Nos Romances Trinitários e
cristológicos à Virgem Maria
é pedido o consentimento por meio do Anjo Gabriel para a obra da Encarnação do
Filho de Deus por obra do espírito Santo. No final do 8º Romance sobre a
Encarnação, conclui o santo:
“E o que
então só tinha Pai,
já Mãe
também teria,
embora não
como outra
que de
varão concebia,
porque das
entranhas dela
sua carne
recebia;
pelo
qual Filho de Deus
e do Homem
se dizia”. (Romance 8º sobre a Encarnação)
A seguir, no
9º Romance, S. João da Cruz segue cantando em chave esponsalícia o evento do
nascimento de Jesus. Maria é chamada de “bendita Mãe”. Ela deita o Menino Jesus
no presépio entre os animais, em meio aos cantos festivos dos anjos e do
“assombro” de Maria diante do Mistério da “troca” que presencia.
“Deus,
porém, no presépio
ali
chorava e gemia;
eram jóias
que a esposa
ao
desposório trazia;
e a Mãe se
assombrava
da troca
que ali se via:
o pranto
do homem em Deus
e no homem
a alegria;
coisas que
num e no noutro
tão
diferente ser soía.” (Romance 9º do nascimento)
Em outra
quadrinha chamada “Natalina”, composta para a noite do Natal, o santo
organiza uma procissão com a imagem da Virgem em um andor e parando de frente
da porta do quarto de cada religioso, canta e lhe pede hospedagem:
“Do Verbo
divino
A Virgem
grávida
Segue de
caminho:
Pede-vos
pousada”
Um segundo
elemento da mariologia sanjoanista é a docilidade de Maria ao Espírito Santo. A
união da pessoa com Deus se dá sempre através da ação do Espírito Santo. Ele
diviniza a pessoa e a torna cada vez mais semelhante a Jesus. No estado de
perfeição, é o Espírito que move sua inteligência, vontade e memória para
cumprir em tudo as obras que são conformes à vontade de Deus ou de acordo com
os seus mandamentos. E como exemplo coloca Maria, dizendo que
“as
súplicas dessas almas são sempre eficazes. Tais foram as da gloriosíssima
Virgem Nossa Senhora, elevada desde o princípio a este sublime estado; jamais
teve impressa na alma forma de alguma criatura, nem se moveu por ela; mas
sempre agiu sob a moção do Espírito Santo”. (3 Subida Do Monte Carmelo, 2,10).
O
relacionamento do Espírito Santo com Maria se deu de maneira especial na
Anunciação, onde por virtude do mesmo Espírito Santo, concebeu o Filho de Deus.
Ele utiliza o termo “obumbração”, que significa receber a sombra de alguém,
isto é, ser revestido por uma especial virtude ou atributo de Deus para uma
missão. Escreve o Santo:
“Efetivamente,
quando a sombra de uma pessoa vem cobrir alguma outra, é sinal de que está
perto para favorecer e amparar a esta última. Eis a razão pela qual o arcanjo
Gabriel usou deste termo para comunicar à Virgem Maria a grande mercê da
conceição do Filho de Deus, dizendo: "O Espírito Santo virá sobre ti, e a
virtude do Altíssimo te fará sombra" (Lc 1,35) (Chama de
amor viva 3,12).
Um outro
tema importante da Mariologia de João da Cruz é o da intercessão de Maria. Para a pessoa que ama e confia em
Deus, fazer-Lhe notar uma necessidade e esperar confiantemente é o que convém.
E apresenta como modelo disso a Virgem nas Bodas de Caná.
“Quem ama
discretamente, não cuida de pedir o que deseja ou lhe falta: basta-lhe mostrar
sua necessidade para que o Amado faça o que for servido. Assim procedeu a
bendita Virgem com o Amado Filho nas bodas de Caná; não lhe pediu diretamente o
vinho, mas disse apenas: “Não têm vinho” (Jo 2,3) (Cântico
Espiritual 2,8).
Importante é
o seu pensamento sobre a
devoção a Maria através das imagens ou de lugares de peregrinação (3 Subida
36,1.2; 42,5). O que importa
para Deus é a fé e a pureza de coração de quem reza. A imagem em si mesma ou o
seu valor artístico ou econômico não são importantes. O que se deve fazer é
passar da imagem à pessoa que nela está representada. Escreve ele:
“ Muito
haveria que escrever sobre a pouca inteligência de muitas pessoas a propósito
de imagens... confiam mais em uma imagem que em outra, na persuasão de
serem mais ouvidas por Deus por aquela que por esta, embora ambas representem a
mesma realidade, como, por exemplo, duas de Jesus Cristo, ou duas de Nossa
Senhora. Isto acontece porque põem a sua afeição na figura exterior...
Deus só olha a fé e pureza de coração daquele que ora....
Se
tivesses, pois, a mesma devoção e fé em
Nossa Senhora, diante de uma como de outra imagem, .. receberiam as mesmas
graças, e ainda sem imagem alguma...”
Enfim,
concluamos esta breve resenha de textos de São João da Cruz sobre a Mãe
de Jesus com este bonito e profundo trecho da sua Oração da alma enamorada (Ditos 26).
“Os céus
meus são e minha é a terra; minhas são as criaturas, os justos são meus e meus
os pecadores; os anjos são meus e a Mãe de Deus e todas as coisas são minhas; e
o próprio Deus é meu e para mim, porque Cristo é meu e todo para mim”.
Fr. Alzinir.