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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Ser Leigo na Igreja do Século XXI.


   Celebração do aniversário de 10 anos de fundação
da Comunidade do Carmelo Secular de Tremembé – SP.

         Tema: Ser Leigo na Igreja do Século XXI.

1.      Nossa Vocação de Construtores da História.


Karl Rahner, um renomado teólogo católico, afirmou que “o Cristão do século XXI ou será místico ou não será cristão”. O homem espiritual torna-se um místico quando vive e comunica a sua comunhão com Deus numa tríplice dimensão: com Deus, consigo mesmo e com o seu semelhante. A capacidade da comunicação da vida interior ou comunicação de interioridades é um dom, um carisma que o Senhor dá àqueles que se tornam garimpeiros da alma. Como dizia Jacques Maritain: “Sou um rabdomante com o ouvido colado à terra para captar o murmúrio das nascentes escondidas, o imperceptível cicio das germinações invisíveis. E ainda como todo cristão (...) um mendigo do céu travestido de homem do nosso século[1]. Os místicos são esses rabdomantes do infinito, são “mendigos do céu revestidos da humanidade”, são homens e mulheres buscadores de Deus pela fé.
     E para que essa experiência saia do âmbito ideal e se torne um projeto encarnado e vivido na história e no tempo, porque não se pensar numa Pastoral da Espiritualidade que forme Escolas de Oração para a formação de discípulos missionários, que possam constituir pessoas cheias do Espírito Santo a fim de que eles exerçam os diversos ministérios das nossas comunidades?   
    
     Este fato não pode se apresentar como uma novidade, porque na comunidade de Jesus de Nazaré o primado da oração foi sempre uma exigência sine qua non (essencial) para a inserção do discípulo no seu grupo, elemento indispensável para ser enviado em missão. Porque não organizar de forma sistêmica, programada e estruturada a Pastoral da Espiritualidade e através das Escolas de Oração formar discípulos missionários que possam trabalhar nos vários âmbitos das atividades pastorais?

Neste vasto panorama da experiência de Deus através da oração, emergem vários grupos de formas, características e identidade muito diversas umas das outras, uns mais tradicionais, porém com nuances de novidades, outros mais vanguardistas no seu modo de ser e agir e expressar a fé; outros são mais apostólicos, outros mais contemplativos, mas entre todas essas diferenças, nota-se um desejo comum e sincero entre eles, que é o de servir cada vez mais e melhor o evangelho e a Igreja.

Neste sentido vemos a grande importância da contribuição das Escolas de Espiritualidade[2] como Escolas de oração para a formação dos fiéis leigos. Para este novo tempo, precisamos de uma nova evangelização, e para isso, de uma Igreja renovada e sempre atualizada nos seus métodos e uma estratégia de atuação pastoral que possa ver-julgar e agir na ótica de Jesus de Nazaré.

Para esta empreitada é necessário que o corpo todo trabalhe junto, os fiéis com seus padres, os padres com os seus bispos, os bispos seus coirmãos bispos, enfim todos os bispos com seus fiéis em torno do irmão maior, o Bispo de Roma.  Uma Igreja que seja expressão de unidade, comunhão numa única fé a serviço do evangelho.

Os discípulos de Jesus pediram para o seu mestre: “Mestre ensina-nos a orar”. Assim também pedem os grupos de fiéis leigos de qualquer seguimento pastoral de uma comunidade, o pedido é sempre o mesmo: “Padre: Ensina-nos a orar”, para que possamos trabalhar e servir mais e melhor, pede o povo de Deus. Pedem também os bispos para que se criem em diversos âmbitos da nossa atuação pastoral as chamadas: Escolas da Palavra, Escolas de Oração, Escolas Catequéticas, Escolas Missionárias a nível paroquial e diocesano. 

De alguma parte alguém poderá perguntar: Mas o que se deve esperar de uma Escola de Oração numa comunidade? Espera-se a formação daquilo que mais a igreja local e particular mais necessita para o serviço do anúncio do evangelho: Discípulos missionários. Um discípulo missionário sem a experiência de Deus através da oração é como se diz no âmbito empresarial: “É mão de obra não especializada”.

Formar discípulos fortes na oração, que tenham a fé como cimento de sustentação da sua atividade pastoral e uma sólida e séria espiritualidade no seguimento de Jesus de Nazaré, para que firme cada vez uma identidade própria do nosso “ser Igreja” e possam anunciar e servir o evangelho da vida com maior autenticidade. Neste sentido interpreto a Oração, a Palavra de Deus, a Catequese e a Missão, como uma escada de ascensão que nos elevará seguros para Deus e nos ajudará a alcançar a plenitude da maturidade da vida cristã.

Ser discípulo missionário para servir o evangelho da vida em nome da Igreja é algo exigente. Não basta ter somente ter boa vontade, porque no discipulado não se improvisa. A caridade cristã não pode se transformar em altruísmo, a luta pela justiça e a paz excede a prática do bem, a fraternidade e solidariedade cristã não podem se tornar uma atitude particular e ocasional, enfim na Escola de Oração se aprende a ser um irmão universal através das ações de Jesus de Nazaré.

A Escola de Oração busca garimpar discípulos missionários nas próprias comunidades. A adesão e participação na vida da comunidade eclesial não é tornar-se membro de um grêmio ou um clube social, ser discípulo missionário é tornar-se um homem e uma mulher de fé, radicados numa forte e comprometedora experiência de oração que nos lança para missão.

Em geral o termo Escola de Oração vem compreendido com reducionismos, como se fosse um grupo de oração com um estilo, método e identidade próprios. A Escola de Oração é algo muito diferente daquilo que chamamos de grupos de oração, ela está intimamente ligada às grandes linhas da espiritualidade e  tem uma estreita ligação com a catequese e a missão evangelizadora da Igreja, seja das crianças, jovens e adultos. Possui uma característica sistemática de organização e desenvolvimento de temas e estudos e momentos de exercícios para a práxis da oração, seja de forma individual e comunitária.

2.   Desafios e perspectivas.

Uma necessidade e exigência muito comum entre aqueles que buscam servir o evangelho de maneiras e formas tão diversas em nossas comunidades, é para que sejamos mais práticos e acessíveis quando falamos sobre o tema da oração. Noto que, falar simplesmente sobre o tema da oração não é suficiente, é necessário ensinar o povo de Deus a orar. Precisamos passar do discurso sobre a oração para a prática da oração. E ainda, passar da oração, para a práxis pastoral, concreta, vivencial e encarnada nas realidades da vida humana.

É na perspectiva da nossa exposição que devemos nos abrir para este vasto e amplo horizonte temático e refletirmos juntos os diversos problemas e perspectivas da oração cristã:

1.        O aspecto Teológico e Pastoral da oração pessoal e comunitária.
2.        A relação entre a Palavra de Deus e a Liturgia, seu conteúdo, forma e vivência encarnada na vida.
3.        A necessidade de uma pedagogia para oração como “Iniciação mistagógica à oração”, ou Escolas de
       Oração.

É de suma importância que o desenvolvimento de um estudo e conhecimento temático sobre o tema da oração, vá conduzindo a pessoa passo a passo ao crescimento espiritual na vida cristã a fim de atingir uma maior maturidade e adesão da fé que professa. Este processo é um caminho de perfeição da vocação cristã é um meio que possibilita uma maior abertura da vivencia e da prática da santidade.

Em diversos âmbitos da nossa atuação eclesial, em todas as pastorais e movimentos é de se admirar o interesse pela oração, existe uma grande busca da práxis da oração. Atualmente me parece que é mais fácil ensinar o povo de Deus a trabalhar e a servir pastoralmente a comunidade, do que ensiná-los a rezar. Afirmo que, se na nossa atuação pastoral, “Marta e Maria” não andarem de mãos dadas nesta empreitada, se elas não caminharem juntas, estaremos trabalhando ou orando em vão. O trabalho pastoral sem oração é altruísmo, a oração sem trabalho pastoral é alienação.

Devemos ter em conta que o caminho da oração é uma coisa árdua e exigente. Infelizmente encontramos pessoas que param nos primeiros momentos da vida de oração, buscam somente o diletantismo oracional e ao se empanturrarem do mel da experiência inicial de Deus, logo se cansam. O autêntico homem e mulher de oração devem tornar-se primeiramente como abelhas operárias na fabricação do néctar divino, para depois poder saboreá-lo, isto é adentrar no dinamismo da obra Espírito Santo.

Existe ainda outro perigo, que sem uma pedagogia da oração orientada para o crescimento na vida espiritual, ela acabe se tornando apenas um modismo passageiro, que venha somente preencher um espaço do vazio humano existencial, sem deixar sua marca de interpelação na Igreja.

Neste ponto é de suma importância ter o máximo de cuidado para que esses novos buscadores de Deus pela oração e servidores dos irmãos pela prática da caridade cristã, não abandonem este exigente caminho transformando-o numa corrente espiritual de modismo passageiro, por não terem tido a capacidade de equilibrarem suas dificuldades no caminho a percorrer, e esses novo peregrinos de Deus na oração, acabem abandonados a margem das primeiras dificuldades.

Para superarmos este desafio é necessário recorrermos aos exemplos bíblicos dos grandes amigos de Deus na oração. Apresentar a História da Salvação na experiência e na perspectiva dos grandes orantes da bíblia, cujo ápice atinge a sua plena revelação manifestada no Filho de Deus. Jesus de Nazaré, modelo e mestre de oração e de uma oração perseverante e constante, viveu a prática da oração desde o início até o término da sua missão redentora. É assim que a Introdução Geral sobre a Liturgia das Horas vai apresentá-lo:

“Toda a sua atividade cotidiana está muito ligada à oração. Mais ainda, toda sua ação brotava dela, retirando-se ao deserto e ao monte para orar, levantando-se muito cedo ou permanecendo até a quarta vigília e passando a noite em oração a Deus. Até o fim da vida, já próximo da Paixão, na última ceia em sua agonia e na cruz, o divino Mestre nos ensina que a oração foi sempre a alma de seu ministério messiânico e o termo pascal da sua vida”[3]

Esta citação é de máxima importância, pois nos apresenta a estreita relação entre: Oração Vida Mistério Pascal de Jesus. A perspectiva da oração cristã hoje, deve ser interpretada nesta mesma perspectiva de unidade de relação, como numa escada de ascensão que nos leva à Deus:
 

                                                                                                   Caridade: Ressurreição e Reino de Deus.
                                                                Esperança: Paixão e morte Martírio.
                                         Fé: Oração e vida Ministérios


Esta escada de ascensão é uma experiência que se realiza não de forma destacada e divida entre si, mas integrada e cíclica, vivida em diversos momentos da nossa vida. As virtudes teologais é a força propulsora de ascensão que leva a alma à plena comunhão com Deus.

A nascente primordial da oração está fundada na experiência vivencial do cristão numa relação dialógica com o Pai no mistério pascal do seu Filho (Paixão, Morte e Ressurreição) do qual fomos assinalado pelo batismo.

Finalmente a oração seja pessoal ou comunitária são pequenos elos interligados dessa grande corrente que chega até nós como expressão perseverante da Igreja orante. A atitude orante da Igreja antes de ser uma resposta a uma necessidade moral ou uma qualidade constitutiva de fidelidade oracional cotidiana é essencialmente uma expressão de amor e fidelidade ao Mistério da Revelação numa atenta espera da realização do Reino.

Fidelidade a Revelação e perseverança na oração é nisto que consiste a verdadeira perspectiva da oração cristã, ela une o reino de Deus à cidade dos homens no espaço e no tempo através da Palavra e da Liturgia. A oração dá força e dinamismo para a ação da Igreja, e a faz perdurar no tempo a existência da vida cristã.

Diante destas questões e perspectivas teológicas, buscaremos também recuperar o ensinamento essencial dos grandes mestres da oração da Igreja e aprofundar um pouco mais a sua compreensão convergindo seus ensinamentos na relação ente:

1.        Vida no Espírito Santo Espiritualidade.
2.        Oração Litúrgica Oração Comunitária.
3.        Oração e Contemplação Oração Pessoal.
4.        Itinerário cristão Pastoral e Missão.
5.        Experiência Mística Total Consagração.

Sobre a vida de oração surge uma voz autorizada, Hurs Von Balthasar, sua teologia recebeu o nome de "Teologia de joelhos" porque esta é profundamente ligada à oração contemplativa e intensamente ligada à fé em busca da compreensão guiada pelo coração e o ensinamento da Igreja. Nesta perspectiva surgem ainda novidades e tendências sobre a oração:

c  A valorização do corpo na oração.
c  Integração harmônica da sensibilidade para atingir a pacificação.
c  Interiorização dos sentidos.
c  Técnicas para maior concentração psicológica em torno da Palavra de Deus,
       através de uma imagem, um Ícone ou um fato da vida.
c  A oração como finalidade terapêutica, curativa e libertadora.
c  Maior valorização do silêncio profundo e pleno como expressão de acolhida e resposta.
c  Uma maior abertura ao guia espiritual e a redescoberta da sua importância no crescimento da vida
       de oração.

       Segue ainda outras contribuições sobre a vida de oração:

c  Integração de todas as dimensões da pessoa: psico-físico-espiritual.
c  Atenção para o consciente e inconsciente.
c  Silêncio mental.
c  Uso do mantra ou de jaculatória.
c  A respiração como experiência de oração profunda.
c  Experiência do inefável[4],
c  Visualização = Memória.
c  Transferência da oração para o dinamismo vital: força, bem estar,
        cura, libertação, ascesi, e empenho.

A redescoberta da “oração do coração” ou como também é conhecida de “oração continua” com a invocação do nome de Jesus. Nascida entre o povo pobre e simples e de forma quase devocional, esta oração tem comprovada eficácia, mas necessita ser fundamentada e explicada a partir da teologia ocidental e apresentada através de uma apropriada pedagogia da oração, para que esta altíssima forma de orar possa ser também integrada a oração litúrgica, a ascese e as atividades da vida cotidiana e não sejam somente aplicadas às modalidades da vida monástica.

Neste sentido surgem novas propostas e formas encontradas nos grandes mestres da espiritualidade como Teresa de Jesus e João da Cruz com a “Oração de recolhimento” uma forma de contemplação a partir da comunicação amorosa de Deus à alma. A escola Teresiana de oração tem como centralidade da sua oração a busca da união da alma com Deus através da Humanidade de Cristo, não tanto pelo intelecto, mas pelo afeto e pela amizade.

Este novo método aponta sempre como centralidade a busca da interioridade através das mediações externas para o absoluto interno, passar do discurso para o silêncio, da razão para o afeto, isto é, racionalizar segundo o esquema bíblico judaico de oração, "pensar com o coração", passar da Palavra de Deus ao Deus da Palavra.

Se existe uma deficiência atual da oração está no seu muito falar, outra limitação está em querer transformar a meditação num momento de análise racional do objeto e do conteúdo da meditação procedendo como um arqueólogo catalogador das coisas do espírito. Mas restam ainda no coração humano uma sede insaciável na busca das coisas do alto e o desejo de recuperar a unidade do homem constituído imagem e semelhança de Deus que foi retalhada e dividida pelo pecado. O coração humano neste mundo conturbado e barulhento ainda tem fome de silêncio que é a máxima expressão da acolhida da voz de Deus. A resposta definitiva à esta procura está numa mais forte experiência de comunhão e de comunicação pessoal com Deus. 


Frei Geraldo Luis Boletini ocd. freigeraldo@yahoo.com.br
Frade Carmelita Descalço – colaborador no Centro Teresiano de Espiritualidade em São Roque/SP na Pastoral da Espiritualidade em encontros e Retiros Espirituais.


[1] Jacques Maritain, in Por um humanismo cristão, pg 42, Editora Paulus.
[2] Escolas: Agostiniana, Beneditina, Carmelitana, Dominicana e Franciscana.
[3] Introdução Geral sobre a Liturgia das Horas (I.G.L.H) nr 4.
[4] Experimentar aquilo que não se pode nomear ou descrever em razão de sua natureza, força, beleza indizível, indescritível.

sábado, 31 de março de 2012

Seguindo os passos de oração com Sta. Teresa




 Introdução

Respondendo ao convite lançado pelo I Definidor da nossa Ordem, diria que os alicerces edificados pela santa madre Teresa, estão prontos para edificarmos as moradas as quais ela quis fazermos habitar.
Para mim, o livro das Fundações é o II livro da Vida é um convite para mim, para que também eu cante as misericórdias e a providência que Deus operou em Teresa e no princípio da reforma. Graças as Fundações sabemos como o Espírito Santo foi actuando em Teresa; e graças as Fundações Temos em primeira mão o testemunho ocular (Teresa) daquilo que foi, a difícil tarefa da reforma da Ordem, e sobre tudo o convento de Duruelo que eu pessoalmente muito estimo e claro, como em todas as suas obras, deixa-nos transparecer sempre a sua determinada determinação, apoiada sempre sobre as alavancas da obediência, da fraternidade, da gratuidade e do amor de umas para com aos outras. É como que o livro dos actos dos apóstolos, mas, na versão de Teresa.

Se para Teresa a vida religiosa é uma opção profunda de fé configurada com Cristo na cruz (F 28, 43), então exige de mim uma entrega sem reservas, buscando sempre a perfeição cristã dando provas do amor de Deus como ela mesma diz em (F 5, 15). Por isso, sinto-me omprometido com as missões, a recomeçar com Teresa aquelas aventuras de Medina del Campo (F 3); Malagón (F 9); Valladolid (F 10); Duruelo (F 13-14); Toledo (F 15); Prestrana (F17); Salamanca (F 18); Alba de Tormes (F 20); Segovia (F21); Beas (F 22); Sevilha (F 23); Villanueva de la Jara (F 28); Palencia (F29) e de Soria (F 30). Ela ensina-me com as Fundações, a percorrer caminhos cujo fim é a liberdade em Deus!


Parece-me que a missão da Igreja e portanto do Carmelo é de sair ao encontro das necessidades e angústias espirituais dos homens deste tempo e deste contexto cultural. Assim sendo, julgo que santa Teresa hoje e mais do que nunca dá resposta a essas necessidades ao pedir-nos que fixe-mos os olhos em Cristo. De facto, Cristo é caminho seguro! Se ontem Teresa percorreu com meios rudimentares aqueles lugares, com muito maior razão poço hoje percorre uma distância ainda maior e alcançar um número de povos sem fim. Mas desta vez seria por Angola. De Norte a Sul, do mar ao Leste. Sem temer dificuldades, sem esperar comodidades, tenho fé que o mesmo espírito que animou Santa Teresa é o mesmo que me anima a mim também. Então não há razão para temer. Antes pelo contrário. Em comunhão com este mesmo espírito, quero convosco dar graças a Deus, pela minha consagração nesta família fundada por Santa Teresa; pelo ministério que me foi confiado; por Deus me ter escolhido no número dos seus ministros. Continuai a rezar comigo a Deus, por Teresa.


Seguindo os passos de oração com Sta. Teresa I

Quando Santa Teresa entrou para o convento da Incarnação de Ávila (1536), pouco tempo depois, isto é, após dezoito meses no convento, sobreveio-lhe uma grave crise de padecimentos físicos que a obrigaram a voltar para casa do pai. Regressou ao convento em 1538, e durante dezassete anos levou a vida exemplar duma freira de observância mitigada, guardando a sua Regra, frequentando o locutório, onde era frequentemente procurada por causa da sua graça e humorismo.
A oração de Teresa durante mais de dezanove anos como freira foi árida e penosa, e apesar de todas as suas amizades ou talvez, com maior pro¬priedade, por causa delas, a sua vida afigurava-se-lhe vã e sem uma finalidade. Tinha quarenta anos, a idade em que normalmente os melhores anos da mulher já passaram, quando começou a viver a vida para que Deus a criara.

Poucos meses depois de ler a história emocionante da conversão de Santo Agostinho, nas suas «Confissões», que a impressionaram vivamente, sentiu-se impelida a orar diante de Cristo, preso à coluna (). Fora um destes momen¬tos da graça em que o Criador se compraz em agir instan¬taneamente na vontade da criatura e traçar à sua vida novo rumo. Quando Teresa saiu do oratório, um só caminho lhe faltava percorrer: o «Caminho da Per¬feição», que é o caminho do amor e da renúncia.

O Amor apoderou-se dela e nada mais ansiava agora que submergir-se neste amor e aproximar-se cada vez mais do Amante divino. Assim começa também o amor humano: um olhar, uma palavra, e o fogo logo se ateia e o amante quer estar só com a amada. Mas uma vez que o matrimónio foi consumado, os amantes não querem ficar sós por muito tempo, pois todo o amor tem por fim ser frutífero. Passada a lua-de-mel, uma árdua tarefa surge: a família aumenta e os primeiros arroubos esquecem-se. Contudo, o amor lança suas raízes cada vez mais profundas na alma e, purificada pelas dores e provações sofridas em comum, faz com que a união se robusteça e se revele por vezes até na assimilação dos traços físicos do marido e da esposa. O mesmo se passa com o amor divino; normalmente desenvolve-se pouco a pouso, crescendo em intensidade e firmeza, e no que respeita a estes estados sucessivos e conducentes à vida mística, Santa Teresa não teve ainda quem a ultrapassasse na lúcida descrição deles. Cava os alicerces muito fundos, construindo o alto edifício do Castelo Interior na rocha da humildade e do desprendimento das criaturas, um desprendimento que «não se adquire removendo o corpo, mas pela resolução da alma de abraçar o bom Jesus, de buscar tudo n'Ele e de esquecer tudo o mais».

A verdadeira humildade é o requisito da contem¬plação, que, por sua vez, aumenta na medida do progresso na mesma contemplação.

Entretanto, a mesma humildade é uma virtude que pode correr o risco de ser fingida e falsa. No tempo de Teresa, a oração contemplativa era tida em suspeita, afigurando-se um favor extraordinário, que era não só perigoso receber e muito mais desejar. A humildade exigia (assim se pensava) que um tal dom devia ser rejeitado. A própria Santa sofreu gravemente da parte de directores que, reputando-a uma doente da imaginação, ordenaram-lhe que renunciasse à sua maneira de fazer oração e de se manter distante do Senhor, que não deseja senão ser amado das Suas criaturas.

Foi assim que o Senhor a ensinou a tratar com Ele, desde que a visão do mesmo Senhor, preso à coluna, açoutado e vertendo sangue, lhe inflamou a alma de amor. Esta a razão também por que passa, rapidamente, pelas primeiras três «moradas» do Castelo Interior, entretida com a meditação e a oração de quietude e, como que impaciente por chegar ao primeiro estado da vida mística, por ser ele a vida de amor puro.

 Seguindo os passos de oração com Sta. Teresa II

Antes de Santa Teresa descrever a ascensão da alma até Deus, nenhum escritor espiritual se ocupara propo¬sitadamente dos estados intermediários da via mística, a que chama a oração de quietude e a oração unitiva. Entre a oração (meditação) praticada pela maioria das pessoas devotas e os êxtases dos santos, havia uma região a que ninguém se dera ainda ao incómodo de investigar.
Mas, na ordem normal da vida interior, apesar de haver, claro está, excepções, a alma é erguida ao estado extático, somente após um período prolongado nos graus inferiores da contemplação.

Mal Santa Teresa se consagrou totalmente a uma vida de perfeição, Deus concedeu-lhe, de novo, a oração de quietude e de união unitiva, que lhe haviam sido conferidas no primeiro período de fervor e, seguida¬mente, retiradas durante dezoito anos de penosa aridez e de distracções.

Recordemos a célebre transverberação do seu coração com um dardo incandescente, cravado por um serafim; os transportes violentos e frequentes levitações e, como remate deste estado extático, o famoso êxtase de Sala¬manca, depois do qual volveu a si com as palavras tão frequentemente citadas: «Morro porque não morro».

Tudo isto é muito difícil de compreender se não tivermos constantemente presente que todos os fenó¬menos exteriores dos estados místicos mais sublimes são pura e simplesmente acidentais, que a única e grande realidade consiste em os místicos viverem pelos dons do Espírito Santo e, designadamente, pelo dom da Sapiência.

E isto torna-se ainda mais patente no último estado da vida contemplativa, quando os fenómenos físicos cessam quase por completo, em virtude de o corpo se ter habituado às visitas divinas. A alma entra agora na estabilidade do Casamento Místico, a estado máximo que pode ser atingido aqui na terra, antes de a cari¬dade, substância da contemplação, ser consumada na visão beatífica.

A nota dominante deste estado, a «Sétima Morada», é a paz, uma paz que nem a dor nem as vicissitudes são capazes de perturbar. A alma «não sente observa a Mística nem aridez, nem qualquer perturbação inte¬rior, como nas moradas anteriores, mas um recolhimento constante e suave de Nosso Senhor, porque, aqui, Ele e a alma gozam-se mutuamente, em profundo silêncio».

Eis o estado da alma quando o maior dos mistérios cristãos, a vida divina da Santíssima Trindade, lhe é revelada de modo especialíssimo.

Os efeitos da união transformante são ainda mais maravilhosos do que os das outras Moradas, pelo facto de produzirem «um esquecimento tão completo de nós mesmos, que a alma parece realmente não existir e só deseja ser tida na conta de nada». Ao mesmo tempo, a sua sede de sofrimento aumenta, embora seja menos violenta, e «sente grande alegria interior quando perseguida».

Os dons do Espírito Santo completaram a sua obra; a árvore podada e inoculada pelo divino jardineiro pro¬duz frutos cem por cento.


fonte de pesquisa >: 
http://teresadejesus.carmelitas.pt/noticias/noticias_view.php?cod_noticia=388 


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Santa Teresa, fundadora

Santa Teresa, fundadora

Uma mulher atraente e atraída, forte e vulnerável


Teresa de Cepeda e Ahumada veio à luz em 28 de março de 1515, filha dos piedosos pais Alonso Sánchez de Cepeda e Beatriz Dávila y Ahumada. As primeiras provas de seu fervor religioso herdado dos pais foram a sua fuga de casa para morrer mártir nas terras dos mouros e sua meditação sobre a eternidade. A piedade da infância decairá na adolescência, dando lugar às preferências de toda jovem pelos encantos das relações humanas e dos atrativos mulheris, influenciada pelos devaneios dos romances de cavalaria. Desde cedo pôde constatar sua força atrativa e sua capacidade de liderança, comandando as brincadeiras e centralizando os círculos e as conversas.

Sabia, inteligentemente, ser atraente, utilizando-se de sua simpatia, que ela traduz como desejo de agradar a todos, e teve como mestra neste aprendizado uma parenta de sua idade. Aprendeu a arte da sedução.


À proteção da Santíssima Virgem colocou-se, quando perdeu a mãe, em 1529. Certo de que Maria a protegeria, continuou envolvida em seus passatempos. Preocupado, seu pai resolveu interná-la no mosteiro das monjas agostinianas de Ávila, em 1531. A solidão obrigou-a a encontrar-se consigo mesma. O monólogo é o primeiro passo para um diálogo frutífero. Além da solidão, oportuna companhia, o contato com religiosas sérias abriram-lhe o espírito às dimensões divinas até então encobertas. O desejo de fazer-se consagrada a Deus nasceu-lhe, pela primeira vez. Nem todos se tocam pela própria insatisfação existencial. Isistem em perseguir o mesmo caminho, rumo às mesmas paredes. Teresa descobre a porta ampla. O horizonte que vislumbra do lado de lá, porém, é tão longínquo e misterioso que os efeitos imediatos sentem-se no corpo. Ela somatisa a crise. Enferma volta para casa, quem sabe para tentar recuperar o fio perdido da sua vida, a liga que se rompera em seu espírito. Melhor, fisicamente, vai a Castelhanos de la Cañada, casa de sua irmã mais velha, onde permanece 7 meses. De volta à casa paterna assume, entre 1533 e 1536, a direção de tudo, como mãe e senhora, mulher amadurecida. Em 1536 não consegue segurar-se. Convencendo seu irmão Antônio, fogem de casa. Ela bate no Carmelo da Encarnação, ele na porta dos dominicanos. No Carmelo inicia uma nova vida. Aos poucos vai percebendo que de atraente deve ceder, até ser atraída por Ele, e sua aparente força deu lugar à sua real vulnerabilidade, porta por onde o Cristo entrou em sua vida.


Teresa recebeu o hábito carmelitano em 2 de novembro de 1536 e professou no dia 3 do mesmo mês de 1537, aos 22 anos. Pouco tempo depois de sua profissão, um pouco por causa da nova forma de vida e das graves penitências que se impôs sobre si mesma, e muito pelo drama interior iniciado, ficou gravemente enferma e teve que abandonar temporariamente o mosteiro. A princípios de 1538 mudou-se para um lugar chamado Becedas e depois de alguns meses voltou ao mosteiro, não só com a saúde fraca, mas meio morta e totalmente paralisada. Pouco a pouco ficou restabelecida graças à intercessão de S. José, cuja devoção era popular na Espanha e que se fortalecerá em Teresa desde então.


Sua saúde física restabelecia-se na mesma proporção em que seu espírito se debilitava. Sente-se tíbia até 1553, quando a leitura das confissões de Santo Agostinho e o fatal encontro com uma imagem do Cristo atado à coluna em um dos corredores do mosteiro, tocam-na profundamente e resolvem-lhe o impasse interior. Ela vê nesta experiência sua própria e definitiva conversão (V.9). Este foi o momento em que iniciou seu vôo para as alturas da união com Deus, que se traduziu numa entrega incondicional e valente ao serviço de Deus, que a cumulou de inumeráveis favores e graças. O incremento destes bens foi tão grande e rápido, diz o Pe. Silvério, que em menos de 5 anos havia passado por quase todos os graus do amor e da contemplação infusa, culminando, em 1559, na visita de um querubim que lhe transpassou o coração com um dardo ardente, ferindo-a de amor. Em 1560 comprometeu-se em procurar e fazer sempre o mais perfeito. Inundada da presença transformante de Deus, e diante de tantos fenômenos e graças espirituais, Teresa perturba-se, e busca o auxílio de doutos e santos, que a acalmam e a ajudam a entender o lado humanamente estranho da Graça.


O itinerário místico que Santa Teresa percorre no Carmelo da Encarnação chega à sua natural consequência no desejo de ver a Deus e gozar de sua glória. É este um passo comum nas biografias místicas de relevo. Aos Filipenses São Paulo dirá: "Para mim, de fato, o viver é Cristo e o morrer um ganho" (Fil.1,21). São João da Cruz exprime a ânsia pela glória em sua obra “Chama viva de amor” em que a amada expressa sua incontrolável vontade de que a tela do doce encontro com o amado se rompa. Santa Teresa experimenta a mesma coisa. "Ansiosa de ver-Te, desejo morrer", repete o refrão de um poema seu, entre outros que expressam a mesma realidade. Sua definitiva conversão e o encontro com o Cristo não poderia que suscitar nela o desejo de que tudo acabasse, fazendo com que o normal medo da morte transformasse no medo de não morrer (c. V.29,8 e 10). Todavia àquele que vive em Cristo e experimenta, até o sofrimento, que o tempo se faz breve, acontece-lhe de viver em uma estranha dilatação do próprio tempo.


Para o P. Antônio Sicari, Santa Teresa, em seu caminho espiritual, passou da tensão escatológica à tensão encarnatória. Querendo morrer para viver em Cristo, amadurece ao ponto de viver para Cristo, sendo-lhe um prolongamento de humanidade, servindo-Lhe e fazendo-lhe em tudo Sua Vontade. O amadurecimento espiritual verifica-se quando não lhe interessa mais nem o medo do inferno em que poderá cair, nem o desejo do céu que o Cristo lhe pode dar, mas amá-lo em tudo, viver por Ele e por Ele morrer. É neste sentido que se deve entender o dilema colocado por ela: padecer ou morrer por Cristo.


Como a ressurreição assinala o fim do mundo, a encarnação e a paixão de Cristo prolongam-se no seu corpo eclesial. O instinto escatológico de Teresa deve fazer as contas com a encarnação eclesial.


É este o itinerário narrado no na Vida e nas Relações. O desejo da morte só pode ser aplacado por aquele de sofrer por Ele (cf. V.40,20; R.1,3).


Eventos como a visão do inferno, as notícias da Igreja dilascerada pelo movimento protestante e as missões além-mar no novo mundo descoberto, e outros fatores interiores, levaram Santa Teresa, inspirada continuamente por Cristo, a idealizar um mosteiro onde poucas monjas vivessem ao máximo sua doação ao Senhor, pela Igreja. Ela empenha-se em construí-lo, não sem penas.


O mosteiro, dedicado ao glorioso São José, foi inaugurado no dia 24 de agosto de 1562. Pela manhã uma sineta surda, porém alegre, anunciou aos habitantes de Ávila o nascimento da Reforma Teresiana. Radiantes de felicidade tomaram o hábito de descalças as quatro noviças escolhidas por Santa Teresa: Antônia de Henao (do Espírito Santo), filha espiritual de S. Pedro de Alcântara; Maria de la Paz (da Cruz), criada de D. Guiomar de Ulloa; Ursula de Sevilla (dos Santos), filha espiritual de Gaspar Daza, e Maria de Ávila (de S. José), irmã de Julião de Ávila. O Padre Gaspar Daza celebrou a Santa Missa e depôs no sacrário o SS. Sacramento. Este foi o primeiro de uma enxurrada de mosteiros que ela fundou até o fim de sua vida (17 ao todo), num movimento ainda vivíssimo nos dias de hoje.

Teresa, uma reformadora diferente


Quase todas as reformas das Ordens religiosas nascem, naquele tempo, dos sofrimentos dos reformadores pelas cativas condições e pela vulgarização de experiências que se quer conduzir ao esplendor primitivo. Também Teresa reagiu a uma determinada situação de falha. Mas tal reação foi nela absolutamente secundária na ordem das motivações.


A santa documenta candidamente algumas de suas reações que são absolutamente atípicas para um reformador: “Eu não sabia resolver... porque era contente onde estava, o mosteiro me agradava e havia uma cela ao meu gosto” (V32.10; cf. 32,12). Alguém que se colocasse com mandato divino para colocar ordem nas desordens das Ordens, jamais falaria assim. Não há traços nela de um descontentamento insustentável no andamento das coisas, nem daquela típica insatisfação pelo ambiente ou daquele desejo de excepcional austeridade que estão à base dramática de muitas tentativas de reforma religiosa no século XVI.


Do seu velho mosteiro a Santa tece grandes elogios (cf. V.7,3). Nesta linha devemos entender também a resposta que ela dá em 1581 ao pedido de uma monja que quer fazer parte de seu mosteiro, alegando vida regalada no mosteiro onde estava. Ela não a aceita, por razões jurídicas, e diz que ela pode, e diríamos deveria, ser boa onde está: “Antes de se fundarem estes mosteiros, passei vinte e cinco anos num onde havia cento e oitenta monjas. E, por escrever às pressas, só direi: a quem ama a Deus tudo lhe servirá de cruz e de proveito para a alma. Nada lhe fará mal se andar de sobreaviso, considerando que só Deus e vossa mercê estão nessa casa; e, enquanto não tiver ofício que a obrigue a olhar as coisas, nada se lhe dê de nenhuma delas. Procure antes imitar a virtude que vir em cada Irmã, a fim de mais amá-la e tornar-se melhor, descuidando-se das faltas que nela vir. Isto me aproveitou tanto, que, sendo tão numerosas como disse, não me distraíam mais do que se nenhuma houvesse, antes me eram de proveito. Porque, enfim, senhora minha, em toda parte podemos amar a este grande Deus. Bendito seja Ele, que não há quem nisto nos possa estorvar.” (Carta abril de 1581). Teresa mesma dirá de si que, malgrado tudo, fazia um grande bem em torno (V.32,9). A quantos lamentavam que levava muitas monjas da Encarnação para suas fundações ela respondia que restavam ainda mais de quarenta que poderiam fundar uma nova vida religiosa.


Se de um lado é óbvio que no seu novo mosteiro Teresa buscará cortar os abusos que encontrou na vida carmelitana do seu tempo, e que causaram danos inclusive nela, do outro lado não é igualmente óbvio dizer que esta intenção reformista tenha motivado o nascimento do novo Carmelo.


A opinião geral é a de que Santa Teresa nunca pensou na fundação de uma nova Ordem religiosa, nem sequer pretendeu reformar toda a Ordem do Carmelo como tal. A origem da sua intenção reformadora não vai além do âmbito de seus íntimos desejos de conseguir a própria perfeição e de ajudar a Igreja e as almas, cumprindo fielmente sua vocação.


A Santa não desconhece o concreto, porém não se exaspera diante dele. No livro da Vida estigmatizará com palavras enérgicas o relaxamento dos mosteiros (V.7,5). Tornará sobre o tema com expressões duras no Caminho (cap.12-14). Anos mais tarde, por ocasião de sua peregrinação através da Castilha e das províncias andaluzes, conhecerá algo do desenfreio de certos eclesiásticos (cf. Carta ao Padre Geral J. B. Rubeo, em 18 de Junho de 1575) e sentirá muito, contudo isto nem a escandalizará nem a estimulará a fazer algo para concertar o que está errado. Santa Madre é prática. Os males da Igreja e os perigos que ela corre na sua missão levam-na a fazer “esse pouquinho que posso”, como diria. E o que está ao seu alcance e o que se converteria em seu ideal é seguir os conselhos evangélicos com toda perfeição, juntamente com outras que quisessem segui-la (cf. C. Val.1,1-3), vivendo em plenitude o espírito original do Carmelo tal como ela havia chegado a vislumbrar, com sua marca eminentemente contemplativa, cujo valor evangélico e eclesial supôs compreender com profundidade inigualável, como o compreenderia também frei João da Cruz.


A Santa se limitará a criar um novo estilo de vida em que a realização de seu ideal seja mais facilmente exeqüível, sem que lhe passe nunca pelas mentes a idéia de impô-lo de algum modo a suas irmãs e irmãos de hábito, como advertia o P. José de Jesus Crucificado, para quem "a reforma de Santa Teresa não surgiu como uma espécie de rebeldia, contra a Ordem antiga do Carmelo, nem como uma intenção prévia de reformá-la enquanto tal, já que nem a Santa Teresa – que foi sempre filha fiel e amantíssima de sua Ordem – passou-lhe pelo pensamento semelhante idéia, nem o velho tronco da Ordem, de cuja seiva nutriu em boa parte seu espírito, convertendo-o em vida própria, sofreu alteração alguma de caráter jurídico, disciplinar ou espiritual por causa da Reforma ou por sua influência. Esta surgiu impulsionada por motivos e circunstâncias em parte pessoais e em parte ambientais e sociais, em consonância com o momento histórico e com as peculiares necessidades do tempo, como um movimento novo e vigoroso, destinado, não já a reformar a Ordem do Carmo enquanto tal, senão a instaurar na Igreja uma corrente de vida espiritual profunda e fecunda, que trouxesse um remédio eficaz àquelas necessidades e fosse, ao mesmo tempo, um instrumento eficiente de apostolado ao serviço da Igreja.


É de se notar que este movimento se inicia e desenvolve, não a despeito nem contra a Ordem em cujo seio se produz, senão favorecido e protegido por ela, já que não outra coisa significava, na realidade, senão uma nova e mais eficaz tentativa de melhoramento espiritual, em harmonia tanto com as diretrizes dadas pelos Sumos Pontífices à raiz do concílio de Trento como com os desejos intimamente e de muito tempo sentidos na Ordem mesma".


A idéia reformista, propriamente dita, não pertencia ao núcleo essencial da intuição nem de Santa Teresa nem de São João da Cruz. Ela somente se introduz em sua obra por intromissão do rei Filipe II que quis impor aos carmelitas sua própria reforma, instrumentalizando, para isso, a descalcez. Mas, visto por um ângulo mais largo, Santa Teresa é reformadora no sentido de ter colaborado para apontar à Igreja um caminho de fidelidade à sua própria missão. É assim, como reformadora, que a Igreja a vê. No âmbito minúsculo do Carmelo, ainda que tenha iniciado um movimento inicialmente com caráter renovador, Teresa passa a ser, mais que tudo, fundadora.