensinar-lhe um caminho “direto”para Deus.

            Note-se que não havia nenhum sentimento de superioridade nesta “maternidade espiritual”. Sabia muito bem tudo dever à misericórdia divina, o que era, o que fazia, para representar a “dama beneficente” diante dos filhos espirituais. Muito antes, são Paulo havia feito a mesma experiência. Consciente de ser apenas uma criança entre os tessalonicenses ou os coríntios, não se envergonhava de dizer-se seu pai e de amá-los como uma mãe. (22)

            Vemos, aliás, Teresa passar de uma a outra perspectiva. Explica viver a noite da fé com os pecadores, sentada à sua mesa e imediatamente acrescenta — na mesma frase — oferecer por eles tal provação: “Ó Jesus, se a mesa por eles manchada deve ser purificada por uma alma cheia de amor, aceito comer sozinha o pão da provação, até vos dignardes introduzir-me no vosso luminoso reino. Só vos peço a graça de jamais ofender-vos” (23).

            Seria, pois, inteiramente falso julgar que, depois do ato de oferecimento ao amor misericordioso, ela só rezasse pelos pecadores, suplicando ao Senhor derramar-lhes as ondas de sua infinita misericórdia: “Senhor, tende piedade de nós, pobres pecadores” (24). Solidária com eles, seus irmãos, sucedia também — e até com freqüência — distinguir-se e oferecer por eles o seu amor inabalável. Sem dúvida, só o Senhor pode purificar. Entretanto, a mesa “manchada” pelos pecadores deve ser “purificada” pelo amor de uma carmelita. No capítulo anterior vimos não serem incompatíveis esses dois pontos de vista.

            Deus é quem tudo faz — e neste sentido contentamo-nos em suplicar-lhe: “Senhor, derrama sobre nós tua misericórdia”. Mas num outro sentido, acrescentamos nossa parte ao sacrifício de Cristo e há ocasiões em que nossa oração consiste apenas na humilde oferta das provações pelas almas a salvar!

            Sobram textos onde Teresa passa, alternativamente, de um a outro ponto de vista. Assim, a 4 de agosto de 1897, revela, de começo, que sua vida espiritual de doente se resume simplesmente em oferecer os sacrifícios pelas grandes intenções da Igreja e do mundo: “Minha vidinha é sofrer, e pronto! Seria incapaz de dizer: Meu Deus, é pela Igreja, meu Deus, é pela França... etc. Deus sabe muito bem o que precisa fazer; dei-lhe tudo para seu prazer. Além disso, ficaria muito cansada de estar dizendo: Dai isso a Pedro, dai isso a Paulo”. Porém, logo acrescenta que, pelos irmãos missionários, sua oração é um simples desejo fraterno: “Quando rezo pelos meus irmãos missionários, em vez de oferecer meus sofrimentos, digo apenas: Meu Deus, dai-lhes tudo o que desejo para mim”. Mas não tomemos tudo o que diz ao pé da letra, pois também acontecia de Teresa oferecer os sofrimentos pelos missionários, de “andar por um missionário”. (25)

 

2. A fecundidade da cruz

 

            O texto evangélico citado com mais gosto por Teresa, para exprimir sua fé na fecundidade apostólica dos sofrimentos, era a frase de Jesus, narrada em Jo 12,24: “Em verdade, em verdade vos digo, se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica só; se morrer; produz muito fruto” (26). Entre esses frutos, Teresa espera especialmente contribuir para o desabrochar das vocações sacerdotais e religiosas. Irmã Genoveva se recorda de, algum tempo antes de morrer, Teresa lhe haver afirmado: “Depois de mim, virão muitas jovens para o Carmelo” (27).

            Mas pensa igualmente em todos os incrédulos — em todos esses incrédulos por quem oferece a sua noite espiritual. A 2 de setembro de 1897, por exemplo, revela à Madre Inês fazê-lo por um incrédulo pertencente à sua família. Teresa, aliás, nunca se esquece do próximo mais próximo. Muitas vezes se anima a sofrer pelas religiosas do Carmelo, pela perseverança das noviças, pelo progresso de suas irmãs, ou, simplesmente, para que a lavagem de roupa da comunidade se realizasse na paz e na caridade (28).

            Sua única preocupação é, por assim dizer, a de saber sofrer. “Sofro muito, confessa no dia 18 de agosto, mas será que sofro bem? Aí está!”

            De vez em quando, para encorajá-la a sofrer, o Senhor deixa-a perceber os frutos de suas dores. Por exemplo, depois de ter passado a noite mais sofrida de sua doença, recebe boas notícias de Cornière, um seminarista por quem havia oferecido seus tormentos. “Oh, como essa carta me consolou, reconhece. Era o fruto de minhas pequenas dores. Reparou nos seus sentimentos de humildade? Era justamente esse o meu desejo... E como faz bem sentir tanto amor e tanta gratidão, em tão pouco tempo, por uma alma benfeitora, mas quase desconhecida! Como será então no céu, quando virmos as almas a quem devemos nossa salvação?” (29)

            Não acontece assim em nossa vida? O Senhor também nos permite, de vez em quando, descobrir o resultado de nossas provações ou trabalhos. Não desprezemos esses sinais. O Senhor no-los manda quando precisamos. Quase sempre, porém, reconheçamo-lo, a eficácia apostólica de nossa vida permanece oculta. Com Teresa acontecia o mesmo.

            A bem dizer, Teresa não conseguiu transformar logo seus sofrimentos em alegrias. Explicou-o com muita clareza no leito de morte. Pouco depois da primeira Comunhão, pedira ao Senhor transformar-lhe em amarguras todas as consolações da terra. Esta oração, aprendida no livro da Imitação, lhe fora inspirada pelo temor de ir procurar nos aplausos e afeições “do mundo”, uma alegria que só queria achar em Deus. Seus desejos foram cumulados. Não lhe faltaram provações na juventude. No entanto, sublinha Teresa, “eu não pensava em aproveitá-las para serem a minha alegria. Essa graça só me foi concedida mais tarde” (30).

            Mais tarde, efetivamente, Teresa compreendeu que, para sofrer “segundo o coração de Deus”, não era absolutamente preciso sofrer corajosamente, nem querer dar a impressão de não estar sofrendo, à moda dos heróis, ‘das grandes almas’. Bastar-lhe-ia aceitá-los como vinham, conservando seu modo de ser, e oferecê-los de todo coração ao Senhor, na profunda convicção de sua utilidade.

            Teresa o compreendera perfeitamente, quando leu as anotações de um retiro pregado ao Carmelo de Lisieux pelo Pe. Pichon, em outubro de 1887, alguns meses, portanto, antes de sua entrada. Por exemplo, concluía assim a meditação sobre a Agonia de Cristo, “Deus nos livre, dizia um santo, de sofrer com energia, com nobreza, com generosidade! Ah, sem essa cruz íntima do desânimo, nenhuma outra teria valor”. Teresa assimilou muito bem essas lições, a julgar pelos conselhos à Celina nos seus vinte anos, a 26 de abril de 1889: “Não imaginemos poder amar sem sofrer, sofrer muito. Soframos com amargura, quer dizer, sem coragem!... Jesus sofreu com tristeza; seria possível sofrer sem tristeza? E nós, queremos sofrer com generosidade, com nobreza... Celina! ... Que ilusão!” (31)

            Teresa acolhe o sofrimento assim, em seu leito de enfermaria. A dor a encontra sem forças, sem alegria, mas... que importa! Como já havia pressentido aos dezesseis anos, “santidade não é dizer coisas bonitas, nem imaginá-las ou senti-las, mas é querer sofrer” (32).

            As Últimas Conversas estão marcadas pelos textos onde Teresa revela às irmãs que a alegria de salvar almas pelo sofrimento não lhe traz entusiasmo nem delícias. Um exemplo da maneira muito humilde de Teresa sofrer é o estratagema recomendado a Celina num dos momentos mais dolorosos de sua enfermidade. Foi no sábado, 21 de agosto. Teresa sentia uma terrível opressão e, para conseguir respirar repetia, como se estivesse desfiando as contas de um terço: “Sofro... sofro...” mas logo se recriminou e disse a Celina: “Quando eu disser: ‘sofro’, você responderá ‘ótimo!’. Estou sem forças. Você, então, completará o que eu queria dizer”. (33)

            Porém o mais notável é a maneira como Teresa transforma as conseqüências de seus próprios pecados em fecundos sofrimentos. Perscrutou realmente as profundezas do mistério da Redenção. Aprende que Deus quer aproveitar todos os nossos sofrimentos para a redenção do mundo, até os causados por nossas negligências culposas: um movimento de mau humor, uma palavra mais forte, uma decisão muito brusca.

            Teresa expressou de modo magnífico seu pensamento sobre o assunto, num dia em que Madre Inês lhe confiava a tristeza e o desânimo seus, depois de ter cometido uma falta. “Você não faz como eu, retorquiu Teresa. Quando uma falta me entristece, sei que aquela tristeza é a conseqüência de minha infidelidade. Mas pensa que paro aí? Oh! não, não sou tão tola! Digo depressa a Deus: Meu Deus, sei que mereci essa tristeza, mas apesar disso vo-la ofereço, como uma provação enviada pelo vosso amor. Lamento meu pecado, mas estou contente por ter esse sofrimento para vos oferecer” (34). Note-se a perfeita retidão dessa atitude: Teresa chama o pecado pelo nome, reconhece-o como pecado, pede perdão, toma a resolução de não repetir, mas, em seguida, tem a audácia — muito cristã — de oferecer ao Senhor, como um sacrifício agradável e salvífico, a tristeza decorrente da falta. Essa audácia vai uni-la ao pensamento de são Paulo: “Tudo colabora para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28) — “até os nossos pecados”, comenta Santo Agostinho.

            Alguns dias mais tarde, Teresa volta ao assunto, numa outra conversa com Madre Inês: “Também tenho fraquezas, mas elas me alegram. Nem sempre me coloco acima das insignificâncias desta terra. Por exemplo, acontece-me estar contrariada por ter dito ou feito uma tolice. Então me recolho e penso: “Que pena, continuo na mesma, como antigamente! Mas penso isso com muita suavidade e sem tristeza. É tão doce sentir-se fraca e pequenina!” (35)

            Abordamos aqui um dos grandes segredos da alegria teresiana. “Nada nos pode separar do amor de Deus” (Rm 8,39), nada pode nos impedir de viver na alegria deste amor e na esperança de levar uma fecunda vida apostólica. Nada, nem mesmo o sofrimento, o suportado sem alegria ou o decorrente de nossos pecados.

            Teresa compreendera o mistério da Redenção, tão maravilhosamente expresso nos rostos esculpidos nos pórticos das catedrais européias, pelos artistas do século XIII: rostos burilados pela dor, marcados pelo sofrimento, mas transfigurados pela certeza da imortalidade. “As mais belas bocas góticas, diz com justeza A. Malraux, lembram as cicatrizes de uma vida” (36).

            Se também o tivéssemos compreendido, poderíamos repetir com Teresa de Lisieux o versículo do Salmo 91, copiado na última página do Evangelho, que carregava sempre sobre o coração:

            Senhor, vós me encheis de alegria por tudo o que fazeis. (37)

            E Teresa sublinhara a palavra “tudo”, persuadida de que “tudo é graça”.

 

NOTAS  CAP. 3

 

1 Manuscrito A, 69v.

2 Caderno amarelo 30.9.

3 Carta 164.

4 Manuscrito B 4v, Cana 221, 245.

5 Conselhos e Lembranças, 65.

6 Le mystére de Jésus

7 Mon ciel à moi, Poesia 32.

8 Carta 120.

9 Carta 127.

10 Sum. § 609.

11 Carta 201.

12 Manuscrito C, 35r.

13 Caderno amarelo 4.8.3.

14 Manuscrito C, 34r.

15 Manuscrito C, 6r.

16 Thérése de Lisieux au Carmel, Seuil, 1973, p. 264.

17 Testemunho de Irmã Maria da Trindade, Sum § 2132.

18 Sum, § 2130.

19 Poesia 24.

20 Manuscrito A, 82r.

21 lTs 2,7-8; lCor 4,15; Gl 4,19; Fm 10.

22 Manuscrito C, 6r.

23 Caderno amarelo 4.8.8.

24 Sum. § 806.

25 Caderno amarelo 11.8.2.

26 Sum. § 2343.

27 Caderno Amarelo 27.7.4.

28 Caderno amarelo 23.8.6.

29 Caderno amarelo 31.7.13.

30 J. Piat Sainte Thérése à Paris, 1964, p. 86.

31 Carta 89.

32 Carta 89.

33 Últimas Conversas 21.8.1.

34 Caderno amarelo 3.7.2.

35  Caderno amarelo 5.7.1.

36 Les voix du silence, NRF, 1951, p. 215.

37 Manuscritos autobiográficos, t. 11, p. 70.

 

Capítulo 4 - O QUE É A CARIDADE

 

A originalidade da caridade cristã tomada em dois exemplos

 

            Hoje se discute muito a questão de saber se existe algo de específico na conduta dos cristãos a respeito do próximo. A partir do Vaticano II, estão tão preocupados em discernir a presença e a ação do Espírito no coração e no comportamento dos irmãos incrédulos que vão até a se questionar se a fé cristã modifica de fato algo na atitude concreta de um homem, em relação ao próximo. Alguns chegam mesmo a se alegrar com a idéia de não haver qualquer distinção entre eles. A fé no Evangelho fá-los-ia apenas levar mais a sério a exigência de justiça e de amor que clama no coração de todo homem de boa vontade, exigência esta confirmada por uma frase do Levítico, alçada por Jesus à dignidade de segundo mandamento, em tudo igual ao primeiro: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

            Em suma, existiria apenas um modo de amar o próximo, o humano, “pagão”. O cristão teria apenas “a mais, a convicção de estar na verdade, tentando amar os irmãos de todo o coração e com todas as forças — o que já é muito, quando se pensa em todas as forças de dissuasão, lutando encarniçadamente dentro de nós e à nossa volta, para nos provar que não devemos exagerar, ser “bobos”, “a caridade deve começar em casa” etc. O cristão saberia também que a caridade fraterna é algo de obrigatório, que no “Juízo Final” seria julgado a respeito. Por fim e sobretudo, saberia que o próprio amor do Senhor habita nele, para amar os irmãos. O Senhor nos dá um coração novo, seu próprio coração, para podermos amar nossos irmãos “como ele os ama”.

            Há muito de verdade nesta apresentação da caridade evangélica. O amor ao próximo não é uma “especialidade”, monopólio dos cristãos! Não foi à-toa que o Senhor Jesus tomou como modelo de caridade, na parábola do Bom Samaritano, um homem alheio à lei, em suma; um bom pagão da época! O sacerdote e o levita estavam conscientes de desobedecerem à lei ao abandonarem o ferido. O samaritano, ao contrário, não cuida dele para estar de acordo com a lei, pois a ignora; fá-lo ouvindo o seu bom coração. Tanto é verdade que todo homem de boa vontade, abrindo o coração ao apelo dos irmãos, já cumpriu sem o saber — a plenitude da lei (Rm 13,8).

            Apesar disso, quem recebeu do Senhor a graça de uma fé viva tem para os irmãos um olhar profundamente diferente. Nenhum triunfalismo nesta afirmação. Nenhuma necessidade mórbida de descobrir na mentalidade cristã um “saldo”, como um traço visível do sobrenatural. Mas simples atestado existente, há séculos, no coração dos santos. Esse atestado nos interpela, aliás, pois faz ressaltar mais ainda nossas incoerências, quando não olhamos os outros com aquele mesmo olhar de Deus para nós.

            Queríamos ilustrar esta afirmação com o exemplo de Teresa, mostrando como uma fé muito viva na ternura de Deus, explica seu olhar e seu comportamento em relação aos outros. Destacamos os princípios aos quais recorria Teresa para resolver as dificuldades oriundas de sua hipersensibilidade nos seus relacionamentos.

            Pois, para Teresa e para a grande tradição cristã, não se vence essas dificuldades a muque, com a simples repetição de atos heróicos de paciência ou de humildade. Nesse, como em outros domínios da vida espiritual, o grande negócio é compreender definitivamente “as riquezas contidas no Evangelho”. Quando Teresa começa a falar da caridade fraterna no último manuscrito, o faz por esta frase, muito significativa: “Este ano, Deus me deu a graça de compreender o que é a caridade”.

            De nossa parte, compreender a descoberta de Teresa sobre a caridade fraterna é, entrando na sua escola, penetrar um dos segredos mais importantes de seu sorriso.

 

I. O AMOR NÃO É INVEJOSO

 

            Como nos é difícil, às vezes, admitir a superioridade dos outros em certos pontos! Como é trabalhoso, por vezes, resistir à tentação de ter inveja de certa pessoa de nossa vizinhança cuja situação, qualidades ou sucesso nos perturbam! Como é também difícil confessar a nós mesmos essas tentações de inveja. Estamos fartos de saber o quanto esses pensamentos são mesquinhos. No entanto, quem de nós pode se gabar de nunca ter sentido levantarem-se no coração verdadeiras tempestades de inveja?

            Não bastam simples esforços de vontade para fazê-las desaparecer. Nem basta, para eliminar o veneno do ciúme do coração, ficar repetindo-se: “Não devo ser invejoso —é contra o ensinamento de são Paulo sobre a caridade”. Nem basta repetir ao Senhor: “Ó meu Deus, fazei-me amar de tal forma meus irmãos que possa reconhecer com alegria sua superioridade”. Pelo menos, não era essa a maneira de Teresa encorajar as noviças a vencer as tentações de ciúmes.

            Quando, por exemplo, Celina contava à sua irmãzinha não conseguir evitar de invejar seu fervor e suas qualidades excepcionais, Teresa, como resposta, contentava-se com lembrar-lhe um certo número de verdades evangélicas, as quais, bem assimiladas, ajudam a vencer com brandura esses pensamentos mesquinhos ou minar seus fundamentos.

            Como boa psicóloga, Teresa observara a existência de duas espécies de tentações de inveja, conforme os bens invejados. Ora são todas essas qualidades mais ou menos brilhantes que, pelo fato de não as possuirmos, nos dão a impressão de termos menos valor. Ora são qualidades mais profundas, o próprio fervor da caridade que parece existir nos outros, em contraste com nossa mediocridade.

            Pois, não o esqueçamos, não é a excelência dos ou que mais nos faz “ficar despeitados”. Raramente se chega este ponto de inveja! A causa de nossa tristeza é a terrível impressão de valermos pouco, quando, às vezes, à nossa volta, certas pessoas se saem melhor do que nós. Geralmente o invejoso não fica triste com o sucesso dos outros, diretamente, mas por não conseguir as mesmas vitórias!

            Apressemo-nos a dizer que não se sairá de uma tentação de inveja, por meio do simples crescimento da caridade fraterna, dirigindo de todo coração um “muito bem!” a quem acaba de praticar uma proeza. Trata-se de cortar, pela raiz, a impressão deprimente de “não valer grande coisa” em relação a eles. Trata-se, enfim, de não deixar brotar esse terrível sentimento de inferioridade em nosso coração, envenenando-o amiúde à vista das qualidades alheias. Esse sentimento de inferioridade consciente, nada tem a ver com o célebre complexo de inferioridade, o qual é inconsciente.

 

1. O ciúme provocado pelos talentos de nossos irmãos

 

            Existe uma primeira série de bens que temos tendência a invejar em nossos irmãos. São os talentos naturais ou sobrenaturais, dados pelo Senhor, parecendo terem sido negados a nós: a saúde, a beleza, a inteligência, o desembaraço, a facilidade de expressão, os postos etc.

            Se, por exemplo, observa Teresa, outras almas recebem certas luzes sobre o Evangelho e nós não, surpreende-mo-nos a invejar essas almas mais favorecidas. (1) Somos tentados a julgar ser este um sinal de menos amor da parte de Deus. Enfim, nasce-nos uma tentação de tristeza, de ciúme.

            Notemos, de passagem, que uma carmelita é pouco tentada a invejar a ciência de um João da Cruz ou a eloqüência de um pregador. Tanto é verdade que somos mais tentados a invejar os triunfos de pessoas de nosso nível, por darem a impressão, ao tomar-nos a frente, de nos rebaixarem, do que a condição, a inteligência ou as descobertas de pessoas de uma classe nitidamente superior à nossa.

            A que princípio recorria Teresa para vencer essa primeira forma de ciúme? Havia dois.

            Primeiro: o valor essencial de um homem não decorre da quantidade de talentos confiados por Deus, mas da maneira pela qual os faz frutificar e, em última análise, da qualidade de seu amor — qualidade só por Deus conhecida: “Jesus quis criar os grandes santos comparáveis aos lírios e às rosas; mas também criou os menores, e estes devem se contentar com ser margaridas ou violetas, destinadas a recrear os olhares de Deus, quando os abaixa até seus pés. A perfeição consiste em fazer sua vontade, em ser o que ele quer...” (2)

            Não é esse um jeito de ler as Bem-aventuranças? Não se mede o valor de um homem pelo número dos talentos recebidos ou ganhos, nem pela importância de sua riqueza, pelo brilho da inteligência ou mesmo pela fama de suas obras apostólicas, mas unicamente pelo valor de sua confiança e de seu amor.

            O que importa, o que deve ser o objeto de nossos desejos, não é possuir muitos bens, mas ter uma alma de pobre.

            O que importa não é dominar o mundo, mas ser manso e humilde de coração.

            O que importa não é comer sempre à saciedade, receber muitas visitas, mas ter fome e sede de perfeição.

            O que importa não é ignorar a miséria, mas ter o coração aberto à miséria do próximo.

            O que importa não é tudo saber e tudo ver, mas ter o coração puro para ver a Deus.

            O que importa não é ficar em casa sossegado, mas trabalhar para fazer reinar a paz dentro e em torno de si.

            O que importa não é ser bem visto pelos homens, mas proclamar sem medo o nome de Jesus, mesmo à custa de zombarias, pois então será grande a recompensa no céu.

            Nos manuscritos ou nos conselhos às noviças, Teresa voltava a esse primado da caridade, sem a qual os mais extraordinários dons carismáticos nada são. “Ainda que eu fale todas as línguas, escrevia Paulo, dos homens e as dos anjos, se não tenho a caridade, sou como o bronze que soa ou como o címbalo que retine”. E Teresa diz por sua vez: “Não desprezo os pensamentos profundos que nutrem a alma e a unem a Deus, mas há muito tempo compreendi que não nos devemos valer deles para considerar perfeição o receber muitas luzes”. Se, pelo contrário, uma alma “se deleita em seus belos pensamentos e faz a oração do fariseu, é semelhante a uma pessoa morrendo de fome, diante de uma lauta mesa, enquanto seus convidados se servem abundantemente e, de vez em quando, lançam olhares cobiçosos para o personagem possuidor de tantos bens”. (3)

            Em resumo, as luzes sobrenaturais não são um critério de santidade. Como toda riqueza, são até um perigo, pois a alma, recebendo-as, está arriscada a nelas deleitar-se orgulhosamente. Tal é a primeira regra à qual podemos recorrer, a fim de repelir a tentação de invejar nos outros os talentos que nos faltam.

            A segunda é tão paulina como a primeira. O Senhor concede carismas a tal ou qual dos membros para a utilidade de todo o corpo.

            Teresa voltava muitas vezes a esta regra. Deus concede seus talentos a um ou a outro, para todos. Sabe, por exemplo, que, se foi escolhida pela priora para cuidar das noviças, não adquire qualquer valor suplementar aos olhos de Deus: “Compreendo que não é para mim, mas para os outros que devo seguir este caminho (das honras), o qual me parece tão perigoso. Efetivamente, se eu passasse aos olhos da comunidade por uma religiosa cheia de defeitos, ser-lhe-ia impossível, minha madre, contar com a minha ajuda. Eis porque Deus colocou um véu, cobrindo meus defeitos internos e externos”. (4)

            Teresa sempre repetia esta verdade a Celina, quando esta pretendia que seu cargo de mestra de noviças fosse o sinal de um maior amor da parte do Senhor: “Sou apenas aquilo que Deus pensa de mim, respondia Teresa. Quanto a amar-me mais por me ter posto à frente e permitido ser sua intérprete junto a algumas noviças, acho, antes, o contrário. Faz-me de empregadinha sua. Foi para vocês e não para mim que Deus me deu os encantos de virtude exterior”. (5)

            Teresa multiplica as comparações para fazer compreender seu pensamento. “A polpa do pêssego não é mais importante que a cor da casca? Então por que invejar os outros pelas qualidades exteriores?” (6) A tela na qual o artista realiza sua obra-prima não vale mais que os pincéis utilizados para o trabalho? Então, por que invejar os instrumentos usados por Deus para realizar sua obra em cada um de nós?” (7)

            Em suma, quando somos tentados a invejar um irmão pelo brilho dos talentos, devemos imediatamente nos lembrar do valor multo relativo desses dons e de sua destinação comunitária. O único valor fundamental é o amor.

 

2. Os ciúmes provocados pela santidade de nossos irmãos

 

            Mais exatamente, podemos resistir à “santa inveja”, quando testemunhamos a caridade heróica de algum irmão? Trata-se, então, de uma verdadeira riqueza, de um autêntico valor. Como não invejá-lo?

            Esta segunda forma de invejar os outros é muito encontrada entre as almas desejosas de alcançar a perfeição. Têm tal vontade de progredir no amor que se irritam por se verem “ultrapassadas” por outras. Então desanimam e pensam ter Deus perdido o prazer de vê-las ou então, pelo contrário, procuram se tranqüilizar facilmente, passando a atribuir aquilo que antes admiravam nos vizinhos ao amor próprio ou à hipocrisia. Todos conhecemos gente assim, incapaz de fazer um elogio, sem juntar logo uma crítica malévola: “Meu vizinho é de uma abnegação a toda prova, mas... é um pouco exibido demais”. Nove em dez vezes, a inveja inspira essas conversas.

            Quer inspire o desânimo pessoal ou o desprezo dos outros, o ciúme sempre traz consigo a tristeza. Muitas almas perdem a alegria e o entusiasmo pela vida espiritual porque, vencidas pelo demônio da inveja, se entristecem com a falta da riqueza espiritual observada nos outros. Que meio Teresa nos propõe para vencer esta segunda forma de inveja?

            Desde a infância, Teresa se preocupava com o mistério da desigualdade entre as almas. Bem pequenina, admirava-se de que “Deus não desse, no céu, uma glória igual a todos os eleitos” (8) Temia não fossem todos felizes. Colocando lado a lado, cheios d’água, um grande copo e um dedalzinho, Paulina explicou então à irmãzinha, que cada eleito teria a glória de acordo com sua capacidade e assim, o último nada teria a invejar ao primeiro. Teresa volta a esse mistério no começo do primeiro manuscrito. Como Deus decidiu dar a cada alma um certo grau de santidade e glória, deve-se aceitar esta desigualdade. Deve-se concordar que Deus tenha suas preferências. Contentemo-nos em ser margaridas ou violetas no “jardim de Jesus”, se tal é a nossa vocação, e não invejemos a sorte dos lírios ou das rosas. Tal é, dir-se-ia, a solução estética para o problema da desigualdade entre as almas: é preciso de tudo, para construir um mundo. Tanto no mundo espiritual como no material: “Compreendo, escreve, que se todas as florzinhas quisessem ser rosas, a natureza perderia sua roupagem primaveril, os campos não seriam mais esmaltados de florzinhas... Assim acontece no jardim de Jesus. Quis criar os grandes santos, mas também os menorzinhos” (9).

            Esta não é a única solução trazida por Teresa. Aqui considera ainda a almas como “justapostas”; desconhece o benefício da Comunhão dos santos, a qual permite a todos a participação nas riquezas de todo o Corpo Místico. Este benefício, segundo Teresa, é a arma essencial a brandir para vencer radicalmente a tentação de invejar o outro, pela excelência de sua caridade.

            Ainda respondendo à Irmã Genoveva, Teresa expõe seu pensamento com mais clareza. Mais uma vez, a noviça dava contas à jovem irmã, das tentações de ciúme: “Invejo as suas obras. Queria também fazer o bem, compor bonitas coisas que façam amar a Deus!”

            Teresa responde, primeiro, pelo princípio acima enunciado, ou seja, a composição de obras espirituais não constitui absolutamente sinal de maior santidade. O fato de ser escolhido por Deus, como instrumento para tornar sua mensagem conhecida, não é sinal de um maior amor da parte de Deus. “Não devemos prender o coração a isso, responde. Não se deve desejar fazer o bem por meio de livros, poesias, obras de arte...”

            Em seguida, Teresa eleva o debate. A supor que essas obras sejam inspiradas por uma verdadeira caridade, possuindo assim aos olhos de Deus um valor sobrenatural, é preciso oferecê-las ao Senhor, participando desta maneira nos seus méritos. É o mistério da Comunhão dos Santos: “Dada a nossa fraqueza, é preciso oferecer as ações dos outros, este é o benefício da Comunhão dos Santos — e nunca se entristecer com a fraqueza, mas aplicar-se unicamente ao amor” (10)

            E Teresa cita Tauler, o autor espiritual onde encontra a mais perfeita expressão desse aspecto do dogma da Comunhão dos santos: “Se amo o bem do meu próximo mais do que ele próprio o ama, esse bem é mais meu do que dele. Se amo, em são Paulo, todos os favores a ele concedidos por Deus, tudo isso me pertence tanto quanto a ele. Por essa comunhão, sou dona de todo o bem do céu, da terra, dos anjos, dos santos e de todos os que amam a Deus”.

            Teresa menciona, de cor, uma passagem de um sermão de Tauler, lido numa antologia, encontrada na biblioteca do mosteiro. Merece ser citada por extenso. “Quem está animado por esta caridade (superabundante) aproveita bem mais de tuas boas obras exteriores que tu, se não sentes este amor superabundante. Assim, todos esses salmos, vigílias, missas, cantos, oblações feitas a Deus, aproveitam muito mais a essas almas privilegiadas que aos autores de todas essas coisas, cujo amor é menos puro (...) O mal fica para quem o faz, mas o bem de cada um pertence à caridade, onde estiver. (...) Nada é tão invejado pelo demônio como essa caridade divina e ele tudo tenta para destruí-la em nós. Para isso, procura insinuar em nós uma complacência culposa em nossa própria justiça e um certo desprezo pelo próximo, pelas suas obras, maneiras e costumes” (11).

            Como a vida se transforma, quando se compreendeu isso! Em vez de perder o tempo, invejando as boas obras dos outros, em vez de procurar seus pontos fracos, põe-se, pelo contrário, a alegria em descobrir todo o bem que se faz à nossa volta, considera-se-o como um “bem de família”, como um bem pessoal e se oferece a Deus. Na missa, aliás, fazemos assim. Oferecemos ao Pai, não apenas os méritos de Jesus Cristo. Mas por ele, com ele e nele, os de todos os santos e santas do paraíso e os da terra. E, tomando-os nas mãos para oferecê-los, tornam-se, de certo modo, nossos. Quanto mais nos alegramos pelo bem praticado pelos nossos irmãos, mais participamos de seus méritos.

            Tal é o ensinamento tradicional da Igreja. Santo Agostinho exortava com freqüência os fiéis a se regozijarem por todas as boas obras, realizadas por outros cristãos: “Onde quer que se pratique uma boa obra, dizia ele, também nos pertencerá, se soubermos nos alegrar com ela” (12) E os membros do Corpo de Cristo estão de tal forma unidos que, aquilo que um não pode realizar por si, cumpre-o, de certa forma, num outro. O bispo de Hipona explica, por exemplo, à viúva Proba e a todas as viúvas e virgens de sua comunidade: “Os jejuns, as vigílias e todas as mortificações da carne são poderoso auxílio à oração. Cada uma faça o possível. O que uma não pode fazer, fá-lo em outra que o pode, se amar naquela o que sua fraqueza não lhe permite fazer”. (13) “Se amas a unidade, escreve ainda santo Agostinho, para ti possuem os que, nela, possuem algo. Afasta a inveja e o meu será teu; o ciúme separa, a caridade une. Tem caridade e tudo terás”. (14)

            O autor do Suplemento da Suma Teológica de Santo Tomás se questiona sobre a possibilidade desta misteriosa transfusão de méritos entre os diversos membros do Corpo Místico ser contrária à justiça divina, pois, segundo o versículo 13 do Salmo 61: “Deus dá a cada um segundo suas obras”. Ninguém será castigado pelo mal cometido por um outro: “A alma pecadora morrerá” (Ez 18,20). O bem não deveria, pois, ser mais comunicável. O autor responde à objeção, lembrando a estreita conexão a unir os membros do Corpo Místico: “A obra praticada por aquele com o qual eu sou uno, é, de certo modo, minha também. Não é, portanto, contrário à justiça divina alguém se beneficiar das boas obras dos que estão unidos pela caridade”. (15)

            Essa extraordinária possibilidade de participar dos méritos alheios não nos deve fazer cair no quietismo. Façamos o possível para amar o Senhor e fazê-lo amado. Mas, quando temos a impressão debilitante de não fazer quase nada em relação à atividade dos outros, longe de invejá-los, podemos e devemos oferecer ao Senhor todas as suas boas obras. Pela mesma conseqüência, participamos de seus méritos.

            Teresa o fazia muitas vezes. No coro, oferecia a Deus a oração de suas irmãs: “Sinto, então, meu fervor suprido pelo de minhas irmãs” (16) Ao comungar, oferecia a Jesus o amor e os méritos da Santa Virgem, dos anjos e dos santos. (17)

            Nos últimos meses de vida, Teresa falava muito da esperança de participar dos méritos das irmãs e irmãos espirituais. Muito significativo, por exemplo, o texto onde conta ao Pe. Bellière, a confiança de participar, por meio dele, da palma do martírio: “Como parece que o Senhor só me quer dar o martírio de amor, espero me permita, por meio de você, colher a outra palma, por nós ambicionada” (18). Dizia também à Madre Inês: “Como uma mãe fica orgulhosa dos filhos, assim seremos umas das outras, sem o mínimo ciúme... Seremos virgens com as virgens, doutores com os doutores, mártires com mártires, porque todos os santos são nossos parentes” (19).

            A certeza de participar dos méritos dos santos, por ser o antídoto eficaz contra a inveja, favorece, aliás, a verificação leal do valor de nossos irmãos. Notam-se mais facilmente as qualidades e méritos dos irmãos, quando se os considera previamente como um “bem de família”. E, nesse caso, fica-se muito feliz. Teresa podia na verdade dizer, absolutamente sem exagerar: “Acreditar-se imperfeita, achar os outros perfeitos, eis a felicidade... Não há nada tão suave como pensar bem do próximo” (20)... quando nos sabemos donos desse bem!

            A confiança de Teresa em participar das riquezas do Corpo Místico nos ajuda também a melhor compreender seu amor pela pobreza espiritual. Não receava apresentar-se diante de Deus com as mãos vazias, pois contava unicamente com o amor misericordioso para purificá-la e transformá-la, mas também por estar convicta de fazê-lo com os méritos infinitos de Cristo e, nele, com os da Virgem, dos anjos e dos santos. Temos muito mais boa vontade em reconhecer nossa pobreza, quando se nos apresenta a possibilidade de participar de todas as riquezas espirituais de nossos irmãos. E torna-se, para nós, impossível invejar a existência de bens se podemos dispor da maravilhosa possibilidade de oferecê-los ao Senhor: “Quem sou eu, Senhor, vossa indigna criatura, para vos poder oferecer os méritos de todos os meus irmãos. Eu vo-los ofereço com tão maior alegria quanto, ao oferecê-los, eles se tornam meus. E fazei que, de tanto admirar meus irmãos, acabe me parecendo com eles!”

 

II. O AMOR É PACIENTE

 

            “O amor é paciente.., tudo suporta” (lCor 13,4.7). Essas duas expressões enquadram a descrição paulina do ágape, pois a paciência é a primeira e última palavra do amor, tanto para o apóstolo como para o bom senso popular.

            Fiel à nossa intenção, queria mostrar agora a que ponto a fé pode transfigurar a paciência cristã. Aqui, ainda, o cristão não vencerá as múltiplas tentações de impaciência de vida humana à custa de imperativos categóricos, aplicados pela consciência, mas sim pela vivência, em profundidade, de certo número de verdades fundamentais da fé.

            No final deste estudo resultará com nitidez, espero, que o heroísmo da paciência, numa Teresa de Lisieux, encontra suas raízes na profundeza de uma fé viva — uma fé sem a qual é impossível ser realmente, como Jesus no-lo pede, “manso e humilde de coração”.

            Notemos, antes de tudo, ser importante distinguir o primeiro movimento do caráter como independente de nossa vontade — quando, por exemplo, somos testemunhas ou vítimas de uma injustiça ou de uma tolice praticada por alguém da exaltação proveniente de um acesso de raiva ou de impaciência.

            O primeiro movimento é inevitável. Quando se desencadeia em nós essa perturbação da sensibilidade, não conseguimos disfarçar a nossa reação — “o primeiro impulso de cólera”, dizia Sêneca no tratado sobre o assunto. Mas, diferentemente do filósofo estóico, acreditamos poder esta agitação da sensibilidade ser, em certos casos, em vez de uma realidade reprovável, extremamente benéfica. Que se diria de um pai totalmente indiferente à preguiça ou às mentiras do filho? Que se pensaria de um homem simplesmente alheio às condições sub-humanas dos habitantes das favelas, por exemplo? Essa emoção, essa agitação da sensibilidade foram muitas vezes, na História, o ponto de partida de uma eficacíssima ação social ou política.

            Se Henri Dunan não tivesse ficado abalado com o espetáculo do campo de Batalha de Solferino, não existiria a Cruz Vermelha! Se Raul Follereau não se tivesse revoltado contra a maneira pela qual os leprosos eram amontoados nos leprosários, não haveria o dia internacional dos leprosos! Bem-aventuradas “cóleras”, suscitadoras de tais movimentos! É bom irritar-se contra a tolice e a injustiça humanas e transformar essa zanga em combate eficaz e, se possível, não violento.

            O mal é deixar-nos levar por esse primeiro movimento do gênio e chegar a afirmações ou a gestos imediatamente deplorados. Esses acessos de cólera são, evidentemente, faltas de caridade, atos de maldade passageira, mas culposa — com o poder de impedir nossos diálogos ulteriores.

            Para não se chegar a esses excessos, será preciso saber dominar o primeiro movimento do caráter. Quais os conselhos de Teresa a esse respeito?

            Na terapêutica da impaciência, Teresa tinha o cuidado de especificar dois tratamentos: O tratamento a quente, aplicável desde os primeiros minutos da tentação, no momento da agitação involuntária da sensibilidade, dolorosamente ferida, por exemplo, por uma observação desagradável de outra pessoa. E o tratamento a frio, aplicável mais tarde, depois de pacificada a emoção.

        Como fina psicóloga, Teresa logo percebeu não ser preciso querer aplicar, com muita pressa, esse segundo tratamento. Só depois, explicava, de apaziguado o ânimo. Enquanto ainda estivermos “sob a ação” do acontecimento que nos perturbou, curvemo-nos sob a tempestade, aplicando simplesmente o tratamento a quente. Veremos como essa sabedoria de Teresa constitui um elemento apreciável de sua “pequena via”.

 

1. O tratamento a quente

 

            Nem é preciso dizer: na hora em que sentimos subir um impulso de raiva, devemos evitar qualquer gesto ou palavra de irritação. Isto supõe a resolução definitiva de não se arrebatar e de já se ter habituado a isso. Os próprios pagãos são capazes desse domínio de si. “Se se quebra um copo na tua casa, conserva a serenidade como se se tivesse quebrado na casa dos outros” diz o provérbio.

            Mas os cristãos fazem mais do que se controlar. Seu autodomínio é acompanhado de um ato de fé e de um ato de oferecimento. Isto lhes dá à paciência uma maturidade inteiramente inédita.

            Um ato de fé, isto é, ter a simplicidade de considerar a pessoa provocadora da crise de impaciência como sendo o instrumento providencial, cuja presença na sua vida é permitida por Deus, a fim de ter uma nova ocasião de lhe provar o amor e salvar-lhe almas.

            “Tudo concorre para o bem dos que amam a Deus”, declara o apóstolo (Rm 8,28). Em vez de se deixar hipnotizar pela maldade dos que o irritam, o cristão mobiliza toda a sua fé para só ver, neles, nesse momento, os instrumentos da misericórdia divina. As pessoas irritantes fazem parte desse tudo que concorre para o nosso bem, se soubemos tirar proveito do serviço prestado, sem terem percebido.

            Fato notório, muitas vezes é mais fácil reconhecer a mão de Deus atrás de uma enfermidade ou de um desastre, que vem contrariar repentinamente nossos planos e fazer-nos sofrer, do que nas observações mordazes de nossos parentes que ferem, voluntariamente ou não, o nosso amor próprio. Entretanto, ainda a mão de Deus se nota atrás das indelicadezas então suportadas.

            É preciso acrescentar que isso não elimina a eventual responsabilidade dos causadores de nossa irritação... nem a nossa obrigação de cortar tudo o que, em nós, serve para irritar os outros!

            Como se vê, a atitude cristã em tais circunstâncias é mais uma questão de fé que de generosidade. O difícil não é tanto calar-se e conservar a calma, mas acreditar de todo coração, que o amor do Senhor chega a esse ponto. As ofensas de nossos irmãos são, também para ele, uma maneira de nos amar, uma ocasião oferecida a nós para lhe provarmos nosso amor e salvar-lhe almas.

            “Não procuremos saber de onde vêm as cruzes, dizia o Cura d’Ars, é sempre de Deus. Seja um pai, uma mãe, um marido, um irmão, o pároco ou o vigário, é sempre Deus a nos dar o meio de lhe provarmos nosso amor”. (21)

            - Este ato de fé é acompanhado de um ato de oferecimento do meu sacrifício de paciência. Controlando-me, conservando o sorriso, posso oferecer ao Pai o sacrifício de paciência mas também, sem dúvida, o de não estar satisfeito comigo mesmo, pois habitualmente não me orgulho de ficar tão perturbado por causa de uma simples observação do próximo.

            Notemos não ser esse, de modo algum, um sorriso hipócrita. Se não é o reflexo da sensibilidade, talvez profundamente marcada pela ferida recente, esse sorriso é o eco e a expressão da paz reinante nas profundezas da alma. Essa própria paz é fruto da certeza de ser amado por Deus nas circunstâncias felizes ou tristes da vida — e da convicção de ser muito útil ao mundo, pelo oferecimento silencioso do sacrifício do amor próprio.

            Teresa era muito versada na arte de sorrir em meio a todas as dificuldades, inevitáveis em qualquer vida em comunidade. E, nela, esse sorriso era realmente a expressão da fé muito viva na eficácia apostólica de seus sacrifícios de amor próprio.

            Pois sacrifícios não faltavam! Não é agradável ouvir murmurar à sua volta, dentro das próprias paredes do convento, que uma filha havia arruinado a saúde do pai, entrando muito cedo para o Carmelo! Sobretudo se o pai está, no momento, internado numa casa de saúde, por ter perdido a memória! Era em 1889.

            Mas Teresa, não perdeu a memória. Não esquece a mão divina que permite essas “alfinetadas”. É como chama as observações mortificantes de certas religiosas da comunidade: “Sim, eu as desejo, essas angústias do coração, essas picadas de alfinete. Que importa ao passarinho ficar humilhado? Não ficaria frustrado, pois, aconteça o que acontecer, só quer ver a suave mão de seu Jesus” . (22)

            No ano seguinte, tendo a saúde do sr. Martin melhorado um pouco, fala-se nele poder assistir, em 24 de setembro de 1890, à tomada de véu da filha. Mas à última hora, o sr. Guerin, o tio de Teresa, acha ser mais prudente evitar, ao cunhado, a emoção da cerimônia. Teresa fica profundamente decepcionada com a decisão do tio e não consegue reter as lágrimas. Mas no meio do choro, intervém o reflexo da fé. Na própria véspera da tomada de véu, escreve a Celina: “Como dizer-lhe o que se passa na minha alma?... Está dilacerada, mas sente ser a ferida feita por mão amiga, divinamente ciosa! ... Apenas Jesus conduziu este caso, foi ele, reconheci seu toque de amor...” Teresa termina a carta dizendo à Celina: “Ah! se eu pudesse lhe comunicar a paz colocada por Jesus na minha alma, no meio das lágrimas, peço isso também para você, que é eu!...” (23)

            Este exemplo é sinal da coexistência possível entre a paz profunda da alma e a agitação da sensibilidade. Teresa, de modo algum, se recrimina de ter chorado. Sabe que as perturbações da sensibilidade não estão sob o controle direto da vontade, fazem parte das “fraquezas” nomeadas pelo apóstolo e das quais deve “se gloriar” (2Cor 12,9). São a ocasião para descobrir a pobreza, a fragilidade e a obrigam a colocar-se totalmente nas mãos de Deus, fortaleza de refúgio na hora das tentações.

            Teresa gosta efetivamente de recordar ser apenas “uma alma muito pequenina”, muitas vezes incapaz de “vencer” as dificuldades. É preciso deixar às “grandes almas” —teria vontade de escrever: as “damas importantes” — a alegria de “triunfar”, brincando, das dificuldades.

            Teresa explicava à Celina — feita agora Irmã Genoveva — num dia em que esta lhe revelava, mais uma vez, a dificuldade de ser paciente.

            — Desta vez é impossível, dizia Irmã Genoveva, não posso passar por cima.

            — Não me admira, replicou imediatamente Teresa. Somos muito pequenas para nos colocarmos acima das dificuldades. É preciso passarmos por baixo. Lembre-se do dia em que, em Alençon, nós passamos entre as patas de um cavalo que impediam a entrada de um jardim, enquanto os adultos não sabiam como fazer para entrar. “Eis a vantagem de ser pequenos. Para eles não existem obstáculos, metem-se por toda parte. As grandes almas podem passar por cima do assunto, contornar as dificuldades, chegar a ultrapassar tudo pelo raciocínio, mas nós, pequeninos, evitamos tentá-lo. Passemos por baixo!” (24)

            Teresa punha, assim, em prática, com uma simplicidade admirável, o movimento de abandono, caro a João da Cruz: “Oferecer-se a Deus como se é, explica o Pe. Victor, eis a disposição à qual é preciso voltar sempre, tanto no início como no fim de toda progressão evangélica; tanto no momento da primeira conversão como depois de longos anos de fidelidade” (25).

            Observemos a inspiração evangélica a animar, em Teresa, a prática do movimento de abandono, por nós chamado acima de “terapêutica a quente”. Teresa não esquece a lição do Getsêmani. Como o próprio Jesus sentiu a tristeza e a angústia, como teve a sensibilidade tão abalada a ponto de ter um suor de sangue, não se deve tentar fazer melhor! O discípulo não está acima do mestre. Vimos no capítulo anterior como Teresa havia compreendido isso desde a entrada no Carmelo, copiando as notas de um retiro pregado pelo Pe. Pichon: se Jesus sofreu com tristeza, sem coragem, não é para admirar se sentimos muitas vezes as mesmas hesitações diante do sofrimento.

            Infelizmente, muitos cristãos ainda não compreenderam a lição do Getsêmani. Imaginam que, para sofrer segundo o coração de Deus, é preciso ser à maneira do herói de Corneille — que não passa de um herói estóico — quer dizer, sem nem mesmo prestar atenção ao próprio sofrimento.

            Teresa compreendeu perfeitamente que Deus não nos pede esta ginástica impossível! Compreendeu ser bastante aceitar os padecimentos tais como vinham e tal como eram, oferecendo-os ao Senhor de todo coração e acreditando profundamente serem úteis para a salvação do mundo.

            Sabe-se ter Bernanos gostado muito desse aspecto do pensamento teresiano e de seus personagens prediletos serem sempre aqueles que, tendo meditado muito sobre o mistério da “divina agonia”, aceitam levar a cruz ou ver chegar a morte “penosamente” com e como o Cristo. Para Bernanos, como para Teresinha, o fato de sofrer com tristeza, longe de ser uma imperfeição é uma graça escolhida, uma participação mais próxima na Paixão de Cristo: “Que graça, escreve Teresa, quando, pela manhã, não sentimos qualquer coragem ou forças para praticar a virtude”?

            Em conseqüência, quando sentimos “chegar-nos a mostarda ao nariz”, a única coisa a fazer é refugiarmo-nos, como crianças, na “suave mão de Deus”, repetindo-lhe: “Vede, Senhor, como sou fraco. Eis-me ainda perturbado por causa de tal observação, tal decisão, tal atitude de meu próximo! Ofereço-vos meu sacrifício de paciência. Só vós conheceis seu valor! Quero ver unicamente a vossa mão em tudo isso, pedindo-me ainda este sacrifício pela salvação de meus irmãos!”

            Para exortar as noviças à paciência, Teresa tratava sempre da mesma verdade: “Considerem como instrumentos de Deus aqueles e aquelas que as humilham. Deixem-se humilhar. O próprio Deus as humilha”. Dizia, por exemplo, à Irmã Genoveva: “Quando estiver exasperada contra alguém, o modo de voltar à paz é rezar por essa pessoa e pedir a Deus para recompensá-la por lhe estar dando ocasião de sofrer” (27). Notemos o senso psicológico de Teresa. Quando as noviças lhe falavam da dificuldade em se mostrarem amáveis com tal ou tal irmã, Teresa as aconselhava a não se deterem nas aparências, a procurarem as qualidades das menos simpáticas, na opinião delas. Mas sabia, por experiência, ser esse método excelente — o frio, como veremos adiante — mas impraticável, quando estamos irritados com alguém, isto é, em plena crise emotiva. O nosso espírito fica, então, de tal forma “obcecado” pelo comportamento provocante dessa pessoa que se torna impossível pensar noutra coisa... Especialmente nas suas qualidades. A única coisa exeqüível é ver nela apenas um instrumento do Senhor.

            Será preciso lembrar que esse ensinamento de Teresa vai se juntar à doutrina geral dos autores espirituais? João da Cruz dizia, por exemplo, a seus primeiros carmelitas: “Convençam-se de que só vieram para a vida religiosa a fim de serem exercitados e trabalhados por todos os irmãos. Tenham como certo estarem todos no convento, e isto é a pura verdade, como tantos outros ministros encarregados de formá-los na perfeição, uns pelas palavras, outros pelas ações, outros pelas críticas. De sua parte, fiquem sempre submissos aos acontecimentos como a estátua nas mãos do escultor, do pintor ou do decorador. Se não o fizerem, nunca saberão viver em harmonia com os religiosos da comunidade, nem conquistar a santa paz” (28)

            E santo Agostinho já escrevia na Cidade de Deus: “Tudo o que o homem suporta contra a vontade, não deve atribuir à vontade dos homens, dos anjos ou de algum espírito criado, mas à daquele que dá às vontades o poder de querer” (29)

            Esta disponibilidade em relação ao Senhor e aos seus instrumentos não deve, é claro, degenerar em resignação passiva diante da maldade humana. Para se conservar evangélica a paciência deve ser acompanhada de uma atitude corajosa e combativa.

            Sem este combate, ela não seria mais como a de Jesus Cristo. Cristo, efetivamente, não apenas se fez crucificar pelos inimigos. Lutou contra o pecado dos fariseus, denunciou; mais ainda, começou por ai.

            A seu exemplo, o cristão deve ser um lutador, um combatente, um militante. Deve lutar contra todas as formas do mal, em si e nos outros. Como dizia com acerto Don Ancel, sua dor de cabeça só começa a ser vontade de Deus a partir do momento em que você toma seu remédio. Que diria de um pai de família ou de um professor se permitissem a caçoada dos filhos ou dos alunos, a pretexto de ver nelas a mão divina de seu Senhor!

            O cristão não deve ser, a priori, um “imbecil”, maltratado pelos outros, sem escrúpulos. Deve evitar o mal, deve até pedir a Deus para, “se possível”, afastá-lo. Tal foi a oração de Cristo antes da Paixão: “Pai, se possível, afaste de mim este cálice” — o cálice dos sofrimentos, infringidos pelos homens. Assim também deve ser nossa oração: “Pai, não nos deixeis passar pela tentação... Preserva-nos da tentação de sermos esmagados pela doença e triturados pelos outros”.

            Mas Cristo acrescentou, durante a agonia: “Entretanto, não a minha, mas a vossa vontade”. Também nós devemos acrescentar: “Se é vossa vontade, Senhor, passarmos pela tentação, sermos esmagados por rudes provações, então, Senhor, livrai-nos do maligno, livrai-nos da tentação da revolta, concedei-nos a graça de aceitar e oferecer essas provações como discípulos do Crucificado”.

            Cristo reconhece a vontade do Pai no gesto dos carrascos, pregando-o na cruz; nós também devemos reconhecer e adorar a vontade do Pai na má vontade dos homens, crucificando-nos tão freqüentemente. Vontade misteriosa, nem é preciso dizer... É o próprio mistério da Redenção, cuja imperiosa necessidade nos escapa, apesar de tão vivamente afirmada aos discípulos de Emaús pelo Ressuscitado: “Não era preciso que o Cristo sofresse, para entrar na glória?”

            Noutras palavras, quando tudo tivermos feito para viver em bom entendimento com nosso próximo e “apesar disso” recebermos dele agressões e zombarias, podemos e devemos oferecer silenciosamente essas feridas ao Senhor. É então a única maneira de não cair na tentação de nos irritarmos contra nossos irmãos.

            “Fomos curados graças às suas chagas” (Is 53,5). O que Isaías disse do Cristo, nós o esperamos, guardadas todas as proporções, também será dito de nós, mais tarde, por nossos amigos e inimigos!

            Ao levantar-nos, cada manhã, deveríamos oferecer, antecipadamente, as feridas quase inevitáveis, resultantes de nossos contatos com os outros.

 

2. O tratamento a frio

 

            Chega uma hora na qual nossa crise de irritação interior se apazigua. Não nos sentimos mais exasperados, como no primeiro momento de impaciência. Então, podemos, libertados do movimento desordenado da sensibilidade, olhar para a pessoa causadora da irritação interior e refletir sobre as diversas razões responsáveis por tais atitudes ou palavras. Reflexão impossível — até mesmo inútil — se tentada algumas horas ou alguns dias mais cedo.

            Esta reflexão “a frio” nos mostrará, amiúde, nosso erro em rotular levianamente de injustiça ou de maldade um comportamento, cujos verdadeiros motivos não estávamos alcançando.

            Deixemo-nos ainda guiar por Teresa. Ela vai nos mostrar que nossa impaciência em relação aos outros, muitas vezes, é resultado de nossa ignorância. Freqüentemente irritam-nos por não os conhecermos. Uma melhor informação evita muitos acessos inúteis de raiva. Permite-nos, principalmente, obter uma vitória definitivamente sobre as tentações, dando-nos a graça de olhar para os outros com o próprio olhar de Deus, ao mesmo tempo lúcido e indulgente.

            Acompanhemos Teresa na enumeração das diferentes incógnitas, impedindo a justiça em nossos julgamentos.

            Primeiro, geralmente ignoramos a intenção das ações de nossos irmãos. No terceiro manuscrito, Teresa anotou uma experiência pessoal que a fez compreender, de vez, como uma ação realizada com as melhores intenções podia ser mal interpretada pelos circunstantes. Durante um recreio pouco animado, a irmã econôma vem pedir ajuda. Teresa tinha muita vontade de sair daquele recreio mas, por caridade, fez de conta não ter pressa, para dar tempo a outra de se oferecer como voluntária... Logo uma irmã da comunidade interpreta esse ato de caridade como falta de disponibilidade. (30) Não nos acontece, igualmente, ficarmos irritados com a atitude de um colega, cujo verdadeiro motivo nos escapou?

            Na verdade, às vezes a intenção dos outros se mostra às claras e nem sempre é edificante! Nesse caso, como n se deixar levar pela animosidade e pela irritação? Teresa propõe-nos então, pensar em todas as circunstâncias atenuantes para desculpar os defeitos de nossos irmãos. Convida-nos a não nos esquecermos de todas as graças já recebidas e a pensar: se os outros tivessem recebido a metade de nossas graças de luz e de força, o que seriam? Muito melhores, talvez, que nós. E se tivéssemos vivido no ambiente familiar de sua juventude ou herdado o mesmo temperamento, seríamos melhores? (31)

            Se Teresa suportava, com tanta paciência, as observações desagradáveis de certas religiosas do convento, não era apenas por considerá-las como ocasiões de sacrifícios. Sinceramente desculpava as autoras dessas “alfinetadas”. Lembrava, por exemplo, ser explicável e desculpável o humor desagradável da irmã com quem trabalhava na rouparia, pelo seu gênio neurastênico. Longe de julgá-la com severidade e de se irritar contra ela, se compadecia, de todo coração. “Ela não tem culpa de ser mal dotada, dizia um dia à madrinha, é como um pobre relógio que se precisa acertar de quinze em quinze minutos” (32). Esta última ponderação nos mostra como, quem adquiriu o hábito de não condenar os irmãos, de não se irritar com eles, nem por isso deixa de enxergar seus defeitos. S tão perspicaz quanto qualquer outro para perceber os pontos fracos e até mais, pois, em lugar de se deter na superfície dos seres, penetra mais fundo em sua natureza. E assim pode, com mais eficácia, ajudá-los na superação dos defeitos. Aceita-se sempre de melhor boa vontade as observações de uma pessoa compreensiva e amiga...

            Um outro motivo ajudava Teresa a não se deixar dominar pela impaciência: o hábito de atentar para as qualidades dos outros: “Quando o demônio tenta me colocar diante dos olhos da alma os defeitos de tal ou tal irmã com quem não simpatizo muito, escreve, depressa procuro suas virtudes, seus bons desejos”. (33) Assim, Teresa superava as aparências antipáticas de irmã Teresa de Santo Agostinho — seu ar de “planta de vaso”, como confiara um dia — para .admirar nela a obra de Deus. Em vez de prestar atenção nas atitudes exteriores desta irmã aborrecida, penetrava no coração dela para admirar sua beleza e generosidade. Cada vez que a encontrava, anota no manuscrito, pedia a Deus por ela, oferecendo-lhe todas as suas virtudes e méritos. Sentia que isso causava prazer a Jesus, pois todo artista gosta de ser elogiado por suas obras” (34).

            Teresa, um dia, demonstrava à irmã Genoveva que, muito freqüentemente, nos deixamos impressionar pelas imperfeições naturais do próximo e nos esquecemos do essencial; seu valor profundo, seu amor a Deus. “Veja estas pêras tão feias na aparência, dizia-lhe: são a imagem das irmãs desagradáveis. No outono, quando lhe derem essas frutas sem os corpos estranhos que as enfeiam, come-las-á com satisfação, sem suspeitar tê-las já desprezado. Assim, no último dia, ficará espantada vendo essas irmãs, livres de todas as imperfeições, como grandes santas” (35).

            No mesmo espírito, Teresa achava, quando via uma carmelita recaindo sempre num mesmo defeito: “Quem sabe se os esforços dispendidos para se emendar não são mais agradáveis ao Senhor do que certos atos de virtude, praticados às claras?” (36)

            Mas ainda não assinalamos o motivo mais poderoso da paciência teresiana: sua comunhão com a própria paciência de Deus, com essa longanimidade do Senhor, incansável na espera da conversão do pecador e condescendente com sua demora. Teresa gravara para sempre o fato de, no natal de 1886, Jesus ter realizado “num instante”, na sua alma, a obra que ela não conseguira em dez anos. Sabia ser um dia, aos olhos de Deus, como mil anos e conhecia o poder dele de preparar as almas a comparecerem diante de si, num piscar de olhos.

            Assim se pode compreender a paciência de Teresa com as noviças, as quais só lentamente aproveitaram das lições e dos exemplos da mestra.

            A irmã Marta, por exemplo, nunca conseguiu corrigir-se, de todo, do espírito de contradição. Quanto à irmã Madalena do Santíssimo Sacramento, não tinha muita confiança em Teresa: “Eu fugia até de seu olhar, dirá mais tarde, com medo de ser adivinhada” (37) Mas, pelo contrário, em lugar de estabelecer distinção entre as noviças, Teresa dedicava igual solicitude a todas elas. Como entregava a Deus o cuidado da vitória, a jovem mestra nunca desanimava nem se aborrecia, vendo sua morosidade em progredir. Sua paciência era incansável.

            “A caridade tudo espera”, observa Paulo. Sabe nada ser impossível a Deus. Notemos a íntima ligação entre a esperança e a caridade. Para amar o próximo, do fundo do coração, em todas as circunstâncias, é indispensável a esperança na ação de Deus, sempre capaz de transformar em obra-prima o material mais ordinário.

            Para suportar com paciência os defeitos de nossos irmãos, para olhá-los com o olhar indulgente de Deus, é preciso, pois, segundo Teresa, ultrapassar as aparências e vislumbrar o essencial, invisível aos olhos:

             — a intenção profunda do comportamento de nossos irmãos — geralmente melhor do que a imaginada por nós;

            — os esforços ocultos para a correção dos defeitos —esforços de um heroísmo insuspeito, freqüentemente;

            — as qualidades reais de sua personalidade — só reveladas aos olhos do coração;

            — as circunstâncias da vida, muitas vezes capazes de explicar esses comportamentos — embora não os justifiquem;

            — enfim, a perfeição à qual Deus os chama, apesar de todos os obstáculos.

            Em resumo, para ser paciente, a caridade não deve, segundo a recomendação do apóstolo — “desculpar” tudo — não é esse o sentido do verbo grego stegei (lCor 13,7), mas tudo “encobrir”. Não se trata de não enxergar os defeitos dos irmãos, mas de ocultá-los sob o que já existe de belo neles e, principalmente, nunca esquecer a misericórdia onipotente do Senhor a envolvê-los e com poder de transfigurá-los instantaneamente.

            Mas seria fazer uma idéia totalmente falsa da paciência teresiana, imaginar a santa superando todas as suas tentações de impaciência, por meio de um tratamento a frio.

            Todas as vezes que tivesse sido tentada a irritar-se com os defeitos — graves ou leves — do próximo, teria vencido essa tentação por um raciocínio deste gênero: “Além de tudo, não tenho tantos motivos para me irritar. Essa pessoa irritante ou é uma santa, ou vai ser!” Teresa nos diz, explicitamente, o contrário. Até mesmo no fim da vida, acontece-lhe ainda ser de tal modo tentada a se tornar desagradável com uma carmelita antipática por natureza, que às vezes acha mais prudente fugir dela. (38)

            Continua a ser uma “alma muito pequenina” devendo, para vencer as tentações de impaciência, passar por baixo das dificuldades, em lugar de procurar, pelo raciocínio e pela virtude, colocar-se acima de tudo. Esta maneira de passar por baixo, submeter-se a Deus, deixar-se modelar pelas suas mãos, é característica do que denominamos tratamento a quente.

            A santa, aliás, havia notado, ao ocupar-se com as noviças, não se dever queimar a primeira etapa dessa tática contra a impaciência; “No começo de sua função de mestra de noviças, explica irmã Genoveva, quando lhe contávamos nossos combates interiores, nossas tentações de impaciência, nossa querida irmãzinha procurava nos pacificar, seja pelo raciocínio, seja demonstrando-nos com clareza que a tal companheira nossa não estava errada. Isso ocasionava longas discussões inúteis e sem proveito para nossas almas. Logo percebeu e mudou de tática. Em vez de tentar suprimir nossos combates, destruindo sua causa, fazia-nos olhá-los de frente”. (39)

            Noutros termos, no começo, Teresa estimulava as noviças a vencer prontamente uma tentação de impaciência pela condenação enérgica da sua causa: “Por que me irritar? Ë ridículo!...” Teresa logo advertiu não ser universal a eficácia de tal método. Quando se está exasperado contra alguém, o melhor é curvar-se humildemente sob a tempestade, suportar com humildade o acesso de impaciência — esperando passar — e oferecer a Deus este sacrifício de silêncio e de paciência: “Meu Deus, confesso estar perturbado por esta atitude ofensiva dos outros, à qual certamente dou muita importância hoje, mas, por agora, ofereço-vos o sacrifício causado por ela”.

            “Pouco a pouco, continua Irmã Genoveva, Teresa conseguia fazer-me gostar da minha condição, desejar as faltas de consideração e de gentileza das irmãs, ser repreendida no lugar das outras, ser acusada de ter feito mal aquilo que nem me tinha sido mandado fazer. Enfim, ela colocava em mim os sentimentos mais perfeitos. Depois, (notemos a importância desta palavra) quando esta vitória estava conquistada (isto é, quando tinha terminado o tratamento a quente), ela me citava testemunhos desconhecidos da virtude da noviça por mim acusada (procedimento essencial do tratamento a frio). Logo o ressentimento cedia lugar à admiração e achava-as melhores do que eu”.

            Em suma, Teresa havia percebido que, na hora de nossas crises de impaciência, precisamos primeiro nos colocar numa atitude de disponibilidade perfeita em relação a Deus... e a seus instrumentos humanos. E para poder estar assim na hora da tentação, é necessário, acrescenta Teresa, “antes amansar o coração” (40), isto é, preparar-se com antecedência, na oração, para os encontros com os outros. Prever suas variações de humor, rezar por eles, pedir a Deus para recompensá-los por nos darem ocasião de oferecer-lhe novos sacrifícios.

            Conduta heróica, realmente, mas de um heroísmo fundado na fé. Fé na ternura contínua de Deus por nós, fé no valor redentor do menor de nossos sacrifícios.

            Teresa do Menino Jesus, doutora do caminho da infância, está lembrada, aliás, que o homem não se conserva sempre nestas alturas... Mas é preciso nunca desanimar: “Entretanto acontece, acrescenta, apesar de todos os seus esforços, Deus não tira as fraquezas de certas almas, pois lhes seria muito prejudicial sentirem a própria virtude, isto é, elas julgarem possuí-la e os outros também as acharem virtuosas”. Extraordinário espírito de infância! Tira partido das próprias imperfeições, praticadas na hora da tentação de impaciência. Não basta apenas ter paciência com os outros, mas é necessário primeiro e principalmente, tê-la consigo mesmo. Sabe-se o quanto Teresa insistia nesse ponto: “A base de sua doutrina, afirma irmã Genoveva, consistia em nos ensinar a não nos afligirmos ao ver-nos como a própria fraqueza; antes, a nos gloriarmos por nossas enfermidades” (41)

            Agora compreendemos claramente a que ponto o amor de Teresa pelo próximo era a imagem do seu amor a si mesma. Se era tão indulgente com os outros, talvez fosse por ser, primeiro, indulgente consigo. Muito se chamou a atenção para a necessidade de saber suportar-se, antes mesmo de suportar os outros. “Para amar os outros, escreve Pe. Cocagnac, é preciso amar a si mesmo. Não se conseguirá amar o próximo à força de imperativos categóricos, se o coração se sente esmagado pelo desgosto de si. Poder-se-ia alterar assim o preceito fundamental do amor: julgarás os outros como te julgas a ti” (42)

            Aqui também Bernanos assimilara perfeitamente esse aspecto do pensamento teresiano, quando, no início dos Diálogos das Carmelitas, faz a velha priora dizer, ao acolher a jovem noviça: “Oh, minha filha, seja sempre essa coisa mansa e dócil nas mãos de Deus. Os santos não se empertigavam contra as tentações, não se revoltavam contra si. A revolta é coisa do diabo. E principalmente, nunca se despreze! É muito difícil a pessoa se desprezar sem ofender a Deus, habitando em nós” (43).

 

NOTAS CAP. 4

 

1 Manuscrito C, 19v/20r.

2 Manuscrito A, 2v.

3 Manuscrito C, 19v.

4 Manuscrito C, 26v.

5 Conselhos e Lembranças, 161

6 Carta 147.

7 Manuscrito C, 20r.

8 Manuscrito A, l9r/v.

9 Manuscrito A, 2v.

10 Conselhos e Lembranças, 62.

11 Sermons, traduzidos por Charles de Sainte-Foi, Paris, 1855, t. 2. pp. 209-210.

12 Sermo CCCLVI, 10, P.L. 39,1578.

13 Epist. CXXX, P.L., 35,507.

14 In Joh., XXXII, P.L., 35,1646.

15 Suppl., q. 71, A. 1, ad 2.

16 Manuscrito C, 25v.

17 Manuscrito A, 79v/80r.

18 Carta 224.

19 Caderno amarelo, 11.7.4; 13.7.12.

20 Conselhos e Lembranças 25.

21 Sermons et catéchismes, extrato manuscrito de Faure de la Bastie, 153, Arquivos paroquiais de Ars,

22 Carta 55

23 Carta 120.

24 Conselhos e Lembranças, 43-44.

25 Victor Sion, Réalisme spirituel de Thérêse de Lisieux, “Foi Vivante”, no. 143, Paris, 1973, p. 153.

26 Carta 65.

27 Sum., § 1755.

28 Vie et Oeuvres spirituelles, t. 1, Paris, usada por Teresa.

29 V. 10, PL, 41, 153.

30 Manuscrito C, 13r.

31 Carta 147.

32 Sum., § 1683.

33 Manuscrito C, 12v.

34 Manuscrito C, 13v.

35 Conselhos e Lembranças, 107-108.

36 Manuscrito C, 12v.

37 Circulaire, p. 2.

38 Manuscrito C, 14v.

39 Conselhos e Lembranças, 10.

40 Conselhos e Lembranças, 152.

41 Conselhos e Lembranças, 20.

42 “La pailie et ia poutre” em La vie spirituelle, janeiro de 1957,  p. 37.

43 Ed. Livre vie, p. 53.

 

Capítulo 5 - MAIS DO QUE RAINHA ELA É MÃE

 

            Desejaríamos esboçar, neste brevíssimo capítulo, as diferentes atitudes de Teresa diante da Virgem Maria. Como se sabe, preferia dar-lhe o título de mãe, 1 mas foi talvez menos relevada a suavidade da sua piedade filial para com Maria — sem dúvida alguma um dos ingredientes determinantes de sua alegria e seu sorriso. Aqui, como alhures, jamais se poderá reduzir a vida de Teresa a um só de seus aspectos.

 

I. O MANTO VIRGINAL DE MARIA

 

Para Teresa Maria é, antes de tudo, uma presença que dá à sua vida um especial matiz e segurança.

 

1. Presença contínua

 

            Maria nunca foi, para Teresa, uma mãe que se limita a nos olhar “do alto dos céus”. Foi a primeira a passar seu céu “sobre a terra”. Pelo mistério da Assunção não está ela presente, muito intimamente, a todos os membros do Corpo Místico de Jesus, a todas as suas atividades?

            Fiel, na certa sem o saber, à tradição vinda do Oriente, Teresa gostava de se refugiar sob o manto da Virgem, para ficar ali protegida contra os assaltos do mal, para se “virginizar”, como dizia. 2 Ao passar pelo santuário de Nossa Senhora das Vitórias em Paris, antes da peregrinação a Roma, pede à Virgem guardá-la sempre e ajudá-la a realizar o sonho de entrar no Carmelo, para ali ocultar-se  “à sombra de seu manto virginal”. 3

            A singular graça mística excepcional, recebida por Teresa no começo da vida religiosa consistiu, aliás, em perceber de modo intensíssimo esta presença contínua de Maria em sua vida. Durante uma semana inteira, teve a sensação de estar vivendo sob o véu da Virgem.

            Foi em julho de 1889. Fazia vários meses, Teresa se revestira do hábito de Nossa Senhora do Carmo. Naquele dia, como de costume, dirigiu-se para um gruta situada no jardim e chamada Gruta de Santa Madalena. Ali começou a rezar e se apoderou dela um recolhimento nunca antes experimentado: “Havia como um véu que me encobria todas as coisas da terra... Sentia-me inteiramente escondida sob o véu da Virgem Santíssima. Naquela época era encarregada do refeitório e recordo-me de fazer as coisas como se não as fizesse. Era como se estivesse num corpo emprestado. Assim permaneci durante uma semana inteira. Era um estado sobrenatural muito difícil de explicar. Só Deus pode nos colocar em tal estado e isso às vezes, basta para desprender uma alma definitivamente da terra”. Teresa confidenciou isso oito anos depois do acontecimento, no dia 12 de julho de 1897, durante uma conversa com a Madre Inês, ao evocar as graças mais tocantes de sua curta existência. 4 Confessou, então, ter sentido o “vôo do espírito”, assim chamado por Teresa de Ávila no Castelo Interior: “Acontece de tal maneira que o espírito parece, de fato, sair do corpo (...) Parece-lhe todo o ser ter estado numa região completamente diferente daquela onde vivemos, onde se lhe mostrou uma luz tão mais forte, sem falar de outras coisas, impossível de se imaginar, apesar de toda a vida interior”. 5

            Notadamente naquela semana, Teresa compreendeu o quanto a Virgem Maria estava presente em toda a sua vida. Tinha tido razão em desejar viver a vida do claustro “escondendo-se no manto virginal de Maria”, sob o escapulário de Nossa Senhora do Monte Carmelo.

            Debaixo desse véu poderia se realizar a união mais íntima entre ela e Jesus, como cantava em uma das primeiras poesias:

 

            Ó Virgem Imaculada! és tu minha doce Estrela.

            Que me dás Jesus e a ele me unes.

            Ó Mãe! deixa-me repousar sob teu véu

            hoje tão somente. 6

 

            Em resumo, poder-se-ia dizer que Teresa experimentou, na vida, a verdade dessa expressão infantil: “Tudo se faz melhor quando se sabe que a mamãe está perto”.

            Aliás, Teresa sempre viveu cuidando de não desagradar a Mãe do céu. Criança ainda, tendo terminado a oração em família diante da estátua da Virgem, que sua mamãe lhe ensinara a contemplar e a suplicar, pergunta à Paulina: “Será que Deus está contente comigo? Nossa Senhora está contente comigo?” 7

            E mais tarde, quando Paulina, já priora do Carmelo, pediu-lhe para escrever as recordações de infância, ajoelhou-se diante dessa mesma imagem, pedindo à Virgem para guiar sua mão “a fim de não escrever uma só linha que lhe desagradasse”. 8

 

2. Um ícone da ternura de Deus

 

            Nunca a piedade mariana de Teresa sofreu desvios, como sucedeu, em certas épocas da história da Igreja, quando a Virgem era essencialmente apresentada como a advogada das causas desesperadas, a única com possibilidade de pleitear nossa causa junto a um Deus justiceiro e difícil de se satisfazer. A misericórdia era a especialidade de Maria — Regina misericordiae — ao passo que a justiça era mais o atributo de Deus — Rex justitiae!

            Quando, por exemplo, a peste se abateu sobre a Europa, nos séculos XIV e XV, muitos artistas italianos — notadamente na Umbria — modificaram profundamente o tema iconográfico da “Virgem da misericórdia”, surgido no século XII entre os cistercienses, representando a Virgem ao envolver seus filhos no seu manto protetor. O manto de Maria tornou-se o escudo sob cujo abrigo os devotos de Nossa Senhora podiam escapar das flechas da cólera divina, caindo sobre o mundo pecador. Na verdade, uma curiosa teologia, pela qual não mais seríamos salvos pela misericórdia do Pai, mas pela iniciativa salvífica da Virgem!

            E não apenas se chegou a esquecer a bondade do Pai, mas também a bondade do Filho. Num estandarte datado de 1482, que agora serve de retábulo na igreja de Montona, representa-se o Cristo com o peito mal coberto, deixando ver a chaga do lado esquerdo e lançando dardos sobre a cidade! Mas os dardos são detidos pelo manto de Maria. 9 E lembramo-nos que, no seu juízo final, Miguel Ângelo representa a Virgem apaziguando a “cólera divina” de seu Filho, brandindo contra os homens seu braço vingador.

            Teresa nunca foi vítima de tais representações. Sabia que a Virgem não era encarregada de abrandar a severidade do Pai, mas sim de revelar sua ternura. “O sorriso arrebatador” da Virgem, com que havia sido regalada no dia 13 de maio de 1883 nos Buissonnets, foi sempre, para ela, um eco, um ícone extraordinariamente vivo do próprio sorriso de Deus para cada um de nós.

            Para Teresa, a verdadeira devoção mariana, longe de cercear nosso impulso para o Pai, impele-nos a nos abandonarmos totalmente em suas mãos. Piedade filial para com Maria e espírito de infância diante do Pai se fortalecem reciprocamente.

            Com a mesma confiança chamava “Papai, o bom Deus” e preferia dar a Maria o nome de “Mamãe”, especialmente desde o dia em que, na igreja de Nossa Senhora das Vitórias, a Virgem lhe dera a certeza de ter sido ela quem lhe havia sorrido e a havia curado. 10

            Se reza de todo coração pelo Pe. Loyson para que “retorne, vencido, a se lançar sob o manto da mais misericordiosa das mães” 11, é na esperança também de que experimente, um dia, a inefável ternura do Pai.

 

3. O meio educativo da vida divina

 

            Maria não é apenas nossa mamãe em termos afetivos — amando-nos com um coração de mãe. Ela o é efetivamente — gerando-nos, na realidade, para a vida divina. Como diz Luiz Maria Grignion de Montfort, nunca se viu uma mãe gerar a cabeça de um corpo sem gerar igualmente os seus membros. Já que somos membros de Cristo, a Virgem Maria colabora com o espírito Santo para que nos tornemos membros de Jesus Cristo. 12

            De bom grado diria ter a Virgem Maria conquistado brilhantemente seu diploma de educadora especializada para a formação dos filhos de Deus. Quando se pensa ter sido encarregada — que maravilha! — de ensinar ao Filho bem-amado do Pai a ser um homem, a andar, mas também a amar com um coração de homem, a rezar com palavras humanas! Pois bem, é ela ainda a encarregada de iniciar os pobres homens, como nós, no comportamento de filhos de Deus. Influência tão discreta e também tão real, quanto a do Espírito Santo.

            Evidentemente, tal influência a Virgem a exerce sobre aqueles e aquelas que a desconhecem, mas pode exercê-la tanto melhor sobre seus filhos de boa vontade e conscientemente entregues às suas mãos maternais, ao seu seio materno, dizia Grignion de Montfort, seguindo os Padres da Igreja. É, na verdade, o solo nutrício no qual vantajosamente lançamos o grãozinho de mostarda de nossa fé e de nossa caridade para crescer e se tornar uma grande árvore.

            De vez em quando, Teresa alude a esse mistério extraordinário vivido por ela. Se, por exemplo, gostava de ir se esconder debaixo do manto virginal de Nossa Senhora, não era apenas para se proteger de todo perigo, mas também para unir-se mais estreitamente ao Cristo Jesus. É, como explica a Celina, então postulante, em 1894, colocando seu pensamento nos lábios da Virgem Maria:

 

            Eu te esconderei sob o véu

            onde se abriga o Rei dos céus.

            Meu Filho será doravante

            a única estrela a brilhar aos olhos teus.

 

            Sob esta maternal influência da Virgem Maria, será mais fácil viver o espírito de infância, cuja importância Teresa recorda continuamente:

 

Mas para sempre te abrigar

sob meu véu, perto de Jesus,

é preciso ficares pequenina,

ornada de virtudes infantis... 13

 

            Um outro traço aproxima a devoção mariana de Teresa à de Luiz Maria Grignion de Montfort. Este dizia à Virgem, antes de comungar: “Dai-me vosso coração, ó Maria, para poder acolher Jesus com um coração sem macula”. 14 O mesmo fazia Teresa, quando comungava. Convidava a Virgem a vir à sua alma para desembaraçá-la de todo o estorvo e acolher o Senhor: “Quando Jesus desce ao meu coração, escreve, parece ficar contente de se ver tão bem recebido e eu também fico contente”. 15 Retoma esta idéia numa estrofe da última poesia, composta em maio de 1897, para exprimir o essencial de seu pensamento a respeito de Maria:

 

            Ó Mãe bem-amada, apesar de minha pequenez como tu,

            possuo em mim o Onipotente.

            Mas tremo ao ver minha fraqueza.

            Pertence ao filho o tesouro da mãe, e eu sou tua filha,ó Mãe querida,

            então não são meus tua virtude, teu amor?

            Também, quando em meu coração desce a branca [hóstia],

            teu doce Cordeiro, Jesus, sabe que repousa em ti!...

            (Porque te amo, Maria) 16

 

II. UMA MÃE A QUEM TUDO SE PODE PEDIR

 

            Há momentos nos quais não nos basta pensar em! Maria a nos contemplar, proteger e fazer crescer em nós a vida divina. Sente-se a necessidade de lhe gritar a própria angústia ou de lhe apresentar calmamente as precisões.

            Teresa assim fazia com muita simplicidade e espontaneidade. Sabia que à mamãe tudo se podia dizer. Compreendera, como diria o Pe. Manaranche, a necessidade de nunca “pasteurizar” a oração, sobretudo se dirigida à Virgem Maria: “Eu bem quisera ter uma bela morte para lhes agradar, diz às irmãs a 4 de junho de 1897, e pedi à Santa Virgem. Não pedi a Deus porque quero deixá-lo à vontade para agir. Pedir à Santa Virgem não é a mesma coisa. Ela sabe como dispor de meus pequenos desejos, se deve ou não transmiti-los”. 17

            Dois dias depois, em seguida a uma visita do médico que a achara melhor, confessava seu grande desejo de partir: “Disse-o à Santa Virgem, ela fará como quiser”. 18

            Semelhante foi a reflexão feita na festa de 15 de agosto: “Ontem à noite, pedia à Santa Virgem para não tossir mais, a fim de Irmã Genoveva poder dormir, mas acrescentei: ‘Se não o fizerdes, amar-vos-ei ainda mais´”.

            Magnífica devoção mariana, cuja intensidade não depende dos mimos recebidos, mas se atreve a pedir as coisas mais simples.

            Teresa, dessa forma, se unia à grande tradição da Igreja, fazendo-nos pedir nas festas da Virgem “a saúde da alma e do corpo”. Por sua intercessão pedimos a Deus “ser livres das tristezas deste mundo e gozar as alegrias da eternidade”. A mamãe não gosta de ver os filhos tristes. Não é lógico pedir-lhe para nos obter saúde e alegria?

            O mesmo clima se depara na bela oração do Pe. de Grandmaison:

 

            Santa Maria, Mãe de Deus,

             conservai-me um coração de Menino,

            puro e diáfano como uma fonte.

            Obtendo-me um coração simples

            que não se deleite na tristeza.

 

            A oração marial de Teresa é sempre envolvida num clima de abandono à vontade do Pai. Teresa tem a coragem de pedir tudo à sua mamãe, mas sempre acrescenta:

 

            Tudo o que me deu, Jesus pode retomar.

            Dize-lhe que nunca se incomode comigo. 19

 

            Aliás, existem momentos nos quais a oração de Teresa é simplesmente súplica à Santa Virgem para tomá-la em suas mãos maternais. Por exemplo, aquela, feita na noite dolorosíssima, precedente à última comunhão: “Nessa noite, não agüentava mais; pedi à Santa Virgem tomasse minha cabeça em suas mãos, para poder suportá-la” 20

 

III. UMA MÃE IMITÁVEL

 

            Uma última maneira de amar a mãe é procurar ser-lhe semelhante. Teresa não gostava dos sermões que, sob o pretexto de exaltar as grandezas de Maria, a afastavam de nós e a tornavam inimitável. Que seria de uma mãe impossível de ser imitada? Maria experimentou as dificuldades de toda vida humana. Teresa diz isso em todas as maneiras: “O que me faz bem, quando penso na Sagrada Família, é imaginá-la numa vida muito comum. E quantas tristezas, decepções! Quantas vezes criticaram o bom São José! Quantas vezes lhe recusaram o pagamento do seu trabalho! A Santa Virgem sofreu não só na alma, mas no corpo. Sofreu muito nas viagens: o frio, o calor, o cansaço. Muitas vezes jejuou. Sim, ela sabe o que é sofrer”. 21

            E no poema de maio de 1897, explica porque pode amar Maria:

 

            Para que um filho possa amar sua mãe

    É preciso que ela chore com ele e partilhe suas penas (...)

    Ao meditar tua vida no santo Evangelho,

    ouso olhar-te e a ti me achegar.

            Crer-me tua filha não me é difícil,

            pois te vejo mortal e sofredora como eu.

 

            Teresa gosta da vida aparentemente banal de Maria em Nazaré. Sua vida escondida é o modelo perfeito da que pretende levar no Carmelo, longe dos aplausos e olhares humanos. Quando Teresa contempla Maria no Evangelho, fica muito feliz admirando nela os traços essenciais da sua “pequena via”. Sim, Maria é o perfeito modelo da infância espiritual, modelo mais fascinante ainda por ser o de uma mãe.

 

1. A pequenina serva do Senhor

 

            Teresa se alegra por poder imitar Maria, aquela que, por sua humildade e simplicidade, atraiu a si o próprio Verbo de Deus:

 

            Compreendo como tua alma, Humilde e Ameno Vale,

            pode conter Jesus, o Oceano do Amor.

 

            Para abrigar Deus no coração é preciso, explica Teresa, descer como Zaqueu de sua árvore, ou seja, ao vale da humildade, ter um coração de pobre, vazio de si. 22 A Virgem Maria realizou perfeitamente este ideal de pobreza espiritual.

            Apenas Teresa sabe muito bem que não se desce ao vale da humildade como se desce num abismo, sem ajuda. Teresa aprendeu por sua própria experiência ser a humildade um dom de Deus — talvez até o maior dom dado por Deus a uma alma. A maior coisa que o Todo-poderoso lhe fez foi mostrar-lhe sua pequenez, sua fraqueza. As luzes para ver seu “pequeno nada” lhe fizeram maior bem do que as luzes sobre a fé. 23

            Também foi-lhe fácil adivinhar a dose extraordinária de humildade recebida por Maria para se tornar receptáculo do Deus vivo:

 

            Esta virtude escondida te faz onipotente,

            atrai ao teu coração a Trindade Santa.

            Quando, ao te ensombrear o Espírito de Amor,

            Encarnou-se em ti o Filho igual ao Pai.

 

            Desenvolveu esta idéia em uma recreação, composto em janeiro de 1894, para a festa de Madre Inês:

 

            Foi a humildade de Maria

            que atraiu o divino Rei.

            Foi a humildade de sua vida

            que até a ti o fez baixar. 24

 

            Porém, a humildade não nos impede de nos conscientizarmos das maravilhas em nós realizadas pelo Senhor. A própria Teresa o experimentou: “Sou pequena demais para ficar vaidosa. Sou ainda pequena demais para redigir belas frases para fazê-las acreditar que sou muito humilde. Prefiro convir simplesmente que o Todo-poderoso operou grandes coisas na filha de sua divina Mãe, das quais a maior foi ter-lhe mostrado sua pequenez, sua fraqueza” 25 Através de sua própria experiência Teresa podia perceber o que era a simplicidade maravilhosa de Maria, sem qualquer artifício, sem qualquer individualismo.

            Mas à força de contemplar Maria, Teresa espera participar cada vez mais da sua humildade:

 

            O estreito caminho do céu me tornaste visível,

            praticando constantemente as mais humildes virtudes.

            Quero ficar pequena junto a ti, ó Maria,

            mirando a vaidade das grandezas da terra.

 

            Para Teresa, Maria é verdadeiramente o modelo acabado da infância espiritual. Sob sua influência e a seu exemplo, espera tornar-se a pequena serva do Senhor, capaz de atrair para o mundo as torrentes de amor do Todo-poderoso. Ficou muito feliz por ter feito os votos solenes na festa da Natividade da Virgem: “Era a pequenina Santa Virgem, de um dia, que apresentava sua pequenina flor ao pequeno Jesus” 26 Este vocabulário talvez nos irrite. Irritaria menos se pensássemos no que Teresa sempre exprime com a repetição desse adjetivo. A pequenez que a entusiasma, objeto de seus anelos, cantada pela Virgem no seu Magnificat:

            “Olhou para a humildade de sua serva”.

            É a pequenez cantada pela tão conhecida antífona litúrgica: “Regozijai-vos comigo, todos que amais o Senhor; por causa de minha pequenez agradei ao Altíssimo e no meu seio gerei o Deus feito homem”.

            Uma pequenez posta como condição necessária e suficiente para permitir a invasão do Senhor em nossas vidas. Aliás, Teresa prossegue a narrativa da profissão solene, dizendo: “Naquele dia, tudo era pequeno, exceto a paz e as graças recebidas, exceto a tranqüila alegria experimentada à noite”.

 

2. Uma vida de silêncio

 

            Teresa também admira em Maria a capacidade de silêncio. Maria prefere deixar a dúvida penetrar no espírito de seu noivo a entregar-lhe um segredo, que Deus não lhe tinha mandado revelar. Esse silêncio, aliás, é acompanhado de uma confiança inabalável naquele que saberá esclarecer José no momento oportuno.

 

            Oh! como amo, ó Maria, teu silêncio eloqüente,

            para mim, melodioso e doce concerto

            a me falar da grandeza e onipotência

            de uma alma que só espera seu socorro dos céus...

            Silêncio contemplativo de quem conservava cuidadosamente no coração tudo o que os pastores e os magos lhe haviam dito sobre o filho. “Como Maria, Teresa gostava de tudo guardar no coração: as alegrias e as tristezas. Essa reserva, observa Irmã Genoveva, foi sua força (...) como sua marca exterior, pois era de um notável equilíbrio”. 27

            Silêncio, enfim, das Escrituras, que nada nos contam dos últimos anos vividos por Maria, junto ao apóstolo João:

 

            A casa de João tornou-se seu único asilo,

            devendo o filho de Zebedeu substituir Jesus...

            Foi o último pormenor revelado pelo Evangelho.

            E, da Rainha dos céus, após se cala.

 

            Este silêncio é para Teresa o maravilhoso símbolo daquele silêncio no qual quer mergulhar, nos seus últimos meses de vida. Pouco lhe importa a tomem, na comunidade, por uma religiosa vulgar, sobre quem não haverá nada a dizer mais tarde, uma religiosa inexperiente de humilhações e sofrimentos: “Ah, como faz bem ouvir a opinião das criaturas no momento da morte!” 28 Além disso, não foi sempre esse o desejo de Teresa: viver esquecida como um grãozinho de areia, escondida aos olhos das criaturas, como Maria de Nazaré?

 

3. Uma vida de fé

 

            Finalmente Maria é, sobretudo, alguém que viveu na fé. Teresa insistia tanto mais sobre este ponto, porquanto em sua época, muitos sermões apresentavam a Virgem como uma pessoa excepcional, nunca tendo experimentado todas as nossas provações, especialmente a provação da fé.

            Teresa, pelo contrário, prefere revelar no Evangelho todas as provas de que Maria conheceu, como nós, as obscuridades da fé. Quando reencontrou o Filho no Templo, não compreendeu, assim como José, as palavras do Filho. Um versículo do Evangelho entusiasmante para Teresa. Não deve, pois, se admirar de viver na escuridão da fé, como sua Mãe:

 

            Agora compreendo o mistério do Templo,

            as ocultas palavras de meu amável Rei.

            Mãe, teu doce Filho quer que sejas exemplo

            da alma que o procura na noite da fé.

 

            Não. Maria não conheceu em Nazaré “nem arrebatamentos nem êxtases”. Pode, assim, ser realmente o modelo de todos os “pequeninos”, jamais agraciados com qualquer revelação particular, no povo de Deus:

 

É bem grande o número de pequeninos na terra.

            Podem, sem tremer, a ti seus olhos elevar.

            É pela estrada comum, Mãe incomparável,

            que gostas de caminhar, guiando-os para o céu.

 

            Como, então, não amar uma mãe como Maria? Mãe cujo sorriso e presença contínua são um eco permanente da ternura de Deus.

            Uma mãe a quem tudo se pode pedir.

            Uma mãe a nós dada por Deus, como maravilhoso modelo a imitar.

Terminarei evocando uma característica da devoção marial de Teresa que, às vezes, faz sorrir: “A propósito da Santa Virgem, escreve a Celina, em 19 de outubro de 1892, devo confiar-lhe uma das minhas simplicidades. Às vezes, me surpreendo dizendo-lhe: ‘Mas, minha boa Nossa Senhora, sinto-me muito mais feliz do que vós, pois vos tenho por Mãe e não tendes a Santa Virgem para amar... Na verdade, sois Mãe de Jesus, mas esse Jesus vós me destes todo... E na cruz, ele vos entregou a nós, para serdes a nossa Mãe. Assim sendo, somos mais ricos do que vós, pois possuímos Jesus e a vós também? Sem dúvida, a Santa Virgem deve rir da minha ingenuidade, concluiu Teresa, entretanto, épura verdade o que lhe digo!” 29

            Sim, Teresa fala a verdade. Sua teologia marial é muito certa. A Virgem Maria foi, efetivamente, dotada por Deus de todos os privilégios conhecidos “em nosso favor”, a fim de se tornar “para nós” a Mãe desse Jesus totalmente entregue “a nós”. Por isso, Teresa tem toda razão de acrescentar:

            “Celina, que mistério a nossa grandeza em Jesus!”

            Para que tudo fosse consumado, precisa o Evangelho, importava Jesus dizer a João: “Eis tua mãe”. Nossa alegria não seria mais estável se, como Teresa, aproveitássemos plenamente do derradeiro dom feito por Jesus à sua Igreja, entregando-lhe Maria como Mãe? Com Maria, tudo o que é realizável fica fácil de fazer.

 

NOTAS  CAP, 5

 

1 Caderno amarelo, 21.8.3. (Últimas conversas, p, 390).

2 Carta 105.

3 Manuscrito A, 57r.

4 Caderno amarelo, 11.7.2.

5 Sixiêmes demeures, cap. V, trad. do Pe. Gregoire de Saint-Joseph, Seuil, 1949, pp. 970-971.

6 Poesia 5.

7 Anotação de Madre Inês, p. 65 do primeiro dos dois cadernos onde copiou os Manuscritos.

8 Manuscrito A, 2r.

9 Pe. Perdrizet, La Vierge de miséricorde, Paris, 1908, p. 118. Ver M. Vloberg, La Vierge, notre médiatrice, Arthaud, 1938, pp. 123-127. “Na França, observa o autor, a figura da Virgem de manto e flechas não teve sucesso” (p. 127).

10 Manuscrito A, 57r.

11 Carta 129.

12 Traité de la vraie dévotion, Les traditions françaises, 1947, p. 17.

13 Poesia 13.

14 Traité, p. 200.

15 Manuscrito A, 80r.

16 Poesia 54. Na continuação desse capítulo, os extratos de poemas sem indicação de referência são tirados desse poema de maio de 1897.

17 Caderno amarelo 4.6.1.

18 Caderno amarelo, 6.6.9.

19 Poesia 54. Idéia que ela retoma mais adiante (Caderno amarelo, 10.6).

23 Caderno amarelo, 19.8.1.

21 Caderno amarelo, 28.8.

22 Carta 137.

23 Caderno amarelo, 13.8.

24 La mission de Jeanne d’Arc, Recreações, 1.

25 Manuscrito C, p. 4r.

26 Manuscrito A, p. 77r.

27 Conselhos e Lembranças, 27.

28 Caderno amarelo, 29.7.2.

29 Carta 137.

 

Capítulo 6 - HOJE TÃO SOMENTE

 

            Os sábios, de todas as épocas, notaram que a desgraça dos homens provinha, geralmente, do fato de não viverem no momento presente. O mal universal da humanidade, observava Sêneca, vem mais de não fazer o que se deve do que deixar de agir ou agir mal.

            Existe igualmente no Evangelho toda uma mística do momento presente, mas veremos que possui algo absolutamente original, sem eliminar — longe disso — o dever da cuidadosa previsão do futuro. Se Jesus nos pede para não nos preocuparmos com o amanhã, pois “a cada dia basta o seu cuidado” (Mt 6,34), recomenda-nos, por outro lado, não viver como virgens loucas, que não enxergavam um palmo adiante do nariz.

Gilbert Cesbron usa uma belíssima comparação para nos fazer entender essa dupla exigência do Evangelho. Diz ele: “Precisamos dispor de um sistema análogo à objetiva das câmaras: capaz de focalizar, na hora, tanto os planos mais afastados como os mais próximos. Da mesma sorte, devemos aprender a passar do futuro para o presente, sem perder um átimo de lucidez”. 1

            Essa dupla exigência se relaciona com dois aspectos da mensagem evangélica:

            — O essencial existe e podemos usufruí-lo desde agora. Cristo está vivo, está aqui, o Pai nos ama e nos dá o Espírito.

            — Mas o Reino ainda não atingiu seu termo e devemos trabalhar com todas as forças pelo seu advento.

            A vida cristã é um incessante vai-e-vem entre a alegria de crer que o Reino já veio e a de esperar que virá, enfim, pela perseverança de nossa oração e o dinamismo da nossa ação — ação de prever e de preparar.

 

I. VIVER O HOJE DE DEUS

 

            Verificamos desde logo que perdemos muito tempo não vivendo o instante presente, porquanto deixamos a imaginação vagabundear muito pelo futuro, ou então, a memória pelo passado.

            Ou remoemos o passado nos mais variados sentimentos, indo da vaidade ao remorso e impedindo-nos de ser abertos às riquezas do presente.

            Passamos da vaidade à tristeza, conforme evocamos os sucessos ou fracassos, do arrependimento às lamentações, segundo nos lembramos das torpezas ou dos períodos brilhantes, definitivamente encerrados.

            Ou então nos inquietamos pelo futuro. Receamos encontrar novos motivos de sofrimento e dificuldades insuperáveis, ou simplesmente temos tamanho medo de não terminar a tempo o trabalho, que o desleixamos, correndo o risco de, mais tarde, nos arrependermos de nossos erros. Dizia Valery: “O cansativo não é o trabalho feito, mas o que fica por fazer”. E quantos enterros se provocam, nas estradas, pelo medo de se chegar atrasado a um enterro!

 

1. O valor insubstituível do momento presente

 

            O que poderá ajudar mais eficazmente um cristão a não se deixar levar por essas ruminações estéreis ou essas inquietações febris? A convicção do valor único e insubstituível do momento presente é, na realidade, um “régio presente” dado por Deus e seria estúpido não acolhê-lo com um especial sentimento de gratidão. O momento atual é o único em que posso, na verdade, amar a Deus e meu próximo. O momento mais importante de minha existência não é o da hora da morte, aquele pelo qual suplico à Virgem em cada Ave-Maria?

            “Quem tem o momento presente tem Deus, dizia Teresa de Ávila, e quem tem Deus tem Tudo”.

            Deus nos tem sempre presentes. E conservar-nos diante dele no momento presente é todo um programa.

            A fim de ajudar-nos na realização desse programa, lembremo-nos ser suficiente um único segundo de verdadeira atenção a Deus, de confiança nele, para redimir anos inteiros de indiferença, de orgulho ou de pusilanimidade. Assim sucedeu com “o bom ladrão” — um dos santos preferidos por Teresa, pois fazia-a lembrar-se da possibilidade que o Senhor tem de, num instante, converter o coração dos homens. Do mesmo modo, um segundo de real atenção por alguém pode criar uma comunhão, pode fazer nascer uma simpatia que nos anos inteiros de contato ainda não tinham conseguido.

Quando crio laços com alguém que “aparece” em minha vida, quando me torno seu “próximo” — maneira autêntica de amá-lo — crio no mundo algo absolutamente novo, um laço de amizade até então inexistente e, nessa hora, Deus se insere mais no mundo: “Ubi caritas, Deus ibi est” “Onde há caridade, Deus aí está”.

            Em resumo, conservamos geralmente uma mentalidade de contador. A tentação é medir o valor de um dia pelo número de atividades realizadas, pelas tarefas cumpridas. Ora, um dia bem aproveitado não é necessariamente um dia “cheio”, em que acumulamos idéias, encontros, trabalhos, sucessos ou dinheiro; é simplesmente um dia em que nos contentamos em ficar disponíveis aos acontecimentos, atentos a Deus e aos outros, apesar de não termos podido concluir nem a metade da tarefa prevista.

            Fala-se tanto da “qualidade de vida”. Para nós, cristãos, é, acima de tudo, viver na paz cada instante da vida como um momento maravilhoso, carinhosamente concedido pelo Pai, para podermos tornar o mundo eternamente mais belo. “Cada instante, dizia Lacordaire, vem trazendo-nos uma ordem de Deus”. Poderíamos também dizer, vem trazendo um dom de Deus. Toca-nos não desperdiçá-lo! Pouco importa se, às vezes, o papel do embrulho do presente nos decepciona, se o correio o estragou um pouco, “pois uma ligeira tribulação nos vale um enorme peso de glória eterna” (2Cor 4,17).

            Eliminemos continuamente do coração essa vontade de querer terminar o trabalho antes mesmo de começá-lo. O delírio da velocidade é, afinal, uma recusa da condição de criatura, subordinada ao tempo e à lei da maturação. Precisamos de tempo — e geralmente muito tempo — para fazer algo. De resto, o próprio Deus — salvo exceção, salvo milagre — leva muito tempo para realizar suas obras-primas. Durante milênios preparou a vinda do homem para a terra e levou outros milênios preparando a vinda de seu Filho entre os homens. E o filho único do Pai, quando veio a nós, submeteu-se à lei do tempo: aprendeu em Nazaré, durante trinta anos, um trabalho de homens. Então, por que querer ser mais apressado que Deus? Dizia um antigo provérbio: “A pressa vem do diabo”.

            Devemos também combater a impressão de estarmos vivendo tempos-mortos, sem interesse nem eficácia, quando podemos aproveitar uma espera no sinal vermelho, num guichê ou ao telefone para mergulhar em Deus e deixar-nos invadir pelo seu Espírito. Devíamos transformar em mergulhos espirituais, muito fecundos, todos os momentos vazios da vida. Então o jogo da vida tornar-se-ia apaixonante e os “intervalos” não seriam “tempos-mortos”. Como poderia parecer tempo inútil um segundo apenas da vida, quando é a vontade do Pai criar-nos e recriar-nos a cada segundo, para modelar, aos poucos, nossa fisionomia de eternidade?

 

2. Viver dia a dia

 

            Teresa vivia intensamente esta mística do instante presente. Num poema composto a 1o. de junho de 1894, exprime o desejo de viver, dia após dia, “tão somente hoje”.

 

            Minha vida é só um instante, uma hora que passa.

            Minha vida é um só dia que se esquiva e foge

            bem o sabeis, meu Deus! Para vos amar na terra

            só tenho hoje!...2

 

            Mas parece-nos singularmente instrutivo ver como Teresa conseguiu não se deixar perturbar pelas recordações doentias do passado ou pela inquietação do amanhã.

            Já se adivinha como Teresa metamorfoseava em oração todas as lembranças da vida passada. A recordação de um ato de generosidade não degenerava em pensamento de orgulho porque fazia redundar em ação de graças. A lembrança de uma indelicadeza contra ela não trazia o rancor, mas ressaltava a súplica: “Senhor, ensina-me a perdoar”. E a lembrança de uma falta passada nunca degenerava em remorso porque era o trampolim, atirando-a fundo no oceano da misericórdia.

            Claro, é realmente uma pena desperdiçar um único segundo da vida: “Um instante, escreve, é um tesouro”. 3 “Como seremos felizes por não termos desperdiçado o tempo, quando o Senhor vier nos buscar”. 4

            Por outro lado, Teresa nunca se esquece que o Senhor dispõe do tempo e, a seus olhos, “mil anos são como um só dia”, 5 podendo, num momento, preparar-nos para comparecer diante dele. Fez essa experiência no Natal de 1886, quando, num instante, o Senhor a libertou das choradeiras infantis, investindo-a da força divina. E, em 31 de agosto de 1887, Pranzini não se converteu no último minuto? Por conseguinte, pensava Teresa, não nos devemos sobrecarregar com as culpas passadas, antes, pedir ao Senhor as consuma logo no fogo do seu amor.

 

3. Sofrer cada minuto

 

            Mas é sobretudo interessante, ver como Teresa viveu plenamente essa mística do momento atual, nos derradeiros meses da vida. Em vez de se atormentar com a idéia da possibilidade dos sofrimentos se prolongarem, sofre minuto por minuto. “De instante a instante, pode-se agüentar muito”, confia-o à Madre Inês. 6  “Sofro apenas um momento de cada vez, acrescentava ainda, pensar no passado e no futuro faz desanimar e desesperar”. 7 “Não, Deus não me dá o pressentimento de morte próxima, diz em 27 de agosto de 1897, mas sim de sofrimentos muito maiores... Porém não me atormento. Só quero pensar no momento presente”. E alguns dias mais tarde, repete à Madre Inês não possuir bastante têmpera para sofrer muito: “Quanto ao sofrimento físico, afirma, sou como uma criancinha, bem pequenina. Nem penso, sofro minuto por minuto”. 8

            Tais reflexões lembram a resposta dada por um rapaz visitado no hospital pelo Cura d’Ars: “Está sofrendo muito, meu pobrezinho?” perguntava-lhe o cura. “Não, senhor padre, hoje não sinto mais a dor de ontem e amanhã não vou sentir a dor de hoje”.

            O que existe na alma de Teresa, enquanto oferece assim os sofrimentos, minuto por minuto? Primeiramente, a convicção de que Deus lhe dá proporcionalmente as graças de coragem necessárias à provação. Deus as dá “gota a gota”. A cada momento dá-lhe a dose de paciência necessária. Ela tem certeza de uma graça proporcional, caso a dor aumente. “Deus me dá a coragem na medida dos sofrimentos, diz em 15 de agosto. Sinto que agora não poderia agüentar dores mais fortes, mas não tenho medo, pois se aumentarem, minha coragem aumentará ao mesmo tempo”. Oito dias mais tarde, depois de confessar à Madre Inês nunca ter passado noite tão ruim, acrescentou: Oh, como Deus é bom para eu poder suportar tudo quanto sofro! Nunca pensei poder sofrer tanto. Entretanto, acho que ainda não é o fim de minhas dores; mas ele não vai me abandonar”. 10 Com tal convicção viverá a agonia, a 29 de setembro: “É então atroz o seu sofrimento?” pergunta-lhe a Madre Maria de Gonzaga. “Não, minha Madre, responde, não é atroz, mas é muito, muito, na exata medida do suportável por mim”.

            Por essa razão, aliás, não tinha a tentação de se auto-admirar, quando surpreendia as outras maravilhadas pela sua coragem. Sua paciência não lhe pertencia. Outro sofria nela. 11

            Pelo mesmo motivo, Teresa nunca pediu a Deus para aumentar seus padecimentos. Contentava-se em acolher os que se lhe ofereciam. Assim testemunha esta conversa relatada em carta da Irmã Maria da Trindade ao pai: “Ontem ela nos dizia: ‘Felizmente, não pedi sofrimentos, pois se os pedisse, teria medo de não ter a paciência para suportá-los, enquanto que, vindos da pura vontade de Deus, ele não me poderá recusar a paciência e a graça indispensáveis”. 12

            Vimos, mais acima, uma outra convicção animando-a no auge dos tormentos, a de que cada instante da vida — mormente os de padecimento — era um tesouro a resguardar.

            Teresa está tão persuadida do valor de cada minuto de sofrimento que nunca se lamenta, ao ver seu calvário se prolongar. Nunca foi surpreendida a murmurar: “Quando enfim terminarão esses tormentos lancinantes, essa terrível sensação de sufocar?”. Nos dias de dores muito fortes, anima-se a sofrer com o pensamento de que o Senhor, como um ladrão, virá buscá-la, colhê-la, como o vinhateiro, feliz por colher um cacho bem maduro. 13 Porém, o mais das vezes, pelo contrário, para não achar o tempo lento demais, pensa na rapidez de sua vida. Deus a fez, de certo modo, queimar etapas, consumindo-a rapidamente no amor. 14 Como queixar-se-ia, então, da demora do tempo? A delicadeza de Teresa para com o Senhor chega a esse ponto. Não quer ficar dizendo: “Senhor, porque fizestes para mim uma noite tão longa, tão longa, tão longa?...” Se nosso tempo de provação se prolongar, é porque deve ser útil a nós e aos outros. Não há, portanto, motivo algum de contestar esses quartos de hora de prorrogação, que o Senhor nos pede para continuar jogando.

 

II – PREPARAR O FUTURO NA PAZ

 

            Deus nos ama mais do que aos pardais do céu... Mas nos deu o bom senso para não permanecermos por toda vida como «cabeças-de-vento». A imprevidência não é uma bem-aventurança bíblica. Mais de uma vez a Bíblia exalta a prudência dos que sabem organizar os assuntos domésticos de maneira sagaz (Pr 31,10-31).

            O abandono à Providência não significa, com efeito, o abandono de qualquer empreendimento qualquer perspectiva. Quanto mais aceitamos encargos, mais projetos a longo prazo temos que fazer. Deus nos pede para desenvolver nossa paciência e confiança, como também para servir-nos da imaginação criativa e até melhorá-la, a fim de encontrar solução para os problemas novos, propostos a nós e a nossos irmãos.

            Seguindo o conselho de Inácio de Loyola, devemos rezar como se tudo dependesse de Deus, mas agir como se tudo dependesse de nós. Devemos, portanto, conceber nossa ação como se tudo estivesse pendente do poder criativo de nossa imaginação e da tenacidade de nossa vontade.

            Teresa não receava utilizar todos os meios à sua disposição para fazer progredir o que julgava importante, para realizar o que lhe parecia ser vontade de Deus.

            Para obter sua entrada precoce no Carmelo, não hesita em visitar seu bispo, não sem antes passar pelo cabeleireiro, para fazer um coque e parecer mais velha.

            Para ajudar as noviças a compreender melhor sua “pequena via”, compõe algumas despretensiosas poesias, esperando, assim, mais fácil penetração da lição nos corações.

            E prevendo, nos últimos meses de vida, que a publicação póstuma dos manuscritos iria contribuir para tornar conhecida, na Igreja, a sua pequena via, dá conselhos muito precisos à Irmã Inês sobre a maneira de publicá-los, sobre os acréscimos ou supressões a fazer. “Seria importante, por exemplo, diz ela, insistir na história da grande pecadora, convertida algumas horas antes de morrer e voando diretamente para o céu. Senão poderiam julgar ser a minha pequena via restrita às pessoas sem grandes pecados na vida passada...” 15

            Teresa animava as noviças a não serem indolentes na execução das tarefas e nelas empregarem, conscienciosamente, o tempo prescrito, vigiando para não cederem ao ativismo ou, em outras palavras, fazendo-as em união com Deus. “Li há tempos, dizia, que os israelitas construíram as muralhas de Jerusalém, trabalhando com uma das mãos e mantendo a espada na outra. É o modelo de nosso dever:

trabalhar, efetivamente, com uma das mãos e, com a outra, defender nossa alma da dissipação, obstáculo de sua união com Deus” 16

            Teresa crê profundamente que Deus nos convida, todos, à oração contínua, ou seja, a viver a vida como filhos, sob o olhar do Pai. Isso significa estarmos sempre disponíveis à palavra pronunciada por ele, através dos acontecimentos. Mais exatamente, para viabilizar essa possibilidade, não estar sempre ordenando assuntos urgentes, deixados para resolver à última hora. Na medida em que organizamos o mais possível nosso trabalho, tendo a coragem de não deixar para o dia seguinte o nosso dever de estado, podemos aceitar o incômodo de receber aquelas pessoas que vêm cada dia transtornar um pouco os nossos planos. A experiência demonstra que as pessoas mais “disponíveis”, quase sempre, são muito “organizadas”. Verificamos, ainda, não haver absolutamente incompatibilidade, mas apenas complementariedade, entre essas duas qualidades aparentemente contraditórias: distribuição do tempo, previsão do futuro e atenção ao momento presente.

            Aliás, não faltam funções onde a melhor maneira de ser útil aos irmãos é prever o futuro. Quanto mais se sobe na hierarquia, mais a previsão deve ser feita a longo prazo. O ministro da Fazenda deve fazer mais prospectivas que a simples dona-de-casa!

            Realizaremos tal tarefa bem mais alegremente se a fizermos na esperança. Uma dupla esperança.

            A esperança de o amanhã ser mais belo que hoje —tanto para os outros como para nós. Não ficando cegos diante da profundidade da crise atualmente atravessada pela Igreja, atentos aos sinais da renovação suscitada por Deus no mundo e repitamos com o salmista: “Sim, verei a bondade do Senhor na terra dos vivos” (Sl 26,13). Devemos ser ao mesmo tempo, audaciosos na esperança e perseverantes na ação.

            Mas esperança, igualmente, de nenhum dos nossos atos de amor se perder ao longo dos dias. Por causa deles, lembra-nos Teresa, o mundo será ternamente mais belo.

            Em suma, seja nossa labuta iluminada pela súplica sugerida por Jesus para repetirmos continuamente:

            “Assim na terra como no céu, venha a nós o teu reino!”

            Procuremos fazer de nossas vidas uma verdadeira sinfonia, mesmo sabendo-a sempre uma sinfonia inacabada,’ pois a doença, a incompreensão alheia, nossos deslizes, nossos pecados e, enfim, nossa morte nos impedirão de tocá-la como havíamos planejado.

            Mas, pouco importa! Deus nos pede exatamente a expectativa, pois ele um dia transformará em aleluia eterno a sinfonia de nossa vida — uma sinfonia onde não faltarão notas falsas, onde as pausas, às vezes, terão demorado demais, onde os silêncios nem sempre terão sido respeitados — mas uma sinfonia que tentamos tocar como uma criança, sob o olhar encantado do Pai.

            Executemo-la “non troppo presto, moderato”, sem querer ir mais depressa que o divino maestro, regente do conjunto de todos os músicos, em cujas mãos entregou a partitura original — uma partitura a ler e a tocar “con cuore” (“de todo nosso coração”).

 

NOTAS CAP. 6

 

1 Ce que je crois, 1970, p. 134.

2 Mon chant d’aujourd’hui, Poesia 5.

3 Carta 89.

4 Carta 170.

5 Carta 124.

6 Caderno amarelo, 14.6.

7 Caderno amarelo, 19.8. 10.

8 Caderno amarelo, 26.8.3.

9 Caderno amarelo, 15.8.6.

10 Caderno amarelo, 23.8. 1.

11 Caderno amarelo, 18.8.4.

12 Carta do dia 17 de agosto de 1897, Últimas conversas, pp. 758-759.

13 Caderno amarelo, 25.7 - 12.

14 Caderno amarelo, 31 .8.9.

15 Caderno amarelo, 11 .1.6.

16 Conselhos e Lembranças, 74.

 

Capitulo 7 - PASSAR O CÉU NA TERRA

 

            Por que tantas pessoas têm medo de morrer? E especialmente de morrer muito cedo, muito jovens? É porque encaram a morte como a interrupção brusca e irreversível de suas atividades. Então deverão deixar tudo, abandonar a mesa de estudos, ou a oficina, ou a educação dos filhos ou a sua música.

            Mesmo sendo cristãos, mesmo se, conseqüentemente, crêem na existência de uma recompensa eterna, homens e mulheres de todas as idades não encaram de coração alegre a perspectiva de uma aposentadoria definitiva. Privados da alegria de serem úteis aos demais pelo trabalho, como poderão no céu ser plenamente felizes?

            Teresa também fez essas perguntas.

            Se aceita com muita serenidade a perspectiva de morrer jovem é por compreender que a imagem do repouso eterno era totalmente insuficiente para significar a felicidade do céu. No entanto, essa imagem era clássica em sua época — como aliás em nossos dias. Cada noite, subindo os vinte e três degraus que a levavam à cela, podia ler, na parede da escada, esta sentença lapidar: “Hoje um pouco de trabalho, amanhã o repouso eterno”.

            Ora, na perspectiva do céu, Teresa se alegra com a certeza de continuar a ser útil a toda a Igreja, especialmente aos padres, missionários e pecadores, pelos quais entrou no Carmelo.

            Recordemos logo a frase fundamental pronunciada a esse propósito, no dia 17 de julho de 1897, às 2 horas da madrugada, após uma nova hemoptise: “Sinto que estou para entrar no repouso... Mas sinto, sobretudo, que vou começar minha missão de fazer amar a Deus como eu o amo, de transmitir minha pequena via às almas. Se Deus escuta meus anelos, meu céu se passará na terra até o fim do mundo. Sim, quero passar meu céu fazendo o bem na terra. Impossível não é, pois no próprio seio da visão beatifica os anjos velam sobre nós. Não posso me alegrar, não quero descansar enquanto houver almas a salvar. Mas quando o anjo disser: “O tempo não existe mais!” então sossegarei, poderei gozar, porque o número dos eleitos estará completo e todos terão entrado na alegria e na paz. Meu coração estremece de alegria ao pensar nisso” . 1

 

I. UM CONJUNTO DE CERTEZAS

 

            Vejamos, mais de perto, como Teresa atingiu essa maneira de encarar a morte. Certamente houve neste ponto —como em outros — uma evolução no pensamento. Nos primeiros anos de sua breve existência, suas idéias sobre a morte eram as de uma boa cristã de seu tempo, nem mais nem menos.

 

1. A morte é a entrada na verdadeira vida

 

            E, portanto, extremamente desejável.

Com a lógica de uma criança de três anos, Teresa desejava a morte do pai e da mãe para poderem imediatamente conhecer a felicidade do céu. “Oh, eu bem quisera que você morresse!” dizia à sua mamãe. E como esta lhe observasse não dever dizer essas coisas, replicava: “É para você poder ir logo para o céu, pois me disse ser preciso morrer para chegar lá”. E a mamãe, muito feliz, contando isso à sua filha Paulina, que estava num colégio interno em Mans, acrescenta: “Ela também deseja a morte do pai, nos seus arroubos de carinho” 2

            Note-se de passagem que, desejando ingenuamente tanto a morte do pai como da mãe, Teresa fica isenta da suspeita de querer eliminar a mãe para melhor gozar da afeição do pai.

            Será preciso acrescentar que durante toda a vida Teresa vai conservar a certeza de a morte ser como a antecâmara do paraíso? Quando, na sexta-feira santa de 1896, verifica, ao despertar, que tivera na véspera a primeira expectoração de sangue, jubila: “Minha alma se encheu de grande consolação. Fiquei intimamente persuadida do desejo de Jesus me fazer ouvir seu primeiro chamado, no aniversário de sua morte. Era como um doce e longínquo murmúrio, anunciando-me a chegada do esposo”. 3

Sabe-se que dúvidas a assaltariam alguns dias mais tarde sobre a existência do além, sem conseguirem abalar sua certeza. No dia 9 de junho de 1897, dia em que adquire a convicção da morte próxima, escreve ao Pe. Belliére: “Não morro, entro na vida”.

 

2. A morte não separa os que se amam

 

            Aqui, como noutros casos, Teresa não está cedendo a alguma piedosa imaginação. Sua certeza se fundamenta na simples verdade de nossa comum união no Cristo. Nele encontramos, portanto, todos quantos nos deixaram para entrar na sua eternidade. Teresa já o havia compreendido aos onze anos. No dia da primeira comunhão está convencida de que, recebendo Jesus, o céu inteiro desceria ao seu coração e, conseqüentemente, sua mamãe também estaria bem perto: “Oh não, não me entristecia a ausência de mamãe no dia da primeira comunhão. Então o céu não estava na minha alma, e mamãe não morava lá, há tanto tempo? Assim, recebendo a visita de Jesus, recebia também a de minha mãe querida, abençoando-me, regozijando-se pela minha felicidade”. 4

            Teresa habituara-se a rezar pelos membros da família, já na eternidade. Em outubro de 1886, após a entrada da irmã mais velha, Maria, no Carmelo, invocou os irmãos e irmãs mortos em tenra idade e se libertou definitivamente dos escrúpulos. “Sua partida para o céu, explica, não me parecia motivo para esquecê-lo; achando-se em condições de se servirem dos tesouros divinos, deviam me alcançar a paz e assim me demonstrar o amor existente no céu”. E Teresa continua: “A resposta não se fez esperar. Logo a paz veio inundar minha alma com suas ondas deliciosas e compreendi que, sendo amada na terra, também o era no céu...” 5 A partir desse momento, Teresa tomou o hábito de se entreter com os irmãos e irmãs do céu, confiando-lhes seu desejo de depressa se lhes juntar.

            Cerca de dez anos mais tarde, na noite de 10 de maio de 1896, um sonho viria iluminar a noite na qual Teresa está mergulhada havia algumas semanas. Vê a Madre Ana de Jesus, fundadora do Carmelo da França, aparecer-lhe em sonhos, ocultá-la sob o véu e enchê-la de sorrisos e carícias.

            Vendo-se tão ternamente amada, faz duas perguntas à sua predecessora. A primeira diz respeito à sua morte — suspeitando estar próxima. “Ó minha madre, suplico-lhe, diga-me se Deus me deixará muito tempo na terra?... Virá logo buscar-me?” Depois de uma resposta positiva, Teresa faz uma segunda pergunta, correspondente à preocupação mais importante, desde as pesquisas em torno da “pequena via”: “Minha madre, diga-me ainda se Deus não quer me pedir algo além de minhas pobres açõezinhas e de meus desejos. Ele está contente comigo?” Com uma expressão de bondade ainda mais profunda, Madre Ana lhe responde: “Deus não lhe pede mais coisa alguma. Ele está contente, muito contente! ...”

            Essa aprovação celeste era muito preciosa aos olhos de Teresa. Na pessoa da venerável Ana de Jesus, companheira da madre, o Carmelo inteiro se inclinava para ela, a fim de tranqüilizá-la. Sim, seu caminho estava na linha do Carmelo. Aquela para quem João da Cruz havia composto seu Cântico espiritual, acabara de confirmá-lo.

            Mas esse sonho a fez sentir de perto, sobretudo, a solidariedade, unindo a Igreja da terra e a dos eleitos, a ternura a nós dedicada pelos santos do céu, mesmo sem nunca termos pensado neles. “Eu sentia que existe um céu, habitado por almas que gostam de mim, olhando-me como a uma filha. Essa impressão permanece no meu coração, tanto mais que a venerável Madre Ana de Jesus até então me tinha sido absolutamente indiferente. Nunca a tinha invocado”.

            Em resumo, esse sonho constituiu-se numa etapa importante na conscientização de Teresa a respeito da presença ativa dos eleitos em nossa vida: “Meu coração se derreteu de amor e gratidão, não apenas pela santa que me visitava, mas ainda por todos os bem-aventurados habitantes do céu”. 6

 

3. A vida é curta

 

            Portanto, é preciso cumprir, da melhor maneira, as tarefas a nós confiadas, durante o curto período de nossa peregrinação aqui na terra. Amanhã será tarde demais! Não que seja preciso sair correndo e viver na precipitação. Mas é mister tentar realizar, com a graça do momento, a obra hoje a nós confiada pelo Pai.

            Muito cedo Teresa pressentiu sua morte ainda jovem. Era um motivo a mais para não dissipar o tempo por Deus concedido.

            Possuía consciência muito viva do valor do tempo e da importância do menor sacrifício feito por amor. Na correspondência com Celina volta muitas vezes a essa idéia. “Talvez o ano que se inicia seja o último! Ah, aproveitemos seus mais curtos instantes, façamos como os avarentos, sejamos ciosas das menores coisas para o Bem-amado”. 7

            Mesmo quando tiver compreendido serem imperfeitas, aos olhos de Deus, todas as nossas ações e, conseqüentemente, devermos sempre nos apresentar diante dele de “mãos vazias”, conservará sempre, como vimos, o desejo de não deixar escapar qualquer oportunidade de provar ao Senhor seu amor e de lhe salvar almas.

 

4. O momento mais importante da vida é a hora da morte

 

            Junto com o momento presente, a hora da morte é o instante crucial pelo qual invocamos diariamente a Virgem Maria.

            Com efeito, é o momento da opção definitiva — por pleno conhecimento de causa — a favor ou contra Deus. Plenamente lúcidos, vamos nos abrir à misericórdia de Deus, exceto se, num ato de espantoso orgulho, nos recusamos a nos deixar transformar e absorver pelo amor.

            Refletindo sobre o modo da conversão de Pranzini —seu primeiro “filho”, o filho querido de sempre — nos últimos segundos da existência, Teresa compreendera a satisfação de Deus em transtornar, por vezes, as leis do amadurecimento humano: “A vossos olhos, o tempo é nada. Um só dia é como mil anos. Portanto, podeis preparar-me, num instante, a comparecer diante de vós”. 8

            Por isso, devemos aproveitar cada instante, vivendo-o com muito amor, mas ao mesmo tempo, contando apenas com o Senhor, com o poder transformante de seu amor misericordioso para sermos dignos, na hora da morte, de ir mergulhar no oceano do amor.

            Aliás, os santos prediletos de Teresa são os admitidos no céu como por milagre: os santos inocentes, o bom ladrão. Num abrir e fechar de olhos foram transformados, convertidos pelo Senhor. Neles se observa sua onipotência, esta maneira régia de zombar, quando lhe agrada, do fator tempo. Em resumo, Teresa nunca se esqueceu da lição do Natal de 1886: o trabalho inexeqüível durante vários anos, Jesus o realizara num instante. Num piscar de olhos, ele a libertara das manhas infantis.

            Poderia ela também, num piscar de olhos — sem passar pelo purgatório — lançar-se no eterno abraço de seu amor misericordioso.

 

II. UMA CALMA EXPECTATIVA

 

Quando o desenlace se avizinha, Teresa é verdadeiramente admirável na confiança e no abandono. Confiança no socorro divino que jamais falta e abandono à vontade de Deus, parecendo retardar-lhe a hora da morte.

            Vimos, no capítulo anterior, a confiança com a qual Teresa vivera, minuto após minuto, sua dolorosa paixão: “De instante a instante, dizia, pode-se suportar muito”.

            Agora insistiremos mais no abandono em ver, nos últimos meses, os altos e baixos da doença. Ora se acreditava numa morte iminente, ora se tinha a impressão de ela poder durar meses ainda.

            A 9 de junho — segundo aniversário do ato de oferecimento — estava muito mal. Mas uma melhora se apresentou naquela mesma noite. Então a doente faz notar: “Sou como uma criancinha esperando o papai e a mamãe para embarcá-la no trem. Eles não chegam. O trem parte. Mas haverá outros trens”. 9 E no dia seguinte: “Não entendo mais nada de minha doença. Olhe, já estou melhor”. 10

            A melhora se confirma. Daí nova ponderação de Teresa: “A espera da morte esgotou-se. Deus quer o meu abandono, como o de uma criancinha, despreocupada a respeito do que farão com ela”. 11

            No dia 6 de julho, acaba por pensar em ter perante a morte a mesma paciência sempre mantida diante dos grandes eventos da vida religiosa. Nunca aconteceram na data prevista, foram sempre adiados por alguns meses, fosse a entrada no Carmelo, a tomada de hábito ou a profissão.

            Quando, em 27 de agosto, Madre Inês, numa observação infeliz, alude, diante da irmãzinha, à perspectiva de um longo inverno na enfermaria, mais uma vez Teresa externa o perfeito abandono: “Se você continuar doente até a primavera! Essa possibilidade me dá medo! Que diria você? — Pois bem, responde Teresa, eu diria: Tanto melhor!” 12

            Talvez tenha medo da morte, como o próprio Jesus o teve em Getsêmani: “Por que estaria isenta de ter medo da morte como qualquer outra?” observa em 9 de julho. Suas irmãs evocam essas possibilidade diante dela com freqüência. Mas Teresa responde sempre: “Veremos. No momento não estou com medo. Sempre pode se dar o contrário”. 13

            “Diz-se que todas as almas são tentadas pelo demônio na hora da morte, então deverei passar por isso. Mas não, sou pequena demais. Com os pequeninos, ele não pode”. 14

            Em todo caso, o medo da morte não serviria para purificá-la dos pecados. No máximo seria um sacrifício suplementar a oferecer ao Senhor pela salvação dos pecadores. “Para mim, diz à Irmã Genoveva, uma só coisa me purifica, a chama do amor divino”. 15

            Alguns dias antes de morrer, quando lhe falavam do Pe. Youf, capelão do Carmelo, o qual tinha medo da morte, pôde dizer, taxativamente porque não o tinha: “Os pequeninos serão julgados com a maior doçura” 16

            É a característica radical de sua confiança, razão da sua calma expectativa da morte. Uma espera tranqüila no íntimo da alma, compatível com os sofrimentos, as angústias e a agonia de uma jovem tuberculosa que vai morrer asfixiada.

 

III. UMA AUDACIOSA ESPERANÇA

 

            Mas o mais impressionante na atitude de Teresa frente à morte é sua certeza — uma certeza tornada inabalável no correr dos meses — de que a morte, longe de pôr um paradeiro às atividades apostólicas, permitir-lhe-ia exercê-las, ultrapassando as limitações do tempo e do espaço.

            Na célebre promessa de passar o céu fazendo o bem na terra, Teresa insistia no verbo “fazer” e nas duas últimas palavras “na terra”. Quando se lê as Últimas Conversas, fica-se impressionado com a persistência de Teresa repetindo às irmãs: “Quando eu tiver partido, não creiam que me contentarei com pensar em vocês lá do alto do céu. Não, vou descer”. 17

            “Vou vigiá-la de perto, diz à Irmã Maria da Eucaristia, e não deixarei passar nada”. 18

            Aos 30 de julho já escrevia ao Pe. Roulland, em preparativos de viagem para o Extremo Oriente: “Adeus, meu irmão... a distância nunca poderá separar nossas almas e até a morte tornará mais profunda nossa união. Se for logo para o céu, pedirei permissão a Jesus para ir visitar você em Su-Tchuen e juntos continuaremos nosso apostolado”. 19 E a 24 de fevereiro de 1897, ao seminarista Bellière: “Desconheço o futuro; no entanto, se Jesus realizar meus pressentimentos, prometo continuar sendo sua irmãzinha lá no alto. Nossa união, longe de ser interrompida, se tornará mais íntima. Então não haverá mais clausura, nem grades e minha alma poderá voar com você nas mais distantes missões”. 20

            Não faltava originalidade nessa maneira de imaginar a vida do céu. Madre Genoveva, a fundadora do Carmelo de Lisieux, pela qual Teresa tinha grande admiração, confidenciava à Madre Maria de Gonzaga, pouco antes de morrer, desejar ir para o céu “unicamente para ver o (seu) Deus”. 21

 

1. Onde, pois; Teresa obteve tal certeza?

 

            Antes de tudo, no intenso desejo que sentia. Para Teresa, os desejos profundos a nós concedidos por Deus, sempre manifestam um de seus dons. “Deus não me daria esse desejo de fazer o bem na terra, depois da morte, se não quisesse realizá-lo; do contrário, far-me-ia desejar repousar nele”. 22 Poucos dias antes, pronunciara uma palavra mais audaciosa ainda: “Deus deverá fazer todas as minhas vontades no céu, porque nunca fiz minha vontade na terra”. 23

            Outra razão invocada por Teresa para firmar sua convicção era a idéia de os anjos cuidarem de nós, embora estejam constantemente voltados para Deus.

            Já na idade de quatorze anos Teresa lera sobre isso na conferencia de Arminjon, dedicada à bem-aventurança eterna: “Os anjos não se distraem da presença de Deus quando nos assistem com seus cuidados, durante nossa peregrinação, ou quando nos iluminam com suas inspirações”. 24

            Na mesma conferência o pregador de Chambery comparava a felicidade celeste a uma viagem ininterrupta num oceano sem fim: “Desta sorte a contemplação de Deus não será imobilidade, mas sobretudo atividade, um caminhar sempre ascendente, onde se encontrarão, em inefável aliança, o movimento e o repouso”. Logo, não é impossível que a idéia de Teresa, segundo a qual a alegria do céu não consiste no descanso, seja um eco remoto dessa leitura da juventude.

            A íntima união, nos anjos, entre a contemplação de Deus e o cumprimento de sua missão na terra, era um sólido motivo para Teresa esperar fazer a mesma coisa depois da morte. A 14 de julho, escrevia na última carta ao Pe. Roulland: “Espero não ficar parada no céu. Meu desejo é trabalhar ainda pela Igreja e pelas almas. Peço-o a Deus com a segurança de ser atendida. Os anjos também não estão continuamente ocupados conosco, sem jamais deixar de ver a face divina, de se perder no oceano sem praias do amor? Por que Jesus não me deixaria imitá-los?” 25 Faz reflexão semelhante no dia 17 de julho 26 No dia seguinte ocorre a célebre declaração lembrada no início deste capítulo.

            Enfim, a vida de São Luiz Gonzaga, lida no refeitório nos primeiros meses de 1897, confirmara em Teresa a certeza de que a brevidade de sua vida de modo algum prejudicaria sua fecundidade. Um dia Teresa explicou isso à Irmã Maria Filomena: “Veja São Luiz Gonzaga; Deus poderia tê-lo feito viver muito tempo, para evangelizar os povos. Mas não o quis, por destinar-lhe outra missão, bem mais fecunda do que aquela de quem vivesse 80 anos. Todos os trabalhos apostólicos, ele os fez no céu, e acontecerá assim comigo. Sinto isso”. 27 Deve-se, aliás, a um trecho desta biografia a sugestão da famosa frase sobre a chuva de rosas. A Irmã Maria do Sagrado Coração lera, no refeitório, a história de certo cônego que, tendo pedido a cura a São Luiz, vira-o fazer-lhe cair sobre o leito uma chuva de rosas, como um símbolo da concessão da graça. “Eu também, depois da morte, disse à madrinha durante o recreio, farei chover rosas”. 28

 

2. Libertar-se das limitações

 

            Em julho de 1897, pois, Teresa sabe que não será apenas a publicação póstuma do seu manuscrito a beneficiar almas, depois de sua morte. Ela voltará à terra, junto às irmãs, para ajudá-las a seguir “a pequena via”. Chegará às remotas terras para auxiliar os missionários em seus labores apostólicos.

            No dia 10 de agosto mostram-lhe sua fotografia no papel de Joana d’Arc prisioneira. A foto logo a faz pensar na atividade a exercer depois de morta, quando sua liberdade for sem restrições: “Os santos também me encorajam, em minha prisão, dizendo-me: ‘Enquanto você estiver acorrentada, não poderá cumprir sua missão; mais tarde, depois da morte, será o tempo de seus trabalhos e conquistas”. 29

            Sabe-se o quanto Teresa se preocupava com este problema das limitações impostas aos nossos desejos pela condição humana. Em agosto e setembro de 1896 experimentara dolorosamente o contraste entre o infinitamente grande de seus desejos e o infinitamente pequeno de suas atividades. Enfim resolvera o problema compreendendo que o amor abrange todas as vocações, abraça todos os tempos e lugares e, conseqüentemente, entregando-se a uma única ocupação — a de amar — atingia a raiz das mais variadas atividades apostólicas. Seu anelo de ser útil à Igreja inteira podia se realizar na terra.

            Muito mais ainda, pensa Teresa, poderá se realizar após a morte. Libertada de meus condicionamentos, poderei estar presente a todas as necessidades da igreja.

            Teresa se encerrou atrás das grades de seu pequeno Carmelo de Lisieux, ciente de que “o zelo de uma carmelita deve abraçar o mundo”. 30 À medida da aproximação da morte, sente que vai começar o período das grandes viagens. No dia 2 de setembro, diz-lhe a Irmã Genoveva: “E pensar que ainda a estão esperando em Saigon!”. Resposta de Teresa: “Irei, irei logo; se você soubesse como farei depressa o meu giro!” 31

            No dia de seu enterro não se deveria ter cantado o Requiem aeternam (descanso eterno) mas sim a Actionem aeternam (atividade eterna), sonhada pela pequena normanda para sua eternidade: “Meu Deus, dai-me poder agir convosco, eternamente” 32

 

CONCLUSÃO

 

            Sobram belas fórmulas para não serem os homens avaros em sorrir:

            Basta pouco a engendrar um sorriso

            e basta um sorriso para tudo possibilitar.

G. Cesbron

 

            O sorriso enriquece quem o recebe sem empobrecer quem o dá.

            Dura apenas um instante

            mas sua lembrança é, às vezes, eterna.

 

            Pode-se dizer destes aforismas, conterem boa dose de verdade e neles se achar um eco do Evangelho, Jesus nos disse, efetivamente, haver mais alegria em dar do que em receber e convida-nos, também, a partilhar nossa alegria.

            Mas, espero que agora se veja melhor: a alegria cristã não pode ser reduzida à felicidade encontrada no esquecimento próprio e no serviço do próximo.

            A alegria cristã tem raízes muito mais profundas. Sua fonte está na experiência de um amor infinito, ininterruptamente entregue ao nosso amor, um amor sempre entusiasmado, apesar de nossas tolices ou nossas covardias. Este infinito amor se manifestou com um brilho singular na face de Jesus, de modo que o sorriso do cristão é nada mais que a resposta a um outro sorriso, o de Cristo, lembrando-nos, cada dia, sua paixão de amor ao nos entregar seu corpo ressuscitado.

            A alegria cristã é também a expressão de uma certeza, a de ser útil a toda a Igreja, no cumprimento das tarefas aparentemente mais banais e no oferecimento, na fé, nas provações covardemente suportadas. O cristão sabe não serem necessários grandes arroubos interiores nem situações excepcionais para tornar sua vida extraordinária. Seu entusiasmo provém da convicção da inabitação contínua de uma presença: Deus está aqui, muito próximo, permitindo-nos amar os irmãos e cumprir o dever cotidiano com o próprio dinamismo de seu Espírito.

            O cristão sabe, enfim, estar caminhando para um reino onde se enxugarão todas as lágrimas, onde os irmãos e esposos separados poderão novamente se encontrar, no qual todos os homens de boa vontade compreenderão finalmente, a possibilidade de terem podido viver na terra como no céu. Deixando-se conduzir pelo Cristo para o Pai, a fim de cantar com ele e juntamente com todos a prece desde sempre murmurada pelo Espírito, no fundo de seu coração: Pai, santificado seja o vosso nome...

            Não, a alegria cristã não resulta de uma simples decisão, tomada um belo dia pelos homens, num bonito arrojo de generosidade: “Devo ser alegre para fazer propaganda de meu Deus, para dar ao mundo um testemunho de felicidade”. A verdadeira alegria cristã é, apenas, o afloramento — às vezes, a explosão — no rosto dos santos, da presença que neles habita, pela qual se sabem a todo instante amados e renovados e, por cuja graça, todos os momentos da vida podem adquirir valor de eternidade.

            Assim escrevia Paulo VI na exortação de maio de 1975 sobre a alegria cristã: “A alegria pascal não é somente a de uma transfiguração possível. É a alegria da nova presença de Cristo ressuscitado, ao dar aos seus o Espírito Santo (...) A alegria propriamente espiritual, que é um fruto do mesmo Espírito Santo consiste em o espírito humano experimentar repouso e uma satisfação íntima na posse de Deus, Trindade santíssima, conhecido pela fé e amado pela caridade que promana dele”.

            Retomava esta idéia na alocução preparada para a festa da Transfiguração, em cuja noite faleceu (6 de agosto de 1978): o rosto transfigurado de Cristo anuncia a luz que nos deve inundar desde hoje e a glória eterna à qual todos somos chamados.

            E eis que o Espírito Santo suscita, para suceder Paulo VI, um papa irradiando da fisionomia um brilho todo especial, a alegria do Evangelho. João Paulo I ficou no trono de Pedro “apenas o tempo de um sorriso”, mas cremos que também ele passará seu céu fazendo o bem na terra, conduzindo-nos a viver aqui, na alegria, nossa peregrinação.

            Na festa de Santa Teresinha do Menino Jesus

            1o. de outubro de 1978.

 

NOTAS CAP. 7

 

1. Caderno amarelo, 17.7.

2. Manuscrito A, p. 4v; carta a Paulina, 5/12/1875; correspondência Geral II, pp. 118-119.

3. Manuscrito C, p. 5r.

4.Manuscrito A, p. 35r/v.

5. manuscrito A, p. 44r.

6. Manuscrito B, p. 2v.

7. Carta 101.

8. Ato de oferecimento.

9. Caderno amarelo, 9.6.5.

10. Caderno amarelo, 10.6.5.

11. Caderno amarelo, 15.6.1.

12.Caderno amarelo, 27.8.7.

13. Caderno amarelo, 20.5.1.

14. Caderno amarelo, 18.8.5.

15. Últimas Conversas/ Ir Geneviève, vaira 3.7; Últimas conversas, p. 616.

16. Caderno amarelo, 25.9.1.

17. Caderno amarelo, 25.9.1.

18. 18.7 (Últimas conversas, pp. 778-779).

19. Carta 193.

20. Carta 220.

21. Circular sobre Madre Genoveva, p. 19.

22. caderno amarelo, 18.7.1.

23. caderno amarelo, 13.7.2.

24. Fin du monde presente et mystère de la vie future, Paris, 2a. Ed., 1882, p. 209.

25. Carta 254.

26. Caderno amarelo, 17.7.

27. Circular de Irmã Maria Filomena de Jesus, p.5.

28. Sum. § 1644.

29. caderno amarelo, 10.8.4.

30. Manuscrito C, 33v.

31. Caderno amarelo, 2.9.3.

32. Jean Guitton, “Le génie spirituel chez Thérèse de l´Enfant-Jésus” Conferência em Notre dame de Paris, em Nouvelles de l´Institut Catholique de paris, maio de 1973, p. 35.

 

ÍNDICE

 

PREFÁCIO

 

Cap. 1: TUDO É GRAÇA

 

I UM AMOR ABSOLUTAMENTE GRATUITO

1 Um Deus que dá a vida

2. Um Deus que se dá

3. Um Deus que perdoa

 

II UM AMOR QUE GOSTA DE OLHAR PARA NÓS

1. A alegria de Deus

2. Pode-se dizer que aumentamos a alegria de Deus?

3. Pode-se falar do sofrimento de Deus?

4. A paixão do Filho bem-amado

 

Cap. 2: MÃOS VAZIAS E CORAÇÃO EM CHAMAS

1. Temos o direito de amar a Deus

2. Um duplo desejo

3. As raízes teológicas desta complementariedade

 

I - O DESEJO DE FUSÃO COM DEUS

1. O movimento de inspiração

2. O movimento de expiração

 

II - O DESEJO DE PAGAR AMOR COM AMOR A DEUS

 

III - A ALTERNÂNCIA DOS DOIS DESEJOS

1. O tema da infância

2. O modo de viver as humilhações

3 O modo de viver a aridez espiritual

4. O valor de nossos méritos

 

Cap. 3: SER ÚTIL A TODA A IGREJA

 

I - IRMÃOS A AJUDAR

1 Que se abram a Deus

2. Que se deixem atrair por Deus

 

II - FILHOS A SALVAR

1. A maternidade espiritual

2. A fecundidade da cruz

 

Cap. 4 - O QUE É A CARIDADE

A originalidade da caridade cristã tomada em dois exemplos

 

I - O AMOR NÃO É INVEJOSO

1. O ciúme provocado pelos talentos de nossos irmãos

2. Os ciúmes provocados pela santidade de nossos irmãos

 

II - O AMOR É PACIENTE

1. O tratamento a quente

2. O tratamento a frio

 

Cap. 5: MAIS DO QUE RAINHA ELA É MÃE

 

I - O MANTO VIRGINAL DE MARIA

1. Presença contínua

2. Um ícone da ternura de Deus

3. O meio educativo da vida divina

 

II - UMA MÃE A QUEM TUDO SE PODE PEDIR

 

III - UMA MÃE IMITÁVEL

1. A pequenina serva do Senhor

2. Uma vida de silêncio

3. Uma vida de fé

 

Cap. 6: HOJE TÃO SOMENTE

 

I - VIVER O HOJE DE DEUS

1. O valor insubstituível do momento presente

2. Viver dia a dia

3. Sofrer cada minuto

 

II - PREPARAR O FUTURO NA PAZ

 

Cap. 7: PASSAR O CÉU NA TERRA

 

I - UM CONJUNTO DE CERTEZAS

1. A morte é a entrada na verdadeira vida

2. A morte não separa os que se amam

3. A vida é curta

4. O momento mais importante da vida é a hora da morte

 

II - UMA CALMA EXPECTATIVA

 

III - UMA AUDACIOSA ESPERANÇA

1. Onde, pois, Teresa obteve tal certeza?

2. Libertar-se das limitações

 

CONCLUSÃO