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sábado, 21 de novembro de 2009

Aspectos biográficos de Santa Teresa - ULRICH DOBHAN

ULRICH DOBHAN: Aspectos biográficos de Santa Teresa




ESQUEMA GERAL

Breve resumo da história da Espanha no século XVI


I. O tratamento historiográfico de Santa Teresa

II. Santa Teresa em sua circunstância histórica

III. Santa Teresa em sua condição de mulher espiritual

IV. A condição social de Santa Teresa

V. Santa Teresa como reformadora do Carmelo


Breve resumo da história da Espanha

1469: casamento de Isabel a Católica de Castilla (+ 1504) com Fernando V de Aragão (+1516) em Valladolid;

1478: Sixto IV aceita a petição dos reis católicos expedindo a bula com a qual praticamente é erigida a Inquisição espanhola; tardará alguns anos para organizar-se e atuar;

1492: 6 de janeiro: os reis católicos entram em Granada;
31 de março: edito da expulsão dos judeus;
12 de outubro: descobrimento da América por Cristóbal Colón;

1495: Francisco Jiménez de Cisneros, Arcebispo de Toledo e Primado de todos os reinos da Espanha;

1502: expulsão ou conversão dos mouros do reino de Castilla:

1507: Cisneros é inquisidor geral;

1512-1517: Quinto Concílio de Latrão;

1512: Conquista de Navarra por Fernando V de Aragão;

1517: 17 de setembro: Carlos I pisa pela primeira vez em terra espanhola;
31 de outubro: Lutero publica suas teses em Wittenberg;
8 de novembro: morre o cardeal Cisneros; depois da morte de Fernando V em 1516 regente de todos os reinos da Espanha; o regente não chega a ver o novo soberano;

1519: o rei da Espanha Carlos I é imperador da Alemanha com o nome de Carlos V;

1520: Excomunhão de Lutero;

1521: dieta de Worms: Lutero diante do imperador, proscrição;

1524: Criação do Conselho das Índias;

1525: edito contra os alumbrados de Toledo;
batismo forçado dos mouros em Aragão. Já não há mouros, só moriscos (= mouros batizados);

1526: Os turcos vencem aos húngaros em Mohacz, a Hungria quase inteira cai nas mãos dos turcos;

1527: “saque de Roma” pelas tropas imperiais;

1529: os turcos às portas de Viena;

1530: dieta de Augsburgo com a “Confessio Augustana”, a primeira confissão protestante (ecumenismo frustrado);

1534: Inácio de Loyola funda a companhia de Jesus;
Henrique VIII cabeça da Igreja na Inglaterra;

1541: Reforma de João Calvino em Genebra;

1542: os espanhóis nas Filipinas;
os portugueses no Japão;

1544: paz de Crespy entre Carlos I e Francisco I da França; possibilidade do Concílio;

1545-1563: Concílio de Trento;

1546: morre Lutero;

1547: Cardeal Silíceo introduz os estatutos de pureza de sangue no cabido de Toledo;

1553-1558: Felipe II casado com Maria Tudor (a católica), filha de Henrique VIII; perseguição dos protestantes na Inglaterra; os cardeais Reginald Pole e Bartolemé Carranza;

1555: Paz de Augsburgo: “cuius régio eius religio”;

1556: Carlos I abdica em favor de seu filho Felipe II;
em Roma morre Santo Ignácio de Loyola;

1558: morre Carlos I em Yuste (Extremadura);
Isabel I rainha da Inglaterra (Até 1603);

1559: descoberta de círculos protestantes em Valladolid e Sevilla;
Fernando de Valdés publica seu “Cathalogus librorum qui prohibentur”, o mais severo de todos.

1562-1598: guerras de religião na França;

1567: o duque de Alba, governador dos Países Baixos com política dura;

1570: Isabel da Inglaterra excomungada;

1571: vitória naval em Lepanto por João da Áustria, filho ilegítimo de Carlos V: grande importância psicológica: os turcos não são invencíveis;

1572: fracasso da política do duque de Alba nos Países Baixos;
24 de agosto: Noite de São Bartolomeu na França;

1578-1579: Antonio Pérez e a princesa de Eboli são acusados e processados;

1580: Espanha incorpora Portugal com suas colônias na América do Sul: Espanha no cume de seu poder e de sua expansão;

1582: reforma do calendário gregoriano ainda hoje vigente ( ao dia 4, [dia morte de santa Teresa], segue o dia 15 de outubro, [enterro da mesma];

1588: fracasso da Armada Invencível;

1598: morre Felipe II.


I. O tratamento historiográfico de santa Teresa



1. A longa história “barroca” de santa Teresa

a. A época na qual Santa Teresa morreu está bem caracterizada. É a época do barroco e no que se refere a dimensão religiosa está marcado por um triunfalismo. Isto se explica pela derrota imposta pelos protestantes aos católicos, a luta contra eles e pelas conseqüentes definições do Concílio de Trento. Sem dúvida, muitas manifestações religiosas são uma pura reação levada até ao exagero frente aos protestantes que as rejeitam, não apenas nos aspectos exteriores destas formas religiosas, cerimônias etc., mas também nos aspectos interiores, como são as definições dogmáticas. Daqui surge o problema de hoje a respeito da interpretação e compreensão destes dogmas; hoje há mais serenidade, ainda que não se possa esquecer do fundamentalismo. Graças a estas manifestações os católicos sabem qual é a sua fé, seus dogmas etc., e sabem o que é heresia. A lista dos “anátema sit” nos decretos do Concílio de Trento é verdadeiramente impressionante. Esta segurança novamente conquistada teve seus efeitos concretos em quase todos os campos da vida social: religião, artes, literatura.

Não é de surpreender que neste ambiente o modelo de santidade também estava bem definido. Por exemplo, não se concebia um santo com sangue “impuro” ou dedicado a ofícios vis ou mecânicos. Naquelas mentalidades, com seus horizontes sacralizados não se podia nem suspeitar que a pertença às elites divinas não correspondesse com as elites sociais da terra. Quanto a evidencia, que para o protagonista não significava nenhum problema, ou quando os silêncios demonstravam o contrário, a hagiografia se encarregava de transmutar a realidade como um dos ofícios elementares ao seu gênero.

Outro detalhe neste modelo de santidade é o antiprotestantismo, isto é, a defesa da Igreja Católica contra os hereges da Alemanha. Os santos se convertem como que instrumentos de defesa contra os hereges. Isto vale para toda a Igreja, talvez mais para a Espanha, que sob Carlos I (V da Alemanha) e sobretudo sob seu filho Felipe II se converte em testa de ferro do catolicismo. Com relação a santa Teresa se diz, especialmente em manuais de história na Alemanha, que ela é uma das figuras principais da Contra-reforma, quando na verdade sua importância não está tanto no “anti”, quanto na positividade de sua existência.

b. Por sua personalidade polifacética e rica Santa Teresa não podia passar despercebida, no momento mesmo de sua morte já tinha uma fama muito grande. Seus escritos – todavia manuscritos – circulavam em certos ambientes e aumentavam sua fama. Por eles e também por outras maneiras se sabia que ela foi uma personagem extraordinária, com muitos fenômenos místicos extraordinários (visões, êxtases, arroubamentos etc.), coisas muito importantes segundo o conceito de santidade deste tempo. Todo este conjunto de aspectos pessoais encontrou uma ressonância propícia no ambiente barroco em que ela viveu e morreu, contra o qual nem mesmo a Ilustração conseguiu algo. Praticamente esta visão da santa continuou até nossos dias. As representações artísticas que existem dela contribuíram, não pouco, para que se confirmar estas idéias a seu respeito, pelo menos na Alemanha, onde a imagem da transverberação tornou-se a mais típica. A conseqüência é, que, para a maioria das pessoas, Teresa é a santa dos fenômenos místicos extraordinários e a mística é identificada com coisas anormais.

c. Esta afirmação se comprova já na primeira biografia que devemos ao jesuíta Francisco de Ribera (Francisco de Ribera, La vida de la Madre Teresa de Jesús, fundadora de las descalzas y descalzos carmelitas, Salamanca 1590.). Não é uma biografia no sentido de hoje, mas uma apresentação da personalidade da santa que obedece perfeitamente às normas dos processos de beatificação. Assim se explica a importância que o autor concede a todo o extraordinário em sua personalidade, como milagres, virtudes, enquanto se cortam outros aspectos. Esta biografia está condicionada pela mentalidade barroca e pela preocupação com a beatificação, cujos processos e interrogatórios sofrem também os influxos da mentalidade barroca. Aquilo que é propriamente histórico está subordinado a outras metas espirituais, ainda que para isto tenha que se recorrer a manipulações evidentes.
Com isso a santa já em sua primeira biografia é vítima de um autor ao qual não lhe interessa tanto a figura histórica da mesma, quanto suas próprias idéias e a necessidade de acomoda-la aos estereótipos prefixados.
Este será o “método” que seguem todas as biografias da santa até nossos dias.

d. Assim o confirma a “Vida” da santa de Diego de Yepes em 1606 (Diego de Yepes, Vida, virtudes y milagros de la Bienaventurada Virgen Teresa de Jesús, Madre y Fundadora de la nueva reformación de la Orden de los Descalzos de Nuestra Señora del Carmen, Zaragoza 1606.).
Hoje sabemos bem que o autor não é o mencionado bispo de Tarazona, mas Tomás de Jesus, um personagem bem conhecido na primeira geração após a santa e o santo. De um lado encontramos o já conhecido: a biografia tem que ser uma recomendação da heroína para sua beatificação. Assim se enfatiza o caráter magisterial, a segurança doutrinal (não esqueçamos que seus escritos foram suspeitos e acusados ante a Inquisição até 1598, ainda que sem êxito): A santa como mestra, ainda mantendo bem a estrutura clássica das biografias nesta época: vida, virtudes, milagres. De outro lado, sendo o P. Tomás de Jesus um dos personagens mais comprometidos nos problemas que agitaram a reforma teresiana encontramos sua trajetória pessoal nesta biografia e essa é a dicotomia entre ação-contemplação. Tomás de Jesus é o criador entusiasta dos “desertos” e o protagonista da ação missionária da reforma teresiana (é o fundador do primeiro convento dos descalços na Alemanha, em Colônia, 1613). Sua “Vida” se traduz na apologia da vida eremítica e missionária como constitutivos do ser carmelita. Em outras palavras: a personalidade de santa Teresa é vítima dos conflitos internos em sua Ordem que praticamente seguem até hoje...

e. Outro “enriquecimento” na biografia da santa, e já podemos falar de “método” na hagiografia teresiana, é o dado por Antonio da Encarnação com a sua biografia escrita em 1614 (Antonio de la Encarnación, Vida i milagros de la esclarecida i seráfica virgen santa Teresa.). A santa já está beatificada (neste ano), já se prevê sua canonização, isto significa que a segurança da doutrina está garantida; não apenas sua doutrina mas também sua força taumatúrgica. Isto se prova com a explicação etimológica do nome de Teresa, que de origem grega quer dizer a milagrosa. Uma vez estabelecido isto não há porque não aumentar os milagres, ainda mais porque a santa se apresenta como a terapeuta por excelência, algo muito importante numa sociedade que está caracterizada por enfermidades inumeráveis e a morte prematura (cf. a família do santo).
É muito significativo que esta biografia se editou em 1914 em Toledo por Gerardo de são João da Cruz, isto é, ainda nesta época havia uma plena aceitação desta visão da santa, pelo menos em sua Ordem, apesar das conquistas da historiografia histórico-crítica.

f. Outra contribuição neste processo de deformação o devemos ao P. Nicolas Doria, que se apossa da santa para legitimar suas diretrizes oficiais do que é a reforma teresiana, anexando a elas à santa como Mãe. Até hoje sofremos com estas deformações, se pensamos no conflito Gracián-Dória. Por obra dos cronistas oficiais, sobretudo Francisco de santa Maria Pulgar, que se acomodou ao espírito doriano, se petrificou esta visão. A história do Carmo reformado se converteu numa espécie de “áurea legenda” branca, controlada e dirigida pelos superiores maiores. A santa é a Madre nestas crônicas, porém instrumentalizada e manipulada. Porém, se a Madre está manipulada, que será daquilo que chamamos “espírito teresiano”? A montanha documental recolhida pelo P. Pulgar se converteu em paladino de agudas e estéreis disputas domesticas.

g. Nem a Ilustração (a perigosa Aufklärung da Alemanha) pôde com esta hagiografia oficialmente ditada e controlada, apesar das inquietantes investigações de Manuel de santa Maria e Andrés da Encarnação. Explica-se, desta maneira, por que as duas obras fundamentais deste período revelam-se tão desconcertantes do ponto de vista historiográfico. Antonio de são Joaquim estrutura seu “Ano Teresiano” (Diário histórico, panegírico moral, em que se descrevem as virtudes, acontecimentos e maravilhas da seráfica e mística doutora da Igreja, Santa Teresa de Jesus, asignadas por todos os dias dos meses em que sucederam, Madrid 1733-1769.) para reflexão pessoal e exaltação do modelo pré-fabricado da santa. Da mesma maneira deve-se entender o “ano cristão” do P. Manuel de são Tomás Traggia (La Mujer Grande. Vida Meditada de Santa Teresa de Jesús, enseñando como madre, maestra y doctora universal, con ejemplos y doctrina. Obra distribuida en lecciones, que forman un año cristiano completo, Madrid, 3 vols, 1807).
A novidade que se acrescenta à santa, Madre e Mestra, é a idéia da santa como patrona de todos os espanhóis. Resgata a velha contenda desencadeada por regias decisões, petições de cortes castellanas do século XVII ou pela esperada resistência eficaz do cabido galego ou de cavalheiros da ordem militar de são Tiago. Para estes cristãos, velhos por antonomásia, guerreiros duros, era inaceitável que uma mulher fosse patrona dos espanhóis. Por obra do P. Traggia com sua “Relação Histórica” a santa se converte em personificação “do espanhol”.

h. Até agora, o último passo neste processo de deformação é o título: A santa da raça que lhe outorgou o P. Gabriel de Jesus (La Santa de la Raza. Vida gráfica de Santa Teresa de Jesús, 4 vols., Madrid, 1929-1935), um autor entusiasta chegando ao delírio com sua protagonista.
Na mesma linha, talvez ainda exagerando, há que colocar a obra do benemérito (e depois geral da Ordem) P. Silvério de Santa Teresa, com sua obra Santa Teresa de Jesus, síntese suprema da Raça (Silvério de Santa Teresa, Santa Teresa de Jesús, síntesis suprema de la Raza, Madrid 1939; 1944 salida em traducción italiana [Procura missioni dei Carmelitani Saclazi, Roma], y 1947 em traducción inglesa [Sands & Co. Publishers Ltd., London and Glasgow], com solo el título S. Teresa di Gesù respectivamente Saint Teresa of Jesus), publicada em 1939, uma data que não podemos deixar de sublinhar. É claro que o que estes autores apresentam como peculiar da raça espanhola não tem nada a ver com a autêntica estratificação social da santa. Por ironia da história ou seja lá o que for: somente 7 anos mais tarde, em 1946, aparecem os primeiros documentos que falam da ascendência judia de santa Teresa.

Resumindo: Temos o seguinte caminho de deformação da personalidade da santa: normas do processo de beatificação, mestra (para a legitimação de interesses pessoais), milagrosa (em concorrência com outros), Madre (para defender a linha oficial da Ordem), patrona de todos os espanhóis, personificação “do espanhol”, a santa da Raça, síntese suprema da Raça.

2. Rumo a renovação da biografia teresiana

Creio que o problema fundamental na história da hagiografia teresiana foi o medo de aplicar as normas do método histórico-crítico, que conhecemos da teologia bíblica. Pensando nos problemas que havia para aplica-lo nesse campo, compreendemos melhor os titubeios com respeito à santa, sobretudo em sua Ordem na Espanha.

a. A primeira tentativa neste sentido devemos ao Padre Miguel Mir (Santa Teresa de Jesús. Su vida, su espíritu, sus fundaciones, 2 vols., Madrid 1912) que deixa entrever um anseio crítico e sensibilidade histórica. A guerra desencadeada contra ele e seus vicissitudes pessoais explicam porque este livro não transcendeu o de ser um livro isolado. Foi vítima, o P. Mir, da mesma mentalidade fechada frente a qual fracassou o suíço P. Benedikt Zimmerman, primeiro historiador crítico na Ordem da Santa. A razão desta rejeição foi o medo do espírito protestante...

b. Não pode faltar a este olhar da gênese de uma nova biografia teresiana o nome do P. Silvério de santa Teresa, não porque ele teria contribuído muito a esta nova biografia, pelo contrário, como vimos, mas por ter acumulado uma quantidade de materiais até então desconhecidos. Como editor crítico da “Obras”, da “Biblioteca Mística Carmelitana” tem grandes méritos, porém o editor não é o mesmo que o historiador do Carmelo Descalço. A “vida” da santa (na “História del Carmen Descalço”) que como no século XVII a biografia do P. Pulgar segue a linha tradicional da historiografia triunfalista e apresenta uma visão caseira da santa, uma leitura negativamente espiritual. Sabendo que ele escreve para monjas carmelitas, se pode compreender melhor sua história, porém ao mesmo tempo esta visão trai que idéia tem das monjas (e da mulher) na Igreja.
A obra do P. Silvério se converte no ponto de referencia obrigatório para os que vêm depois dele. Há que mencionar os seguintes: E. Allison Peers, William Th. Walsh, M. Auclair, G. Papasogli, Crisógono de Jesus Sacramentado.

c. Um passo adiante constitui o livro do P. Efrén da Mãe de Deus. A empresa responde ao anseio de preencher vazios clamorosos e captar Teresa ”movendo-se em seu próprio ambiente, sob a influência dos inumeráveis fatores que interviram em sua vida”. Sua primeira biografia (até a fundação de São José) apareceu no primeiro volume de suas “Obras” da santa em 1951. A partir do momento em prestou sua colaboração o P. Otger Steggink, isto é desde a segunda edição, melhorou muito este intento de uma biografia nova da santa, já que se foram desfazendo mitos arraigados, recorreu-se a fontes novas, exploraram arquivos eloqüentes e esquecidos antes, estabeleceu-se o diálogo com contribuições históricas mais gerais que as limitadas e habituais, das quais ficaram constantes e inumeráveis notas, sobretudo na edição de três volumes que pode parecer definitiva. Porém também esta biografia tem suas falhas, quase radicais, já que se pode constatar que persistem interpretações desconexas com as circunstâncias históricas gerais; assim a santa continua sendo isolada em sua grandeza e não situada nos condicionantes sociais, econômicos, políticos e mentais. Sabemos hoje, pelos resultados que nos proporcionam a sociologia e a psicologia, que não se deve refletir somente sobre alguns pontos da espiritualidade teresiana, como por exemplo seu biblismo ou cristologia, conectando-os com os correspondentes temas de então, mas toda sua visão de Deus, da vida, do homem e do mundo podem e devem matizar-se pela mentalidade do setor social em que viveu; tão pouco podemos compreender bem a uma pessoa de nossos dias se prescindimos de todo o conjunto de idéias, coisas, influxos etc., que a rodeiam. Isto não significa que alguém é o produto de seu ambiente, mas está submetido a muitos fatores. De alguns destes temas, vamos tratar nestas aulas.

Bibliografia: T. Egido, El tratamiento historiográfico de Santa Teresa. Inércias y revisiones, em: Revista de Espiritualidad 40 (1982) 171-189 (la base de estas clases); Idem, Ambiente histórico, em: Introducción a la lectura de Santa Teresa, Madrid 1978, 43-103; Idem, Claves históricas para la comprensión de San Juan de la Cruz, em: Introducción a la lectura de San Juan de la Cruz, Salamanca 1991, 59-124; U. Dobhan, Gott-Mensch-Welt in der Sicht Teresas von Avila, Frankfurt 1978; Efrén de la Madre de Deios – O. Steggink, Tiempo y vida de Santa Teresa, Madrid (2) 1977; Idem, Santa Teresa y su tiempo, 3 vols., Salamanca 1982-1984; J. L. Sánchez Lora, Mujeres, conventos y formas de la religiosidad barroca, Madrid 1988.


II. SANTA TERESA EM SEU CONTEXTO HISTÓRICO

1. Um lar de cristãos novos

a. Graças a historiografia moderna conhecemos melhor as circunstâncias concretas da família de santa Teresa. A ausência de uma alusão à fidalguia de seu pai no relato que a santa nos dá de sua família não impediu que os hagiógrafos construíssem uma descendência de alta nobreza; e este é um ponto que nunca falta nas biografias correntes.
O que surpreende é que o pai de Teresa tem um apreço muito grande pelos livros e procura alfabetizar desde cedo seus treze filhos (dez homens e três mulheres), quando a preocupação principal naquela Castilla era a pureza de sangue e ser analfabeto servia como prova de não estar manchado com sangue judeu.
Os silêncios de Teresa sobre a verdadeira ascendência de seu pai se converteram em falsificações inconscientes da parte dos apologistas de primeira e última hora, dos processos de beatificação, de biógrafos que eram incapazes de compreender que Teresa não pertencia à alta nobreza. Graças às investigações dos últimos 40 anos, hoje sabemos que Teresa descendia de um avô judeu (Juan Sánchez), reconciliado em Toledo em 1485, rico mercador “sambenitado” (sambenito = vestuário usado pelos penitentes julgados pela inquisição sobre questões de fé), provavelmente odiado (ou invejado) por cristãos velhos.

b. Assim conhecido e desprezado em Toledo Juan Sánchez com seu filhos, entre eles o pai da santa, nascido em 1480, se mudam para Ávila onde continua com as mesmas atividades financeiras. Mas seus filhos foram abandonando tais afazeres “vis”, mudam/trocam sobrenomes, dedicam-se em conseguir atestados de fidalguia, com a ajuda de testemunhas compradas, se casam com mulheres fidalgas e conseguem penetrar no setor da baixa nobreza, isenta de certos impostos, porém obrigada a viver sem trabalho e de renda, para dissimularem seu verdadeiro estado. De fato, Don Alonso (pai de Teresa) viverá sem ofício conhecido, dilapidará os dotes de suas mulheres e morrerá arruinado no dia 24 de dezembro de 1543. Era o tributo trágico que deviam pagar aqueles castellanos judeus, ansiosos por integrar-se numa sociedade racista e inclemente com os de sua casta.

c. Em relação à sua mãe a santa nos diz que “foram grandes os trabalhos que passou no tempo em viveu” (V 1, 3). Que tipo de trabalhos foram estes? Não sabemos, ainda que possamos imaginar algo...O pouco que Teresa nos fala sobre sua mãe reflete, primeiro, os traços característicos de uma sociedade sacralizada: “Com o cuidado que minha mãe tinha de ensinar-nos a rezar, sobretudo o rosário (V1, 6) e incentivar-nos em ser devotos de nossa Senhora e de alguns santos” (V 1, 1); em segundo lugar, nos põe diante de um outro elemento dominante naquelas sociedades: a morte e a outra vida, a mãe de Teresa morre apenas com trinta e três anos de idade, depois de ter dado à luz dez filhos em dezenove anos; impõe-se o efêmero da vida terrena já que bem próximo se podia ver um hospital que acolhia a enfermos e a bebês abandonados, algo não tão insólito se pensamos na família de são João da Cruz. Assim podemos compreender bem quando a santa diz que “parecia-me que os santos compravam muito barato o irem gozar de Deus e desejava eu morrer assim” (V 1, 5). Sua fuga para a terra de mouros que para ela são os verdadeiros inimigos da cristandade, não os judeus, corresponde a este desejo de ganhar rápido os grandes bens do céu, já que a vida aqui não tem muito valor.

d. De seu pai fala menos. Destaca sua caridade aos pobres e que “jamais conseguiram convence-lo a ter escravos, porque tinha por eles grande piedade” (V 1, 2). Parece que Teresa não herdou esta “virtude” visto que quase nunca nos fala sobre isso, apesar da sociedade na qual viveu possuir esta sensibilidade para com o pobre, como demonstra bem o caso de João da Cruz. Além de tudo, as relações de Teresa com seu pai não pareciam ser muito cordiais: “ainda que, diz, era a mais querida de meu pai” (V 1, 4), como manifesta o fato que lia livros de cavalaria às escondidas (V 2, 2). E quando foi drasticamente fechada no mosteiro de santa Maria das Graças para ser educada nos diz que a oito dias de inquietação pela honra, porque foi a honra que a preocupou muito mais que deixar sua casa: “Estava mais contente que na casa de meu pai” (V 2, 8).


2. Caminhos de uma vocação


a. No princípio de sua estadia nas agostinianas a santa confessa: “Mesmo sendo tão inimiga da idéia de tornar-me monja, alegrava-me ver tão boas monjas”. Parece que sua capacidade natural de entrar em contato a havia ajudado neste momento, como sempre em sua vida: ”Nisto me dava o Senhor graça, em dar alegria aonde quer que estivesse, e assim era muito querida” (V 2, 8). Com esta confissão estamos diante de algo fundamental na personalidade de santa Teresa: sua capacidade de entrar em contato, de criar amizade, até a amizade com Deus, já antes de se tornar monja, como demonstra o texto: “Muitos anos quase todas as noites antes que dormisse... sempre pensava um pouco neste passo da oração do horto, desde quando ainda não era monja” (V 9, 4).

b. Muito importante no caminho de sua vocação é a experiência da vaidade do mundo: “Fui entendendo a verdade de quando era criança, de que tudo não era nada, da vaidade do mundo e como passava rápido”, do inferno: “... e a temer, se tivesse morrido, que iria ao inferno” (V 3, 5), o purgatório, quase inevitável, é o que a leva à decisão “de tomar estado”: “Os trabalhos e pena de ser monja não podiam ser maior que a do purgatório, eu que havia merecido o inferno, não era muito estar o resto do que vivesse como num purgatório, e que depois iria direto ao céu, pois este era meu desejo” (V 3, 6). Com uma sinceridade impressionante confessa: “Neste movimento de tomar estado mais parece me movia um temor servil que amor” (ibd.), uma alusão literal a Lutero que também fala de “temor servil” que tinha de Deus.Teríamos aqui os primeiros influxos de um agostianismo que se percebe na Santa? Seguramente há influxos, pelo que se refere ao inferno, da parte dos pregadores e da instrução religiosa. (Cfr. o livro Geografia de la eternidad, citado na bibliografia, pp. 55-123).

c. Uma crise de saúde termina sua estadia nas agostinianas. Para recuperar-se completamente, ainda que as doenças a acompanhem ao longo de toda sua vida, vai ao povoado de sua irmã encontrando no caminho, na casa de seu tio, livros de são Jerônimo que a consolidam mais na sua vocação religiosa, não aceita por seu pai. E com a sua obsessão pela “Vaidade do mundo” (V 4, 1) convence a um irmão mais novo, como no passado fizera com seu irmão Rodrigo e seu sonho de martírio, que a levasse ao convento.
Na madrugada do dia 2 de novembro de 1535, dia de finados, porque Teresa estava convencida a viver no convento como no purgatório, ambos fugiram sigilosamente: Teresa é recebida pelas monjas carmelitas da Encarnação, necessitadas de dotes, enquanto seu irmão entra nos dominicanos.

d. Sem negar a ação sobrenatural, pois sabemos que Deus atua por meios naturais, a opção da santa explica-se por muitas razões: Don Alonso, mesmo sendo filho de um rico mercador, não exercendo nenhum ofício e tendo dilapidado os dotes de suas mulheres, por causa das pressões sociais estava vivendo e vendo a ruína de sua família. Para disfarçar sua verdadeira situação de descendentes de judeus seus filhos se lançam às saídas típicas que então havia para pessoas de seu tipo: a guerra, as Índias, a Igreja: um irmão, por parte de pai, morreu na África, todos os outros se dirigiram às Índias, a santa ao mosteiro. O matrimônio, apesar ter pensado nesta possibilidade (V 2, 9), não lhe pareceu uma saída válida visto ter diante de si a situação concreta da mulher casada, em geral, (CV 26, 4 e F 31, 46), e o caso de sua mãe, em particular.
Um detalhe interessante em seu processo vocacional e na sua opção pela Encarnação é o seguinte, além da presença de uma amiga neste mosteiro: “já tinha mais aceitação de ser monja, ainda que não naquela casa (das agostinianas), por causa das coisas mais virtuosas que havia, o que só mais tarde entendi, pois na ocasião me pareciam extremos demasiados; e algumas mais jovens me ajudavam nesta opinião” (V 3, 2), isto é: a santa não estava de acordo com certas formas de devoção que havia nas agostinianas. Quais seriam? Um Deus por demais abstrato e distante em comparação com seu Deus amigo?

e. Hoje se conhece bem o mundo monástico era a Encarnação nesta época:
Sua expansão demográfica passa de 30 professas em 1536 para 65 em 1545 e mais de 150 pelos tempos da reforma (uma prova evidente que este mosteiro, como muitos outros de então, se haviam convertido em refúgio de mulheres que por falta de homens não chegavam a casar-se), enquanto as rendas comuns não cresciam adequadamente.

A vida interna da comunidade, com suas desigualdades, refletia a sociedade de fora, com monjas pobres, as do refeitório e dormitório comum, que passavam fome material; enquanto que as que dispunham de recursos próprios podiam viver magnificamente em suas celas individuais, com condições de “sub-locar”, manter criadas, quem sabe até alguma escrava e hospedar parentes, num estilo de vida exatamente igual ao secular.

As muitas saídas para remediar as necessidades materiais das monjas e aliviar a superpopulação, seja por mendicância simulada, seja por imperativos de gratidão ou expectativas de ajuda nem sempre realizadas.

A dependência afetiva era direcionada a gravitar mais para fora que para a impossível vida comunitária, já que muitas monjas não tinham vocação autêntica; isto demonstra o valor do empenho daquelas que eram vocacionadas, pois além da problemática geral do convento tinham que conviver com aquelas que não tinham vocação, isto é, tinham muitas vezes que suportá-las. Aqui fica bem o testemunho que a santa dá de si mesma (V 6, 3).

f. Aqui viveu a santa, por obrigação ou de boa vontade.
Aqui passou bons momentos no locutório com algum cavalheiro da aristocracia local, seja porque buscava ajuda ou por motivos pessoais.
Aqui caiu gravemente doente e buscou remédio mais uma vez na casa de seu tio com seus livros (desta vez o de Osuna), e em Becedas com a famosa curandeira, onde aconteceu um encontro muito significativo com o padre enfeitiçado através de magia (ela com seus 24 anos)... “Determinantemente não creio em feitiços” (V 5, 5).
Aqui passou um longo período de recuperação experimentando até o extremo a miséria e a impotência dos terapeutas humanos, que a empurraram aos médicos do céu, especialmente ao poderoso são José (V 6, 5-7).
Daqui assistiu ao seu pai doente “estando eu mais doente na alma que ele no corpo” (V 7, 14), e saiu para ajudar sua irmã Joana, residindo com ela até seu casamento, e para ver seu tio Don Francisco Alvarez de Cepeda.
Daqui foi em peregrinação votiva a Guadalupe com voltas bem aproveitadas pelas romeras.
A partir deste lugar viveu uma grande amizade com dona Guiomar de Ulloa, e teve que sair para consolar, por imperativos do provincial, a aristocrata dona Luisa de La Cerda em Toledo (V 34, 3).

g. Aqui, na Encarnação, concebeu e desenvolveu seu grande projeto da reforma, o qual, mesmo sendo a obra de Deus nela, tomou forma concreta sob os inumeráveis impulsos que lhe vieram de fora de seu convento:
Estamos no período do concílio de Trento com ares muito fortes de reforma, sobretudo na Espanha e de dentro:
Sem a Encarnação não seria explicável nem a fundação de São José, nem sequer uma idéia fundadora, não apenas porque Teresa em São José queria realizar algo melhor em relação a Encarnação, mas porque é devedora de seu mosteiro primeiro, como por exemplo sua formação religiosa e espiritual no espírito da Ordem, e pelas numerosas monjas que lhe seguiram, tornando possível a realização de suas fundações.


3. Formação do ideal Reformador

a. No princípio de tudo estava o desejo de volta às origens, um pouco em consonância com as idéias reformistas gerais. É bonito constatar que a assim chamada “regra primitiva” não é a primitiva; parece que aquele grupinho de mulheres na cela espaçosa de dona Teresa não sabia muito claramente o que pretendia.

b. Parece que os seguintes fatores tenham influído na gênesis do ideal reformador:
Uma certa simpatia pelos movimentos de observância;
Os inconvenientes do estilo de vida na Encarnação que não levava a uma igualdade mais conseqüente;
Uma nova forma de pobreza que prescindia das rendas fixas;
O fechamento da clausura como ambiente necessário para o novo estilo de vida (e quem sabe para livrar-se também da submissão aos homens).
O número reduzido de monjas para assegurar a tranqüilidade e independência necessárias para a vida de oração, eixo da experiência primeira da madre e seu grupo;
O “encontro” com os protestantes na forma em que foram apresentados à santa, seja por informações do rei (pedidos de oração pelas guerras), ou por seus confessores, membros do concílio de Trento, ou pelos acontecimentos do ano de 1559 em Sevilla e Valladolid (autos de fé contra judaizantes e hereges e proibição de estudar no estrangeiro). Este “encontro” provocou na santa a preocupação eclesial, que deixa constância nas intenções com que encomenda as orações de suas monjas: pelos protestantes, os defensores da Igreja, pregadores e letrados (CV 1, 2). Há uma espécie de reflexo destas intenções em seu relato da visão do inferno em V 32, 6 quando diz: “Daqui também ganhei a grandíssima pena que me dá as muitas almas que se condenam (destes luteranos em especial, porque já eram pelo batismo membros da Igreja) e os ímpetos grandes de aproveitar as almas”... (“Extra ecclesiam nulla salutis”, morro filha da Igreja, fora dela não se pode chegar ao céu).
Podemos dizer, que toda esta inquietação interior é fruto de seu trato pessoal com Deus, isto é, não uma simples reação aos acontecimentos de seu redor ou conseqüência de seus desejos reformadores ou contra-reformista (a santa não apenas reage, mas também é sujeito da história).

Resumindo: de um lado há impulsos intra-carmelitanos, que movem a santa, de outro lado há também a tradição reformadora castellana, junto aos estímulos contra-reformistas que se encontram nela para engendrar o que chamamos hoje o ideal reformador ou quem sabe fundador, já que é muito mais que uma reforma do Carmelo tradicional. Contudo, santa Teresa estava convencida de que seus grupos de mulheres orantes são muito mais eficazes para a tarefa eclesial que os exércitos de Felipe II: “Forças humanas não bastam para cortar o fogo destes hereges, o que se pretendeu fazer, como se pudessem à força de armas remediar tão grande mal, e que vai tão adiantado” (CV 3, 1): Teresa, a perspicaz visionária do fracasso de Felipe II.

c. Uma vez instaurado este novo estilo de vida em São José, no dia 24 de agosto de 1562, os primeiros sobressaltos procederam da cidade. Existem diversas razões:
Ávila já contava com muitos mosteiros e suficientemente pobres para sustentar;
A “cidade dos cantos e d santos” não valorizou a transcendência do que estava acontecendo nestes anos, e nem quem era Teresa de Ahumada;
À fundação da santa não lhe faltava uma nota de protesto e um sinal de desafio contra a marginalização da mulher a qual tinha um lugar reservadíssimo naquela sociedade. Isto se comprova não apenas em textos procedentes de teólogos (onde é algo normal),mas também nos contos do século de ouro: eram consideradas como um mal necessário;
Crescem as suspeitas para com as mulheres alfabetizadas e do mundo dos espirituais, sobretudo da parte dos teólogos, verdadeiros mentores e dirigentes nestas sociedades sacralizadas, além de serem controlados pelo santo Ofício. É interessante, neste sentido, a censura do livro da “Vida” pelo Pe. Bañez, amigo da santa: “Há muitas revelações e visões, as quais são sempre muito de temer, especialmente em mulheres, que são fáceis em crer que são de Deus e em colocar nelas a santidade” (anexo ao livro da Vida);
A existência dos alumbrados aumenta a situação perigosa da santa porque as denúncias inquisitoriais contra ela se apoiaram nas ressonâncias de “alumbradismo”;
Porque seus mosteiros eram formados por grupos de mulheres orantes, estas se tornavam suspeitas pelo simples fato de serem mulheres e orantes. Considerando tal contexto podemos questionar se a tão difundida predileção da santa pelos letrados tem tanto fundamento e se suas contínuas queixas da “ruindade” da mulher não seriam melhor interpretadas como ironia; muitas vezes estas escondem investidas sagazes contra os preconceitos em geral e contra aqueles, que sem havê-la vivido, se empenham em falar contra a oração (cf. F 5, 2);
A fundação de seu mosteiro é também um sinal de protesto contra a exageração da honra, não tanto no sentido de respeito, pudor, ao qual ela mesma era tão sensível, mas sobretudo a preocupação escravizadora com a opinião dos demais, identificada com as conotações de linhagem e de pureza de sangue; de fato ela não põe estatutos especiais em suas constituições e admite muitas vocações provindas de famílias conversas;
Com a insistência na oração mental a santa se livra de uma “piedade encomendada”, isto é orações que as monjas deveriam cumprir encomendadas por certos benfeitores, como novenas, procissões etc. (Caminho 1, 5).

Resumindo: A fundação de São José, à parte as motivações espirituais supôs para Teresa uma libertação do sufoco irrespirável e convencional. Ali poderia viver, desmascarando a mentira da sociedade da honra que encobria outros interesses. Nem na literatura picaresca desta época há tantas investidas transbordantes de amargor contra a honra como as que se encontram em “Caminho de Perfeição”. Em seu novo mosteiro podia realizar a igualdade absoluta das monjas, banir drasticamente os títulos e suprimir todas as insinuações às linhagens, ascendências e nomes de família etc. Dar valor a estas coisas tão estimadas no mundo é um inferno. Santa Teresa com sua fundação reviveu o ideal da Igreja primitiva, sonho permanente de toda reforma, até o número de treze monjas ao princípio, isto é “o colégio de Cristo, onde tinha mais autoridade são Pedro, que era pescador, e assim quis o senhor, que são Bartolomeu, que era filho de rei” (CV 27, 6).


4. A Expansão da reforma

a. Teresa vivia bem nos primeiros anos após a fundação de São José: “Parece-me que foram (estes anos) os mais descansados de minha vida” (F 1, 1). Apesar disso, falando a respeito de outra experiência deste período diz: “Meus desejos, quanto mais o tempo passava, eram maiores, queria de alguma forma ser útil para o bem de alguma alma, e muitas vezes me sentia como se minha alma estivesse amarrada” (F 1, 6).

b. São as Índias, o grande problema da Igreja Castellana, as que oferecem à santa a realização de seus “desejos”. À parte as notícias gerais que podia obter da metrópole, foi um missionário franciscano, Alonso Maldonado, que no locutório de São José repetiu o que havia dito em seus memorandos dirigidos à corte. O conteúdo de suas exposições não informa sobre os muitos batizados realizados com os métodos conhecidos, mas dos “muitos milhões de almas que ali se perdiam por falta de doutrina” (F 1, 6). A santa reage: “Eu fiquei com tanta lástima pela perdição de tantas almas, que não cabia em mim. Fui-me a uma ermida com muitas lágrimas” (F 1, 7). O Senhor lhe responde: “Espera um pouco, filha, e verás grandes coisas” (F 1, 8).

c.“As grandes coisas” são o aumento das fundações, permitidas pelo geral Rubeo em sua visita a São José com seu estímulo para que fundasse tantos mosteiros quanto cabelos tinha em sua cabeça. Assim tornou-se possível o que ela tinha sentido antes. Agora sabe que tem que viver, orar e atuar não apenas pelos protestantes, os defensores da Igreja, pregadores e letrados (CV 1, 2), senão por todo o mundo. O ideal reformador, ou melhor fundador, chegou a sua plenitude.

d. Quanto à distribuição geográfica de seus conventos constatamos que fundou com gosto apenas com suficientes garantias em núcleos urbanos, ricos em homens e em recursos materiais ou em esmolas. Isto junto com a possibilidade oferecer o produto do trabalho manual, foram requisitos da pobreza teresiana e permitiram a independência dos caprichos de fundadores com renda ou de benfeitores. Conventos fundados com gosto, e que por isso refletem a intenção primitiva da santa e a realização de seu ideal de pobreza, são: cidades mercantis de nível internacional: Medina Del Campo ( 1567) e Burgos (1582); cidade de letras: Valladolid (1568) e Salamanca (1570); centros industriais: Toledo (1569) e Segóvia (1574). Interessante é a fundação de Palencia (1580) que se atrasou por sua fama de pobreza, que depois foi desmentida e compensada pela generosidade dos palentinos.
O que faltava da realização de seus desejos foi a fundação de um convento em Madrid, impedida pelo superior que a havia mandado para que ajudasse no bom parto da jovem duquesa de Alba. Muito lhe custou este projeto porque abortou o acarinhado projeto encerrar o ciclo de fundações com a de Madrid, imprescindível para quase tudo àquelas alturas.

e. Com isso temos um último detalhe que integra seu ideal reformador: Teresa não tinha a idéia de que seus mosteiros tivessem que estar em lugares solitários, pelo contrário. Para ela lhe importava que estivessem bem comunicados e que pudessem intercomunicar-se uma vez que começassem a funcionar, isto correspondia a sua idéia de pobreza, porque lhe oferecia independência de gente caprichosa. Ademais entendia a presença de seus mosteiros como sinal vivo da presença de Deus entre os homens.

Bibliografia: J. Bilinkoff, The Ávila of Saint Teresa. Religious Reform in a Sixteenth-Century City. Cornell University Press, Thaca and London, 1992, 218 pp., traducción española: Avila de Santa Teresa. La reforma religiosa en una ciudad del siglo XVI, Madrid, 1993; T. Egido, Santa Teresa y su circunstancia histórica, en: Revista de Espiritualidad 41 (1982) 9-27 (la base de estas clases); U. Dobhan, Gott-Mensch-Welt in der Sicht Teresas von Avila, Frankfurt/M., 1978, 128-168. 356-362; A. Domínguez Ortiz, Los judeoconversos en España y América, Madrid 1971; Efrén de la Madre de Dios, El ideal de Santa Teresa en la fundación de San José, en: Carmelus 10 (1963) 206-230; J. García Oro, Reformas y Observancias: crisis y renovación de la vida religiosa española durante el renacimiento, en: Revista de Espiritualidad 40 (1981) 191-213; A, Martínez Arancón, Geografía de la eternidad, Madrid, 1987; O. Steggink, Arraigo e innovación, Madrid 1976; Idem, Beaterios y monasterios Carmelitas españoles, en: Carmelus 10 (1963) 149-205; Tomás de la Cruz, Santa Teresa de Avila hija de la Iglesia, en: Ephemerides Carmeliticae 17 (1966) 305-367.


III. Santa Teresa em sua condição de mulher espiritual

1. Tempos “difíceis” para mulheres contemplativas (V 33,5)

a. O século XVI espanhol é conhecido como o século de ouro. Podemos pensar no ouro proveniente da América do Sul, pensamos nas obras de artes e nos fausto da coorte, pensamos na literatura da época (frei Luis de León) y mística (Teresa e João da Cruz). Facilmente perdemos de vista a verdadeira situação das pessoas humildes, que é a grande maioria, sobretudo quando se trata de mulheres.

b. As raízes da renovação espiritual na Espanha nesta época são profundas, em primeiro lugar por meio das ordens religiosas. Promotor da reforma cristã no começo do século XVI é o franciscano Cardeal Cisneros, entre outras coisas através da impressão de livros: 1504 “Escada Espiritual” de João Clímaco, 1510 Angela de Foligno, Vicente Ferrer, o “Livro da graça espiritual” de santa Matilde, Cartas de santa Catarina de Sena, obras de Savonarola. Outras correntes espirituais que tiveram grande importância são:

A Devotio moderna dos Países Baixos que nasceu na Ordem dos Canônicos Regulares de santo Agostinho. Sua espiritualidade entrou na Espanha através de Gracía de Cisneros, tio do famoso Cardeal, em 1493 abade de Montserrat, que colocou ali a primeira imprensa da Espanha, e publicou obras próprias, como o “Directorium horarum canonicarum” e o “Exercitatorium vitae spiritualis”. Vamos ver alguns pontos característicos desta corrente:
Espiritualidade cristocentrica;
Oração metódica, com a indicação dos graus da oração e a definição do lugar, tempo, postura. (Aqui encontramos pela primeira vez a indicação de uma oração a cada hora completa, ou cada dia da semana com seu tem correspondente);
Moralismo: cumprir com todas as leis;
Estima pela Sagrada Escritura, dos padres da Igreja para nutrir a oração. Assim se explicam os escritórios para copiar livros espirituais.
Cristianismo interior e recolhimento do mundo por diversas razões:
Desilusão pela situação na Igreja e no mundo: o livro típico é a “Imitatio Christi” ou “Contemptus mundi”;
Desprezo pela hierarquia e pela Igreja, do apostolado e do zelo missionário, seguindo as palavras de Cristo: “O reino de Deus está em vós” (Cf. a santa: “Venha em nós teu reino”, CV 30, 4);
Desprezo pelas obras externas;

Erasmo de Rotterdam (da Ordem dos Canônicos Regulares de santo Agostinho):
Os primeiros contatos entre ele e a Espanha foram através de humanistas na recentemente fundada Universidade de Alcalá de Henares;
Ou por estudantes e religiosos que estudaram no exterior;
Ou por gente que tinha desejo pela oração;
A temática principal: a filosofia de Cristo, isto é escutar a palavra de Cristo (= Evangelho);
Rejeição das especulações teológicas dos teólogos escolásticos;
Seu influxo se deve a um número seleto de obras traduzidas (sobretudo o “Enchiridion militis christiani”) seguindo certo critérios (Bataillon 193-205):
Tornando aceitável Erasmo aos espanhóis pelo abrandamento de seus ataques contra a hierarquia;
Aumentando a estima das mulheres para captar-lhes um maior interesse falando da relação entre mulheres e clérigos;
Acontecimentos da época se interpretaram num sentido favorável a Erasmo, por exemplo o saque de Roma como castigo de Deus (Bataillon 252);
Sublinhar a eficácia da graça em comparação com a justificação pelas obras (Bataillon 206).
Interessante é o testemunho do padre Juan Maldonado, porque mostra a Espanha dividida em vários partidos:
Um primeiro grupo, no qual se coloca evidentemente a si mesmo, está formado pelos amigos das Musas: todos consagram culto ao restaurados das boas letras, ao vencedor da impostura, ao príncipe dos sábios. A este grupo pertencem não apenas os humanistas profissionais, mas também os teólogos cultos, instruídos na verdadeira tradição cristã. Erasmo é o rei das escolas, rei pela vontade unânime dos estudiosos;
Uma segunda categoria, a dos escolásticos, se enche de sutilezas e se compraz numa vã ostentação de ciência verbal. São os inimigos jurados de Erasmo, seus detratores infatigáveis; examinam seus escritos para descobrir uma doutrina heterodoxa;
A terceira atitude é a da massa popular, gente sem cultura. Estes, “sem conhecer-te de algum modo, escreve a Erasmo, trazem teu nome sem cessar em sua boca, cantam em alta voz teus méritos, têm deles uma idéia mais elevada”.
Uma quarta espécie de homens há, se é que se pode dar este nome a indivíduos empenhados em despojar-se das aparências de humanidade: os frades. (Bataillon 217).
Nestes aspectos, o desejo por um cristianismo interior e a estima por Erasmo, nesta época a Espanha é distinta das outras nações da Europa.

c. A nota comum deste ambiente religioso, que foi se criando pelas ditas correntes autóctones e influencias do exterior, é o desejo pela vida interior; assim se explica seu fruto mais saboroso, a chamada “mística espanhola”.

d. Esta situação não permanece pacífica, mas leva a uma verdadeira luta pela oração com intervenções da Inquisição. Podemos falar de uma “guerra civil” entre “espirituais” de um lado e “intelectuais” do outro; a causa desta guerra se dá especialmente por duas razões: exagerações dos “espirituais”, timidez, suspeitas e receios da parte da inquisição.

e. Indicações sobre os “espirituais”:
Representantes mais destacados:
Da Ordem dos Pregadores (dominicanos): Bartolomé de Carranza, os tristemente famoso arcebispo de Toledo; Luis de Granada, grande amigo de santa Teresa e outros dominicanos;
Alguns jesuítas, como Francisco de Borja;
Entre os franciscanos: são Pedro de alcântara, conselheiro de santa Teresa; Francisco de Osuna e Bernardino de Laredo, aos quais a santa deve também muito;
São João de Ávila, fundador de uma verdadeira “escola” de espiritualidade sacerdotal que proporcionou uma influência bem ampla entre o povo simples;
Como agrupação, pelo menos em parte heterodoxa, os alumbrados.

Características:

Em primeiro lugar e normalmente entre os “espirituais” há preferência pela oração interior à vocal, e desde logo por Erasmo com seu Cristianismo interior. Neste sentido esse movimento de interioridade é uma reação contra toda superficialidade religiosa. Sobre o papel importante que desempenhou Erasmo, especialmente nos anos 1525-1535, diz Bataillon: “É um paradoxo histórico o florescimento de traduções de Erasmo no país da Inquisição, nessa Espanha onde a censura dos livros seria, algumas décadas depois mais severa que em nenhum outro lugar. Para compreender isto há que se levar em consideração as conjunturas que, até 1527, asseguraram às idéias de Erasmo a proteção oficial dos poderosos da corte de Carlos V, do Primado e de vários bispos espanhóis, e por último, a do inquisidor geral em pessoa. A dedicatória do “Enquiridion” aceita por Manrique, a carta imperial de 13 de dezembro de 1527 agregada como aprovação geral a certos livros atrevidos, por exemplo aos Colóquios, ajudaram poderosamente ao êxito desta literatura. Porém é preciso ir mais longe. Uma comparação, por sumária que seja, com a situação dos livros de Erasmo na França, mostra como a instituição inquisitorial mesma favoreceu durante um tempo a livre difusão desses livros na Espanha.
Na França, a luta contra a heresia está encabeçada, no plano doutrinal, pela Sorbone, conservadora da estrita ortodoxia... Na Espanha, a Inquisição, órgão judicial e policial competente para tudo quanto diz respeito à fé, confia a teólogos escolhidos por ela o exame dos livros suspeitos... Assim, se o pessoal da inquisição tem instruções formais para recolher os livros de “Lutero e seus sequazes”, não tem nenhuma que se refira às obras de Erasmo até 1535, e este estado de coisas persistirá, modificado apenas por ligeira restrições, durante longos anos” (314s).
Em casos limites, como no dos “dejados” (o subgrupo mais heterodoxo dos alumbrados): desprezo até a rejeição e negação de formas externas de religiosidade, como cerimônias religiosas e sinais sacramentais, como a água benta, o sinal da cruz, indulgências etc.; jejum e abstinência, excomunhões, bulas.
Especialmente nos “dejados” este tipo de religiosidade, segundo acusações do edito de Toledo de 1525 e o processo contra Pedro Ruiz de Alcaraz, terminou em afirmações e práticas como as seguintes: “O amor de Deus no homem é Deus”, que significa na prática, que o homem pode fazer o que quiser, e mais, que o homem não necessita critérios objetivos em sua vida, porque já não pode pecar. Se vê facilmente o perigo e errôneo desta religiosidade ao tirar toda a responsabilidade e liberdade da pessoa.

f. Indicações sobre os “intelectuais”:
Os representantes mais destacados são: Melchor Cano que nem sequer “perdoou” seus irmãos de ordem, Carranza e Luis de Granada. Ao “Catecismo cristão” de Carranza o julga como mais herético que o próprio Lutero, enquanto as obras e a doutrina sobre a oração do Pe. Granada são chamadas pelo grande inquisidor Fernando de Valdés “Coisas de contemplação para mulheres de carpinteiro”. Teólogos da mesma linha são Domingo de Soto, Mancio de Corpus Christi, os quais queriam limitar a oração interior aos religiosos ou vinham a considerá-la em oposição aos ensinamentos do Concílio de Trento.
Características desta corrente são normalmente as de uma sã religiosidade: humildade entendida como conhecimento de si mesmo que necessita automaticamente critérios objetivos e a correção fraterna. Nesta guerra civil, diz Pablo Maroto, os teólogos de ofício se manifestam “fechados em seus livros, sem liberdade para auscultar o dinamismo do espírito. Fechados no medo de perder a batalha do jurisdicismo, preferiram entrincheirar-se no tradicional ao invés de expor-se à busca de novos caminhos” (108). Tratando-se de mulheres com desejos de oração interior, a situação se agrava.

g. A situação da mulher
Algumas vozes da Espanha sobre a mulher:
A exceção do rei Alfonso X o sábio (1252-1284): Atas 124;
Don Juan Manuel (1282-1348), o verdadeiro criador da prosa castellana: Atas 124;
Juan Ruiz, o chamado arcipreste de Hita, com seu “Livro do bom amor”: Atas 124;
A situação no século XV está marcada por duas posições: uma pretende sujeitar a mulher a casa e a seus afazeres, a outra eleva o sexo feminino até as nuvens, em nenhum dos casos se fomenta uma autêntica emancipação;
Cristóbal de Castillejo (1490-1550): Atas 124;
Grandes poetas espanhóis: Bomli 162-164;
Miguel de Cervantes: Mariló Vigil 125s;
Tirso de Molina: História de uma marginalização 56s; M. Vigil 59;
Francisco de Quevedo: M. Vigil 171;
Uma opinião geral nos oferece Ludwig Pfandl: 125-127;
A opinião dos teólogos do século XVI:
Hernando de Talavera, primeiro arcebispo da conquistada Granada;
Francisco de Osuna;
Tomás Cayetano de Vio, o famoso Cardeal Cayetano;
Bartolomé de Medina, professor em Salamanca (Atas 125-127);
Melchor Cano;
Juan de Ávila;
Domingo Bañez, o grande amigo de santa Teresa;
Francisco de Osuna (M. Vigil 175s);
Luis de Leon (M. Vigil 105).

As raízes deste antifeminismo são profundas e se encontram não apenas na Igreja apesar da atitude favorável às mulheres por parte de Jesus. A justificação mais citada é o medo de possíveis aberrações morais ou em matéria de fé. Talvez estas exagerações são o resultado das contínuas suspeitas, desprezos e opressões que as mulheres sofreram por parte dos homens...

Para terminar este olhar histórico: duas opiniões de hoje:
O historiador atual Salvador de Madariaga 1972: 15.35-36.39;
Concha Torres Sanches num estudo especializado 1991: 51-54.

2. A atitude de santa Teresa frente a esta situação

a. Teresa conseguiu relativizar o mundo:
A luta de Teresa com o mundo: V 8, 2;
Seu “menosprezo” do mundo não é fruto de estreiteza ou soberba, mas resultado de um bom e mais profundo conhecimento do mesmo: V 27,14;
Esta visão ela deve a sua humildade que é o esforço para chegar a ver a si mesma, às pessoas e ao mundo como são na realidade, em verdade: “humildade é andar na verdade” (6M 10, 8);

b. Teresa não pretende o impossível:
Seria impossível mudar a opinião pública (especialmente a dos teólogos) sobre a mulher: 7M 4, 17 (14);
Teresa assume a opinião corrente sobre a mulher, que é fraca por sua natureza: V 23, 13; 12, 7; F 8, 6; 4M 3, 11, e/ou por falta de instrução: 1M 2, 6; CE 48, 2; CE 71, 6; 4M 1, 14, mas não sem ironia...

c. Teresa aceitou seu ser-mulher (inclusive quando em ocasiões aparece lamentando-se ao Senhor de ser uma mulher: V 10, 8: todo o número pode ser um reflexo do ambiente em que vive com suas ânsias e preconceitos contra as mulheres: 33, 11; F 1, 7), Isto é: seu ideal não é aproximar-se o mais possível aos homens, como podem comprovar os seguintes textos: V 1, 9; 2, 2; 2, 8; ctas 89, 4; 130, 7; 424, 13.

d. Teresa ri da arrogância masculina:
Brinca com a estima exagerada que se dá a ter filhos: F 20, 3;
Enquanto se lamenta de sua situação de mulher ensina aos “homens de tomo, de letras, de entendimento”: V 11,14; 40, 8.
Sabe que há também homens ignorantes: F 5, 2.

e. Teresa sabe por experiência própria, e de maneira dolorosa, como são também os religiosos:
Não se pode confiar neles: comparar CC 3, 1 com V 32, 13.15 (o provincial é um dos “Palillos de Romero seco”);
São ambiciosos: CV 36, 4; CE 64, 1;
Aspiram a títulos e cargos: V 21, 10 (9);
São tímidos: V 25, 22;
Falta-lhes discrição: V 23, 13.

f. Teresa conhece também a situação da mulher casada em relação ao marido:
“Tenho grande lástima de minha irmã”: cta. 111, 6;
A mulher está sujeita a seu marido: CV 26, 4; F 31, 46, lê-lo com as primeiras palavras de 31, 47: “Oh verdadeiro homem e Deus. Esposo meu!”
O fechamento como libertação do mundo, isto é, da sujeição aos homens: F 31, 46.

g. Teresa tem uma sã confiança em si mesma, inclusive diante da hierarquia:
Intervém com o P. geral Rubeo: carta 98, 3.7;
Quer falar com o P. Medina que havia falado negativamente dela: carta 55, 10;
Discute com o governador da diocese de Toledo para conseguir a permissão de fundar: F 15, 5;
Vence o arcebispo de Burgos: F 31;
Refuta o argumento de são Paulo contra as mulheres: CC 16 (15)ou (19).

h. Teresa vem a ser mestra de oração e “apóstolo” por excelência:
Resolve magistralmente a discussão entre oração vocal e mental: CE 37, 1-3 (CV 22, 2-3);
Defende critérios objetivos para a vida espiritual:
A necessidade de confessores (CC 53; veja-se também: V 34, 2; F 17, 3-4; V 5, 9; 6, 2.4; 23-27; 30, 7; 38, 1; 6M 3, 11; 6M 6, 1.2; 6M 9, 12; CC 1, 37; F 2, 2; 3, 5; 8, 5; 9, 2-4; 19, 1; 27, 15);
Confessores letrados (CV 5; V 13, 16; 6M 8, 8);
O conselho dos letrados (V 36, 5; F 19, 1; CV 4, 14; V 13, 18);
Amigos – grupo de oração V 7, 20;
Valoriza muito a vida religiosa: sua própria vida e atividade de fundadora: textos: V 32, 11 (contra o “monachatus non est pietas” de Erasmo);
Seu ideal é que os letrados sejam espirituais: V 12, 4. Ela mesma vem a ser a “doutora” que ajuda aos teólogos em sua compreensão e explicação da vida de oração e das experiências místicas (BMC 2, 130-152; Tommaso della Croce 27);
Funda uma ordem de monjas contemplativas e sumamente apostólicas: CV 18, 6 (5); CE 29, 4;
Funda uma ordem de frades que realizam seus desejos apostólicos: F 1, 7; 6M 6, 3; CV 1, 2; V 15, 8; F 14, 8.
Quer empregar-se em tarefas sacerdotais: F 1, 7; 6M 6, 4; V 30, 21.

i. Teresa valoriza cerimônias e símbolos religiosos:
“a menor cerimônia da Igreja”: V 33, 5;
a água benta: V 31, 2.4.5.6.9.10, carta 178, 13;
a cruz e o sinal da cruz: V 9, 4; 29, 5; 19, 10; 31, 10;
outras cerimônias e exercícios piedosos: V 30, 20;
indulgências: V 9, 4; 38, 3l; F 28, 44;
Jejuns: CV 4, 2; F 6, 5; 7, 9; Cst 3, 1; cartas 132, 8; 134, 3; 182;
Abstinência: Cst 3, 1; V 36, 27; CC 57; Cartas 135, 5; 167, 34; 235, 13; 403, 6.

j. Teresa venera os santos: V 19, 6; 9, 7; 29, 5; 19, 10, 22, 11; 1M 1, 3; etc, sobretudo são José V 6-8;

k. Teresa faz uso e valoriza os sacramentos:
Batismo: CE 38, 1;
Confissão: ver confessores acima;
Sacerdócio: ver a importância atribuída aos confessores;
Unção dos enfermos: V 5, 9; 7, 15; F 16, 4;
Matrimônio: V 2, 6.9; CV 22, 7;
Eucaristia: é sua vida.

l. Teresa confia no Senhor, seu amigo (V 22, 6.7.10):
Ele deu fortaleza a muitas meninas santa: MC (B) 3, 5;
Ele é justo e não menospreza às mulheres: CE 4, 1 (CV 3, 7).

Estas atitudes adquirem uma maior importância quanto mais conhecemos o ambiente espiritual com suas aberrações e tendências heterodoxas.

Bibliografia: M. Bataillon, Erasmo y España. Estudios sobre la historia espiritual del siglo XVI, Mexixo (2) 1965; V. Beltrán de Heredia, Historia de la reforma de la provincia de España (1450-1550), Roma 1939; Idem, Las corrientes de espiritualidad entre los Dominicos de Castilla durante la primera mitad del siglo XVI, Salamanca 1941; Idem, El edicto de los alumbrados del reino Toledo (23 sept. 1525), en: Rev. Esp. Teol. 10 (1950) 105-130; Idem, Directrices de la espiritualidad dominicana en Castilla durante las primeras décadas del siglo XVI, en: Corrientes espirituales en la España del siglo XVI. Trabajos del II Congreso de Espiritualidad, Barcelona 1963, 177-202; P. W. Bomli, La femme dans l’Espagne du siècle d’or, Den Haag 1950; B. Carranza, Catecismo Cristiano 1558, ed. J. I. Tellechea Idígoras, Madrid 1972; I. Colosio, La spiritualità de fra Girolamo Savonarola (+ 1498) studiata specialmente nelle sue “Prediche sopra Aggeo” di fresco ristampate, en; Riv. Asc. Mist. 11 (1966) 352-377; J. Delumeau, La civilisation de la Renaissance, Paris 1957; D. Deneuville, Santa Teresa y la Mujer, Barcelona 1972; U. Dobhan. Gott - Mensch – Welt in der Sicht Teresas von Avila, Frankfurt am Main, 1978; Idem, Teresa de Jesús y la emanciapación de la mujer, en: Actas del Congreso Internacional Teresiano, i, Salamanca 1983, 121-136; M. D. Gómez Molleda, La cultura femenina en la epoca de Isabel la Católica. Cortejo y estela de una reina, en: Rev. Arch. Bibl. Mus. 61 (1955) 137-195; S. De Madariaga, Mujeres españolas, Madrid 1972; A. Márquez, Los alumbrados. Orígenes y filosofía (1525-1559), Madrid 1972; A. Muñoz Alonso, Concepto del mundo y de las cosas en Teresa de Jesús, en: Rev. De Espirit. 22 (1963) 489-498; D. De Pablo Maroto, Dinámica de la oración. Acercamiento del orante moderno a Santa Teresa de Jesús, Madrid 1973; L. Pfandl, Cultura y costumbres del pueblo español de los siglos XVI y XVII. Introducción al siglo de oro, Barcelona 1942; Román de la Inmaculada, El fenómeno de los alumbrados y su interpretación, en: Eph. Carm. 9 (1958) 49-80: Tommaso della Croce, Santa Teresa ed i movimenti spirituali del suo tempo, en: Santa Teresa maestra di orazione, Roma 1963, 7-54; C. Torres Sánchez. La clausura femenina en la Salamanca del siglo XVII. Dominicas y Carmelitas Descalzas, Salamanca 1991; M. Vigil, La vida de las mujeres en los siglos XVI y XVII, Madrid 1985.


IV. A condição social de santa Teresa

1. O marco histórico

a. Duas teses fundamentais sobre a história da Espanha:

A tese tradicional:
A Espanha visigótica cristã, conquistada (em sua grande parte) pelos mouros e reconquistada com muito heroísmo (o herói nacional El Cid) pelos cristãos, culminando esta reconquista no reinado dos Reis Católicos (casamento em 1469, fim da reconquista com a tomada de Granada em 1492) e o século de Ouro;
A tese de Américo Castro:
“A invasão árabe ocasionou uma ruptura radical com o passado” (E. Asensio, 128): A sociedade espanhola está marcada por três castas: cristãos, mouros e judeus.

b. Breve ensaio sobre as condições de vida dos judeus na Europa desde a era cristã até o começo da idade moderna:

No tempo de Jesus vivia na Palestina apenas uma parte dos judeus de então. Os principais centros da diáspora eram:
Mesopotâmia, onde depois do “exílio da Babilônia” ficaram mais judeus do que os que voltaram a Terra Santa.
Egito, especialmente em Alexandria, onde chegaram os judeus sobretudo durante o tempo helenístico.
Também havia comunidades judaicas em quase todas as cidades portuárias da Ásia Menor e Grécia. O comércio com o ocidente do Império Romano (Egito era o armazém de cereais para os dois milhões de habitantes da cidade de Roma e Alexandria era o porto de partida) permitiu geralmente erigir comunidades judias nas grandes cidades.

Depois da derrota dos dois grandes levantamentos judeus contra os romanos (66-73 e 132-135) por meio de Tito e Adriano, chegou um grande número de escravos judeus a todas as partes do mundo latino, sobretudo a Roma. Os assentamentos judeus se fortaleceram com os correlegionários redimidos pelas comunidades judias existentes.

Após o fracassado levantamento de Bar Kochba (132-135) se proibiu sob pena de morte a entrada dos judeus em Jerusalém (Colônia romana Aelia Capitolina). Com a perda do centro político e cultual acaba o estado nacional judeu. Começa para toda a comunidade religiosa dos judeus a vida na diáspora cujo centro espiritual será a sinagoga.

No século III havia assentamentos judeus nas províncias mais distantes do império: Península Ibérica, Gália, Germânia, Dalmacia, Crimea no Mar Negro, etc. Assim formarão comunidades judias, por exemplo na zona dos castelos romanos na fronteira do Rin (Worms, Maguncia, Coblenza e Colônia).

O cristianismo, tido originalmente pelos romanos como seita judia, nos três primeiros séculos havia padecido mais durantes as perseguições do poder estatal romano que os judeus, que no ano de 212 obtiveram finalmente o direito de ser cidadãos romanos.

Esta situação acabou de vez com o edito de Milão (313) sob Constantino e mais ainda quando sob Teodósio I o cristianismo se converteu na religião do estado (391).

As leis judaicas dos imperadores cristãos Constantino, Teodosio e Justiniano degradaram os judeus a cidadão de menos direitos. A Igreja cristã estatal buscava o mesmo nos concílio dos séculos IV-VII.

Efeitos concretos da legislação eclesiástica-estatal, que praticamente condicionaram a vida dos judeus entre os cristãos até a idade moderna e que umas vezes se suavizaram e outras se endureceram:

Os judeus não podiam possuir terrenos rurais e nem escravos cristãos. Isto lhes impedia a obtenção dos meios de subsistência através da agricultura e da criação de gado.

Os judeus não podiam exercer ofícios públicos nem levar armas. Com isso foram separados da administração pública e do exercito. A exclusão destes tipos de profissões como segurança da existência teve também como conseqüência que ficaram desprotegidos e apenas podiam exigir seus direitos. O primeiro a dar-lhes o estado legal de dependência pessoal dele (tutela imperial) foi o imperador Luis o Piedoso no ano 820. Posteriormente lhes designou como “servidores de câmara” de príncipes.

Os judeus não tinham acesso às irmandades cristãs de artesãos (“grêmios”). Por isso lhes faltava também a obtenção de pão por meio de um trabalho manual. Possibilidades reduzidas para isto havia apenas entre seus correligionários, isto é, dentro do “ghetto”, ao qual se tiveram que transladar posteriormente para poder ser protegidos melhor pelos senhores feudais e pelas cidades.

A única possibilidade que restou para a minoria judaica foi ganhar a subsistência entre os cristãos por meio do empréstimo de dinheiro. Esta única ocupação profissional dos judeus era possível porque aos cristãos se proibia pela legislação eclesiástica e civil a cobrar interesses (“usura”) – também aos judeus estava proibido pela Tora fazer o mesmo com seus correligionários. Porém esta proibição não os obrigava quando se tratava de emprestar dinheiro com interesses aos cristãos. Freqüentemente também eram os príncipes que impunham a quantidade de interesses da usura segundo suas próprias necessidades, pois uma grande parte ia diretamente ao seu patrimônio como compensação pela proteção que eles faziam sobre os judeus. Não era raro que os príncipes e as cidades contraíssem grandes dívidas com os judeus. Era pois fácil livrar-se das dívidas: ou expulsando aos judeus de seu território ou destruindo os comprovantes da dívida; os judeus ficavam desprotegidos e não podiam exigir seus direitos.

Esta especial existência econômica no terreno do negócio do dinheiro – sempre os judeus como credores e os cristãos como devedores – alimentou um clima anti-judaico que durante a idade média se manteve vivo e depois produziu seus efeitos.

A separação social se fez ainda mais aguda por meio do fechamento religioso pelo qual se alimentaram todas as suspeitas possíveis, como os assassinatos rituais de meninos, o sacrilégio das hóstias e o envenenamento das fontes.

A culpabilidade coletiva pela morte de Deus e a auto-maldição (cf. Mt 27, 25) ofereciam a justificação religiosa para todas as vexações legalizadas e arbitrárias contra os judeus, entre as quais posteriormente se uniu um sinal público por meio de uma determinada forma de vestir.

Foi positiva a política sobre os judeus de Gregório Magno (590-604) e outros papas depois dele frente a inimizade usual dos cristãos contra os judeus. Os papa não conseguiram abolir a legislação degradante, porém se opuseram por decreto aos bispos e príncipes contra as conversões forçadas, a profanação dos cemitérios judeus e a interferência na celebração do culto nas sinagogas. (DS 480, 698 e 772ss.).

Condições de vida dos judeus sob domínio muçulmano, arianos e na Reconquista.
Em comparação aos judeus do império latino ocidental a situação dos seus irmãos de fé no oriente grego era pior. Assim não é de se estranhar que os judeus receberam o avanço do Islam como uma libertação. Os judeus deram boas-vindas aos conquistadores árabes e desfrutaram junto com os cristãos da tolerância dos Omeydas e Abasidos. Muitos judeus tiveram uma posição relevante na vida política e cultural de então.

A invasão dos turcos teve certamente como conseqüência uma baixa na Ásia ocidental; peloo contrário de forma mais positiva se desenvolveu, sem dúvida, a situação dos judeus no Egito e na Espanha.

Algum tempo antes havia melhorado a situação das comunidades judaicas nos países do ocidente latino, nos quais os germanos arianos (vândalos, ostrogodos e visigodos) haviam tomado o poder como conseqüência das invasões: Dalmácia, Itália, sul da França, Espanha e África ocidental.

A maior tolerância dos germanos arianos frente aos judeus dependia em grande parte da proximidade do estrito monoteísmo judeus com o do arianismo, o qual negava a divindade de Jesus Cristo. A maior tolerância sem dúvida tinha também razões políticas e econômicas.

Em todo caso as numerosas comunidades judias da diáspora puderam desenvolver-se sem serem molestadas na Espanha sob o domínio dos visigodos durante quase 200 anos, até que, com a conversão ao catolicismo do rei visigodo Recaredo no ano de 587, acabou esta simbiose pacífica e foram introduzidas coações contra os judeus – em parte ainda mais drásticas que em outros lugares, porque os visigodos em seu zelo de conversos queriam fazer mais que o resto do mundo latino. Justo neste momento surgiu o problema dos marranos, os conversos do judaísmo pela força e de aparência.

A situação deu girou novamente com a invasão dos árabes na Espanha (711). Com isto começa ali uma vida conjunta, sem comparação, das três religiões monoteístas, que apesar de algumas doenças de fanáticos chegou a um alto florescimento econômico e cultural.

Com o avanço da Reconquista (1031) voltam os métodos anti-judaicos do período pré-árabe e com a introdução da Inquisição se fizeram ainda mais agudos e refinados. Finalmente em 1492 foram expulsos da Espanha todos os judeus que não quiseram converter-se ao cristianismo. O mesmo aconteceu em Portugal a partir de 1496.

A maioria dos judeus expulsos da Península Ibérica encontrou refúgio nos países muçulmanos do norte da África e no império otomano. Uma minoria se instalou nas cidades portuárias européias (v. g. as comunidades portuguesas de Amsterdam, Londres e Hamburgo) ou emigrou para o Novo Mundo.

Foram designadas com o nome coletivo de “Sefardíes”, conforme um país de exílio chamado “Sefarad” mencionado pelo profeta Abdias (20) e que se identificou com a Península Ibérica.

A língua corrente no relacionamento dos sefardies é o judeu-espanhol ou ladino, uma mistura do castellano antigo e hebraico, escrito com caracteres hebraicos como o “Yiddish” dos askenazíes, os judeus do centro e do leste da Europa. Estes recebem o nome de Askenaz, um neto de Jafet, filho de Noé. Askenaz é considerado pela tradição rabínica como o antecessor dos germanos. O Yddish dos askenazíes se parece ao dialeto de Frankfourt do século XVII e está misturado com vocabulário hebraico e eslavo.

c. Os fatos históricos na Espanha

Uma relativa convivência das três religiões durante a idade média: tolerância dos mouros com os cristãos; altíssima cultura árabe; intercâmbio cultural e científico entre as três religiões (tradução de Aristóteles, na Espanha, S. Tomás de Aquino, a medicina...);

Mudança desta situação ao final do século XIV por causa de diversos problemas: fome, epidemias, capitalismo nascente, contrastes sociais, o cisma do ocidente (1378-1417);

Começa a perseguição dos judeus em junho de 1391 com o assalto e a destruição do bairro judeu (juderia) de Sevilla (razões: talvez a pressão dos juros judeu, a competência dos artesãos hebreus), propagando-se rapidamente por Andalucia, Levante e Cataluña;

Conseqüências: de um lado proteção dos judeus da parte das autoridades, como em Aragão, porém geralmente dízimos das sinagogas, emigração dos judeus, diminuição do número de judeus;

Sobretudo: conversões em massa devido a pregação de são Vicente Ferrer e da disputa de tortosa (Tarragona), a disputa mais importante de todas entre cristão e judeus na idade média com a presença de Benedito XIII (o papa Lua), com enorme êxito. Escutamos um relatório sobre tal acontecimento: Amador de los Rios 501-507).

Os que se converteram à fé católica, os conversos ou judeus conversos, extrapolaram suas profissões tradicionais, invadiram tudo, inclusive os altos cargos eclesiásticos, por ex. o cardeal Juan de Torquemada, seu sobrinho Tomás, grande inquisidor, bispos como Paulo de Sta. Maria e Alonso de Cartagena, canônicos, monges e padres em grande número.

Nasce o problema converso: porque se os judeus eram odiados, não o seriam menos agora que aparecem com maior prepotência escudados com o nome de cristãos. Entre eles haviam muitos que se fizeram batizar por razões de mera conveniência, enquanto outros o fizeram com toda a sinceridade.

Cresce o problema em razão de muitos conversos colocarem toda sua influência em conseguir a humilhação e o extermínio de seus antigos correligionários. Já em 1392 a Coroa teve que intervir em favor dos judeus molestados pelos recém-conversos. Quase todas as obras antijudias desta época saíram de penas conversas.

Como se chegou a este problema converso? Possui sua importância o fator religioso, porém são mais importantes as motivações econômicas e sociais: Os judeus e assim os conversos concentravam-se nas cidades, estranhos ao mundo rural, exerciam atividades profissionais como artesãos, mercadores, escrivões, mordomos, médicos etc., isto é, formavam a classe média útil e interessante para a camada social mais elevada, porém pesavam duramente sobre o povo. Assim se explica o anti-semitismo popular, disfarçado de zelo religioso. Escutamos como exemplo ilustrativo o testemunho do cronista Andrés Bernáldez, padre dos Palácios (Sevilla), que resume bem, apesar de sua parcialidade, os sentimentos dos cristãos velhos: Domínguez Ortíz 22-23.

Devido à atitude enérgica dos soberanos de Aragão não havia grandes distúrbios durante decênios centrais do século XV; pelo contrário em Castilla a debilidade de Juan II e Enrique IV criou um vazio de poder propício ao desenvolvimento de todas as ambições.

Os reis católicos ao subirem ao trono em 1475 encontraram um clima de guerra civil, latente ou abertamente, em amplas regiões de Castilla. Não podiam prescindir dos conversos por serem um número muito elevado. Não foram as classes altas, mas as humildes, que primeiramente valorizaram a limpeza de sangue como fator de distinção social. De agora em diante frente aos cristãos velhos aparecem os conversos, marranos (explicação desta expressão: “É muito incerta a etimologia de marrano como sinônimo de judeu falsamente converso. Buscou-se em árabe [de murain, hipócrita, ou mumar, apóstata]; em hebraico: maharanna o maran ata, ‘Senhor, vem’, imprecação usada por são Paulo ou em muranita, vara com que se castigava aos excomungados. O mais provável é que marrano, em seu significado primitivo, atestado já desde 965 Farinelli indicara, como no castellano atual, o porco. Neste caso seria uma denominação sarcástica, aplicada por antítese aos judeus por sua repugnância para este animal, o mesmo que ao hebreu mallorquino chamou-se chueta (toucinho). Desde o ponto de vista filológico a questão não está resolvida. E, Ansenio chamou a atenção sobre a forma marrandiez que as vezes aparece. Em 1380 Juan I proibia aplicar o dito epíteto aos judeus. No século XV estende-se seu uso; é freqüente nos cancioneiros, tão cheios de brutais sátiras, nos quais as acusações de judaísmo contra membros das classes altas são freqüentes. A palavra passou da Espanha para a França, e sobretudo para a Itália, onde logo designou aos espanhóis sem distinção, de um lado por hispanofobia, por outro lado porque eram realmente numerosos os conversos que em Roma passavam procurando prebendas eclesiásticas. Paralelamente foi diminuindo a freqüência de seu emprego na Espanha. A expressão cristão novo é menos precisa, porque engloba também os descendentes de muçulmanos. Também usou-se muito o termo confesso para designar os membros desta classe social. Dominguez Ortiz 27, nota 16, e Kamen (25): “Inventaram qualificativos para designa-los, e o mais comum eram o de marranos, palavra que provavelmente deriva da hebréia maranatha [o Senhor vem], ou de uma descrição dos judeus como aqueles que ‘emarranavam’ a verdadeira fé”), ou cristãos novos como uma minoria, temível por seu poder e ao mesmo tempo desprezada por sua origem.

Outra conseqüência destas rivalidades entre conversos e cristãos velhos é, segundo alguns historiadores, a Inquisição. Diz M. Menéndez Pelayo: “O fanatismo de sangue raça que provavelmente devemos aos judeus e que logo se voltou contra eles de um modo horrível” (Domingues Ortiz 32); assim também A. Castro e C. Sanches Albornoz contra a opinião de historiadores hebreus.

A conseqüência mais dura é, sem dúvida, a expulsão dos judeus com o edito de 31 de março de 1492. A razão principal, indicada no mesmo decreto, é a proteção da fé católica ou dos cristãos: “O grande prejuízo que aos cristãos aconteceram e acontecem se deve à participação, conversação e comunicação que tiveram e têm com os judeus” (Domingues Ortiz 39); F. Márquez Villanueva: Para satisfazer e pacificar o povo (citado por Dominguez Ortiz 23). Castro: “A autonomia econômica das sinagogas judias, não destruídas pelo povo, parecia ao rei como outra forma de poder independente com o qual era conveniente terminar” (De la edad conflictiva 89); T. de Azcona: “A expulsão foi ditada pela razão suprema do Estado: a soberania da coroa, que os reis iam criando na medula do estado novo não comportava a existencial de um corpo social não assimilado. Poderia discutir-se quem deve arcar com maior responsabilidade: se os judeus, ao resistir à assimilação, ou aos castellanos, entendendo-a de uma maneira unilateral, na base de impor obrigações e cargas. A coroa discorria logicamente, e pôde pensar que a expulsão era, em todo o caso, o mal menor para seus reinos” (642); uma opinião bem distinta: Amador de los Rios: “Um enorme abuso da prerrogativa real, incompatível com toda idéia de bom governo” (777).

O número dos expulsos: 2 milhões ou pelo menos 800 mil são exagerados (Domíguez Ortiz 44); parece provável uma cifra entre 100 mil e 200 mil (Dobhan 26, nota 35).

d. A introdução dos estatutos de pureza de sangue:

É outra conseqüência à que levou a existência do grupo converso na sociedade da Espanha. De onde vieram?
Segundo A. Castro: Dos judeus mesmo, porque o cristão velho transladou, injertó em seu sistema de valores, o critério judeu quanto a limpeza de sangue, segundo se expressa no Antigo Testamento (Esdras, Neemias) [De la edad conflictiva 33];
Para A. Dominguez Ortiz considera certos estatutos de exclusão ou estatutos de limpeza de sangue de vários Colégios universitários ou confrarias militares da idade média como possíveis predecessores destes estatutos (80s);
O autor A. Sicroff: “A questão da limpeza de sangue naceu na Espanha da exasperação dos cristãos velhos ao descobrir a presença do ‘inimigo tradicional’, o judeu, no seio da Igreja e da sociedade cristã. Os estatutos de limpeza e os graves problemas que acarretaram para a religião e para todos os demais aspectos da vida espanhola constituem um desenvolvimento único que nem os conquistadores mencionados por Dominguez Ortiz nem os judeus de que nos fala Américo Castro tinham conhecido” (116, nota 98).
Que é pureza de sangue? Não significa simplesmente ascendência nobre. Limpeza e nobreza eram conceitos muito distintos. O sangue limpo se reconhecia a quem tinha antepassados cristãos; quem tivesse um antepassado judeu ou muçulmano, por distante que fosse, ficavam tachados de conversos, confessos. Nenhum estigma social era mais terrível que este, agravado pela Inquisição e sobretudo pelos estatutos de limpeza de sangue
Os primeiros estatutos foram introduzidos na prefeitura de Toledo em 1449; seguiram em 1486 os Jerónimos que com seu caráter contemplativo se prestavam a que seus conventos se escondessem judaizantes, como demonstra o caso do prior de La Sisla, frei García de Zapata. Seguiram Colégios, por exemplo o de Santa Cruz de Valladolid em 1488, o Colégio de Santo Antonio de Siguenza em 1497; 1511 seguiu o cabido de Badajoz, 1515 o de Sevilla, 1530 Córdoba; 1522 se impediu que todo convertido de origem judia se graduasse pelas Universidades de Salamanca, Valladolid e Toledo.

Nas Ordens religiosas: 1489 os dominicanos, 1525 os franciscanos. Interessante é o caso dos carmelitas. Na visita do geral Rubeo em Ecija diz um frade: “Também se admitem muitos descendentes de judeus, e sucede que quando estes se apresentam para entrar em outras ordens, se costuma dizer ironicamente: Vão para os carmelitas”, que é um sinal de decadência, não de tolerância. (Steggink 205).

Triunfo dos defensores destes estatutos é sua introdução no cabido da sede primada de Toledo pelo cardeal Juan Martinez Silíceo no ano de 1547. Este caso, vinculado à pessoa de Silíceo, ilustra muito bem toda a problemática sobre os judeus conversos e os estatutos: Sicroff 126-128.

Na ordem da santa que rejeitou categoricamente toda suspeita desta maneira de pensar há primeiros sinais de estatutos em 1590 em um cerimonial, em 1595 por um Breve papal (Antolín 306).

Seguiram ao final em 1593 os jesuítas adotando os estatutos. Santo Inácio, que entre seus colaboradores mais íntimos contou com um número grande de conversos, não teria nunca permitido, tão pouco se introduziram sob seus sucessores Diego Laínez e Francisco de Borja, apenas sob o primeiro geral não espanhol (italiano).

e. Conseqüências dos estatutos de pureza de sangue

Favorecem a inveja dos pobres para os conversos que em geral formam a classe burguesa média de artesãos, médicos etc.

Contribuem para justificar a Inquisição e isto significa que contribuem para criar medo, receios, em fim um clima de desconfiança.

Dividem a sociedade em classes. Isto diz Luis de Leon na sua famosa obra A Perfeita Casada: Existem os que cultivam a terra, outros que vivem do comércio e em fim os fidalgos que recebem suas rendas (Díaz- Plaja, La sociedad española, 241).

Levam a desprezar toda atividade que não provenha da agricultura, pois este setor seguramente não pertence aos judeus.

Impedem que os tesouros da América frutifiquem em favor da mesma pátria. Segundo A. Castro: “Quem voltava rico para sua pátria, lhe davam o desdenhoso qualificativo de ‘indiano’; a riqueza servia para comprar um título de nobreza, ou para viver retraído na ‘casa do indiano’ (De la edad conflictiva, XX). Para A. Castro está a raiz do “retrocesso cultural dos espanhóis a partir dos meados do século XVI” que “não se deve a nenhuma contra-reforma, nem à fobia anticientífica de Felipe II, mas simplesmente ao terror de ser tomado por judeu” (ibidem 105). Escutamos a seguinte chamada de atenção do famoso pensador: “Um dia virá em que os milionários espanhóis – há muitos – orientem seus filhos para tarefas criadoras, a fim de não contentar-se em ser uma colônia cultural dos países que começaram a pensar na Idade Média, e continuaram fazendo-o sem interrupção até hoje. Os estrangeiros estudam a cultura espanhola, enquanto os espanhóis (encolhidos e entorpecidos) crêem desdenhável estudar as civilizações estranhas, ou as ciências ainda escassamente cultivadas em escala internacional. Virá um dia em que os espanhóis levantem as lapides do passado sob as quais jazem, e comprovem com delícia que podem descobrir segredos astrais e ler escrituras cuneiformes, e inclusive dizer aos europeus coisas que ignoram sobre eles mesmos. Ainda que a primeira vista pareça estranho, uma meditada leitura de [Baltasar] Gracián e de São João da Cruz seria bem frutífera para dar ocasião para que desapareça a sonolência cultural do mundo hispânico” (A. Castro, Teresa a Santa, 35).

Levam a uma supervalorização das atividades e profissões não praticadas pelos judeus. Num manuscrito do século XVII se lê: “Na Espanha há dois gêneros de nobreza: uma maior, que é a fidalguia; e outra menor, que é a pureza, que chamamos cristãos velhos. E ainda que a primeira, a da fidalguia, é mais honrado tê-la, porém bem maior ofensa é faltar a segunda; porque na Espanha muito mais estimamos a um homem plebeu e puro que a um fidalgo que não é puro” (A. Castro, De la edad conflictiva, 183). Isto significa que a descendência de lavradores decide sobre a admissão aos cargos mais altos na Igreja e Estado. Os de sangue puro podiam embarcar para América Latina, seus testemunhos valiam mais nos processos, especialmente ante a Inquisição. Diz Juan de Mal Lara em sua Filosofia vulgar (1568): “... e ainda chegou a coisa a tal extremo, que ainda é sinal de nobreza de linhagem não saber escrever seu nome” (ibidem 162).

Faz com que todos conhecessem bem sua verdadeira descendência, sobretudo porque havia “livros verdes”, que eram catálogos com os nomes das famílias conversas e os “sambenitos” pendurados nas respectivas Igrejas onde teve lugar a reconciliação. Havia pessoas de grandes linhagens que tinham como passatempo revolver linhagens alheias. Uma possibilidade de sair deste conjunto de condicionamentos e problemas era migrar da cidade natal e começar em outro lugar uma nova identidade (trocar o sobrenome) ou partir para as Índias. Esse é o caso da família de santa Teresa.

2. Santa Teresa – uma conversa

a. A história de um descobrimento sensacional

Em 1946 publicou N. Alonso Cortés passagens de alguns processos guardados na Real Chancelaria de Valladolid que se referem à família da Santa. O pai dela e seus irmãos pretendiam com estes processos acreditar e confirmar sua fidalguia, algo que conseguiram. Ao mesmo tempo se tornou manifesto que “Johan de Toledo, comerciante, filho de Alonso Sanches... apresentou-se e jurou ante os senhores inquisidores que... confessou ter cometido muito e graves crimes e delitos de heresia e apostasia contra nossa fé católica...” (90), que significa conversão do judaísmo à fé católica. A conclusão: A Santa é uma conversa.

A sensação desta publicação se destaca quando consideramos, que os processos neste ponto calam ou mentem, e que os biógrafos, ou melhor, seus hagiógrafos, começando com o primeiro, Francisco de Ribeira, até o livro de Silvério de Santa Teresa com o título “Santa Teresa de Jesus. Síntese suprema da raça”, publicado em 1939, não escreveram história mas contos piedosos (veja-se T. Egido, O Tratamiento, no capítulo I destas classes).

Efrén da Mãe de Deus em sua biografia da Santa de 1951 interpreta estes documentos no sentido de que o avô da santa era cristão velho, judaizou por motivos comerciais e se reconciliou em 1485, ano em que se estabeleceu em Toledo o tribunal da Inquisição (170s).

A.Castro, já em seu livro “España em su historia”, publicado em 1948, suspeitou algo a respeito da Santa sem conhecer o achado de Alonso Cortés. Em seu livro “La realidad histórica de España” do ano de 1954 tem por suposto que a Santa é de ascendência judia, e se converteu num dos defensores mais decididos, até o exagero.

H.Serís propõe em 1956 “Uma nueva Genealogia de la santa” na qual assume já todos os dados novos. Outros autores que se movem nesta linha são: F. Márquez Villanueva, A. Dominguez Ortiz, J. Gómez-Menor Fuentes.

Entre os autores OCD é o P. Teófanes Egido o primeiro a aceitar estes novos resultados; a ele devemos a publicação inteira dos pleitos dos Cepeda no ano de 1986 (El linaje judeoconverso, 12. 24. 25f. 29f). A outros historiadores carmelitas custou muito aceitar esta nova situação. P. Efrén, que com O. Steggink preparou a biografia teresiana maio em três volumes, ainda em 1982 fala deste fato na vida da Santa com as seguintes palavras: “...o jovem comerciante (sc. O avô da Santa) judaizou, não sabemos exatamente em que data”. Instaurado o tribunal da Inquisição em Toledo em 1485 “Don Juan Sánchez de Toledo mediu sua situação, viu as conseqüências e resolutamente acudiu a confessar seu delito de apostasia em 22 de junho do mesmo ano” (47), isto nos diz que este autor não admite a ascendência judaica da Santa. Com semelhantes palavras falam deste tema na edição de 1996 de seu livro (6).

b. A atitude de Santa Teresa

A Santa não pertence à nobreza, porém conhece bem o mundo da nobreza com toda sua problemática: V 34, 4.5; F 10, 8-9.11.

A Santa tem compaixão pelos nobres por seus apegos a honra: F 20, 2.

A Santa está livre no que diz respeito à honra: F 15, 17; CC 5 [R 8] (em Toledo); CE 45, 2; CV 27, 6.

A Santa rejeita tudo o que diz respeito à honra em seus mosteiros: CE 45, 2 (CV 27, 6); CE 63, 3; V 31, 21.22; CV 7, 10; CE 64, 1 (CV 36, 4).

A Santa prefere a pobreza porque nunca comporta alguma honra: MC 2, 31 [26], CE 19, 4-20,1.

A Santa não rejeita “aos ‘muito’ filhos de algo ou de sangue puro” simplesmente, porque entre eles tem amigos e amigas, e louva o exemplo de Maria de Acuña: F 10, 8-16. A Santa tem outra preocupação: promover a causa do Senhor.

A Santa estava informada de sua verdadeira ascendência: cartas 101, 11 (93); 109, 5 (101); e em BMC 17, 259, onde no diálogo primeiro entre o P. Gracián e a beata Ana de São Bartolomeu diz: “ Nasci em um povoado próximo de Ávila... Tive três irmãos e outras quatro irmãs, e ainda que minha linhagem era humilde, não faltava a meu pai o que tinha mister de gado e heranças, e foi tido ele e meus irmãos com reputação de homens bons e prudentes e assim quase sempre os nomeavam prefeitos do povoado ou mordomos da Igreja”. Responde P. Gracián: “Com mais facilidade me contastes vossa linhagem que a beata madre Teresa de Jesús, que tendo averiguado em Ávila a linhagem dos Ahumadas e Cepedas, de onde descendiam, que era das mais nobres daquela cidade, se irritou muito comigo porque tratava disto, dizendo que lhe bastava se filha da Igreja Católica; e que mais lhe pesava ter feito um pecado venial, que se fosse descendente dos mais vis e baixos vilões e confessos de todo o mundo...”. Veja-se também A. Castro, De la edad conflictiva, 200s. à Santa não lhe interessa, porém tão pouco oculta sua verdadeira ascendência. Fala de pais “virtuosos e temente a Deus” (V 1, 1) que tinha; não os qualifica de “puro sangue” como a outras pessoas (F 20, 2).

A Santa recebe ajuda de conversos para suas fundações: Medina Del Campo, Alba de Tormes, Toledo (apesar da presença de sua “amiga! Dona Luisa de la Cerda), Burgos; prefere cidades com núcleos fortes de conversos porque ali suas monjas podem encontrar mais facilmente esmolas e viver sem rendas; fala bem de conversos: “Estava na cidade de Toledo um homem honrado e servo de Deus, mercador, o que nunca quis casar, mas tinha uma vida de bom católico” (F 15, 1; veja-se também F 15, 2.6), que é muito tendo em conta as continuas suspeitas às quais estavam submetidos os conversos com respeito a sua ortodoxia.

Santa consegue muitas vocações da classe conversa para seus mosteiros, enquanto outras ordens religiosas introduzem os estatutos de pureza de sangue, isto significa que ela não aceita a discriminação dos conversos.

A Santa vence esse “drama da honra” através de sua perspicácia e de sua “amizade com Deus”: F 15, 17. Assistimos à verdade teresiana e a mentira de toda uma sociedade, veja-se CC 5.

Bibliografia: J. Amador de los Rios, Historia social y religiosa de los Judíos de España y Portugal, Madrid 1973; N. Alonso Cortés, Pleitos de los Cepeda, en: Bol. Real Acad. Esp. 25 (1946) 85-110. F. Antolín, La “limpieza de sangre” em la Reforma teresiana, em: Ver. De Esp. 46 (1987) 301-309; T. de Azcona, Isabel la Católica. Estudio crítico de su vida y su reinado, Madrid 1964; E. Ansensio, La España imaginaria de Américo Castro, Barcelona 1976; J. Bilinkoff, Avila de Santa Teresa. La reforma religiosa en una ciudad del siglo XVI, Madrid 1993, 72-85; C. Castro, La realidad histórica de España, México (4) 1971; Idem, Teresa la Santa, Gracián y los Separatismos, Madrid 1972; Idem, De la edad conflictiva. Crisis de la cultura española en el siglo XVI, Madrid (3) 1972; F. Diaz-Plaja, La socidade española (desde los orígenes hasta nuestros días), Barcelona 1972; U. Dobhan, Gott-Mensch-Welt in der Sicht Teresas von Avila, Frankfurt 1978, 20-40.335-341; A. Domínguez Ortiz, Los judeoconversos en España y América, Madrid 1971; Efrén de la Madre de Dios – O. Steggink, Santa Teresa y su tiempo, 3 vol., Salamanca 1982-1984; idem, Tiempo y vida de Santa Teresa, Madrid, (3) 1996; T. Egido, La novedad teresiana de Américo Castro, en: Rev. De Esp. 32 (1973) 82-94; Idem, El tratamiento histopriográfico de Santa Teresa. Inercias y revisiones, en: Rev. De Esp. 40 (1981) 171-189; Idem; El linaje judeoconverso de Santa Teresa, Madrid 1986; J. Gómez-Menor, Cristianos nuevos y mercaderes de Toledo, Toledo 1979; J. Huizinga, Herbst des Mittelalters. Studien ubre Lebens – und Geistesformen des 14. und 15. Jahrhunderts in Frankreich un in den Niederlanden, Stuttgart (7) 1953; H. Kamen, La Inquisición española, Barcelona (3) 1985; A. Márquez Villanueva, Espiritualidad y literatura en el siglo XVI, Madrid 1968; C. Sánchez Albornoz, Ensayos sobre historia de España, Madrid 1973; Idem, España. Un enigma histórico, 2 vols. Buenos Aires 1956; A. A. Sicroff, Los estatutos de limpieza de sangre. Controversias entre los siglos XV y XVII, Madrid 1985; O. Steggink, La reforma del Carmelo español. La visita canónica del general Rubeo y su encuentro con Santa Teresa (1566-1567), Roma 1965 (2ª ed. [corregida y aumentada], Avila 1993).
Bibliografía sobre la história general de lo judios en Europa: H. Denzinger – A. Schönmetzer, Enchiridion Symbolorum, Freiburg (33) 1965; J. W. Parkes, Geschichte der Juden, in: LThK Bd 5, 1159-1164; E. L.Dietrich, Rechtslage der Juden, in: LThk Bd 5, 1164f; K. Rahner – H. Vorgrimler, Kleines Konzilskompendium, Freiburg (7) 1971, 349-353; H. Kinder – W. Hilgemann, dtv-Atlas zur Weltgeschichte, Bd 1, München (3) 1967; W. Séller, Und wurden zerstreut unter die Völker. Die nachbiblische Geschichte des jüdischen volkes, München-Zürich 1966; E. Schopen, Die Geschichte des judentums, Hamburg (ohne Jahresangabe); J. J. Petuchowski – C. Thoma, Lexikon der jüdisch-christlichen Bëgegnung, Freiburg im Br. 1989, (artículos varios).

V. SANTA TERESA COMO ‘REFORMADORA’ DO CARMELO

1. Causas dos desejos de reforma

a. Em Geral:

Relaxamento causado pela peste (em 1432 temos a famosa mitigação da Regra carmelitana por Eugenio IV); o cisma ocidental (1378-1417); nacionalismo no auge em busca da independência do clero; clamor por uma reforma realizada por soberanos e papas, bispos e autoridades religiosas, pregadores e ascetas. Os monges e os frades vão a frente deste coro desentoado.

Deficiências por parte do clero:
Crise eclesiológica agravada pelos comportamentos do papado e da cúria que levam a dúvida e inclusive à rejeição da função reitora do pontífice romano;
A práxis da cúria romana em competição com as cúrias reais em outorgar privilégios e benefícios. Um exemplo nos oferece a província da Alemanha inferior dos carmelitas ao final do século XV: pagava esta província pelo “privilegio” que o geral não lhe concedesse títulos, indultos (Staring 19).
Ausência dos bispos de suas dioceses e incapacidade de seus vigários;
Debilitação da disciplina regular devida a prática vigente da “encomenda” nos ofícios eclesiásticos;
Falta de formação e seleção dos candidatos às Ordens e Ministérios (García Oro 193s).

Deficiências da parte do povo:
As deficiências da hierarquia levaram à desconfiança das pessoas e a duvidar da capacidade dos de cima;
Nascem a partir da alta Idade Média utopias, projetos e iniciativas religiosas que se situam deliberadamente fora do quadro canônico, em parte devido a esta desconfiança;
Surgem confrarias e associações laicais que evitam a paróquia;
Formam-se fraternidades e beatérios que se configuram como forma de vida para-monacais;
Nascem colônias de ermitães que apenas externamente se relacionam com comunidades religiosas: hospitais e instituições caritativas que preferem as formas religiosas mais livres;
Preferem-se programas de vida espiritual mais vivenciais e afetivos que rejeitam igualmente a chamada Teologia Disputativa e a tradicional solenidade litúrgica das recitações corais;
Surgem pregadores populares e exortativos, e outros simples leigos que se expressam em formas diretas e populares às massas populares;
O misticismo cristão não se sente cômodo dentro das pautas doutrinais da tardia Escolástica.
A este conjunto de causas a constituição eclesiástica não reagiu com flexibilidade e compreensão, mas com a intenção de clericalizar estas iniciativas e instituições religiosas buscando a uniformização canônica e reprimindo assim a diversificação espiritual. Muitas destas forças renovadoras passaram aos movimentos revolucionários que brotam nos séculos XIV e XV e à ruptura religiosa do século XVI.
Diz José García Oro: “Concluindo, não foi seguramente a existência da degradação moral e constitucional com sua diretas e graves conseqüências que causaram a anulação do cultivo pastoral da comunidade cristã, mas a consciência popular da depravação dos quadros eclesiásticos e a fuga crescente das iniciativas reformadoras do marco canônico e ortodoxo o que conferiu a este processo o dramatismo e a explosividade que o caracterizaram e o levaram inexoravelmente à ruptura violenta e à divisão da Cristandade européia” (Garcia Oro 195).

b. A situação nos conventos

Decadência da vida comunitária. Os mosteiros entraram em sua maior parte dentro do sistema beneficial vigente. São providos em suas prelazias e em seus principais ofícios a partir da cúria romana e com pessoas alheias à Ordem. Ainda quando os conventos das ordens mendicantes conservam sua punjança na vida urbana, com uma projeção cultural notável e um trabalho pastoral significativo em seu raio de ação urbano, decai consideravelmente sua vida comunitária, devido aos privilégios estamentais, sobretudo no caso dos mestres e pregadores, na disciplina dos jovens estudantes e nos benefícios econômicos.

Crescimento de agrupações livres com uma grande variedade de organização, que vai desde o esquema normal e canônico de uma comunidade religiosa até a pura associação ocasional ou temporária regida por uns estatutos e tutelada por alguma família religiosa.

Oposição entre claustra e observância ou reformas:
Com o termo claustra se designa a vida monástica e conventual tradicional; tem suas exigências disciplinares e iniciativas de reajuste e correção de costumes com freqüência e até com regularidade. Seu esquema de vida demonstrou solidez e sua maturidade inclusive na longa crise reformista.

Observância ou reformas é uma corrente que acrescenta flexibilidade, evangelismo e espiritualidade, maior solidariedade comunitária e estruturas mais fortes e dinâmicas de unidade a esse programa tradicional que assim se rejuvenesce sobretudo ao longo do século XVI.

Um juízo de Hubert Jedin, famoso historiador do Concílio de Trento: “Os bons e acertados impulsos para um renascimento da vida religiosa desde dentro, ao princípio do século XVI, não bastavam. A decadência da vida comunitária e da disciplina progrediu continuamente, em parte apoiada pelos privilégios dos papas e a ampla prática de outorgar dispensas da parte das autoridades romanas, especialmente da Penitenciaria” (Staring 19).

Conseqüências para as diversas ordens: em OP, OSA sem divisão;

Em OSB e Ofm há divisão que se explica por duas causas básicas:
O desprezo e até a rejeição da vida religiosa tradicional,
A degradação da vida comunitária no grupo conventual, que nunca opôs sérias resistências ao espírito conquistador e agressivo das reformas e apareceu ao longo do século XVI mais bem resignado a aceitar o fato de seu desaparecimento.
Nasce nos conventos algo como uma consciência de ilegitimidade que se expressa nas atuações dos poderes eclesiásticos e seculares assim como na estima popular que se inclina sempre mais para o lado dos observantes. O processo acontece em Castilla desde meados do século XV e se repete em Aragón ao longo do século XVI (García Oro 197s).
Depois deste olhar geral vamos ver o caso das ordens em particular.

2. Raízes da Reforma em Castilla

a. Esforços de reforma nas ordens de Castilla:

Nos beneditinos nascem reformas já ao final do século XIV: em 1391 funda-se San Benito em Valladolid (hoje OCD); sob o impulso da “Devotio moderna” (1419) elas adquirem mais força e consistência. Isto se deve a García de Cisneros, abade de Montserrat e sobrinho do cardeal Francisco de Cisneros, a impressão de numerosas obras deste movimento espiritual; sua própria obra “Exercitatorium vitae spiritualis” imprimiu-se na Espanha quatro vezes.

Entre os dominicanos começa a reforma por obra de Álvaro de Zamora (+ 1430) que funda o convento de reforma Escalaceli em Córdoba. Dali irradia a reforma para Castilla: San Esteban em Salamanca e San Gregório em Valladolid. Sob a influência de Jerônimo Savonarola acaba Juan Hurtado de Mendoza a reforma de sua ordem em Castilla. Os homens mais destacados que viveram e aproveitaram esta reforma são: Francisco de Vitória, os já mencionados Melchor Cano, Bartolomé Carranza de Miranda e muitos outros professores de Salamanca, entre eles amigos e confessores de santa Teresa.

Entre os franciscanos a reforma começou ao final do século XIV por Pedro de Villacreces, continuada por Pedro Regalado em Aguilera próximo de Silos e Pedro de Santoyo. Alcançou uma grande importância e máxima irradiação pelo cardeal Cisneros, de tal maneira, que ser reformado significava se-lo ao modo dos franciscanos (cfr. V 32, 10). Outros nomes destacados nesta reforma são os dois escritores espirituais, vinculados também com a santa, Francisco de Osuna e Bernardino de Laredo. Há que considerar-se a influência dos franciscanos nos alumbrados e nos grupos ao redor dos conventos de Pastrana e Escalona.

Estes esforços de reforma encontraram o apoio dos reis, sobretudo por causa de tendências regalistas, confirmados por diversas bulas dos papas. Também havia insignes homens dedicados à ação reformista: Hernando de Talavera, primeiro arcebispo de Granada, Pascual de Ampudia; os dois já mencionados Cisneros: o abade de Montserrat e os cardeal.


A reforma do Rei:

Os reis católicos
Ao subirem ao trono os reis católicos ao final de 1474, o tema da Reforma Regular já tem um histórico. A observância significa já uma nova forma de vida religiosa, uma nova opção. Os soberanos assumem esta empresa religiosa como própria:
Tentam controla-la e conseguir uma sanção do Pontificado para seu ideário reformista;
Pretendem nomear os visitadores e reformadores dos mosteiros apoiando-os com os meios do braço secular;
Organizam campanhas de correção e reajuste disciplinar;
Potenciam as observâncias de forma que sejam capazes de absorver a Claustra e negociam a passagem sistemática do conventualismo à observância e respaldam a ação conquistadora dos superiores maiores das observâncias, pressionando por sua vez os prelados da parte conventual para não obstaculizarem a empresa. Isto vale sobretudo para a OFM e o cardeal Cisneros. Assim se explica como o modelo dos franciscanos se difundiu tanto até quase determinar o que é reforma.
O período dos reis católicos resulta determinante no processo da reforma espanhola. Forjaram-se uns critérios políticos e administrativos que a dirigiram. Surgiram homens eclesiásticos dinâmicos e criativos que desde as sedes episcopais e desde as prelazias regulares foram capazes de consolida-las e ampliar seu raio de ação ao trabalho cultural e formativo, à literatura espiritual e ao labor missionário. Hernando de Talavera,jerônimo; Pascual de Ampudia, dominicano; Pedro de Nájera e García Jiménez de Cisneros, beneditinos; Francisco Jiménez de Cisneros, franciscano.

Carlos V

Continua na mesma linha. Legitimou suas aspirações com a Meditatio cordis nostri de 1531, que facilitava extraordinariamente a concessão do patronato universal do rei conseguida de Adriano VI em 1523.
Apóia sistematicamente as congregações de observância;
A observância franciscana goza de um período de bonanza que lhe permite crescer numericamente e realizar uma grande expansão missionária nas Índias e dar vida a uma grande produção de literatura espiritual.
O reinado do Imperador não acrescentou mais ímpeto à iniciativa da reforma, porque não pode dirigi-la pessoalmente, nem sequer empurra-la por meio de seus conselheiros, já que teve de voltar-se para os grandes acontecimentos na Alemanha e Itália; também foi o concílio de Trento que absorveu sua política. Porém sua consciência lúcida do dever de prosseguir a marcha da reforma assegurou pelo menos uma proteção da reforma e levou a um considerável desdobramento das famílias observantes.

Felipe II

Contribui para mudar fortemente o sinal e o ritmo da reforma espanhola;
Imprime-lhe um selo de ortodoxia religiosa e de urgência política;
Pretende a eliminação do conventualismo em suas formas tradicionais e recentes, frente aos critérios tridentinos que sancionam uma regularidade na vida religiosa conforme o direito comum;
No momento da elaboração do Decreto de reforma do Concílio, dezembro de 1563, Felipe pressiona suas exigências e argumentos em prol de uma reforma definitiva das instituições religiosas que significa praticamente a implantação da Observância. Posição tão radical não foi acolhida pelos padres tridentinos. Assim surge um áspero conflito entre a corte de Felipe e a Cúria romana.
Pio V (1566-1572) acolheu amplamente as pretensões espanholas sem excluir a mais extrema, que era a supressão das famílias conventuais. Em dois breves, 1566 e 1567, decretava uma reforma disciplinar de todas as ordens, incluídas as oficialmente não reformadas, ou seja, os mercedários, trinitários e carmelitas introduzindo nelas o sistema de vida dos observantes.
Apenas a extrema resistência dos afetados e os violentos conflitos surgidos na campanha assim organizada foram capazes de recortar metas tão extremas, salvando da extinção os institutos afetados mais gravemente (terciários regulares e premonstratenses) e impondo rigidamente a Observância de cada ordem.
Nos anos 1567-1568 extinguiu-se o conventualismo mendicante, sem resistência. (García Oro 201-206). Estamos na raiz do conflito no seio da Ordem do Carmo.

b. Características desta reforma
Traços comuns e permanentes dos reformados-descalços, os chamados observantes; o primeiro e universal é o retorno às origens genuínas, obscurecidas, como dizem eles, pelas sucessivas mitigações da regra primitiva.

Este retorno se constrói sobre o rigor, porque o rigor dá impressão nas pessoas e também corresponde bem ao desejo das pessoas de influir em Deus para seja propício (a tentação continua das pessoas de captar a simpatia de Deus). Cfr. A preocupação fundamental de Lutero: “Wie finde ich einen gnädigen Gott? – Como encontro um Deus propício? Por minhas obras ou por minha fé-confiança?” Na recém interpretação de Lutero se defende mais a posição de que ele não estava buscando tanto a um Deus propício porque já estava convencido que Deus o tinha aceito por graça. Se as coisas são assim, as convicções dele se aproximariam à de nossos santos.

O rigor se converte em sinal de identidade com as seguintes expressões:
Edifícios pobres em zonas rurais;
Roupas e calçado dos camponeses;
O comer, como demonstra bem o ideal reformador de são Pedro Regalado.
Eis aqui o testemunho de um cozinheiro: “Quando davam algumas vezes carnes nos grandes trabalhos aos frades, esta carne era cabeças e “livianos” (?) que davam de esmola os açougueiros a frei Pedro de salinas em Valladolid e em Aranda e em Roa, e eu era o cozinheiro deles. E para grande especialidade se guardava a língua e os miolos para o dito padre velho. Empero, apenas me recordo que carne da canal se trouxesse para os frades, se não fosse para sua velhice, e se algum pouco sobrava do que para ele se trazia, fazia-me fazer tasjos e colocar ao sol, e aquilo com as cabeças e livianos trazidos do domingo, no verão dava eu aos frades trabalhadores de sol a sol as quintas, cheio de vermes e hediondo, de maneira que por grande consolação tivessem os frades nunca o comer, e que trocasse por fruta, a qual lhes dava eu bem escas e por conta. E quando alguns peixes gruesos, barbos ou anguilas tirávamos do rio, logo os mandava levar ao prior de são Benito e aos amigos espirituais de Valladolid. E assim mesmo não consentia na quaresma comer os besugos que nos enviavam de Valladolid, de Aranda ou de Roa, para que não se acostumassem os frades a peixes gruesos. E ainda dos peixes menores dava lugar para que os comêssemos, os mandava dar com muita escassez, e dizia-nos que os pecados maiores e besugos eram mui má vianda. E assim, ordenava de tal maneira suas ermidas, que os frades aborrecesem o comer carne e beber vinho, porque, se não eram três velhos que bebiam expensa por minha mão e o bom mestre, não me recordo de outro frade que nas casas bebesse vinho” (T. Egido, são Pedro Regalado, Patrono de Valladolid, Valladolid, 1983, 12).

As disciplinas físicas, jejuns, abstinência: “O normal era o jejum, sem concessões. Em sua acepção mais rígida chegava desde o primeiro dia de novembro até primeiros dias de abril. Como, também, jejuavam todos as sextas, as quartas, não sei quantas vigílias, temporas e demás, o ano se convertia em quaresma, de sorte que ‘não cuidamos de desordenar os estômagos do costume dos jejuns por desordenanza e destemplanza de poucos dias” (T. Egido, ibid.).

Há uma aversão radical, exceto no caso dos dominicanos, aos estudos e aos graus acadêmicos. Dizia Pedro de Villacreces: “São Francisco muitas vezes afirmou que a ciência haveria de ser a caída da Ordem, mais aprendi na cela, chorando no escuro, que em Salamanca ou em Tolosa ou Paris estudando a luz da candeia”. O mais importante para ele era que seus discípulos aprendessem a chorar e aborrecer o estudo das letras.

3. A reforma do Carmelo em Castilla

a. A visão tradicional da reforma teresiana: a velha polemica entre calçados e descalços (os “maus” e os “bons”);

b. A Tese de Otger Steggink (441-448):

A nota que predomina na Ordem em Castilla e Andalucia é um marcante isolamento secular (F 2, 1).
Nesta conjuntura de isolamento e de vida claustral dos frades se desenvolve a organização das primeira comunidades de beatas e monjas carmelitas.
Nem a intervenção do zeloso geral Nicolas Audet podia superar o atraso e isolamento do Carmelo Castellano-andaluz.
Nesta conjuntura do Carmelo espanhol começou a reforma do rei da Espanha pelo ano de 1560, ao estilo de Cisneros, num clima de mútua desconfiança e medo entre Roma e Espanha.
O rei, julgando insuficientemente a “reformatio regularium” de Trento negociava faculdades particulares à margem do Concílio.
Contra as disposições dos Padres do Concílio o rei católico fazia todo o possível para impedir que os gerais estrangeiros viessem para visitar e reformar os conventos espanhóis.
Nesta conjuntura, o primeiro geral da Ordem que veio a Espanha, deve ter experimentado as conseqüências do conflito de jurisdição.
Agrava-se a situação pela conduta de certos frades andaluzes, rebeldes, que reclamavam a “reforma do rei” contra as atividades reformadoras do próprio geral, estrangeiro. Pior ainda quando alguns destes frades rebeldes se infiltraram nas filas dos descalços, como Baltasar Nietop, que vai ocupar depressa cargos importantes.
Praticamente havia no Carmelo espanhol, por causa do breve “In prioribus” de 16 de abril de 1567, uma dualidade de jurisdição: a da Ordem e a dos ordinários. Esta anormalidade dará lugar a contendas acerbas entre os carmelitas calçados e descalços: os primeiros se apóiam na jurisdição do geral, os segundos na autoridade dos visitadores espanhóis, com a final conseqüência da separação da Ordem.
Diz Steggink: “A complicada história da reforma do Carmelo espanhol deverá enfocar-se sobre o antagonismo de duas observâncias: a da Ordem... e a da descalces espanhola... Se comparamos esta observância com a romano-tridentina dos observantes, pode ser qualificada de ‘primitiva’, enquanto que vai mais além da ‘reformatio regularium’ de Trento e representa um movimento de inspiração espanhola – a descalcez franciscana – que encontra na corte do rei católico apoio incondicional, goza de popularidade e é considerada, por sua presumível volta ao “primer instituto”, como a observância por excelência. Trata-se, pois, de duas correntes de reforma no Carmelo espanhol do século XVI: a observância e a descalcez” (447).
Nesta conjuntura nasce e se desenvolve a obra da santa. Ligada a seu itinerário espiritual é esta obra mais que uma simples reforma; deve qualificar-se de obra criadora e fundadora, que coloca a madre Teresa de Jesus entre as primeira figuras da Igreja da contra-reforma.

4. A atitude de Santa Teresa

a. Observamos uma certa sintonia da santa com alguns traços deste tipo de reforma:
A admiração por Pedro de Alcântara: V 27, 16-18. Encontramos neste relato da Santa as acima mencionadas características da reforma franciscana. A santa fica impressionada, porém não sem uma fina ironia: “Para mulheres jamais olhava, isto muitos anos”;

Funda em pobreza absoluta após aconselhar-se com ele: V 32, 13; 35, 5; 36, 1.2.20-21;

Insiste na abstinência total: V 36, 27 [26] (sem relaxação);

Repete, mais de uma vez, que não faz outra coisa que voltar à regra primitiva (que na verdade é já mitigada por Inocêncio IV em 1247): V 36, 27; 5M 1, 3; CV 4, 4, “o retorno às origens”;

Parece que o mesmo são João da Cruz, num primeiro momento, está atraído pelo rigor (a Cartuxa [F 3, 17], os começos em Duruelo [F 14, 6-8];

b. Clara rejeição destas características para sua reforma:
Já na fundação de Malagón (1568), onde não foi possível fundar como em Ávila, deixa a pobreza absoluta e a abstinência estrita, apoiando-se no santo concílio: F 9, 3; ctas 11, 9; 403, 6 [411]; carne: ctas 11, 9; 403, 6; 182, 5; CC 57 [R 65].

É mais do que conhecido seu amor pelas letras e aos letrados; seu ideal é que os letrados sejam ao mesmo tempo espirituais: V 13, 16.18; 4M 1, 5; cta 351, 6;

Não esconde, com fino humor, sua desilusão sobre o estilo de vida de seus primeiros descalços em Duruelo (F 14, 6-8);

Envia São João da Cruz para que intervenha em Pastrana, onde outra mulher, Catalina de Cardona, conseguiu muito credito por suas obras rigoristas. A santa a qualifica com acerto: “Tinha cheiro de relíquias” F 28, 32; CC 20 [R 23].

Defende sua atitude em uma carta a Ambrosio Mariano: “Entenda, meu padre, que eu sou amiga de apertar muito nas virtudes, mas não no rigor, como verão por estas nossas casa. Deve ser, porque sou bem pouco penitente. Muito louvo a nosso Senhor de que dê a vossa reverência tanta luz em coisas tão importantes. É grande coisa em tudo desejar sua honra e glória” (cta. 156, 10 [148])

Rejeita todo tipo de código de honra, sobretudo os estatutos de pureza de sangue, como já dissemos, insistindo que as monjas em seus mosteiros sejam todas iguais: CV 27, 6; CV 12, 6; V 31, 20-21; CE 63, 3; CV 7, 10; CE 64, 1; CV 36, 4; MC 2, 31, não propõe a uniformidade porque a virtude que têm que levar a cabo e abraçar tudo, é a humildade (CV 4, 4). Esse é um dos núcleos da reforma teresiana.

São João da Cruz, que mais do que ninguém entendeu e acolheu este ideal da Santa, a apóia plenamente. Já vimos sua intervenção em Pastrana; tenhamos presente sua maneira de exercer o apostolado (vejam-se exemplos em Deus fala na Noite, p 129-132) e também suas intervenções no Calvário e em Sevilla (ibidem 193-195; 299-303) e cta do dia 19.08.1591.

Leia-se especialmente o texto do santo em 1N 6, 1-2, onde fala de “penitências de animais, feitas sem razão e apenas por seu “apetite e gosto”.

No entanto, depois da morte da santa, começou a prevalecer a corrente rigorista, cuja vítima mais insigne foi são João da Cruz em 1591.

A diferença específica entre o conceito de reforma de nossos santos e dos outros está na questão religiosa: “Qual é minha imagem de Deus? É um Deus no qual creio que me ama tal qual sou ou é um Deus cujo amor para comigo tenho que ganhar através de minhas obras?” Assim Lutero e nossos santos se aproximam (veja-se 5M 3, 11). A partir deste texto se entende melhor a diferença entre as constituições de 1990 e de 1991: ambas se baseiam em duas visões diversas da teologia, da fé e da vida religiosa.


Bibliografia: V. Beltrán de Heredia, Historia de la reforma de la província de España (1450-1550), Roma 1939; G. M. Colombás, corrientes espirituales entre los Benedictinos observantes españoles del sigo XVI, en: Corrientes espirituales en la España del segilo XVI. Trabajos del II Congreso de Espiritualidad, Barcelona 1963, 127-164; Dios gabla en la noche. Vida palabra ambiente de San Juan de la Cruz, Madrid 1990; J. García Oro, Cisneros y la reforma del clero español en tiempo de los reyes católicos, Madrid 1971; Idem, Conventualismo y observancia: La reforma de las órdenes religiosas en los siglos XV y Xvi, en: Historia de la Iglesia en España III/1, Madrid 1979, Idem, Reformas y Observancias: crisis y renovación de la vida religiosa española durante el Rencimiento, en: Rev. De Esp. (1963) 458-474; A. Staring, Der Karmelitengeneral Nikolaus Audet und die Katholische Reform des 16. Jahrhunderts, Rom. 1959; O, Steggink, La reforma del Carmelo español, Roma 1965 (2ª. Ed. [Corregida y aumentada], Avila 1993); J. C. Vizuete Mendoza, “Una religión áspera en principios de reformación”. Los Carmelitas Descalzos en Castilla 1570-1600, en: Teresianum 46 (1995) 543-582.

VI. Santa Teresa “Filha da Igreja”

1. O marco histórico que se reflete na santa

a. A Igreja: uma realidade vista e sentida pelos castellanos a partir da ação de seu monarca: a imagem popular de Lutero difundida pela política do rei, se reflete na Santa: CC 63 [30]; CV 35, 5; F 18, 5; C 3, 1 (perigo dos luteranos e mouros).

b. Os grandes inimigos da Igreja:
Os mouros, moriscos:
Um dos clássicos inimigos da cristandade, especialmente na Espanha pela reconquista, porém no século XVI também na Europa, na forma dos Turcos (em 1571 a vitória de Lepanto); este fato está bem demonstrado por um morisco inquisitoriado, Diego de Toledo, que é acusado ante o tribunal de que “com o dito gosto que teve e tinha para com a mencionada seita de Mahoma, sempre que o Imperador nosso Senhor tinha alguma vitória contra os turcos e mouros passava mal e mostrava aborrecimento, e dizia isto: ‘o rei da França irá remediar’; e que quando os mouros conseguiam vitória contra o Imperador nosso Senhor regozijava-se muito, e falava muito em favor dos turcos e mouros e quando contradiziam as coisas dos mouros se aborrecia e falava em favor deles (encorajaba)” (Egido 20s), e isto não foi um caso isolado.
Apesar de estar terminada a reconquista da península, havia algo como uma prolongação dela no norte da África: os empreendimentos vitoriosos de Cisneros, até o desastre de Argel em 1541, a perda de Túnez ou La Goleta (1574);
No entanto, a vitória de Carlos I de Túnez (1535) foi celebrada por todos os castellanos, como também a de seu filho Juan de Áustria em Lepanto (1571);
Muito provavelmente a maioria das pessoas, por causa das campanhas contra os turcos, não podia compreender os interesses estratégicos, políticos ou puramente econômicos desta luta pela hegemonia no Mediterrâneo. Porém havia que mitificar a luta contra o Islam e a imagem do turco, tanto mais quanto se sabia, ainda que não com a claridade de depois, a tolerância do império rival ao espanhol, e que inclusive seus aliados berberiscos permitiam aos prisioneiros cristãos o exercício de sua religião.
A Espanha de então se considerava ou foi considerada como a protagonista messiânica de uma “guerra divina”, que pesava sobretudo sobre os ombros dos castellanos em forma de “subsídios”, impostos, “cruzadas”.
O memorial do contador Luiz Ortíz a Felipe II em 1558 é bem eloqüente. Mostra, de um lado, a identificação entre monarquia e Igreja, de outro lado, o sistema de financiamento que se baseia em argumentos religiosos para a Espanha defenda a cristandade: “O pagamento das cem galeras que Sua Majestade sempre há de ter em pé há de mandar consignar nas cruzadas e outras bulas e jubileus, e em pensões sobre prelazias e dignidades e no que mais bem visto seja, onde lhes seja certo e bem pago, com o que se há de gastar sempre em fazer galeras de novo para as que envelhecerem e perderem. Que entendido pelo Sumo Pontífice que lhe dê as bulas e cruzadas e o demais susodicho se gasta em fazer serviço de Deus nosso Senhor e em ofensa dos inimigos de nossa fé católica e em defesa da Cristandade, é visto que facilmente o concederá, e Deus e o mundo ajudará a isto” (Egido 22).
Agora bem: Este inimigo se encontra dentro do próprio país desde a conquista de Granada, 1492.
Após as tentativas moderadas de converte-los de Hernando de Talavera, que não davam os êxitos desejados, se decretou em 1502 a expulsão dos mouros: legalmente já não há mouros na Espanha, porém todo mundo sabe que os batizados não são sempre verdadeiramente cristãos: nasce o problema dos moriscos.
Os moriscos, como batizados, estavam submetidos à jurisdição inquisitorial, que significa: “Todo morisco resultava suspeito, todo cristão era olhado pelos moriscos como um possível delator” (Egido 24).
Numerosas iniciativas missionárias foram criadas ao longo do século XVI: colégios para as crianças em Granada, Gandía, Valencia, com a esperança de que a instrução cristã deles fosse o melhor fermento para a conversão de seus pais, ou também o aumento dos casamentos mistos: porém tudo fracassou e não levou à dissolução da solidariedade familiar dos moriscos.
Como última medida restava apenas a expulsão dos moriscos, decidida em 1582 e levada a cabo em 1609, tendo fracassado cada tipo de integração, de conversão ou que seja, porque se trata não apenas de duas religiões, mas de duas culturas diferentes. (cfr. G. Aguilar, Expulsión de los Moros de España).

Os índios (ibid., 36-46);
O fato das missões está fortemente vinculado à conquista, à colonização (isto é: não é pensável apenas a conquista territorial, sem a conquista espiritual). Por isso não há que recorrer a implicações dogmáticas em relação com o princípio da predestinação ou com o obrar; ele se explica pelo simples fato que a expansão européia foi no século XVI fundamentalmente mediterrânea. Diz o hsitoriador calvinista Pierre Chaunu com razão: “O recomeçar da missão é contemporâneo, no século XVI, à expansão européia. Também se afirmou que o interesse missionário é mais católico que protestante” (citado por Egido, ibid. 36).
O desafio das Índias para a Igreja espanhola:
Criar uma Igreja ideal, sem os elementos marginais que havia, por motivos históricos, na metrópoli (por isso a exclusão dos judeus conversos etc.);
Ocorreu o contrário: as Índias se converteram em refugio de marginais (cfr. Os irmãos da santa), porque ali não havia estatutos, ‘linajudos’ etc.
Estabeleceu-se uma Igreja espanica: o monarca organiza, financia, controla tudo, em virtude do patronato régio:
Roma se viu limitada ao puramente espiritual;
Diz Robert Ricard, especialista no estudo das Igrejas americanas em suas origens, em suas apreciações que limite ao México e Peru, que porém são extensíveis à maioria dos territórios novos: “Não se fundou uma Igreja mexicana e apenas se fundou uma Igreja criolla; o que se fundou antes de tudo e sobretudo, foi uma Igreja espanhola, organizada conforme o modelo espanhol, dirigida por espanhóis, e onde os fiéis indígenas faziam um pouco o papel de cristão de segunda categoria. O regime de patronato acentuou ainda mais esse traço da Igreja da América, é verdadeque o rei da Espanha não era o chefe desta Igreja; porém bastou que praticamente o monarca tivesse em sua mão aos bispos, clérigos e frades para que o caráter nacional, isto é, espanhol, delas se encontrasse mais forte e mais evidente ainda. Em resumo, a uma cristandade indígena se sobrepôs uma Igreja espanhola”. E não apenas uma Igreja. Junto à tarefa etnológica dos missionários e ao seu labor indigenista induvidável “os espanhóis levaram para a América a tradição católica que imperava em sua pátria com o conjunto de idéias, sentimentos e costumes que a integravam” (Egido 38s).
Assim se repete ou se continua a reconquista, uma boa oportunidade para os catellanos cristão velhos cuja tarefa nacional por séculos foi exatamente a reconquista de sua terra.
Porém não é, em primeiro lugar, a fibra missionária que se apoderou dos castellanos, é o econômico e familiar em primeira instancia.
Na família da santa: seus irmãos escapam por medo de suspeitas, recuperam fortuna e honra, e ajudam com o dinheiro da América na primeira fundação e ajudam em Sevilla.
Um grande número de castellanos emigram, e não chegaram a ricos encarregados. As “Cartas privadas de Puebla” nos falam desta realidade, mas também, e mais tragicamente, da outra cara da imigração indiana e do duro tributo pago: o espetáculo de famílias desfeitas e divididas para sempre, da incomunicabilidade, da ruptura, do silencio e a surdez às reclamações, situações que, em certo sentido, também padeceu a família teresiana com algum de seus membros. Os castelhanos de aquende – menos ainda as castelhanas em sua solidão -, não é aventurado presumir, pouco se recordariam do integrante religioso da empresa grandiosa e dolorosa da conquista espiritual, mais pendentes como estavam da chegada na armada de notícias, de remessas, de emissários nem sempre fiéis com os ducados às barras de prata que de batizados dos índios. (Egido 34s).
Distinto é o caso dos missionários. Segundo dados de historiadores pode crer-se na média de 110 missionários anuais partiam para a América. Contudo, no ano de 1572 partiram 335 franciscanos, 215 dominicanos, com a conseqüência que se criou uma Igreja colonial de um clero não indígena.
Para muitos foi um viagem sem retorno, uma vida de luta com os conquistadores, de desânimo... E nem todos os missionários foram iguais, mas havia diversos tipos de missionários, como Lãs Casas, Maldonado etc., havia sobretudo uma massa de batizados, e não de conversões.

Os luteranos (ibid. 26-36);
Antes de 1535: clima aberto em castilla (cfr. A sorte de Erasmo em Espanha);
As elites celebraram o saque de Roma em 1527 o que significa que a cúria romana não era bem vista;
Nos últimos anos de Carlos V: atitude antiprotestantes, agressiva e regressiva que se explica com o avanço dos protestantes na Alemanha. A esperança do Imperador de que se pudesse evitar uma ruptura da Igreja ia diminuindo cada vez mais;
Até que níveis chegou o protestantismo espanhol de então? Nas pessoas simples, nos primeiros anos, pouco. Eis aqui um testemunho de um barbero “estrangeiro, quem, entre sangria e sangria, adoutrinava que Lutero pregava que não havia mais que um só Deus, e que não havia santo no céu, e que não havia de ter clérigo nem frade, e que os clérigos, frades e monjas tinham de se casar, e que não devíamos confessar com clérigo nem frade, salvo apenas a um só Deus de cara para a parede, e que na missa não se tinha de dizer evangelho nem na igreja haveria de ter imagens de santo nem santa algum, mas uma cruz” (Egido 29).
Maior penetração haverá mais tarde, como demonstram os grupos descobertos em 1559 em Valladolid e Sevilla, com os conseqüentes autos de fé.
Que reações tiveram estes acontecimentos na Espanha?
Para os teólogos: uma heresia é um ataque à ordem social. O herege aparece como “terrorista intelectual e terrorista de ação”. Disse o teólogo Simancas “A heresia é um crime gravíssimo e bem pior que todos os demais, enquanto que se difunde com maior amplidão, se introduz mais profundamente, se pega mais tenazmente e se cura com maior dificuldade... Por culpa das heresias se prejudica a fé e a religião verdadeira e católica, se matam as almas e os corpos, se originam tumultos e sedições, se perturba a paz e a tranqüilidade pública, e, finalmente, todo o estado e forma da república cristã se deteriora, e, as vezes, se transtorna totalmente e se destrói. Porém as dos hereges destes tempos são as piores de todas as heresias, pois, não contentes em atacar algum aspecto da religião cristã, tratam de destruí-la desde suas bases” (Egido 31).
O poder político era, portanto, responsável pela saúde dogmática de seus reinos. Os “hereges” que importam na Espanha são os do Norte, os da França (Alemanha pertencia ao outro ramo de Habsburgo). Se eles são considerados “rebeldes” ou “terroristas”, é mais fácil pedir às pessoas o pagamento de tributos; isso vale sobretudo para os “rebeldes” dos Países Baixo, porque ao mesmo tempo são heréticos.
O instrumento para exterminar a heresia foi a inquisição, com seus oficiais, familiares, alguaciles etc., que com ela colaboravam, e sobretudo com seus Autos de fé, que se centraram numa dupla manifestação:
A apoteose da fé, manchada pela heresia e proclamada pela multidão assistente e composta por todos os grupos sociais;
Uma catequese continuada desde a pregação matinal, as vigílias, a procissão dos inqusitoriados, o cerimonial abigarrado, o sermão pronunciado pelos pregadores de posto (postín), a especificação e os delitos e as penas, a setença final, o caminhar o cavalgar a lombo de asno processional dos relajados para o quemadero, nos últimos esforços de última hora e que ao invés de morrer queimado morre agarrotado, ainda que o fogo purificador mão perdoe depois ao corpo morto” (Egido 34s).
Isto – apoteose da fé e catequese continuada – contribuiu para formar a imagem da heresia na maioria dos espanhóis.

Os judeus, conversos (veja-se capítulo IV).

c. A figura dos mouros nos textos da Santa pode ser considerada como bom espelho da opinião das pessoas de então:
1492: termina a presença dos mouros na Espanha (granada) como reino político;
Mouros em sua juventude: V 1, 2. Contrasta o bom tratamento dos mouros pelo pai da Santa com a opinião comum deles: cta. 208, 7;
Os mouros como os inimigos por excelência, onde se pode conseguir o martírio: V. 1, 4;
Os mouros a dispõem a sofrer pelos cristãos que são a Igreja: 5M 2, 10;
Mostra-se informada do levante dos moriscos sevillanos em 1580: cta 326, 16;
Todo o ininteligível é “algarabía”: V 14, 9; 19, 1; CV 20, 5; 25, 3;
O pior que pode suceder: João da Cruz estaria melhor entre os mouros: cta. 208, 7 [211].

d. A santa e os índios
Todos seus irmãos saíram para as Índias. Como fidalgos, perante a lei, o podiam fazer; como conversos, que foram na verdade, as Índias lhes ofereceram uma saída ante a discriminação (Egido 40);
A santa ao encontrar-se com Alonso Maldonado, que defendeu a linha de Bartolomeu de lãs Casas, topou pela primeira vez com a problemática das Índias. Conhecemos sua reação: “Eu fiquei tão lastimada; fui a uma ermida com grandes lágrimas...” (F 1, 7);
O encontro com as Índias levou a plenitude sua vocação eclesial, como veremos depois;
O que pensava de tudo o que aconteceu aos índios da parte dos espanhões: Temos um testemunho bem claro dela: “Somos piores que animais” (cta. 24, 20 – 17.01.1570);
Para a Santa fica claro que seu apostolado tem que incluir até os índios.

e. Os hereges da Europa
Quando teve a santa o primeiro contato com eles? Pode ser por circulares do monarca onde se pediam orações pelas iniciativas bélicas;
Uma primeiro exemplo dos hereges parece encontrar-se no seguinte texto: “... outros nestes tempos se juntavam em segredo contra Sua Majestade a ordenar maldades e heresias...” (V 16, 7);
Os acontecimentos de 1559: se descobriram círculos protestantes em Valladolid e Sevilla com o conseqüente índice mais duro. Para a Santa isso significa: queimar seus poucos livros em romance: V 26, 6; V 33, 5;
A presença e a importância dos Luteranos na fundação de São José: CE 1, 2.

f. Os judeus
A santa sabia de sua verdadeira ascendência e de sua situação delicada;
Não se submete à opinião reinante;
Rejeita com palavras bem claras tudo o que se refere à honra etc.


2. A Santa em conflito com a Igreja: dois exemplos

a. Com seu geral, Juan Bautista Rubeo
A visita do geral em São José, 20-27 de abril de 1567 (Steggink 331s; 348s).
A reação da Santa: F 2, 1-3;
A resposta do geral: “Deu-me cunplidas patentes para que se fizessem mais mosteiros” (F 2, 3);
O efeito na santa: “vendo eu a grande vontade de nosso reverendíssimo geral para que fizesse mais mosteiros, pareceu-me que já os via feitos” (F 2, 4); o mandato dele recebido a animou: F 27, 19; 22, 3; 21, 2; ctas 11, 3.6; 81, 14; 254, 11; 255, 10.
O geral: “Ela faz mais proveito à Ordem que todos os frades Carmelitas da Espanha” (MHCT 2, 317);
Muda este bom entendimento ao progredir a reforma: “Os padres calçados o colocaram (ao geral) desabrido comigo” (F 28, 2);
Duas cartas da Santa em que intervém a favor dos padres Gracián e Mariano de são Benito, usando todos os meios para cumprir bem com sua tarefa de intervenção a favor dos dois padres, isto é de sua obra: Ctas 81 e 98.
Seu conflito de consciência: F 28, 2.
Teresa se interessa por sua obra e não sua pessoa, por isso tem uma parresía incrível frente a seu geral: “Quando estamos diante de seu acatamento, verá vossa senhoria o que deve a sua filha verdadeira Teresa de Jesus” (cta 98, 3);
Apesar disso suas cartas nunca são ofensivas, nem arrogantes;
O que domina nelas não é seu próprio interesse ou adquirir o favor do geral para sua própria pessoa, mas para sua obra, que, segundo sua convicção, é obra do Senhor.

b. Com o arcebispo de Burgos, don Cristóbal Vela
A disponibilidade inicial do arcebispo (F 31, 2.5.6);
As suspeitas da Santa com respeito à palavra do arcebispo (F 31, 8; cta. 376, 4-9);
A intervenção de Deus (F 31, 11);
As promessas de seus amigos (F 31, 14);
O aborrecimento do ilustríssimo (F 31, 21);
O otimismo da Santa (cta. 407, 2);
A visita inútil da santa ao arcebispo e suas condições econômicas: 40.000 ducados (BMC 1, 20.269; F 31, 22);
A condição da própria casa (F 31, 25);
Teresa anima o provincial; o Senhor lhe diz: “Teresa, seja forte” (F 31, 26);
Procuram uma casa (F 31, 31);
“o arcebispo se alegrou muito... parecendo-lhe que sua porfia tinha sido a causa, e tinha razão” (F 31, 40);
Novos problemas da parte do arcebispo. Teresa desculpa o arcebispo e joga a culpa para o vigário. “se ao seu tempo não o levasse Deus um caminho, que ficou em outro, nunca parece se acabaria” (F 31, 42);
Intervém o bispo de palencia, don álvaro de Mendoza, com uma carta que a Santa não lhe entregou para não aborrece-lo mais, “eram muito amigos” (F 31, 43);
A nova carta de don Álvaro leva a permissão de fundar (Cta 415, 2);
O juízo da santa sobre o arcebispo: “sentia eu mais o que ouvia dele do que aquilo que acontecia” (F 31, 45);
Ao final: o arcebispo sentia os grandes inconvenientes que tinha feito à santa e às irmãs (BMC 2, 238).
Da parte da santa observamos duas atitudes com respeito ao arcebispo: obediência, estima e a convicção inquebrantável de sair com êxito desta situação.


3. A atitude eclesial da santa

a. A visão escatológica da Igreja na santa
“Desejava muito morrer como os mártires... não por amor... mas para gozar rápido dos grandes bens que lia haver no céu” (V 1, 5);
Ir à terra de mouros – “pedindo-lhes que ali nos cortassem a cabeça” – não é zelo missionário, mas desejo pelo céu;
Seu primeiro desejo de tornar-se monja deixa a desejar cada motivo eclesial: “Tinha uma grande amiga em outro mosteiro, e isto me era motivo para não ser monja, se o tivesse de ser, senão aonde ela estava”, “olhava mais o gosto de minha sensualidade e vaidade que o bem que estava em minha alma” (V 3, 2);
Sua motivação para entrar: “mais me movia um temor servil que amor”, temor do inferno; o mosteiro será, pois, o purgatório, depois do qual entraria no céu (V 3, 6); (cfr. “die knechtische Furch Luthers” – o temor servil);
A idéia de salvar-se por suas próprias obras domina também sua luta pela oração: Sendo a oração para ela “amizade com Deus”, não pode sofrer de não corresponder a esta amizade: “... já tinha vergonha de em tão particular amizade, como é tratar de oração... comecei a temer de ter oração, de ver-me tão perdida; e parecia-me era melhor como a maioria... e rezar o que estava obrigada e vocalmente, e não ter oração mental e tanto trato com Deus” (V 7, 1);
Diz claramente: “Nunca pensava... deixava de estar determinada a voltar a oração; mas esperava esta bem limpa de pecados” (V 19, 12).
Predomina no entanto a visão escatológica: V38, 6; suas visões deste período: “Deu-me a entender que estava já toda limpa de meus pecados” (V 33, 14), isto é, estava disposta para viver em companhia da Virgem e de são José; os repetidos textos de morrer logo: V 29, 8; 33, 8; 34, 9; tira o medo da morte da qual sempre teve muito: V 38, 5; ou o último capítulo da Vida (40, 1-4). Parece que Teresa está mais metida na Igreja celestial que na desta terra.

b. A fase transitória desta visão
Muito importante o encontro com o Cristo “muito chagado”: “porque representava bem o que passou por nós” (V9, 1): o olhar da Santa se abre: não apenas por ela mesma, mas “por nós” (Lutero estava sempre fixado em si mesmo: “como encontro (eu) a um Deus propício?);
A Santa compreende que é impossível por si mesma merecer a salvação: “está já muito desconfiada de mim e colocava minha confiança em Deus” (V 9, 3);

c. A mudança desta visão
A visão do inferno: V 32, 1-4;
Uma das conseqüências: “Daqui também ganhei a grandíssima pena que me dá as muitas almas que se condenam...” (V 32, 6): A santa se abre mais para os outros; o individualismo para salvar-se a si mesma diminui; cfr. também V 32, 8;
Nesta situação há a famosa “sessão” em que Maria de Ocampo disse:”...que se não servíamos para ser monjas da maneira das descalças, que ainda era possível poder fazer um mosteiro” (V 32, 10);
Ao fundar são José desejava a Santa criar um lugar onde ela e suas irmãs pudessem viver com mais perfeição sua vocação carmelitana, “podendo fazer penitência de tanto mal” (V 32, 8);
Este mal é descrito numa carta de Felipe II aos mosteiros de seu reino (T. Alvarez, 83; cfr. também a relação do cardeal de Lorena no Concílio de Trento de 23-11-1561, ibidem 84s); as súplicas de Jerônimo Nadal de rezar pela Alemanha, numa carta de 1-2.1564 (ibidem 86); há que ter em conta os acontecimentos do ano de 1559 com autos de fé em Valladolid e a detenção do cardeal Carranza com seu “Catecismo cristão” que, segundo Melchor Cano, é “mais herético que Lutero”: tudo isso não ficou escondido para a Santa.

d. A nova visão da Igreja
Todos estes acontecimentos tiveram seu efeito na Santa;
O eco mais claro: “Parece-me que mil vidas daria para salvar uma alma das muitas que via perder” (C 1, 2);
Ela põe sua esperança não em armas, mas em suas orações, penitencias e as de suas irmãs: “forças humanas não bastam para parar este fogo, ainda que se pretendeu colocar pessoas para se pudessem a força de armas remediar tão grande mal e que vai tão adiantado...” (CE 3, 1);
A finalidade de são José é: “todas ocupadas em oração pelos que são os defensores da Igreja e pregadores e letrados que a defendem...” (CE 1, 2);
“Para isto vos juntou aqui o Senhor, este é a vossa vocação; estes hão de ser vossos negócios; estes hão de ser vossos desejos; aqui vossas lágrimas; estas vossas petições...” (CE 1, 5);
A vocação que têm suas irmãs é: “pedir a Deus, que neste castelito onde já há bons cristãos não se levante nenhum traidor...” (CE 3, 2);
Teresa deu a suas irmãs de São José um duplo compromisso: primeiro, rezar por “estes luteranos”, pelos quais daria ela mil vidas; segundo, rezar pelos teólogos, os defensores da Igreja, os letrados;
Vemos como os acontecimentos externos contribuíram de maneira decisiva para a mudança interior da Santa e a mudança de sua visão da Igreja, inclusive de sua vocação pessoal: Não lhe basta mais salvar a si mesma, agora tem que salvar aos hereges da Europa e ajudar aos teólogos que defendam a Igreja.

e. A extensão universal de sua visão eclesial
Algo falta a Santa: “Muitas vezes me parecia que era para algum grande fim as riquezas que o Senhor colocava nelas... e muitas vezes me parecia, como quem tem um grande tesouro guardado e deseja que todos gozem dele... me parecia estava presa minha alma...” (F 1, 6);
Teresa tinha muitos “desejos” em si (F 1, 6.7; 2, 3);
O encontro com Alonso Maldonado: “Eu fiquei tão lastimada da perda de tantas almas... tinha grande inveja dos que podiam por amor de nosso Senhor empregar-se nisto, ainda que passassem mil mortes...” (F 1, 7);
As palavras do Senhor: “Espera um pouco, filha, e verás grandes coisas” (F 1, 8);
A visita do P. Geral: “Deu-me bem cumplidas patentes para que se fizessem mais mosteiros” (F 2, 3);
A resposta da Santa “aos muitos milhões de almas que se perdem” é o aumento das fundações; isto significa: o aumento das fundações não é simplesmente o desejo de ter mais mosteiros, mas o fruto de seu caminho espiritual, que começa em sua juventude com um estreito individualismo reduzido a si mesma, e se amplia pouco a pouco pelas notícias más que recebe da Europa (com a mudança do fim espiritual de são José), até chegar a um universalismo sem fronteiras que incluie cada homem, todas as pessoas: a Igreja é universal.

4. Igreja romana ou espanhola?

a. Umas notas preliminares
Primeiro: a Santa não podia ter e não tinha a idéia da Igreja do Concílio Vaticano II!
Segundo: A Santa viveu antes da centralização do poder papal que passou nos últimos 150 anos: primeiro Concílio Vaticano com a infabilidade do Papa, CIC de 1917;
A Santa, sendo filha de seu tempo e vivendo na Espanha estava submetida ao regalismo espanhol, isto é na luta entre a corte da Espanha de Felipe II e a Cúria Romana;
A Santa viveu em contínuo conflito com os representantes da cúria romana: Ormaneto, o primeiro núncio, não tinha prevenções contra sua pessoa, mas, sim, contra sua obra; quanto ao segundo núncio, Sega, sabemos que sua atitude o fez clamar por “um núncio melhor informado” (reclamação clássica das heterodoxias iniciais, repetida em Lutero). Seria quase incompreensível se tivesse tanto amor para os representantes de uma instituição que a fez sofrer tanto;

b. Exemplos bem claros em seus escritos:
Sua submissão e seu serviço à Igreja não se distinguem por uma “romanidade” tão característica como a de seu contemporâneo Santo Inácio de Loyola;
Não está comprovado que quando Teresa pede a Deus o “aumento da Igreja Católica”, o que suplica é o triunfo do Catolicismo com o Pontífice de Roma;
Sua disposição de morrer mil morte pela menor cerimônia da Igreja (V 33, 5) e outros pronunciamentos similares, sem colocar em dúvida sua sincera vontade, respondem a táticas defensivas frente as possíveis suspeitas da inquisição (já sabemos que tais cerimônias, nesta conjuntura espiritual, foram consideradas como garantia de ortodoxia);
Ao contrário: há que se dizer que a Santa não submete nada ao papa explicitamente;
As sujeições “à Igreja”, “à santa madre Igreja” de Caminho, Moradas, Fundações são protestações formularias que brotaram espontaneamente de sua pena; são algo seu, quando, também, suas obras não estavam pensadas para a imprensa;
A concreção “católica” ou “romana” aparece sobreposta, obrigada sabe Deus por que pressões, quando alguma desta obras teve que ser revisada para a possível edição ou aparece em acréscimo marginal extrapolado em Fundações;
A reforma de Teresa correu pelos cauces não da tridentina preconizada a partir de Roma, mas da apoiada pelo rei;
Nos momentos mais difiíceis e perigosos para sua obra ela não recorre ao papa, mas ao rei;
A obra reformista da Santa está na linha das reformas castellanas, mas com uma fisionomia própria e não da importadas de Trento ou Roma;
Isto é comprovado, enfim, no capítulo de Alcalá de 1581, em cujo documentos existem muitos estusiasmos para o rei, financiador da reunião;
Com tudo isso parece bem provável que a Igreja da Santa é mais a “espanhola”, a do rei (cfr. O rei “amparo para o remédio de sua Ordem” [sc. Da Virgem], em carta 208, 1) que a romana, e isto significa menos uma Igreja institucional, hierarquizada do Vaticano I em diante, mas a real e histórica vivida por santa Teresa, isto é a Igreja castellana derivada do regalismo imperante.


BIBLIOGRAFIA: G. Aguillar, Expulsión de los Moros de España por la S. C. R. Majestad del Rey Don Felipe III, nuestro Señor (1610), ed. De M. Ruiz Lago, Alcalá de Guadaira 1999; T. Alvarez, Santa Teresa y la Iglesia, Burgos 1980; Éfren de la Madre de Dios, El ideal de Santa Teresa em la fundación de San José, en: Carmelus 10 (1963) 206-230; T. Egido, Santa Teresa y las tendencias de historiografia actual, en Teresianum 33 (1982) 159-180; Idem, Ambiente misionero en la España de Santa Teresa, en Teresa de Jesús, su vivencia eclesial y misionera, Burgos 1982, 19-46; R. García Villoslada, Santa Teresa de Jesús y la Contrarreforma Católica, en: Carmelus 10 (1963) 231-262; J. L. González Novalín, Teresa de Jesús y el Luteranismo en Espña, en: Actas del Congreso Internacional Teresiano, 1 vol., Salamanca 1983, 351-387; O. Steggink, La reforma del Carmelo español. La visita canónica del general Rubeo y su encuentro con Santa Teresa (1566-1567), Roma 1965 (2ª. Ed. [corregida y aumentada], Avila 1993); J. I. Tellechea Idígoras, Perfil teológico del protestantismo castellano del siglo XVI, en: Diálogo Ecuménico 17 (1982) 315-373, y en: Cuadernos de Investigación Histórica 7 (1983) 79-111; Tomás de la Cruz, Santa Teresa de Jesús contemplativa, en: Eph. Carm. 13 (1962) 9-62; Idem, Santa Teresa hija de la Iglesia, en: Eph. Carm. 17 (1966) 9-44; Idem, La oración, camino a Dios. El pensamiento de Santa Teresa, en: Eph. Carm. (1970) 115-168.


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CENTRO INTERNACIONAL TERESIANO-SANJUANISTA


AVILA


06 – 10 novembro de 2000