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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

TERESA DE LISIEUX VIDA- DOUTRINA- AMBIENTE Direção: CONRAD DE MEESTER ocd

PARTE III

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CAPÍTULO 9

A CARIDADE FRATERNA

PIERRE DESCOUVEMONT

Quando Teresa recorda a graça fundamental da sua vida, a graça da sua "completa conversão" na noite de Natal de 1886, afirma que a partir desse momento sentiu que "a caridade entrava no seu coração" e "a necessidade de se esquecer de si para dar alegria" (Ms A 45v). Na realidade, Teresa não esperou este momento para viver profundamente o mandamento evangélico da caridade fraterna. Muito nova, acostumada a esquecer-se de si mesma para dar alegria aos outros, conduta que adotou com tanta maior facilidade quanto que tinha um coração espontaneamente generoso: não suportava ver triste a um membro da sua família.

Mas, sabemos, Teresa foi perturbada durante muito tempo por uma preocupação obsessiva. Estava Paulina contente com o meu trabalho? O papai estava contente comigo? Resultado: tinha sempre medo de não lhes agradar suficientemente e chorava enquanto tinha a impressão que não o conseguia.

Curada definitivamente na noite de Natal de 1886 da sua "excessiva sensibilidade" (Ms A 44v), desde então foi capaz de servir os demais e de preocupar-se deles sem se perguntar continuamente se estavam contentes ou não do seu comportamento para com eles.

Certa de agradar a Jesus, não se desconcertou mais pelas reflexões que se pudessem fazer sobre o particular. Por isso, começa o combate que deve travar para conseguir a autorização de entrar no Carmelo por volta dos quinze anos.

Quando no dia 9 de abril de 1888 entra nele, já adquiriu um grande domínio de si mesma e suporta sem pestanejar as dificuldades da vida comunitária, especialmente as "alfinetadas" que a Ir. São Vicente de Paulo lhe inflige. Muito hábil manualmente, esta irmã conversa acusa Teresa de não ser bastante lesta nos trabalhos manuais chamando-lhe de a "grande cabrita". Um modo de advertir a jovem burguesa de quinze anos que deveria trabalhar mais depressa. Teresa não responde. Por meio das reflexões agridoces da Irmã São Vicente de Paulo, sente "a suave mão" de Jesus que lhe dá ocasião de fazer sacrifícios pela salvação dos pecadores. Oferece-os de todo o coração. Do mesmo modo, propõe-se acompanhar com alegria, durante o noviciado, todas as tardes ao refeitório a uma irmã incapacitada, a Irmã Maria de São Pedro, que, segundo parece, não é fácil de contentar. "Eu não queria deixar de aproveitar uma tão bela ocasião para praticar a caridade, lembrando-me de que Jesus dissera: 'O que fizerdes ao mais pequeno dos meus, é a mim que o fazeis' (Ms C 29r). Teresa acabou por "ganhar completamente a sua simpatia". Como? "Soube-o mais tarde — confessa Teresa —, porque, depois de lhe ter cortado o pão, lhe mostrava o mais belo sorriso, antes de me ir embora" (Ms C 29v).

Esta caridade heróica que Teresa exerceu nos primeiros anos da sua vida conventual é, efetivamente, uma caridade sorridente, porque Jesus já lhe fez compreender as razões de se sentir cheia de caridade em relação às suas irmãs. A fortaleza da sua alma, por grande que seja, tem as suas raízes na íntima convicção de que Jesus está ali, muito perto dela de que Ele lhe pede este sacrifício e de que no último dia a recompensará com o cêntuplo por todos os esforços que fez nesta vida para obedecer ao seu mandamento de amor.

Quando a madre Inês lhe pede, em fevereiro de 1893, para ajudar a madre Maria de Gonzaga na formação das noviças, Teresa contentar-se-á ensinando-lhes os pequenos meios que descobriu para vencer as mil e uma dificuldades de uma vida comunitária. E o que explicaremos em primeiro lugar. Veremos depois as novas luzes que recebeu nos últimos meses da sua existência em relação com a caridade fraterna. Luzes das quais fala extensivamente no Manuscrito C.

Uma caridade totalmente evangélica

O carisma de Teresa não consistiu em compor um tratado sistemático sobre a oração ou sobre a caridade fraterna. A doutrina ensinada às noviças era uma série de conselhos muito práticos. O que não quer dizer que não se apóiem em princípios evangélicos precisos que estamos em condição vantajosa de identificar, se queremos entrar na alma de Teresa, e converter-nos, seguindo-a, com corações ardentes de ternura.

Examinemos de perto os argumentos que Teresa expunha para ajudar as suas noviças a não se deixarem abater pelas dificuldades inerentes a toda a vida comum. Com efeito, tinha compreendido que para triunfar não era necessária a simples repetição de ações grandiosas, mas a recordação incessante das verdades evangélicas capazes por si só de atacar o mal na sua raiz.

Vamos comprová-lo estudando de perto o modo como Teresa aconselhava as suas noviças quando elas lhe confiavam as suas tentações de inveja e de impaciência. Duas tentações fundamentais que conhecem perfeitamente os que vivem em comunidade.

O meu próximo e os seus talentos

A Irmã Genoveva teve a simplicidade de nos confiar o modo de que Teresa se serviu nesta matéria. Com efeito, quando se juntou com a sua Irmã no Carmelo em setembro de 1894, não pôde passar sem ter inveja dela. Teresa levava-lhe tanta vantagem em generosidade! Lendo os Conselhos e Lembranças relatados pela Irmã Genoveva, advertem-se claramente os princípios que Teresa recordava para ajudar a sua irmã mais velha a não sucumbir a estas tentações de inveja, princípios que se encontram igualmente no Manuscrito C.

Como boa psicóloga, Teresa tinha indicado que há duas formas de inveja conforme os bens que invejamos no próximo. Umas vezes são as qualidades mais ou menos brilhantes que nós não temos e cuja privação nos entristece. Outras vezes é o mesmo fervor da caridade que anima o coração de um irmão ou de uma irmã e que acentua, por contraste, a nossa própria mediocridade.

Com efeito, frequentemente vemo-nos tentados a invejar nos outros os talentos que nós não temos. Se, por exemplo, — indica Teresa — algumas irmãs recebem na oração luzes sobre o Evangelho que nós mesmas não recebemos, não nos damos conta de que estamos a ter inveja delas. Somos tentados a considerar esta diferença como sinal de que o Senhor nos ama menos a nós. E perdemos a nossa alegria (Ms C 20r).

Quais são os princípios que Teresa indica para triunfar desta primeira forma de inveja?

a) O primeiro é que o valor essencial do homem não se mede pela quantidade de talentos que Deus lhe deu, mas pelo modo como ele os faz frutificar e, em definitivo, pela qualidade do seu amor. Um valor que só Deus conhece: "Jesus quis os grandes Santos, que podem ser comparados aos lírios e às rosas; mas criou também outros mais pequenos, e estes devem contentar-se com serem margaridas ou violetas, destinadas a deleitar nos olhares de Deus quando olha para o chão. A perfeição consiste em fazer a sua vontade, em ser o que Ele quer que sejamos..." (Ms A 2v).

O valor de um homem não se mede, pois, pelo número de talentos que recebeu ou ganhou, nem pelo brilho da sua inteligência, nem inclusive pelo resplendor das suas obras apostólicas, mas somente pelo valor do seu amor.

Teresa se centrava amiúde na primazia da caridade. Paulo escrevia: "Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como bronze que ressoa ou como címbalo que tine" (1Cor 13,1). E Teresa disse, por sua vez: "Não desprezo os pensamentos profundos que alimentam a alma e a unem a Deus; mas há muito tempo compreendi que não devemos nos apoiar neles nem fazer consistir a perfeição em receber muitas luzes". Se, pelo contrário, uma alma "se compraz nos seus belos pensamentos e faz a oração do fariseu, torna-se semelhante a uma pessoa a morrer de fome diante duma mesa bem abastecida, enquanto todos os convidados se alimentam abundantemente dela, deitando, por vezes, um olhar de inveja ao personagem possuidor de tantos bens" (Ms C 19v).

Em resumo, as luzes sobrenaturais não são critério de santidade. Como toda a riqueza, constituem inclusive um perigo, pois a alma que as recebe corre perigo de se comprazer nelas e de se orgulhar.

b) O segundo princípio é também paulino como o primeiro. O Senhor concede carisma a tal ou qual dos seus membros para a utilidade do Corpo inteiro. Teresa volta frequentemente sobre esta verdade. Sabe, por exemplo, que se a priora a elegeu para se ocupar das noviças, isto não lhe acrescenta nenhum valor suplementar aos olhos de Deus: "Compreendo que não é por mim, mas pelas outras, que tenho de andar por este caminho que parece tão perigoso. Com efeito, se aos olhos da comunidade eu passasse por uma religiosa cheia de defeitos, incapaz, sem inteligência nem discernimento, ser-vos-ia impossível, minha madre, deixar que eu vos ajudasse. Eis porque Deus lançou um véu sobre todos os meus defeitos interiores e exteriores" (Ms C 26v).

Teresa repetia frequentemente a Celina, quando esta pretendia que a sua responsabilidade diante das noviças lhe proporcionasse mais valor. "Não sou mais do que o que Deus pensa de mim. Enquanto a amar-me mais por me ter posto adiante e por permitir que seja sua intérprete diante de algumas noviças, parece-me que é antes o contrário. Faz de mim a sua pequena serva. É para vós que Deus pôs em mim encantos de virtude exterior, não para mim" (CSG, 161).

Teresa multiplica as comparações para que se compreenda o seu pensamento: "Não é mais importante o interior de um pêssego que a cor externa da sua pele? Então, porque ter inveja das outras pelas suas qualidades exteriores?" (Ct 147). "Não é mais importante a tela na qual o artista realiza a sua obra de arte que os pincéis dos quais se serve no seu trabalho? Então, porque invejar os instrumentos dos quais Deus se serve para realizar a sua obra nas almas?" (Ms C 20r).

Em resumo, quando somos tentados a invejar um dos nossos irmãos por causa do resplendor dos seus talentos, temos imediatamente que recordar-nos do valor relativo destes dons e do seu destino comunitário.

Os dons da outra são meus

Podemos resistir à "santa inveja" que nos invade quando somos testemunhas da caridade heróica, da santidade dos nossos irmãos? Encontramo-nos diante de uma autêntica riqueza, de um autêntico valor. Como não invejar tal bem?

Este segundo modo de ter inveja do próximo existe frequentemente nas almas que procuram a santidade. De tal modo desejam progredir no amor que ficam incomodadas ao verem que as outras se lhes "adiantam". Ou desanimam imaginando que Deus não se compraz já em tê-las em conta, ou, pelo contrário, procuram tranquilizar-se atribuindo ao amor-próprio ou à hipocrisia o que ao princípio desejavam com vontade admirar nos seus próximos. Que meios nos propõe Teresa para vencer esta segunda forma de inveja?

Indiquemos, em primeiro lugar, que Teresa esteve preocupada, desde a sua infância, por este mistério da desigualdade entre as almas. Ainda muito nova, admirava-se "por Deus não dar uma glória igual no Céu a todos os eleitos" (Ms A 19 r-v): tinha receio de que não fossem todos felizes. Enchendo um grande copo e um dedal, juntos, Paulina explicou então à sua pequena irmã que cada um dos eleitos teria a glória que pudesse receber e que assim o último nada teria a invejar ao primeiro.

Teresa volta a falar deste mistério no princípio do seu primeiro manuscrito. Devemos aceitar que Deus tenha as suas preferências. Contentemo-nos com ser margaridas ou violetas no "jardim de Jesus", se essa é a nossa vocação, e não invejemos a sorte dos lírios ou a das rosas.

Poderíamos dizer que é essa a solução "estética" dada ao problema da desigualdade que há entre as almas: há de tudo na vinha do Senhor. Isso acontece tanto no mundo espiritual como no mundo material, Teresa escreve: "Compreendi que, se todas as pequeninas flores quisessem ser rosas, a natureza perderia o seu adorno primaveril, os campos não ficariam esmaltados de florzinhas... Assim acontece no mundo das almas, que é o jardim de Jesus. Ele quis criar os grandes Santos, mas criou também outros mais pequenos" (Ms A 2v).

Esta solução, por válida que seja, considera ainda as almas como justapostas umas em relação às outras; não tem em conta o mistério da comunhão dos santos, que permite a todas as almas participar das riquezas do Corpo místico inteiro. É esta a verdade na qual nos devemos apoiar, refere Teresa, para vencer radicalmente a tentação de sentir inveja do próximo por causa da excelência da sua caridade.

É a própria Teresa quem com toda a clareza expõe à Irmã Genoveva o seu pensamento sobre esta questão. Urna vez mais a noviça participava à sua jovem irmã as suas tentações de inveja: "O que eu invejo em ti, são as tuas obras. Queria fazer também o bem, compor coisas belas que façam amar a Deus!". Teresa responde-lhe, em primeiro lugar, com o princípio acima enunciado, a saber, que a redação de obras espirituais não é de modo algum sinal de maior santidade: o fato de ser eleito por Deus como instrumento para dar a conhecer a sua mensagem não é sinal de um amor maior da parte dele. "Não há que atacar a sua irmã por isso — responde Teresa —. Não há que desejar fazer o bem por meio de livros, de poesias, de obras de arte..."

A seguir, Teresa eleva o debate. Mesmo supondo que estas obras sejam inspiradas por uma autêntica caridade e que, consequentemente, aos olhos de Deus, tenham um valor sobrenatural, há que oferecê-las a Ele e participar assim dos seus méritos. É este o mistério da comunhão dos santos: "Perante a nossa impotência — afirma Teresa —, há que oferecer as obras dos outros: é este o benefício da comunhão dos santos, e nunca ter pena dessa impotência, mas aplicar-se unicamente a amar" (CSG, 62).

E Teresa cita Taulero, o autor no qual encontrou a expressão mais perfeita deste mistério assombroso: "Se eu amo o bem que há no meu próximo mais do que ele mesmo, este bem é mais meu que dele. Se em São Paulo amo todas as graças que Deus lhe concedeu, tudo isso me pertence exatamente como a ele. Por esta comunhão, posso ser rica com todos os bens que há no céu e na terra, nos anjos, nos santos e em todos os que amam a Deus".

Teresa tinha compreendido que tal certeza transforma a opinião que temos dos outros. Em vez de perder o tempo invejando o bem que eles fazem, em vez de procurar os seus pontos fracos, alegramo-nos admirando o bem que se realiza no mundo, o consideramos como um "bem de família" e o oferecemos a Deus.

Teresa fazia-o frequentemente. Quando estava no coro, oferecia a Deus a oração das suas irmãs: "Sei que então o fervor das minhas Irmãs faz as vezes do meu" (Ms C 25v). Quando comungava, oferecia a Jesus o amor e os méritos da Santíssima Virgem, dos anjos e dos santos (Ms A 79 v-80r).

Nos últimos meses da sua vida, Teresa fala frequentemente da sua esperança de participar dos méritos das suas irmãs e dos seus irmãos espirituais. Por exemplo, é muito significativa a carta na qual escreve ao seminarista Bellière a sua confiança de participar, por meio dele, na palma do martírio. "Visto que o Senhor parece não querer conceder- me senão o martírio do amor, espero que Ele me permita alcançar por meio de vós a outra palma que ambicionamos" (Ct 224). No mesmo sentido, diz à madre Inês que espera participar no céu da glória de todos os santos: "Como uma mãe está orgulhosa dos seus filhos, assim estaremos nós uns dos outros, sem a menor inveja... Com as virgens, seremos como as virgens, com os doutores, como os doutores; com os mártires, como os mártires, porque todos os Santos são parentes nossos" (UCR 11.7.4; 13.7.12).

Sendo o antídoto soberano contra a inveja, a segurança de participar dos méritos dos santos favorece, por outro lado, o agradecimento leal do valor dos nossos irmãos. Descobrem-se mais facilmente as qualidades e os méritos dos irmãos, quando são considerados mais como um "bem de família". E quando são descobertos, alegramo-nos por isso. Teresa podia dizer com toda a verdade, sem forçar em nada o seu pensamento: "Julgar-se imperfeita e encontrar perfeitas as demais, isto é a felicidade... Não há nada mais doce que pensar bem do nosso próximo" (CSG, 25).

A confiança que Teresa tinha de participar das riquezas do Corpo místico ajuda-nos a compreender melhor o seu amor à pobreza espiritual. Se não duvidava de se apresentar diante do Senhor com "as mãos vazias", é porque unicamente queria contar com a sua misericórdia para ir para o céu, embora soubesse também que podia apresentar-se diante de Deus revestida com os méritos infinitos de Jesus Cristo e, por Ele e n'Ele, com as riquezas espirituais da Virgem, dos anjos e de todos os santos.

O amor é paciente

"O amor é paciente... tudo suporta" (1Cor 13,7). Estas duas expressões enquadram a descrição paulina do ágape; tão certo é que, para o apóstolo, como para o bom sentido do povo, a paciência é a primeira e a última palavra do amor. Teresa sabia-o por experiência. Devia esforçar-se frequentemente por ser paciente na comunidade. Como o fazia? Como ajudava as suas noviças para que também elas se exercitassem na paciência?

Na terapia da impaciência, Teresa terminara por distinguir dois tratamentos: 1) O tratamento a quente, aplicável ao princípio da tentação, no momento da alteração involuntária da sensibilidade, ferida em carne viva, por exemplo, por uma observação desatenta do próximo. 2) O tratamento a frio, aplicável mais tarde, uma vez passada a emoção.

Como boa psicóloga, Teresa tinha-se dado logo conta que não era necessário aplicar imediatamente este segundo tratamento. Só há que utilizá-lo, explicava, depois de estarmos sossegados. Por isso, quando ainda se está "com a impressão" da palavra ou do comportamento "traumatizante", há que contentar-se com curvar-se sob a tormenta, aplicando simplesmente o tratamento a quente. Esta sabedoria de Teresa constitui um elemento a não desprezar do seu "pequeno caminho".

O tratamento a quente

Teresa exortava certamente as suas noviças a absterem-se de qualquer gesto ou qualquer palavra de cólera quando se dessem conta de que começavam a irar-se. Mas convidava-as, sobretudo, a viver este domínio como ela mesma fazia, com um grande espírito de fé, que dava à sua paciência um desafogo e uma suavidade maravilhosas.

Em tais circunstâncias, só há duas coisas a fazer: um ato de fé e um ato de amor. Há que considerar a pessoa que nos irrita, pensa Teresa, como um instrumento providencial cuja presença Deus permite no nosso caminho, para que tenhamos uma nova ocasião de lhe manifestar o nosso amor e de lhe salvar almas.

Teresa apoiava-se nas célebres palavras de São Paulo: "Tudo concorre para o bem dos que amam a Deus" (Rom 8,28). Em vez de se deixar hipnotizar pela má vontade ou pelo caráter desagradável de uma irmã, pensava no instante em Jesus presente em tal provação. Não tinha tomado a decisão de se abandonar como uma bolinha nas mãos de Jesus?

Teresa era mestra na arte do sorriso em plena tentação de impaciência. E este sorriso era certamente nela a expressão de uma fé vivíssima na eficácia apostólica dos seus sacrifícios de amor-próprio. Porque havia sacrifícios! Não é agradável ouvir murmurar à sua volta, dentro das mesmas paredes do convento, que uma filha destruiu a saúde do seu pai por entrar muito nova na Carmelo! Sobretudo, quando o seu pai se encontra internado num asilo de loucos! No ano seguinte, ao melhorar um pouco a saúde do Sr. Martin, parece que poderia assistir, no dia 24 de setembro de 1890, à tomada de véu da sua filha. Mas, à última da hora, o Sr. Guérin, tio de Teresa, julga mais prudente evitar ao seu cunhado esta cerimônia emotiva. Teresa sente-se profundamente decepcionada pela decisão do seu tio e não pode conter as lágrimas. Mas no meio das suas lágrimas torna-se presente o reflexo da sua de fé. Na véspera da sua tomada de véu, escreve a Celina: "Como dizer-te o que se passa na minha alma?... Está dilacerada, mas sinto que esta ferida é feita por uma mão amiga, por uma mão divinamente ciumenta!... Foi só Jesus que fez tudo isto, foi Ele, e eu reconheci o seu toque de amor..." Até tal ponto que Teresa termina a carta dizendo à sua irmã: "Ah!... se pudesse comunicar-te a paz que Jesus pôs na minha alma no auge das minhas lágrimas, é o que Lhe peço para ti que és eu mesma!..." (Ct 120).

Este exemplo é significativo da coexistência possível entre a paz profunda da alma e a comoção da sensibilidade. Teresa não se acusa de modo algum de ter chorado. Sabe que esta alteração da sua sensibilidade não está sob o controle direto da sua vontade, que faz parte das "fraquezas" das quais fala o apóstolo e das quais é necessário "gloriar-se" (2 Cor 12,9). Oferecem-lhe a ocasião de experimentar a sua pobreza, a sua fraqueza, e obrigam-na a pôr-se nas mãos de Deus, a sua fortaleza e refúgio no momento da tentação.

Com efeito, Teresa gosta de recordar que não é senão uma "pequena alma", incapaz de vencer as dificuldades que se lhe apresentam. Há que deixar às "grandes almas" — teríamos vontade de escrever "às grandes damas" — a alegria de "triunfar" das dificuldades como quem joga.

Teresa explica-o à Irmã Genoveva num dia em que esta lhe confiava uma vez mais a sua dificuldade de ser paciente. "Esta vez — dizia a Irmã Genoveva — é impossível, não posso vencer-me". "Isso não é de admirar — replicou imediatamente Teresa —. Somos demasiado pequenas para sobrepormo-nos às dificuldades; é necessário que passemos por debaixo delas. Recorda-te do dia que, em Alençon, passamos entre as patas de um cavalo que impedia a entrada de um jardim, enquanto as pessoas mais velhas não sabiam o que fazer para entrar. Vê o que se ganha com ser pequena. Para os pequenos não há obstáculos, passam-se por todos os lados. As almas grandes podem passar sobre os negócios, examinar as dificuldades, chegar pela reflexão a pôr-se por cima de tudo, mas nós, que somos pequenas, devemos evitar tentá-lo. Passemos por debaixo!" (CSG 43-44).

Notemos a inspiração evangélica que, em Teresa, anima a prática desta "terapia a quente". Teresa não esquece a lição do Getsêmani. Pois o próprio Jesus conheceu a tristeza e a angústia, pois foi sacudido violentamente na sua sensibilidade até o ponto de suar sangue, não é necessário tentar fazê-lo melhor do que ele! O discípulo não está acima do mestre. Teresa tinha compreendido isto desde que entrou no Carmelo, quando recopiava as notas de um retiro pregado pelo P. Pichon: Jesus tinha sofrido com tristeza, sem ânimo; não há que admirar-se de experimentar as mesmas resistências que Ele diante do sofrimento.

Compreendeu que, para sofrer segundo o coração de Deus, não há nenhuma necessidade de sofrer sem parecer prestar atenção, ao seu sofrimento, como um herói estóico. É suficiente aceitar os sofrimentos tal e como vêm e como somos, oferecendo-os ao Senhor de todo o coração e crendo que não são inúteis para a salvação do mundo.

Para Teresa, o fato de sofrer com tristeza, longe de ser uma imperfeição, é uma graça de eleição, uma participação mais estreita na paixão de Cristo: "Que grande graça quando pela manhã nos sentimos sem nenhuma coragem, nenhuma força para praticar a virtude!" (Ct 65).

Para exortar as noviças à paciência, Teresa voltava sempre à mesma verdade: considerai os que vos feriram como instrumentos de Deus. Deixai-vos humilhar: é o próprio Deus quem vos humilha. Dizia, por exemplo, à Irmã Genoveva: "Quando estiveres irritada contra alguém, o meio de recuperar a paz é o de orar por essa pessoa e pedir a Deus que a recompense por te ter dado a oportunidade de sofrer" (PO 284).

Notemos a psicologia de Teresa. Quando as noviças lhe participavam as dificuldades que tinham em se mostrar amáveis com tal ou qual irmã, Teresa aconselhava-as a não ficarem nas aparências, mas a buscar as qualidades das que lhes eram menos simpáticas. Embora ela soubesse por experiência que este método — excelente a frio, como o veremos mais adiante — é impossível quando estamos irritados contra alguém, isto é, em plena crise emotiva. Temos nesses momentos o espírito de tal modo "obcecado" pelo comportamento enervante dessa pessoa que não é impossível pensar noutra coisa e, sobretudo, nas qualidades que pode ter, por outro lado. O único que podemos então fazer é. ver nela um instrumento do Senhor.

Tal disponibilidade não deve degenerar em resignação passiva diante da maldade humana. Para que seja evangélica, a paciência tem que ser acompanhada de uma atitude generosa e combativa frente à maldade e à injustiça humanas. Sem esta luta, a nossa paciência nunca será conforme à de Jesus Cristo. Com efeito, Cristo, não foi crucificado somente pelos seus inimigos. Lutou contra o pecado dos fariseus, denunciou-o: inclusive começou por isto. Teresa sabia-o, ela que nunca duvidou repreender os defeitos das noviças que tinha ao seu cuidado. "É necessário que morra com as armas na mão", dizia a este propósito nos últimos meses da sua vida (CSG 10).

O que não quer dizer que Cristo não reconhecesse a vontade de seu Pai nas mãos dos verdugos que o crucificavam. Vontade misteriosa, inefável... É o próprio mistério da Redenção, cuja imperiosa necessidade se nos escapa, embora o Ressuscitado o dissesse com tanta força aos discípulos de Emaús: "Não devia o Messias sofrer para assim entrar na sua glória?" (Lc 24,26).

O tratamento a frio

Chega um momento em que a nossa crise de perturbação interior se acalma, em que deixamos de estar irritados com o primeiro momento da nossa tentação de impaciência. Esta reflexão "a frio" porá frequentemente de manifesto que não temos razão para acusar demasiado à pressa de injustiça ou de maldade um comportamento cujos verdadeiros motivos nos escapam.

Deixemo-nos também aqui guiar por Teresa, que nos mostra como a nossa primeira impaciência para com o próximo deve-se frequentemente à nossa ignorância. Um melhor conhecimento do próximo evita-nos muitos arrebates inúteis; permite-nos, sobretudo, obter uma vitória definitiva sobre as nossas tentações de impaciência, ao dar-nos a oportunidade de olhar para os outros com o mesmo olhar do Senhor, um olhar ao mesmo tempo lúcido e indulgente.

Sigamos a Teresa na enumeração dos diferentes motivos de desconhecimento que impedem muitas vezes que os nossos juízos sobre o próximo sejam justos. Muitas vezes não sabemos a intenção que move os nossos irmãos a agir. No seu terceiro manuscrito Teresa refere uma experiência pessoal que a fez compreender de uma vez por todas que uma ação feita com a melhor intenção podia ser mal interpretada pelo contexto familiar. Durante um recreio pouco animado, a irmã ecônoma acaba de pedir ajuda. Teresa desejaria deixar o recreio, mas, por caridade, fez corno se não tivesse pressa para permitir assim à sua vizinha que se oferecesse voluntária. Uma das irmãs da comunidade interpretou como falta de disponibilidade a sua obra de caridade (Ms C 13r).

É certo que a intenção do próximo às vezes é clara e nem sempre é exemplar. Como não se deixar levar pela animosidade em semelhante caso? Nestes casos, Teresa propõe-nos pensar em todas as circunstâncias atenuantes que amiúde desculpam os defeitos dos nossos irmãos. Convida-nos a não esquecermos todas as graças que já recebemos e diz-nos: Se os outros tivessem recebido metade de graças de luz e de fortaleza que nós próprios recebemos, que teriam chegado a ser? Talvez, muito melhores do que nós (Ct 147).

Teresa recordava, por exemplo, que o caráter neurastênico da Irmã Maria de São José, a quem ajudava na lavanderia, fazia-a não ter em conta o seu desagradável humor. Longe de a julgar severamente, tinha compaixão dela de todo o coração: "Não é culpa sua não estar capacitada—dizia um dia à sua madrinha —, é como um velho relógio ao qual se deve dar corda cada quarto de hora" (DE p. 659). Sempre caridosa, Teresa continuava a ser lúcida.

Teresa comprazia-se igualmente em realçar as qualidades do próximo: "Quando o demônio procura pôr-me diante dos olhos da alma os defeitos de tal ou tal Irmã que me é menos simpática, apresso-me a procurar as suas virtudes, os seus bons desejos" (Ms C 12v). Passava por alto, por exemplo, as aparências pouco atrativas da Irmã Teresa de Santo Agostinho — o seu aspecto de "lírio num vaso", dizia ela um dia —, para admirar nela a obra de Deus: em vez de parar no exterior desta irmã antipática, chegava até o seu coração para admirar a sua beleza e generosidade: "cada vez que a encontrava, rezava por ela a Deus, oferecendo-Lhe todas as suas virtudes e os seus méritos. Estava certa de que isso agradava a Jesus, pois não há artista que não goste de receber louvores pelas suas obras" (Ms C 13v).

Teresa fazia notar um dia à Irmã Genoveva que, impressionadas com bastante freqüência pelas imperfeições naturais do nosso próximo — o que de mais superficial há neles —, esquecemo-nos do essencial: o seu valor profundo, o seu amor a Deus. "Repara nessas pêras aparentemente tão feias — dizia-lhe Teresa —: são a imagem das irmãs que mais te desgostam. No Outono, quando te derem esses frutos sem os corpos estranhos que os desfiguram, comê-los-ás com gosto, sem suspeitar que os tinhas desprezado. De igual modo, no último dia, ficarás admirada ao ver as tuas irmãs livres de todas as suas imperfeições e parecer-te-ão grandes santas" (CSG 107-108).

Com o mesmo espírito quando via uma irmã a recair frequentemente no seu defeito habitual, Teresa pensava: "Quem sabe se os esforços que mostra para se corrigir não são mais agradáveis ao Senhor que certos atos de virtude feitos pelos outros num dia indicado?" (Ms C 12v).

Porém, o motivo mais profundo da paciência de Teresa era a sua comunhão com a mesma paciência de Deus, com essa longanimidade do Senhor que não deixa de esperar a conversão do pecador e não se irrita pela sua lentidão. Teresa não esquecia que no Natal de 1886, Jesus tinha feito "num instante" na sua alma a obra que ela não tinha podido realizar "em dez anos", sabia que aos olhos de Deus um só dia é como mil anos e que pode num abrir e fechar de olhos converter os corações mais endurecidos. É assim como podemos compreender a paciência de Teresa em relação com as suas noviças, que estiveram longe de aproveitar rapidamente as lições e exemplos da sua mestra. A Irmã Marta, por exemplo, nunca chegou a corrigir-se totalmente do seu espírito de contradição. Quanto à Irmã Maria Madalena do Santíssimo Sacramento, nem sequer confiava plenamente em Teresa: "Fugia até do seu olhar" — dirá mais tarde — por medo de ser adivinhada" (Circular, p. 2).

Paciência consigo mesma

Como conclusão, impõe-se, no entanto, algo importante. Enganar-nos-íamos estupidamente se imaginássemos que Teresa vencia todas as suas tentações de impaciência aplicando sistematicamente este "tratamento a frio". Até o fim da sua vida sentiu a tentação de se mostrar desagradável com a Irmã Teresa de Santo Agostinho, a tal ponto que considerava mais prudente abandonar o lugar onde ia começar a trabalhar com ela (Ms C 14v). Continua a ser uma "alma pequenina" que, para triunfar das suas tentações de impaciência, deve passar por debaixo das dificuldades, em vez de tentar ficar por cima de tudo com a razão e a virtude.

Por outro lado, Teresa tinha advertido, enquanto se ocupava das noviças, que não era necessário enfrentar-se ao princípio com esta tática contra a impaciência. "No princípio do seu cargo de mestra de noviças — explica a Irmã Genoveva quando lhe contávamos os nossos combates interiores, as nossas tentações de impaciência, a nossa querida irmãzinha procurava o modo de nos sossegar, quer por reflexões, quer demonstrando-nos claramente que tal ou qual das nossas companheiras não tinha tido sorte. Isto levava a longas discussões que não conseguiam o fim desejado nem aproveitavam em nada as nossas almas. Ela deu-se conta disso imediatamente e mudou de tática. Em vez de tentar suprimir os nossos combates destruindo as suas causas, fazia-nos olhá-los de frente" (CSG 10).

Dito de outro modo, ao princípio Teresa animava as suas noviças a triunfarem imediatamente de uma tentação de impaciência provando com a reflexão: "Porquê exasperar-me? É ridículo!" Deu-se rapidamente conta da inutilidade deste método. Quando se está em plena crise de exasperação contra alguém, o melhor é humilhar-se sob a tempestade, suportar humildemente o seu movimento de impaciência - esperando que passe e oferecer a Deus este sacrifício de silêncio e de paciência.

A Irmã Genoveva continua: "Pouco a pouco conseguia fazer-me amável a minha sorte, fazer-me desejar que as irmãs deixassem de ter olhares e deferências comigo, que fosse repreendida em vez delas, acusada de ter feito mal o que nem sequer tinha o encargo de fazer. Enfim, situava-me nos sentimentos mais perfeitos. Depois [advirtamos a importância desta expressão], quando esta vitória estava ganha (quer dizer, quando o tratamento a quente tinha terminado], citava-me exemplos desconhecidos de virtude da noviça acusada por mim [comportamento básico do tratamento a frio]. Muito em breve, a admiração sucedia ao ressentimento e eu pensava que as outras eram melhores do que eu" (CSG, ib.).

Mas para reagir rapidamente às tentações de impaciência, indicava Teresa, é necessário "suavizar o coração por antecipação” (CSG 152), quer dizer preparar-se, na oração, para os encontros que teremos com os outros; deve-se contar de antemão com as suas mudanças de humor, orar por eles, pedir inclusive a Deus que os recompense por nos dar a ocasião de lhe oferecer um novo sacrifício. Comportamento heróico, certamente, mas de um heroísmo fundado na fé. Fé na incessante ternura de Deus para conosco, fé no valor redentor do menor dos nossos sacrifícios.

Teresa do Menino Jesus, doutora do "pequeno caminho", não esquece que ser fiel a esta linha de conduta é difícil. Mas é necessário nunca desanimar. Para ser paciente com o próximo, devemos ser antes paciente consigo próprio. Sabemos como Teresa insistia nesta matéria: "O principal da sua doutrina - afirma a Irmã Genoveva - era ensinar-nos a não nos afligirmos ao ver que - éramos a mesma fraqueza, mas antes a gloriar-nos das nossas fraquezas" (CSG 20).

Vê-se aqui claramente como o amor de Teresa para com o seu próximo era a imagem do amor que tinha a si mesma. Se tinha tanta indulgência para os demais, era porque era em princípio muito indulgente e muito paciente consigo mesma. Indicou-se frequentemente que antes de suportar os outros é preciso saber suportar-se a si mesmo.

Bernanos assimilou perfeitamente este aspecto do pensamento teresiano, quando põe na boca da priora anciã, ao aceitar a jovem noviça, ao princípio dos Diálogos das carmelitas: "Oh, minha filha, sede sempre doce e dócil nas Suas mãos! Os santos não se afrontavam contra as tentações, não se sublevavam contra eles mesmos; a rebelião continua a ser algo do diabo, e sobretudo nunca vos desprezeis! É muito difícil desprezar-nos sem ofender a Deus em nós" (Ed. Livre de vie, p. 53).

Uma caridade que deita raízes

Não podemos insistir demasiado na graça que fez Teresa compreender melhor, no fim da sua vida, o preceito da caridade fraterna. Precisamente, pôs-se a redigir o seu último manuscrito para dar a conhecer as luzes que tinha recebido nesta matéria.

Parece que foi quando ajudava na rouparia a Irmã Maria de São José, religiosa neurastênica que carecia de qualidades atraentes, quando se apresentou a Teresa a oportunidade de descobrir todas as exigências evangélicas da caridade. Teresa não se preocupou de enumerar as diferentes "luzes" que então recebeu. Mas, seguindo o texto do seu último manuscrito, podem distinguir-se quatro.Teresa não usa aqui a palavra "descoberta", mas recordemos que o verbo "compreender", que Teresa escreve catorze vezes em catorze páginas, evoca sempre na sua pena uma graça de luz.

A importância do segundo mandamento

O que em primeiro lugar impressionou a Teresa foi o que Jesus disse: "o segundo mandamento é semelhante ao primeiro: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’ (Mt 22,39). Teresa sublinha a palavra "semelhante”, não o tinha feito até então. Nunca tinha aprofundado estas palavras de Jesus (Ms C 11v). Pois bem, compreendeu que o segundo mandamento era tão importante como o primeiro, que devia aplicar-se a agradar aos demais com o mesmo cuidado que tinha posto até então para agradar a Deus. Ou melhor ainda, que o único modo de agradar a Deus era o de praticar o seu segundo mandamento: "Aplicava-me, sobretudo a amar a Deus, e foi amando-O que compreendi que o meu amor não se devia traduzir só em palavras, porque: 'Não são aqueles que dizem: Senhor, Senhor, que entrarão no reino dos Céus, mas aqueles que fazem a vontade de Deus' (Mt 7,21)" (Ms C 11v).

Que diz? Teresa tinha esperado o final da sua vida para saber que o amor não se devia manifestar só com palavras? Dispensamo-nos de refutar tal suposição. Não dizia ela alguns meses antes: "O amor prova-se com as obras"? (Ms B 4r). E Teresa fazia-o: privar-se, por seu lado, da bebida para a deixar à sua vizinha do refeitório, procurar no recreio a companhia das irmãs menos agradáveis, etc. Porém, até estes momentos, Teresa ainda não tinha indicado tão profundamente a importância do "segundo mandamento".

Bastará um exemplo para o demonstrar. Em agosto de 1893, ao comentar a pedido de Celina a página evangélica onde Nosso Senhor afirma que seremos julgados pelo amor efetivo que tenhamos mostrado aos outros, Teresa só vê uma coisa no grande afresco do juízo final: Jesus mendiga-nos o nosso amor. "Ele faz-se pobre para que possamos dar-lhe esmola". Não se trata do amor que Jesus nos mendiga na pessoa dos nossos irmãos necessitados, mas do amor que devemos "reservar" para Jesus, e "negá-lo" aos outros: "Demos, demos a Jesus, sejamos avarentas com os outros, mas pródigas com Ele!" (Ct 145).

Advirtamos que no seu primeiro manuscrito Teresa usa apenas uma vez a palavra "caridade" (Ms A 45v). Na sua carta à Irmã Maria do Sagrado Coração, usa-a duas vezes, mas no sentido de amor a Deus. Pelo contrário, no último manuscrito, usa vinte e seis vezes a palavra "caridade" — sempre no sentido de amor ao próximo — e a palavra "caridosa", quatro vezes. Só ao final da sua vida, Teresa compreende que Jesus dá ao mandamento da caridade fraterna uma importância tão grande.

Sobre isto, encontra outras três provas na Escritura: Jesus fala-nos da caridade "quase em cada página do Evangelho"; "na última ceia", depois de se entregar aos discípulos "no inefável mistério da Eucaristia", dá-lhes um mandamento novo, o de se amarem uns aos outros; Jesus "faz deste amor o sinal distintivo dos seus".

Teresa exprime a importância da caridade fraterna à madre Inês numa fórmula lapidar em junho de 1897: "A caridade fraterna é tudo na terra. Amamos a Deus na medida em que praticamos" (Sum. 652, p. 275).

"Como" Jesus nos amou

Teresa descobre, igualmente, o modo como o Senhor nos pede que nos amemos uns aos outros. Não basta amá-los como a nós mesmos, segundo o mandato do Levítico, mas como o próprio Jesus os ama, o mesmo que a Ele.

Como amou Jesus os seus discípulos, e porque os amou?", pergunta-se Teresa. A forma interrogativa da frase não é uma simples figura de estilo. Teresa procura verdadeiramente como e porque ama Jesus os seus discípulos. "Ah! não eram as qualidades naturais deles que O podiam atrair; havia entre eles e Ele umas distância infinita: Ele era a Ciência, a Sabedoria eterna; eles eram pobres pescadores, ignorantes e cheios de pensamentos terrestres. Apesar disso, Jesus chama-lhes seus amigos, seus irmãos" (Ms C 12r).

Seria falso fazer desta descoberta um princípio absoluto. Desde há tempo Teresa compreendeu que Deus nos ama apesar da nossa miséria. Não é este o ponto de apoio da sua confiança audaz'? Teresa escrevia ao começar o seu primeiro manuscrito: "O próprio do amor é abaixar-se..." (Ms A 2v). E, em Setembro de 1896, repetia: "Sim, para que o Amor fique plenamente satisfeito, é preciso se abaixe até o nada, e transforme esse nada em fogo" (Ms B 3v).

Porém, nos últimos meses da sua vida, Teresa compreende ainda melhor o caráter misericordioso deste Amor: admira-se do contraste que existe entre a Sabedoria de Jesus e a lentidão dos Apóstolos em compreender a sua doutrina. A partir desse momento, Teresa compreende com maior claridade que deve amar as suas irmãs apesar das suas imperfeições: "Ah! compreendo agora que a caridade perfeita consiste em suportar os defeitos dos outros, em não se escandalizar com as suas fraquezas, em edificar-se com os mais pequenos atos de virtude que se lhes vir praticar" (Ms C 12r).

As carmelitas de Lisieux não se deram conta de que Teresa tinha dado então provas da maior paciência para com elas. Mas, ao entregar-se sem reservas ao Amor misericordioso do Senhor, o coração de Teresa chega a ser todo amor e o seu espírito mais indulgente.

"A caridade não deve ficar fechada no fundo do coração".

Em oposição aos dois primeiros, o terceiro elemento da descoberta teve repercussões visíveis no comportamento de Teresa: "Mas compreendi, sobretudo, que a caridade não deve ficar encerrada no fundo do coração: `Ninguém, disse Jesus, acende uma candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas coloca-a sobre o candelabro para alumiar todos os que estão em casa' (Mt 5,15). Creio que essa luz representa a caridade, que deve iluminar e alegrar, não só os que são mais queridos, mas todos aqueles que estão em casa, sem excetuar ninguém" (Ms C 12r).

Oferece às suas irmãs "um banquete espiritual, composto de caridade amável e alegre" (Ms C 28v). Doravante Teresa porá tanto ardor e generosidade em agradar às suas irmãs como até então tinha feito para agradar ao Senhor. Como lâmpada, deve iluminar e alegrar a todos os que estão em casa. Dito de outro modo, não só deve pôr-se no recreio ao lado das irmãs menos simpáticas (já o fazia!) mas procurar o modo de as alegrar de qualquer jeito.

Nos últimos meses da sua vida, com efeito, Teresa dedica-se a exprimir o seu amor fraterno com uma ternura e espontaneidade maravilhosas. Tinha chegado a ser tão puro o seu amor que não temia amar as suas irmãs de modo "demasiado humano". Prova disto é a recordação da Irmã Maria da Trindade que conta como Teresa tinha ido consolá-la num dia de junho de 1897 sentando-se a seu lado, num tronco de árvore, e apoiando sobre o seu coração a cabeça da sua noviça.

"Desde que esta suave chama" da caridade "dilatava o seu coração" (Ms C 16r), Teresa sentia que o amor que ela suscitava no coração das suas irmãs não fazia mais que reforçar o seu amor a Deus. É o que explicava a esta mesma irmã, a Irmã Maria da Trindade, que se perguntava se não amaria demasiado a sua mestra de noviças.

No verso de uma estampa que lhe deu no dia 7 de maio de 1896, Teresa tinha copiado este pensamento da São João da Cruz: "Quando a afeição é puramente espiritual, crescendo ela, cresce a de Deus, e quanto mais se recorda dela tanto mais se recorda de Deus e lhe dá vontade de Deus, e crescendo num cresce no outro" (1N 4,7).

Igualmente, à luz deste terceira descoberta se deve ler todos os testemunhos sobre a alegria de Teresa durante a sua última doença. Expressão do seu amor a Deus, da aceitação gozosa da sua vontade, esta alegria manifestava, consequentemente, o seu desejo de consolar a sua família, entristecida com a perspectiva da sua morte iminente.

Não esqueçamos, no entanto, que Teresa se impôs muitos sacrifícios antes de poder manifestar o seu amor com bela simplicidade. A este propósito, escreveu um texto de grande importância: "O amor alimenta-se de sacrifícios; quanto mais a alma recusa satisfações naturais, mais a sua ternura se torna forte e desinteressada... Como agora estou feliz pelas privações que me impus desde o início da minha vida religiosa! Gozo já da recompensa prometida aos que combatem corajosamente. Já não sinto ser preciso recusar-me todas as consolações do coração, pois a minha alma está consolidada por Aquele que unicamente quero amar. Vejo com alegria que, amando-O, o coração se dilata, e que pode dar incomparavelmente mais ternura àqueles que lhe são queridos, do que se tivesse concentrado num amor egoísta e infrutífero" (Ms C 21v-22r).

A participação no amor de Cristo

Teresa compreende, no fim e no mais íntimo, que lhe é impossível levar a cabo este magnífico programa se Jesus não vem amar nela a todos e a todas a quem Ele lhe pediu que amasse. Daí a exclamação escrita no centro do seu relato: "Oh! como gosto d'Ele, já que me dá a certeza de que a vossa vontade é amardes em mim todos aqueles a quem me mandais amar!..." (Ms C 12v). Desde logo, se poderia julgar que Teresa tinha compreendido já no dia 10 de abril de 1896 a vontade de Jesus de amar nela a todas as suas irmãs. Nesse dia escreve a Leônia: "Minha irmãzinha querida, não posso dizer-te tudo o que o meu coração encerra de pensamentos profundos a teu respeito; a única coisa que quero repetir-te é esta: "amo-te mil vezes mais ternamente do que habitualmente se amam as irmãs, visto que posso amar-te com o Coração do nosso Celeste Esposo” (CT 186). Com efeito, Teresa está a pensar que no dia seguinte — na festa da sua irmã — poderá comungar e unir-se assim ao amor mesmo de Jesus a Leônia. Mas não pensa ainda que esta possibilidade de amar os outros com o próprio Coração de Jesus lhe seja oferecida a todo momento. Só alguns meses depois, lhe será concedida essa luz.

Aquela última descoberta teresiana situava-se na linha de todos os aprofundamentos que o Senhor a tinha levado a praticar nos anos anteriores. No dia 9 de junho de 1895, compreendendo melhor do que nunca "quanto Jesus deseja ser amado", tinha-se oferecido como vítima ao Amor misericordioso. Na sexta-feira seguinte, enquanto fazia a Via-Sacra, sentiu-se de repente ferida por um dardo de fogo tão ardente que compreendeu que Deus confirmava plenamente o seu oferecimento e fazia afluir sobre ela as ondas do seu amor. Compreendia então perfeitamente que podia a amar a Deus com o mesmo Coração de Deus. Mas foi unicamente nos últimos meses da sua vida quando recebeu a graça de compreender que podia igualmente, em todo o momento, amar o seu próximo com o próprio Coração de Deus, presente no seu coração.

TERESA NOS FALA:

"Uma candeia sobre o candelabro"

"Como agora estou feliz pelas privações que me impus desde o início da minha vida religiosa! Gozo já da recompensa prometida aos que combatem corajosamente. Já não sinto ser preciso recusar-me todas as consolações do coração, pois a minha alma está consolidada por Aquele que unicamente quero amar. Vejo com alegria que, amando-O, o coração se dilata, e que pode dar incomparavelmente mais ternura àqueles que lhe são queridos, do que se tivesse se concentrado num amor egoísta e infrutífero" (Ms C 22r).

"Nem sempre é possível, no Carmelo, praticar ao pé da letra as palavras do Evangelho; pois as vezes, se é obrigada a recusar um serviço, por causa dos ofícios. Mas quando a caridade lançou profundas raízes na alma, manifesta-se exteriormente. Há uma maneira tão graciosa de recusar o que não se pode dar, que a recusa dá tanto prazer como o dom" (Ms C 18r).

"Ah! compreendo agora que a caridade perfeita consiste em suportar os defeitos dos outros, em não se escandalizar com as suas fraquezas, em edificar-se com os mais pequenos atos de virtude que se lhes vir praticar. Mas compreendi, sobretudo, que a caridade não deve ficar encerrada no fundo do coração: 'Ninguém, disse Jesus, acende uma candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas coloca-a sobre o candelabro para alumiar todos os que estão em casa' (Mt 5,15). Creio que essa luz representa a caridade, que deve iluminar e alegrar, não só os que são mais queridos, mas todos aqueles que estão em casa, sem excetuar ninguém" (Ms C 12r).

"O farol luminoso do amor"

"Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, e esse lugar, ó meu Deus, fostes Vós que mo destes... No coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o Amor... Assim serei tudo..., assim o meu sonho será realizado!!!

Porque falar de uma alegria delirante? Não, esta expressão não é exata. É antes a paz calma e serena do navegante ao avistar o farol que o há de guiar ao porto. Ó Farol luminoso do Amor, eu sei como hei de alcançar-Te; encontrei o segredo para me apropriar da tua chama.

Não passo de uma criança impotente e fraca. Contudo, é a minha própria fraqueza que me dá a audácia para me oferecer como vítima ao teu Amor, ó Jesus! Antigamente, só as hóstias puras e sem mancha eram aceites pelo Deus forte e poderoso. Para satisfazer a Justiça divina, eram precisas vítimas perfeitas. Mas à lei do temor sucedeu a lei do Amor, e o Amor escolheu-me como holocausto, a mim, fraca e imperfeita criatura... Não é tal escolha digna do Amor?... Sim. Para que o Amor fique plenamente satisfeito, é preciso que Ele se baixe até ao nada, e transforme esse nada em fogo..." (Ms B 3v).

“Ó Jesus! se eu pudesse dizer a todas as pequenas almas... às pequenas vítimas do teu Amor!..." (Ms B 5v).

CAPÍTULO 10

APÓSTOLA E MISSIONÁRIA

CAMILLO GENNARO OCD

No momento em que Teresa entrou mais profundamente em contato com o mistério do amor divino, revelado em Cristo, sentiu-se cada vez mais impelida pelo desejo de colaborar na salvação das almas.

Teresa compreende a figura de Cristo, “o homem para os outros", que, inocente, carrega com o pecado do homem e expia-o na cruz. Tal impressão torna-se mais profunda muito em breve, mergulhando num desejo ardente de participar na paixão em primeira pessoa. Quando o Senhor chame Teresa para o Carmelo a fim de a tornar sua esposa, será, pois, "uma consagrada para os outros", levando muitos irmãos à salvação.

Teresa e a "sede de almas"

O Senhor satisfaz muito em breve este desejo e acende-o na sua alma no dia de Natal de 1886, que Teresa apelida da sua "conversão". Depois de contar o milagre realizado pelo Menino Jesus, libertando-a para sempre da timidez contraída pela morte da sua mãe, Teresa acrescenta: "Mais misericordioso ainda para comigo do que para com os seus discípulos, Jesus pegou Ele mesmo na rede, lançou-a e retirou-a cheia de peixes... Fez de mim um pescador de almas. Senti um grande desejo de trabalhar pela conversão dos pecadores, desejo que não tinha sentido tão vivamente" (Ms A 45v). Na noite de Natal, por uma graça divina, Teresa é substancialmente a carmelita que fará da sua própria vida um cântico ininterrupto de amor a Deus para que venha o seu reino e o seu paraíso, um tempo de conquista de almas.

Alguns meses depois, e precisamente num domingo de Julho, Teresa recebe uma forte impressão que lhe mostra o modo da atuação da graça, de ser "pescador de almas". Assim, no seu primeiro manuscrito: "Um Domingo, contemplando uma estampa de Nosso Senhor na Cruz, fiquei impressionada com o sangue que caía de uma das suas mãos divinas. Senti uma enorme pena, ao pensar que esse sangue caía na terra, sem que ninguém se apressasse a recolhê-lo, e resolvi manter-me em espírito ao pé da cruz para receber o Divino orvalho que dela escorria, compreendendo que seria necessário espalhá-lo sobre as almas... O grito de Jesus na cruz: 'Tenho sede!' ressoava também continuamente no meu coração. Estas palavras acendiam em mim um ardor desconhecido e muito vivo... Queria dar de beber ao meu Bem-Amado, e sentia-me eu mesma devorada pela sede de almas... Não eram ainda as almas dos sacerdotes que me atraíam, mas as dos grandes pecadores; ardia no desejo de as arrancar às chamas eternas" (Ms A 45v).

Teresa, com a sua decisão de ficar ao pé da cruz para receber a graça e reparti-la depois pelas almas, propõe-se libertar o seu tempo e o nosso da heresia: a indiferença de muitos pela redenção realizada por Cristo.

O Senhor, na sua bondade, concede a Teresa muito em breve o modo de levar à prática os seus desejos, e o assassino Henrique Pranzini é o primeiro a experimentar a eficácia do ardor apostólico da pequena auxiliadora de Cristo. A sua conversão entusiasma a Teresa e convence-a de que salvará ainda muitos outros, se se puder consagrar a Deus com uma vida de sacrifício e de oração. Teresa chama a Pranzini o "seu primeiro filho" (Ms A 46v), a faz compreender que a sua relação com os pecadores se tornou mais profunda: sente-se mãe porque quer gerá-los para a glória.

No entanto, a sede de almas não fez mais do que começar. Dois meses depois, na alma de Teresa dá-se um salto de qualidade: não são as almas dos pecadores as que a atraem, mas adverte que também as dos sacerdotes necessitam da sua ajuda. Esta preocupação leva-a consigo para o Carmelo.

As almas e, sobretudo, os sacerdotes

No dia 9 de abril de 1888 Teresa Martin atravessa o limiar do Carmelo, e naquele dia começa para o convento de Lisieux e para os da França uma profunda revolução espiritual.

Teresa entra num convento de freiras de clausura que, em 1861 tinha fundado um convento em Saigon, em terras de missão, dedicado, consequentemente, à salvação das almas, salvação procurada conforme um estilo espiritual completamente particular, indicado por um livro titulado O tesouro do Camelo, no qual se lia, entre outras coisas: "O fim da Ordem do Carmelo é o de honrar a Encarnação e a aniquilação do Salvador, e de se unir estreitamente ao Verbo feito carne e de glorificar a Deus imitando a sua vida escondida, sofredora e imolada. É, também o de rogar pelos pecadores, o de se oferecer por eles à justiça divina e suprir, com o rigor de uma vida austera e crucificada, a penitência que eles não fazem; de modo que uma carmelita está encarregada de continuar e completar, em certo modo, a obra de mediação de Cristo. Esta Ordem exige almas generosas e mortificadas que se ponham generosamente no lugar do divino Mestre, já impassível, para serem imoladas com Ele para a glória do Pai e para a salvação das almas".

Teresa Martin entra no Carmelo com o mesmo ideal espiritual, alcançado pelo caminho do amor humilde, mas heróico, e da oração confiante. "O que vinha fazer ao Carmelo, declarei-o aos pés de Jesus-Hóstia, no exame que precedeu a minha profissão: ‘Vim para salvar as almas e, especialmente para rezar pelos sacerdotes’ (Ms A 69v).

Teresa chama a esta missão cotidiana de oração apostólica pelos sacerdotes "comércio por atacado", como recorda Celina, porque, santificando os responsáveis diretos da fé cristã, consegue mais facilmente as almas que lhes estão confiadas. Recordando a experiência da sua viagem a Roma com Celina, escreve-lhe em julho de 1889, já religiosa: "Oh! minha Celina, vivamos para as almas... sejamos apóstolos... salvemos sobretudo as almas dos sacerdotes, estas almas deviam ser mais transparentes do que o cristal... Ai! Quantos maus sacerdotes, sacerdotes que não são suficientemente santos... rezemos, soframos por eles, e no último dia Jesus será agradecido. Dar-lhe-emos almas... Celina, compreendes este grito do meu coração?" (Ct 94). E em outubro: "Ah! Celina, sinto que Jesus pede a nós as duas, que apaguemos a sua sede dando-lhe almas, almas de sacerdotes sobretudo, sinto que Jesus quer que eu te diga isto porque a nossa missão é esquecermo-nos, aniquilarmo-nos... somos tão pouca coisa... e todavia Jesus quer que a salvação das almas dependa dos nossos sacrifícios, do nosso amor. Ele mendiga-nos almas... Só há uma coisa a fazer durante a noite, a única noite da vida que só virá uma vez, é amar Jesus com toda força do nosso coração e salvar-Lhe almas para que Ele seja amado... Oh! Fazer amar Jesus!" (Ct 96). Todavia, um pouco depois, escreve-lhe no mesmo sentido: "Celina, se quiseres, convertamos almas. É necessário que este ano façamos muitos sacerdotes que saibam amar a Jesus!... que O toquem com a mesma delicadeza com que Maria O tocava no seu berço!" (Ct 101).

Numa carta a Celina que tinha decidido entrar também no Carmelo, Teresa defende valorosamente a vocação das carmelitas que, em breve, a admitirão na sua comunidade: "Nós também não somos nem preguiçosas nem pródigas. Jesus defendeu-nos na pessoa de Madalena. Estava à mesa, Marta servia, Lázaro comia com Ele e com os discípulos. Quanto a Maria, não pensava em tomar alimento, mas em dar prazer Àquele que amava, por isso pegou num vaso de perfume de elevado preço e derramou-o sobre a cabeça de Jesus quebrando o vaso, então a casa toda ficou cheia do odor do perfume, mas os apóstolos murmuravam contra Madalena... Foi mesmo como para nós, os cristãos mais fervorosos, os sacerdotes acham que somos exageradas que devíamos servir como Marta em vez de consagrar a Jesus os vasos das nossas vidas com os perfumes que neles estão encerrados... E todavia, que importa que os nossos vasos sejam quebrados se Jesus é consolado e se o mundo, mesmo sem querer, se vê obrigado a cheirar os perfumes que deles se exalam e que servem para purificar o ar envenenado que constantemente respira" (Ct 169).

O "nosso irmão" desgarrado, o padre Loyson

A intuição espiritual de Teresa fica confirmada pelo comportamento de um seu irmão carmelita, o Pe. Jacinto Loyson. Nascido em Paris em 1827, entra no seminário de São Sulpício e é ordenado sacerdote em 1851. Atraído pela vida religiosa, passa à Ordem dos Carmelitas descalços e professa em 1860. Em 1863 prega a Quaresma na catedral de Bordéus e o arcebispo de Paris convida-o a pregar, igualmente, em Notre-Dame. Durante três anos seguidos continua o seu ministério de orador brilhante. Em 1868 prega a Quaresma em Roma, na Igreja de São Luís dos Franceses; o papa recebe-o em audiência e felicita-o. Mas começam a assaltar-lhe dúvidas de fé que o levam penosamente a uma crise, com a tentação de sair da Igreja, que lhe parece como uma relíquia medieval, para fundar a igreja do futuro.

Entre aqueles que seguiram a sua pregação em Roma encontra-se uma senhora, protestante, que há pouco tinha perdido o seu marido, uma tal Emília Meriman. Comovida pela pregação do P. Jacinto, faz-se instruir por ele no catolicismo e converte-se. Pouco tempo depois, transfere-se para os Estados Unidos. O Pe. Jacinto continua a sua pregação e, entre várias peripécias e encontros com a doutrina da Igreja, no dia 20 de setembro de 1869 anuncia publicamente a sua saída da Ordem carmelita. Depois de três anos na Inglaterra, casa-se com a senhora Meriman. Une-se ao grupo dos Velhos Católicos e tenta fundar uma igreja católica galicana. O seu comportamento consegue alguma aprovação, mas, sobretudo, gera uma condenação severa dos moderados.

Para Teresa, este seu irmão converte-se no protótipo dos sacerdotes que se afastam da Igreja. No dia 14 de outubro de 1890 escreve a sua irmã: "Querida Celina, o que tenho a dizer-te é sempre o mesmo. Ah! Rezemos pelos sacerdotes, cada dia mostra quanto os amigos de Jesus são raros... parece-me que o mais sensível para Ele deve ser a ingratidão, sobretudo ver as almas que Lhe são consagradas darem a outros o coração que Lhe pertence de uma maneira absoluta" (Ct 122). Um ano depois é mais explícita: "Celina, só o sofrimento pode gerar almas para Jesus... É surpreendente que estejamos tão bem servidas, nós cujo único desejo é salvar uma alma que parece perdida para sempre... As notícias pormenorizadas interessam-me muito, embora tenham feito bater com força o meu coração... Mas eu vou dar-te ainda outras que não são mais consoladoras. O infeliz pródigo foi a Coutances onde recomeçou as conferências de Caen. Parece que tenciona percorrer assim a França... Celina... E além disso diz-se que é fácil ver que o remorso o atormenta, percorre as igrejas com um grande crucifixo e parece fazer grandes adorações... A mulher dele segue-o por toda a parte. Celina querida, ele é muito culpado, mais culpado talvez do que nunca foi um pecador que se tenha convertido, mas não pode Jesus fazer uma vez o que ainda nunca fez? E se o não desejasse, teria posto no coração das suas pobres esposazinhas um desejo que não pudesse realizar?... Não, é certo que deseja mais do que nós reconduzir ao redil esta pobre ovelha transviada; virá um dia em que lhe abrirá os olhos e então quem sabe se a França não será por ele percorrida com um objetivo totalmente diferente daquele que agora se propõe. Não nos cansemos de rezar a confiança faz milagres e Jesus disse à Bem-aventurada Margarida Maria: 'Uma alma justa tem tanto poder sobre o meu coração que pode obter dele o perdão para mil criminosos'. Ninguém sabe se é justo ou pecador mas, Celina, Jesus faz-nos a graça de sentir no mais íntimo do nosso coração que preferíamos morrer a ofendê-lo, e depois não são os nossos méritos, mas os do nosso Esposo que são os nossos que oferecemos ao pai que está nos Céus, a fim de que o nosso irmão, um filho da Ssma. Virgem, volte vencido a refugiar-se sob o manto da mais misericordiosa das Mães" (Ct 129).

No dia 19 de agosto de 1897, dia em que se festeja na Igreja a memória litúrgica de São Jacinto, Teresa oferece a sua última comunhão para obter a conversão deste seu irmão, pelo qual tinha rezado tanto. Jacinto Loyson morreu em Paris no dia 9 de fevereiro de 1912, assistido por um sacerdote da igreja armena, murmurando: "Meu doce Jesus!", e beijando o seu crucifixo.

Teresa de Lisieux e Joana d'Arc

Em janeiro de 1895, ao dedicar o seu primeiro manuscrito à sua Irmã Paulina, priora do convento, Teresa escreve, ao narrar os primeiros dez anos da sua infância: "Foi assim que, ao ler a narrativa das ações patrióticas das heroínas francesas, em particular da Venerável Joana d'Arc, tinha um grande desejo de as imitar; parecia-me sentir em mim o mesmo ardor que as animava, a mesma inspiração celeste. Então recebi uma graça que sempre considerei como uma das maiores da minha vida, porque, nessa idade, não recebia luzes como agora, que estou inundada delas. Pensei que tinha nascido para a glória e, procurando o meio de lá chegar, Deus inspirou-me os sentimentos que acabo de descrever. Fez-me compreender também que a minha própria glória não apareceria aos olhos mortais, que consistiria em me tornar uma grande santa" (Ms A 32r).

Teresa aprofundou no Carmelo o conhecimento desta sua santa irmã, podendo ter acesso à leitura do melhor estudo então existente em França, escrito por Henri Wallon, no qual se inspirou em 1894 para compor duas piedosas recreações para uso da comunidade religiosa.

Teresa quer imitar Joana d'Arc, não libertando a sua pátria do inimigo invasor, mas libertando as almas do inimigo mais perigoso: o pecado Em 1896 compõe esta oração: "Senhor, Deus dos exércitos que dissestes no vosso Evangelho: 'Não vim trazer a paz mas a espada', armai-me para a luta, desejo ardentemente combater para vossa glória, mas suplico-Vos que fortaleçais a minha coragem.... Ó meu Bem-amado! compreendo a que combate me destinais, não é nos campos de batalha que terei de lutar. Sou prisioneira do vosso Amor, prendi livremente a cadeia que me une a Vós e me separa para sempre do mundo que amaldiçoastes ... A minha espada é o Amor, com ele expulsarei do reino o estrangeiro" (Or 17).

No último período da sua vida, quando a prova da fé se abate na alma de Teresa, senta-se alegre à "mesa dos pecadores" para os libertar da sua penosa situação e levá-los a Deus, o seu pensamento volta-se espontaneamente para Joana, que a conforta na sua prisão espiritual de secura e solidão. "Os santos também me encorajam na minha prisão. Dizem-me: Enquanto estiveres presa, não podes cumprir a tua missão; mas mais tarde, depois da tua morte, chegará o tempo dos teus trabalhos e das tuas conquistas" (UCR 10.8.4).

A Igreja, ao proclamar Teresa santa e padroeira das missões, confirmou plenamente a intuição desta jovem que por amor a Deus e às almas sacrificou diariamente a sua vida religiosa. Joana d'Arc queria libertar a França dos hereges, e Teresa queria libertar as almas do pecado. É idêntico o amor a Cristo e aos homens que une as duas santas, cheias de amor e de esperança para com a Igreja ameaçada pelo mal.

Dois "irmãos" missionários

O ano de 1895 marca para Teresa a importante data do seu oferecimento ao Amor misericordioso. E no dia 15 de outubro o seu campo de apostolado que até então se estendia a todas as almas e, em particular, às dos sacerdotes, adquire uma determinação específica. Teresa escreve: "Há muito tempo que tinha um desejo que me parecia absolutamente irrealizável: o de ter um irmão sacerdote. Pensava muitas vezes que, se os meus irmãozinhos não tivessem voado para o Céu, teria tido a felicidade de os ver subir ao altar. Mas, como Deus os escolheu para deles fazer anjinhos, já não podia esperar ver o meu sonho realizar-se. Mas eis que Jesus não só me concedeu a graça que desejava, como também me uniu pelos laços da alma a dois dos seus apóstolos, que se tornaram meus irmãos..." (Ms C 31v).

O primeiro foi-lhe confiado no dia 17 de outubro de 1895. A madre Inês, priora do convento, recebe a carta de um seminarista, Maurício Bellière, que pede as orações de uma carmelita que o ajude a perseverar fervorosamente na sua vocação sacerdotal e que seja a sua colaboradora espiritual no seu futuro ministério apostólico.

A madre Inês pensa imediatamente em Teresa. É assim como Maurício Bellière, um ano mais novo que ela, se converte no seu primeiro irmão espiritual. No período de1896-1897, Teresa escreve-lhe dez cartas, chamando-lhe no fim "querido irmãozinho". Compõe para ele uma extensa oração (Or 8) que diz assim: "Ó meu Jesus! dou-Vos graças por realizardes um dos meus maiores anseios, o de ter um irmão, sacerdote e apóstolo (...) Sabeis, Senhor, que a minha única ambição é fazer-Vos conhecer e amar, agora o meu desejo será realizado; posso apenas rezar e sofrer, mas a alma à qual Vos dignastes unir-me pelos doces laços da caridade irá combater na planície para Vos conquistar corações, enquanto eu na montanha do Camelo suplicar-Vos-ei que lhe concedais a vitória".

A providência de Deus, extremamente generosa com a boa vontade de Teresa, em janeiro de 1896 oferece-lhe a ocasião de ser novamente irmã espiritual de um missionário, o padre Adolfo Rolland. A madre Maria de Gonzaga, então priora, pede à Irmã Teresa se quer encarregar-se de orar pelo jovem missionário. Teresa, com doçura, faz-lhe ver que já oferece os seus "pobres méritos" por um missionário, e que no convento há religiosas mais santas que ela. A priora não cede e diz-lhe que a obediência duplicará os seus méritos. Recomenda-lhe apenas que não diga nada na comunidade, ficando entendido que, para as outras religiosas, o padre Roulland é o "irmão espiritual da madre priora".

Correspondência com os missionários

Teresa mantém com os seus irmãos missionários uma correspondência epistolar de caráter eminentemente espiritual, para os confortar no seu difícil e sacrificado ministério. Com que valor e intenção tinha vivido estes gestos de fraternidade manifesta-o ela mesma no seu terceiro manuscrito autobiográfico: "É, sem dúvida, pela oração e pelo sacrifício que se podem ajudar os missionários; mas às vezes, quando é do agrado de Jesus unir duas almas para sua glória, permite que, de tempos em tempos, possam comunicar uma à outra os seus pensamentos e estimular-se a amar mais a Deus. Mas para isso é preciso a vontade expressa da autoridade, pois parece-me que, de outra forma, tal correspondência faria mais mal do que bem, se não ao missionário, pelo menos à carmelita, continuamente inclinada, pelo seu gênero de vida, a fechar-se em si mesma. Então, em vez de a unir a Deus, essa correspondência (mesmo distanciada) que ela teria solicitado, ocupar-lhe-ia o espírito; imaginando fazer mundos e fundos, não faria absolutamente nada a não ser procurar, sob pretexto de zelo, uma distração inútil. Quanto a mim, nisso como no resto, sinto que é preciso, para que as minhas cartas façam bem, que sejam escritas por obediência, e que experimente antes repugnância do que gosto em escrevê-las" (Ms C 32 r-v).

Quando Teresa começa a escrever aos seus irmãos missionários não pode deixar de os fazer participantes de toda a sua maturidade espiritual, do seu modo de se aproximar de Deus e das almas, do modo que ela chama "um pequeno caminho muito reto, muito curto, um caminho completamente novo" (Ms C 2v).

Para termos uma idéia exata do que Teresa comunica com os seus irmãos missionários, e não trairmos o seu pensamento, é conveniente ler algumas passagens significativas que nos apresentam sob três aspectos fundamentais da sua fisionomia espiritual: como se vê em Deus, qual o estilo do seu apostolado espiritual e como pensa que será a sua missão mais além da sua morte.

Em relação à sua atitude diante do Senhor, escreve deste modo: "Meu Irmão, talvez a comparação não vos pareça exata? É certo que vós não sois ainda um Pe. de la Colombière, mas não duvido de que um dia sereis como ele um verdadeiro apóstolo de Cristo. Pela minha parte não me vem nem por sombras ao espírito a idéia de me comparar com a Bem-aventurada Margarida Maria; verifico simplesmente que Jesus me escolheu para ser a irmã de um dos seus apóstolos e as palavras que a santa Amiga do seu Coração lhe dizia por humildade, repito-lhas eu com toda a verdade; por isso espero que as suas riquezas infinitas supram tudo o que me falta para realizar a obra que Ele me confia (...) Ó meu irmão! peço-vos que acrediteis em mim, Deus não vos deu como irmã uma grande alma, mas uma muito pequenina e muito imperfeita. Não julgueis que é a humildade que me impede de reconhecer os dons de Deus, sei que Ele faz em mim grandes coisas e canto-Lhe todos os dias com alegria. Lembro-me de que aquele a quem mais se perdoou mais deve amar, por isso procuro fazer da minha vida um ato de amor e já não me inquieto por ser uma alma pequenina, pelo contrário, até me regozijo com isso. Essa é a razão por que ouso esperar que "o meu exílio será curto" mas não é porque esteja preparada; sinto que nunca o estarei se o Senhor não se dignar transformar-me n'Ele mesmo; pode fazê-lo num instante; depois de todas as graças com que me cumulou espero ainda essa da sua misericórdia infinita" (Ct 224).

"O meu caminho é todo de confiança e de amor, não compreendo as almas que têm medo de um Amigo tão terno (...) Pela minha parte posso fazer bem pouco, ou mesmo absolutamente nada se estivesse só, o que me consola é pensar que a vosso lado posso servir para alguma coisa; de fato o zero sozinho não tem valor, mas colocado junto da unidade toma-se poderoso, desde que evidentemente se ponha do lado bom, depois e não antes!... Foi aí que Jesus me colocou e espero aí ficar sempre, seguindo-vos de longe, com a oração e o sacrifício" (Ct 226).

Pelo que diz respeito ao estilo apostólico de Teresa, lemos ainda: "Peço a Jesus para que sejais, não só um bom missionário, mas sim um santo abrasado do amor de Deus e das almas; suplico-vos que alcanceis também para mim este amor para que eu possa ajudar-vos no vosso trabalho apostólico. Vós sabeis que uma carmelita que não fosse apóstola afastar-se-ia da sua vocação e deixaria de ser filha da Seráfica Santa Teresa que desejava dar mil vidas para salvar uma só alma" (Ct 198).

"Mais do que nunca, compreendo que os mais pequenos acontecimentos da nossa vida são conduzidos por Deus, é Ele que nos faz desejar e que satisfaz os nossos desejos... Quando a nossa boa Madre me propôs tornar-me vossa auxiliar, confesso-vos, meu irmão, que hesitei. Considerando as virtudes das santas carmelitas que me rodeiam, parecia-me que a nossa Madre teria servido melhor os vossos interesses espirituais escolhendo para vós qualquer outra Irmã, só o pensamento de que Jesus não olharia às minhas obras imperfeitas, mas à minha boa vontade, me fez aceitar a honra de partilhar dos vossos trabalhos apostólicos" (Ct 201).

"Sei que há santos que passaram a vida a praticar admiráveis mortificações para expiarem os seus pecados; mas que quereis? Há várias moradas na casa do Pai Celeste, disse-o Jesus e é por isso que sigo a via que Ele me indica. Procuro não me ocupar de mim mesma em nada, e o que Jesus se digna realizar na minha alma me abandono, porque não escolhi uma vida austera para expiar as minhas faltas, mas as dos outros" (Ct 247).

"Trabalhemos juntos na salvação das almas, só temos o único dia desta vida para salvá-las e dar assim ao Senhor provas do nosso amor. O dia a seguir a este será a eternidade, então Jesus vos devolverá centuplicadas as alegrias tão doces e tão legítimas que lhe sacrificais" (Ct 213).

Mas também Teresa pensa no que lhe espera no mais além do tempo e como procura viver o seu paraíso: "Meu querido irmãozinho: Quando lerdes estas linhas, talvez eu já não esteja na terra, mas no seio das delícias eternas! Não conheço o futuro, mas posso dizer-vos com segurança que o Esposo está à porta, seria preciso um milagre para me reter no exílio e não creio que Jesus faça esse milagre inútil. Ó meu querido irmão, como sou feliz por morrer! Sim, sou feliz, não por ficar livre dos sofrimentos deste mundo (o sofrimento unido ao amor é pelo contrário a única coisa que me parece desejável no vale das lágrimas). Estou contente por morrer porque sinto que é esta a vontade de Deus e que muito mais do que neste mundo, serei útil às almas que me são queridas, à vossa muito especialmente" (Ct 253).

"Nunca pedi a Deus para morrer jovem, ter-me-ia parecido cobardia, mas Ele desde a minha infância dignou-se dar-me a convicção íntima de que o meu percurso cá na terra seria curto. Portanto o pensamento de só cumprir a vontade do Senhor é que faz toda a minha alegria (...) Quando estiver no porto de abrigo ensinar-vos-ei, querido irmãozinho da minha alma, como deveis navegar no mar tempestuoso do mundo com o abandono e o amor de uma criança que sabe que o Pai a ama e não poderia deixá-la só na hora de perigo" (Ct 258).

"Dizeis-me que muitas vezes rezais também pela vossa irmã; já que tendes esta caridade ficaria muito feliz se fizésseis todos os dias por ela esta oração que encerra todos os seus desejos: Pai misericordioso, em nome do nosso Doce Jesus, da Virgem Maria e dos santos, suplico-Vos que abraseis a minha irmã no vosso Espírito de Amor e que lhe concedais a graça de vos fazer amar muito'. Se o Senhor me levar depressa com Ele, peço-vos que continueis a rezar todos os dias a mesma oração por mim, porque eu desejarei no Céu o mesmo que na terra: Amar Jesus e fazê-lo amado. Reverendo Padre, deveis achar-me muito estranha, talvez lamenteis ter uma irmã que parece querer ir gozar do repouso eterno e deixar-vos a trabalhar sozinho. Mas tranquilizai-vos, a única coisa que desejo, é a vontade de Deus, e confesso que se no Céu já não pudesse trabalhar para a sua glória, preferiria o exílio à pátria. Não conheço o futuro, mas se Jesus realizar os meus pressentimentos, prometo-vos continuar a ser sempre a vossa irmãzinha lá no Céu. A nossa união, longe de ser quebrada, tornar-se-á mais íntima, já não haverá então clausura, nem grades e a minha alma poderá voar convosco nas missões distantes. Os nossos papéis continuarão a ser os mesmos, para vós as armas apostólicas, para mim a oração e o amor" (Ct 220).

"Meu irmão, irei em breve oferecer o vosso amor a todos os vossos amigos do Céu, pedir-lhes para que vos protejam. — Queria dizer-vos, meu querido irmãozinho, mil coisas que compreendo agora, estando às portas da eternidade, mas eu não morro, entro na vida e tudo o que não posso dizer-vos neste mundo vos farei compreender do alto dos Céus..." (Ct 244).

Ir para um Carmelo de missão

Querendo consagrar a Deus a sua própria existência, Teresa elegeu uma experiência forte de espiritualidade para dar a Cristo todas as provas do seu amor e oferecer aos pecadores o mérito da sua própria vida de comunhão com Deus. Para isso, escolheu o caminho mais duro, entrando num convento de clausura, onde se observa uma regra austera e sem muita consolação humana.

De seus escritos surge também outro desejo: o de viver num Carmelo de terras de missão, onde a sua vida, longe dos afetos familiares mais santos e normais, podia oferecer-lhe maiores meios para alcançar o fim que se tinha proposto. Teresa exprimiu este desejo muitas vezes, e só a obediência e a sua saúde delicada lhe impediram o seu impulso de generosidade heróica.

Lendo os seus escritos, recolhemos todo o entusiasmo do seu jovem coração, disposto a dar-se a Deus e às almas com generosidade ilimitada. "Pedi ainda a Jesus que eu faça sempre a sua vontade, para isso estou pronta para atravessar o mundo... e estou também pronta para morrer" (Ct 225)

Teresa tinha entrado numa comunidade caracterizada por uma sensibilidade missionária muito desenvolvida. Em 1871, O Carmelo de Lisieux tinha fundado um convento em Saigon, o primeiro em terras de missão. Teresa teve sempre desejos de ir um dia para o Carmelo missionário. Lia com gosto as vidas dos missionários e escutava com interesse as notícias sobre a expansão missionária. Nos últimos anos da sua vida, o seu desejo reavivou-se quando se procurava ajudar a nova fundação de Hanoi.

Escreveu no Manuscrito C: "Estou também pronta para voar para outro campo de batalha, se o Divino General me exprimir esse desejo. Não seria necessária uma ordem; bastaria um olhar, um simples gesto. Desde a minha entrada na Arca Santa, sempre pensei que, se Jesus não me levasse bem depressa para o Céu, a minha sorte seria a da pombinha de Noé: um dia o Senhor abriria a janela da Arca e dir-me-ia para voar para muito longe, muito longe, até às regiões infiéis, levando comigo o raminho de oliveira. Este pensamento, minha Madre, fez crescer a minha alma, fez-me pairar acima de todas as criaturas. Compreendi que mesmo no Carmelo podia haver separações, e que só no Céu a união será completa e eterna. Então quis que a minha alma habitasse desde já nos Céus, e que não olhasse senão de longe para as coisas da terra. Aceitei, não apenas exilar-me no meio de um povo desconhecido (...) Se um dia tivesse que deixar o meu querido Carmelo, ah! não seria sem sofrimento! Jesus não me deu um coração insensível, e é precisamente por ele ser capaz de sofrer que desejo que dê a Jesus tudo quanto puder dar. (...) Aqui sou amada, por vós e por todas as Irmãs, e esta afeição é-me muito grata. Eis porque sonho com um convento onde fosse desconhecida, onde tivesse que sofrer a pobreza, a falta de afeto, enfim, o exílio do coração" (Ms C 9r-10r).

O seu desejo de viver num Carmelo de missão, longe inclusive dos afetos familiares mais santos, nasce exclusivamente do desejo de imitar a Cristo no seu exílio terreno e partilhar o seu sofrimento humano e a sua humildade de Verbo feito carne. Teresa quer partilhar até ao fundo a situação existencial de Cristo, seu Esposo: de fato, o amor autêntico exige igualdade e fusão total com a pessoa amada para fazer uma só coisa com o objeto do próprio amor. Teresa, que viveu só e sempre para amar totalmente a Cristo, deseja também esta identificação total e definitiva.

Mas está a viver no abandono. Escreve ao Pe. Roulland em março de 1897: "Talvez queirais saber o que pensa a nossa Madre do meu desejo de ir para Tonkim? Ela acredita na minha vocação (porque efetivamente é preciso ter uma vocação especial e nem todas as carmelitas se sentem chamadas a exilar-se) mas não crê que a minha vocação possa algum dia chegar a ser realizada, seria necessário para isso que a bainha fosse tão sólida como a espada e talvez (pensa a nossa Madre) a bainha fosse lançada ao mar antes de chegar a Tonkim. (...) Não me inquieto nada com o futuro, tenho a certeza de que Deus fará a sua vontade, é a única graça que desejo" (Ct 221).

O Senhor contentou-se com a boa vontade de Teresa e, ultrapassando os seus mais profundos e vastos desejos, a quis no céu padroeira das missões, não só fazendo-a apóstolo por uns anos, mas até que o homem exista na terra.

Teresa no "coração" da Igreja

Teresa do Menino Jesus, encarregada pela priora de oferecer as suas orações e sacrifícios pelo apostolado de dois missionários, sente no seu coração um grande desejo de santidade, e escreve: "Quereria ser Missionária, não apenas durante alguns anos, mas quereria tê-lo sido desde a criação do mundo, até ã consumação dos séculos" (Ms B 3r). Estes desejos "que tocam as raias do infinito", pois não os pode realizar ela só, realizá-los-á por meio de quem dá valor infinito aos atos dos que confiam n' Ele.

Profundamente convencida destas realidades espirituais, escreve: "Abri as epístolas de São Paulo, a fim de procurar alguma resposta" (Ms B 3r). Diante dos seus olhos abrem-se os capítulos 12 e 13 da primeira carta aos Coríntios. Neles o apóstolo, depois de ter falado dos carismas em geral, com ritmo crescente louva a excelência da caridade, ressaltando a sua necessidade, os seus valores e a sua sobrenatural perpetuidade. A leitura traz paz a Teresa, porque compreende finalmente como pode realizar todos os seus desejos. Movida por um impulso inicial que a faz desejar todas as vocações, detém-se um momento na sua busca. Com efeito, São Paulo afirma claramente que não se pode ser ao mesmo tempo profeta e doutor, pois a Igreja compõe-se de diversos membros: "Sem desanimar, continuei a leitura, e consolou-me esta frase: 'Procurai com ardor os dons mais perfeitos, mas vou mostrar-vos ainda um caminho mais excelente'. E o apóstolo explica como os dons mais perfeitos não valem nada sem amor, que a caridade é o caminho mais excelente para ir a Deus com segurança.

A explicação da perfeição da caridade que o apóstolo faz oferece a Teresa o modo de penetrar profundamente no mistério desta virtude e de compreender a sua fecundidade. Analisando o Corpo místico de Cristo,Teresa descobre no coração deste Corpo místico a fonte do amor que se converte para a Igreja em atividade ardente.

"A caridade deu-me a chave da minha vocação. Compreendi que se a Igreja tinha um corpo composto de diversos membros, o mais necessário, o mais nobre de todos não lhe faltava: compreendi que a Igreja tinha um coração, e que esse coração estava ardendo de amor. Compreendi que SÓ o Amor fazia agir os membros da Igreja; que se o Amor se apagasse, os apóstolos já não anunciariam o Evangelho, os mártires se recusariam a derramar o seu sangue. Compreendi que o Amor encerra todas as vocações, que o Amor é tudo, que abarca todos os tempos e todos os lugares... numa palavra, que é eterno. Então, num transporte de alegria delirante, exclamei: 'Ó Jesus, meu Amor! Encontrei finalmente a minha vocação: a minha vocação é o Amor!' Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, e esse lugar, ó meu Deus, fostes Vós que me destes... No coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o amor, assim serei tudo, assim o meu sonho será realizado!!!" (Ms B 3v).

Teresa, mesmo sem querer, oferece-nos nesta página um breve esboço de eclesiologia, exprimindo o seu pensamento sobre a Igreja. Seguindo as pegadas do apóstolo Paulo, vê na Igreja o Corpo místico de Cristo, e no amor, quer dizer no Espírito Santo, a alma deste Corpo, sem a qual tudo se paralisa.

Animada com o entusiasmo desta nova descoberta, Teresa intensifica o seu fervor e a "troca de amor" aumenta sempre mais. As cartas aos irmãos missionários são o testemunho autêntico do aprofundamento que se produziu na sua alma. Nelas, Teresa exprime todo o seu desejo de fazer conhecer e triunfar o amor de Deus, de santificar todos os instantes da sua vida e ser sempre mais útil à Igreja. No seu ato de oferecimento ao Amor misericordioso, composto em 1895, exclama: "Ó meu Deus! Trindade Bem-aventurada! Desejo amar-Vos e fazer-Vos amar, trabalhar pela glorificação da Igreja, salvando as almas" (Or 6).

"Quero passar o meu céu a fazer o bem sobre a terra"

Em coerência com os seus próprios desejos, a vocação apostólica que Teresa recebeu de Deus e que a colocou no coração da Igreja, não está limitada pelas barreiras do tempo. De modo contrário à maior parte dos santos, que queriam trabalhar muito na terra para depois "descansar" no paraíso, para Teresa, mesmo a eternidade é tempo de conquista, e a sua caridade e zelo pelos membros do Corpo místico estender-se-ão até que haja na terra uma criatura que necessite estar enxertada na sua cabeça.

O desejo de "trabalhar" no céu por amor das almas aparece claramente nos textos teresianos a partir de 1896. Teresa exprime-o particularmente aos seus irmãos missionários. No dia 19 de março de 1897 escreve ao Pe. Roulland: "Quereria salvar almas e por elas esquecer-me de mim mesma; quereria salvá-las mesmo depois da minha morte, por isso ficaria feliz se então dezesseis em vez da pequena oração que fazeis por mim e que será para sempre realizada: 'Meu Deus, permiti a minha irmã que continue a fazer-Vos amar (Ct 221)

No dia 17 de julho exprime a mesma idéia à madre Inês, com a consciência plena da sua missão no mundo: "Sinto que a minha missão vai começar, a missão de fazer amar a Deus como eu O amo, de dar às almas o meu pequeno caminho. Se Deus realizar os meus desejos, o meu Céu passar-se-á sobre a terra até ao fim do mundo. Sim, quero passar o meu Céu a fazer o bem sobre a terra. (...) Não posso fazer do Céu uma festa de regozijo para mim, não posso descansar enquanto houver almas para salvar. Mas quando o Anjo tiver dito: 'O tempo acabou' então descansarei, poderei gozar, porque o número dos eleitos estará completo e todos terão entrado na alegria e no descanso" (UCR 17.7). No dia seguinte a esta afirmação, Celina lê para Teresa um fragmento sobre a felicidade eterna: "Não é isso que me atrai — interrompe Teresa —, Oh! é o Amor! Amar, ser amada e voltar à terra para fazer amar o amor" (UC/C 18.7.4).

Pelo amor que ora e se oferece

Teresa compreende a seguir que a salvação das almas reveste para ela caráter de "vocação", procura o modo mais oportuno para levar a cabo o seu objetivo. Desejosa de satisfazer inteiramente a vontade do Senhor que lhe pede almas, toma o caminho mais direto para chegar à meta, elegendo o meio do apostolado interior.

Por meio da experiência de duas irmãs que a precederam no Carmelo, Teresa conhece muito bem o caráter e a espiritualidade desta Ordem, reformada por Santa Teresa de Ávila. Celina afirma: "Aos catorze anos, depois da que Teresa chama a sua ‘conversão’, a vida religiosa lhe é apresentada, sobretudo como um meio para salvar almas. A serva de Deus manifestou, ela mesma, o porquê desta determinação: foi para sofrer mais, e com isto ganhar mais almas para Jesus. Considerava muito duro para a natureza trabalhar sem nunca ver o fruto do próprio trabalho, trabalhar sem estímulos, sem distrações, e o mais penoso de tudo era o esforço que tinha que fazer a si mesma para conseguir vencer-se. Por isso, esta vida de morte, mais proveitosa que todas as outras para a salvação das almas, era a que queria abraçar, alegrando-se de ser o mais rápido possível prisioneira para oferecer às almas as belezas do céu". Renunciando a uma atividade apostólica, Teresa não se fecha num penoso e estéril egoísmo, mas, aprofundando no valor apostólico da renúncia total, entrega-se nas mãos de Deus para se converter em instrumento dócil da sua graça.

Teresa aprendeu de São Paulo que a caridade é tudo na Igreja, porque tem um coração que é o princípio exclusivo e suficiente de toda a atividade apostólica; por isso, para ser apóstolo, antes de tudo amará. Com este amor a jovem carmelita vai à conquista das almas: "Eu sou Filha da Igreja; e a Igreja é Rainha, já que é tua Esposa, ó divino Rei dos Reis! Não são as riquezas nem a Glória (nem sequer a Glória do Céu) que reclama o coração da criancinha (...) Pede o amor... Já só sabe uma coisa: amar-Te, ó Jesus! As obras deslumbrantes são-lhe interditas. Não pode pregar o Evangelho, nem derramar o seu sangue... Mas que importa? Os seus irmãos trabalham em vez dela; e ela, criancinha, fica pertinho do trono do Rei e da Rainha; ama pelos seus irmãos que combatem. Mas, como testemunhará o seu amor, já que o amor se prova com as obras? Pois bem, a criancinha lançará flores" (Ms B 4r).

Teresa sabe que na Igreja tudo vem de Cristo e todas as graças é Ele quem as distribui; por isso, exclama: "Jesus, para que Te servirão as minhas flores e os meus cânticos? Estas flores, que ao contacto com as tuas divinas mãos adquirem um valor infinito, a igreja triunfante lançá-las-á sobre a igreja militante para alcançar a vitória! Ó meu Jesus! Eu amo-Te, amo a Igreja, minha Mãe. Sei que 'o menor ato de puro amor lhe é mais útil que todas as outras obras juntas' (Ms B 4v).

A mediação de Cristo é o meio que Teresa adotará para poder acertar na sua vocação apostólica; sabe que na Igreja só Jesus pode tudo, os demais só podem colaborar com Ele e, como nas bodas de Cana, preparar o que Ele transfigura e fecunda com a sua ação divina.

O amor levado até ao heroísmo oferece a Teresa o modo de se converter em mãe de almas na Igreja. O sofrimento, que lhe estendeu os braços desde os primeiros anos da sua vida, é agora um companheiro inseparável desta alma que compreendeu a eficácia perene e a importância decisiva que provém da paixão de amor de Cristo.

Teresa, no entanto, é coerente, e afirma: "Quando se quer atingir um fim, é preciso empregar os meios. Jesus fez-me compreender que era pela cruz que Ele me queria dar almas. E a minha inclinação para o sofrimento crescia à medida que o sofrimento aumentava" (Ms A 69v). Escreve a sua irmã Celina: "Ofereçamos os nossos sofrimentos a Jesus para salvar as almas. Pobres almas! (...) Jesus quer fazer depender a salvação delas de um suspiro do nosso coração. Que mistério! Se um suspiro pode salvar uma alma, o que não podem fazer sofrimentos como os nossos?" (Ct 85). No leito de morte, exclamará: "Nunca teria acreditado que era possível sofrer tanto! Nunca! Nunca! Não sei explicar isto senão pelos ardentes desejos que eu tive de salvar almas" (UCR 30.9). No coração de Teresa, apesar disso, amadureceu o desejo de levar o próprio sofrimento até o umbral do martírio para poder oferecer, como Cristo, a própria vida pelos que ama. Este gesto salvador de Cristo atraiu também Teresa no seu desejo de se identificar perfeitamente com o seu Esposo.

Teresa estava convencida da fecundidade apostólica da oração totalmente entregue. Sob este argumento deixou frases simples e profundas: "Um sábio disse: 'Dai-me uma alavanca, um ponto de apoio, e levantarei o mundo'. O que Arquimedes não pôde obter, porque o seu pedido não se dirigia a Deus, e por não ser feito senão sob o ponto de vista material, os santos obtiveram-no em toda a plenitude: o Todo-poderoso deu-lhes, como ponto de apoio: Ele mesmo e Ele só; e como alavanca: a oração, que abrasa com fogo de amor. E foi assim que levantaram o mundo; é assim que os santos que ainda militam na terra o levantam, e que, até ao fim do mundo, os futuros santos o levantarão também" (MsC 36 r-v). "Ah! a oração e o sacrifício constituem toda a minha força; são as armas invencíveis que Jesus me deu" (Ms C 2 4v).

"Como é grande o poder da oração! Dir-se-ia uma rainha que tem livre acesso junto do rei a cada instante, e que pode obter tudo quanto pede" (Ms C 25r).

Escreve em 1892 a sua irmã Celina: "A nossa vocação não é ir ceifar nos campos de trigo maduro. Jesus não nos diz: 'Baixai os olhos, vede os campos e ide ceifar'. A nossa missão é ainda mais sublime. Eis as palavras de Jesus: 'Levantai os olhos e vede'. Vede como no meu céu há lugares vazios, cabe a vós enchê-los, vós sois os meus Moisés a orar no cimo da montanha, pedi-Me operários e enviá-los-ei, só espero uma prece, um suspiro do vosso coração!... O apostolado da oração não é por assim dizer mais elevado do que o da palavra? A nossa missão como Carmelitas é formar operários evangélicos que salvem milhões de. almas das quais nós seremos as mães. Celina, se não fossem as próprias palavras do nosso Jesus, quem ousaria acreditar nisto?... Penso que a nossa parte é muito bela, que temos nós a invejar aos sacerdotes?" (Ct 135).

Deste modo, por meio do amor, do sofrimento e da oração Teresa recolhe também o sangue que verte do crucifixo e derrama-o sobre a Igreja. Sofrimento: amor levado até ao heroísmo do martírio interior. Oração: grito de amor e de confiança pelas necessidades espirituais dos homens, única preocupação de Teresa. Amor: única e profunda realidade que sintetiza tudo.

CAPITULO 11

TERESA E O MISTÉRIO DE MARIA

FRANÇOIS-MARIE LÉTHEL ocd

Pouco antes da sua morte, em maio de 1897, Teresa revelou o lugar que Maria ocupava na sua vida, numa poesia intitulada Por que te amo, ó Maria (PN 54). É a sua última poesia e o seu testamento mariano, escrito a pedido da Irmã Maria do Sagrado Coração, sua irmã Maria, para a qual já tinha escrito a sua obra mestra, o segundo manuscrito autobiográfico uns meses antes (setembro de 1896).

Existe um parentesco profundo entre estes dois textos. São orações dirigidas a Jesus (o Manuscrito B) e a Maria (PN 54); estão animadas por um idêntico estribilho: amo-te. Este ato de amor, que Teresa desejava renovar "a cada palpitação do seu coração... um número infinito de vezes" (Or 6), foram as suas últimas palavras, ditas com o seu último alento. Teresa morreu dizendo a Jesus: "Meu Deus... Amo-Vos!". Este básico "Jesus, amo-Te", que ilumina todos os escritos de Teresa, não é uma expressão sentimental, mas o próprio ato da caridade pelo qual o Espírito Santo a introduziu na vida íntima da Trindade. Por isso escreveu: "Ah! Tu sabes, Divino Jesus, eu Te amo / Ó Espírito de Amor abrasa-me com o seu fogo / Amando-Te eu atraio o Pai" (PN 17,2).

Inseparável deste "Jesus, amo-Te" é o mesmo ato de amor dirigido a Maria: "te amo, ó Maria!" Tal é o refrão da poesia mariana de Teresa; enunciado já no título, repetido incansavelmente ao longo das estrofes, fica ilustrado por este outro refrão: "Sou tua filha". Esta poesia é, pois, como o complemento mariano dos Manuscritos autobiográficos, e é a partir dela que se pode procurar descobrir o lugar de Maria na vida e na doutrina espiritual de Teresa.

Atualidade da doutrina mariana de Teresa

Trata-se de autêntica doutrina mariana, de grande atualidade, porque nela convergem a doutrina do concilio Vaticano II (Lúmen Gentium, cap. 8) e dos papas Paulo VI (Marialis cultus) e João Paulo II (Redetnptoris Mater). Esta doutrina de Teresa, profundamente enraizada na espiritualidade do Carmelo, está igualmente em harmonia com a de São Francisco, Santa Clara e com a de São Luís Maria Grignion de Montfort. Jesus continua a ser o centro, e Maria está em total relação com Ele como sua Mãe. É esse o título maior de Maria:"Ela é mais Mãe que Rainha", afirma Teresa (UCR 21.8.3).

É doutrina fundada no Evangelho, que põe o acento na pequenez, na pobreza e na simplicidade de Maria; e, acima de tudo, é uma doutrina completamente orientada para a santidade: a missão maternal de Maria é a de conduzir todos os seus filhos "ao cimo da montanha do Amor".

Deve-se indicar também o equilíbrio desta doutrina, que evita cuidadosamente os dois excessos opostos denunciados pelo concílio, quando convida os teólogos e os pregadores a abster-se "de todo o falso exagero como de toda a excessiva estreiteza de espírito" ao falar de Maria (LG 67).

O principal privilégio de Maria no Evangelho é a pequenez e a pobreza como lugar do maior amor. Pois bem, os pregadores do tempo de Teresa caíam geralmente no primeiro excesso, o do "falso exagero", segundo o seu próprio testemunho, referido pela madre Inês: "Dizia-me que tudo o que tinha ouvido pregar sobre a Santíssima Virgem não a tinha impressionado. Que os sacerdotes nos apresentem virtudes praticáveis! Está certo falar das suas prerrogativas, mas importa sobretudo que a possamos imitar. Ela prefere a imitação à admiração, e a sua vida foi tão simples! Por muito belo que seja um sermão sobre a Santíssima Virgem, se nos sentimos obrigados todo o tempo a dizer: Ah!... Ah!... ficamos fartos. Gosto muito de lhe cantar: Nos tornaste visível (Ela dizia: fácil) o estreito caminho do Céu / praticando sempre as mais humildes virtudes" (UCR 23.8.9).

Teresa, que cita dois versos da sua poesia, opõe-se decididamente a uma pregação "triunfalista", que só falava da grandeza e dos privilégios de Maria e que se apoiava frequentemente nos evangelhos apócrifos, cheios de coisas maravilhosas e extraordinárias. A tal excesso, a carmelita responde com o Evangelho que, pelo contrário, nos mostra Maria simples, pequena, próxima a nós e imitável. Deste modo, Teresa encontra o maior privilégio, esquecido por aqueles pregadores: o privilégio da pobreza e da pequenez que caracterizam toda a vida terrena de Jesus e de Maria. Nisso, está muito perto do que São Francisco escrevia na sua última vontade a Santa Clara: "Eu, o irmão Francisco, pequeno, quero imitar a vida e a pobreza do nosso altíssimo Senhor Jesus Cristo e da sua santíssima Mãe". Para a "pequena santa" como para o "poverello", as palavras "pequenez" e "pobreza" exprimem fundamentalmente a mesma realidade: o coração do Evangelho, o lugar de encontro e da mais íntima comunhão com Jesus e Maria.

Quando os pregadores punham diante dos olhos Maria longínqua e inimitável não mostrando senão a "sua sublime glória", Teresa, pelo contrário, descobre-a no Evangelho muito próxima de nós na sua pequenez e pobreza: "Meditando a tua vida no santo Evangelho / Ouso olhar-te e aproximar-me de ti /Acreditar que sou tua filha não me é difícil / Pois vejo-te mortal e sofrendo como eu" (PN 54,2).

Teresa, pois, voltará a ler todas as passagens do Evangelho nas quais aparece Maria, servindo-se sempre dele como chave de leitura do ato de Amor: "te amo". Deste modo, o Espírito Santo concede-lhe viver no Evangelho, fazendo-a participar em todos os mistérios que nele se revelam, desde a Encarnação até à cruz. São precisamente estes os mistérios da pobreza, nos quais "a Virgem pobre abraça a Cristo pobre", "amando-O totalmente", segundo as expressões de Santa Clara.

É a partir deste ponto de vista do Amor que Teresa descobre o verdadeiro significado do adágio: "nunquam satis de Maria", quer dizer, "nunca se dirá bastante de Maria". Oferece uma maravilhosa explicação dele quando, estando no noviciado, escreve à sua prima Maria Guérin, que era escrupulosa: "Não receies amar demasiado a Santíssima Virgem, nunca a amarás suficientemente, e Jesus ficará muito contente visto que a SSma. Virgem é a sua Mãe" (Ct 92). Exatamente idêntica era a resposta que São Luís Maria dava aos "devotos escrupulosos" que temiam desagradar a Jesus amando demasiado a Maria: nunca se amará bastante a Maria, porque sempre é a Jesus a quem se ama nela e com ela. Assim, pois, é esse o sentido deste "nunca bastante": trata-se do Amor, e não de inventar novos privilégios.

Os símbolos do amor maternal de Maria: o seu sorriso, o seu manto, o seu véu.

Assim, depois, de ter lido a última passagem do Evangelho que coloca a Maria junto à cruz de Jesus, Teresa termina a sua poesia, dizendo "Em breve eu ouvirei esta doce harmonia / Em breve no Céu eu irei ver-te / Tu que vieste sorrir-me na manhã da minha vida / Vem sorrir-me de novo... Mãe... chegou a tarde!... / Já não temo o esplendor da tua glória suprema / Contigo eu sofri e desejo agora / Cantar nos teus joelhos, Maria, porque te amo / E repetir para sempre que sou tua filha " (PN 54,25).

Estas linhas foram escritas em maio de 1897. Uns dias mais tarde, nas primeiras páginas do Manuscrito C, Teresa referirá a sua terrível prova contra a fé que começou mais de um ano antes, e que se refere à existência do céu. Falando das suas poesias, dirá: Quando canto a felicidade do Céu... canto simplesmente o que quero acreditar" (Ms C7v). É essa a heróica afirmação que encontramos aqui. Teresa afirma que na glória do céu continuará a ser a filha de Maria, cantando sobre os seus joelhos, eternamente, este "te amo". Ao mesmo tempo, faz como que um resumo de toda a sua vida na terra, da manhã até à tarde, sob o sorriso maternal de Maria. Para Teresa, Maria é profundamente a Virgem sorridente, e o sorriso de Teresa, que devia iluminar o mundo inteiro, é uns dos mais belos reflexos do sorriso de Maria.

No Manuscrito A, a carmelita contou com este "sorriso" de Maria "na manhã da sua vida". Profundamente impressionada na sua infância com a morte da sua mãe, depois pela perda da sua segunda mãe — a sua irmã Paulina que a deixava para entrar no Carmelo —, Teresa foi curada pelo sorriso maternal de Maria, cura que chegará a ser total juntamente com a graça do Natal" e a sua confirmação definitiva em Nossa Senhora das Vitórias, em Paris. "A Santíssima Virgem fez-me sentir que fora verdadeiramente ela quem me sorrira e me curara. Compreendi que velava por mim, que era sua filha, e por isso não podia dar-lhe outro nome senão o de 'Mamãe' pois me parecia ainda mais terno que o de Mãe... Com que fervor lhe pedi que me guardasse sempre e realizasse em breve o meu sonho escondendo-me à sombra do seu manto virginal!... Ah! era esse um dos meus primeiros desejos de criança... À medida que crescia, compreendera que era no Carmelo que me seria possível encontrar verdadeiramente o manto da Santíssima Virgem e era para essa montanha fértil que tendiam todos os meus desejos... Supliquei ainda a Nossa Senhora das Vitórias que afastasse de mim tudo quanto pudesse manchar a minha pureza..." (Ms A 56 v-57r).

Assim, sem nenhuma nova manifestação extraordinária, Teresa experimenta do modo mais profundo o amor maternal de Maria, e corresponde-lhe com todo o seu amor filial. Este amor de filha que prefere o nome de Mamãe ao de Mãe não é, de modo algum, nem sentimentalismo nem infantilismo. Do mesmo modo, quando Teresa chama a Deus "Papai", retomará espontaneamente toda a força da palavra de Jesus: "Abbá".

Para exprimir esta intimidade entre a filha e a sua Mãe, Teresa usa o símbolo do manto ou do véu de Maria. Teresa entra no Carmelo para se esconder à sombra do manto virginal de Maria. Esta realidade vivê-la-á Teresa mais intensamente durante muitos dias, no seu noviciado: "Estava inteiramente oculta sob o véu da Santíssima Virgem" (UCR 11.7.2). Pouco tempo depois, convidará a sua irmã Celina a entregar-se totalmente a Maria: "Esconde-te à sombra do seu manto virginal, para que ela te virginize" (Ct 105).

A união mais íntima com Jesus

Para Teresa, esta vida escondida sob o manto de Maria é o lugar da mais íntima união com Jesus na simplicidade da sua vida cotidiana. Exprime-o belissimamente numa das suas primeiras poesias: "Ó Virgem Imaculada! Tu és a Doce Estrela / Que me dás Jesus e me unes a Ele. / Ó Mãe! Deixa-me repousar sob o teu manto / Somente por hoje" (PN 5, 11). No mesmo sentido, é a própria Maria quem diz a Celina: "Esconder-te-ei sob o véu / onde se abriga o Rei dos Céus... / Mas Para que eu sempre te abrigue, / Sob o meu véu junto de Jesus, / Terás que ser sempre pequenina..." (PN 13,4.5).

Como Mãe, Maria dá-nos Jesus e oferece-nos a Jesus. Também aqui a doutrina de Teresa é semelhante à de Luís Maria ao mostrar como Maria está sempre relacionada com Jesus Ela nunca detém os seus filhos em si, mas "une-os a Ele com laços muito íntimos" (Tratado da verdadeira devoção, n. 211).

Da profecia ao ato de oferecimento

É neste clima mariano que Teresa vive a sua profissão religiosa, no dia 8 de setembro de 1890, festa da Natividade de Maria. Depois de contar como Maria a tinha ajudado a preparar o seu "vestido" de noiva para o dia indicado das suas núpcias, Teresa escreve: "Que bela festa a da Natividade de Maria para me tornar esposa de Jesus! Era a pequenina Ssma. Virgem de um dia quem apresentava a sua pequenina flor ao pequenino Jesus" (Ms A 77r).

Com a sua simplicidade infantil, estas palavras de Teresa exprimem o aspecto mais importante da sua espiritualidade, que é a pequenez evangélica. Ao repetir e sublinhar três vezes a palavra pequeno, Teresa manifesta como a sua própria pequenez está como que envolta pela pequenez de Jesus e de Maria. É a "pequenez" de Maria quem a apresenta a Jesus para que seja sua esposa. Assim, é com Maria que Teresa pode realmente desposar-se com a pequenez de Jesus, como Francisco e Clara se tinham desposado com a sua pobreza, participando intimamente nos mistérios da sua aniquilação, desde a Encarnação até à cruz. Com Maria, estes santos participaram neste comovedor mistério da pobreza e da pequenez de Deus. Teresa contempla a Jesus como "um Deus que Se fez tão pequeno por mim" (Ct 266). Igualmente, Santa Clara reconhecia nele "o Amor deste Deus que, pobre, foi posto num presépio, viveu pobre neste mundo, e desnudo ficou na cruz".

Deste modo, a que se chama Teresa do Menino Jesus da Santa Face participará sempre mais profundamente neste Amor cuja "propriedade é abaixar-se" (cf. Ms A 2v), desde a pobreza da sua Encarnação até ao despojamento total da cruz. Vivendo escondida sob o manto de Maria, Teresa entrará sempre no mistério da pequenez e da pobreza de Jesus. Porque a descoberta da pequenez evangélica tem um caráter progressivo.

Depois da sua profissão, nas cartas a sua irmã Celina, a jovem carmelita revela especialmente o seu coração de esposa, essa fundamental dimensão esponsal do seu amor para com Jesus. Sob esta luz, a pequenez identifica-se praticamente com a virgindade. A sua mais bela expressão encontra-se na carta do dia 25 de abril de 1893. Por meio do símbolo da flor do campo com que nomeia a Jesus em toda a sua vida terrena, e o da gota de orvalho com que nomeia a sua esposa na mesma condição, Teresa demonstra como a pequenez é o lugar indispensável desta união virginal entre a esposa e o Esposo. Para ser d'Ele e só para Ele "é preciso ser pequeno, pequeno como uma gota de orvalho" (Ct 141). É a virgindade do coração, como o amor não partilhado, que conduz a Teresa a desposar-se com a pequenez de Jesus dando-se totalmente e de modo exclusivo a Ele como essa pequena gota de orvalho, pois só ela pode responder à sua sede de amor.

Ao lado de Maria, Teresa aprende a "Viver de amor", e é contemplando-a como Teresa dá a melhor definição do Amor: "Amar é tudo dar e dar-se a si mesmo" (PN 54,22). E é precisamente nesta dinâmica do dom total como Maria está presente no centro do Oferecimento ao Amor misericordioso, no dia 9 de junho de 1895. Teresa oferece-se então ao Amor de Jesus do qual acaba de descobrir toda a realidade trinitária: "Este ano, no dia 9 de junho, festa da Santíssima Trindade, recebi a graça de compreender mais do que nunca quanto Jesus deseja ser amado" (Ms A 84r). Ao entregar-se totalmente "como vítima de holocausto" ao fogo do seu Amor que é o Espírito Santo, deixa o seu oferecimento nas mãos de Maria (cf. Or 6). Aqui, Teresa está particularmente de acordo como Luís Maria de Montfort que convidava os pobres e os pequenos a viver plenamente a graça do seu batismo entregando-se totalmente a Jesus por meio das mãos de Maria. O símbolo que ele usa, o da "escravidão de amor", tem profundamente o mesmo sentido que o símbolo teresiano do"holocausto ao Amor", significam ambos a mesma radicalidade do amor como dom total de si.

A comunhão no mistério da Encarnação

Ao mesmo tempo que se oferece totalmente a Jesus, Teresa recebe a Jesus que se entrega todo a ela, na infinita grandeza do seu Amor, simbolizada pelo oceano. Escreve à sua priora: "Vós que me permitistes oferecer-me deste modo a Deus, sabeis as ondas, ou antes, os oceanos de graças que vieram inundar-me a alma" (Ms A 84r). É assim como Teresa, como Maria, "pode conter Jesus, o Oceano do Amor" (PN 54,3).

A pequenez evangélica adquire então um caráter maternal, tipicamente feminino. É assim como Santa Clara convidava a Inês de Praga a "agarrar-se à dulcíssima Mãe", que levou no seu seio "aquele que os céus não podem conter", para participar na sua maternidade: "Do mesmo modo que a gloriosa Virgem das virgens o levou materialmente, do mesmo modo tu também, seguindo as suas pegadas, sobretudo de humildade e de pobreza, podes sempre, sem nenhuma dúvida, levá-lo espiritualmente num corpo casto e virgem, que contém aquele em quem tu e todas as coisas se contêm".

Teresa disse isto de modo belíssimo na sua poesia mariana, ao contemplar o mistério de Maria que levava Jesus no seu seio materno. Teresa não é só a filha de Maria, mas, mais profundamente ainda, é mãe como Maria, participando da sua intimidade maternal com o Filho que leva. Como Francisco e Clara, Teresa refere-se à Eucaristia: "Ó Mãe bem-amada, apesar da minha pequenez / Como tu possuo O Onipotente / Mas eu tremo ao ver a minha fraqueza: / O tesouro da mãe pertence ao filho / E eu sou tua filha, ó minha Mãe querida! / As tuas virtudes, o teu amor, acaso não são meus? / Por isso quando a Hóstia branca vem ao meu coração / Jesus, o teu Doce Cordeiro, julga repousar em ti!..:” (PN 54,5).

Um dos desejos mais profundos de Teresa era o de contemplar nela a presença do corpo de Cristo. É o que pedia a Jesus no Ato de oferecimento: "Ficai em mim, como no Sacrário" (Or 6). Assim, Teresa podia ser como Maria "o sacrário que esconde a divina beleza do Senhor" (PN 54,8).

Na sua pequenez, Maria levou Jesus, e na pobreza deu-o à luz em Belém. É aí onde Teresa contempla a grandeza de Maria, a sua grandeza como Mãe de Deus ao lado do seu Filho: "Ninguém quer receber na sua hospedaria / Uns pobres estrangeiros, o lugar é para os grandes / O lugar é para os grandes e é num estábulo / Que a Rainha dos Céus dará ã luz um Deus. / Ó minha Mãe querida, quão amável me pareces / Como te acho grande num lugar tão pobre! / Quando vejo o Eterno envolvido em paninhos / Quando do Verbo divino ouço o débil vagido, / Ó minha Mãe querida, já não invejo os anjos / Pois o seu Poderoso Senhor é o meu Irmão querido!.../ Como te amo, Maria, tu que na terra / Fizestes desabrochar esta Divina Flor!..." (PN 54,9-10).

Para Teresa, como para Francisco, o mistério do presépio continua a ser atual: nele se manifesta a união da Mãe com o seu Filho na pobreza, modelo da nossa união com Ele na Eucaristia, onde aparece "mais pequenino que uma criança" (RP 2,5r). Teresa escrevia claramente a Celina: "E necessário que este ano façamos muitos sacerdotes que saibam amar Jesus!... que lhe toquem com a mesma delicadeza com que Maria lhe tocava no seu berço!" (Ct 101). É exatamente o mesmo que Teresa pedia a Maria para um futuro sacerdote, o seminarista Maurício Bellière, o seu primeiro irmão espiritual: "Dignai-Vos ensinar-lhe desde já com que amor pegáveis no Divino Menino Jesus e o envolvíeis em paninhos, para que possa um dia subir ao Altar Sagrado e levar nas suas mãos o Rei dos Céus. Peço-Vos ainda que o guardeis sob o vosso manto virginal" (Or 8).

A peregrinação da fé vivida com Maria

Pois bem, esta relação tão íntima entre Maria e o seu Filho era vivida em fé. Teresa insiste muito neste ponto, como já o fazia São Luís Maria. Seguindo a doutrina do concílio, o papa João Paulo II desenvolveu particularmente este aspecto da "peregrinação da fé de Maria": "Bem-aventurada aquela que acreditou" (Redemptoris Mater, n. 12-20). Jesus era ao mesmo tempo seu Filho e seu Deus, o fruto das suas entranhas e o seu Criador e Salvador. Deste modo, a relação entre Maria e Jesus é inseparavelmente a relação entre a Mãe e seu Filho, e a relação entre a crente e o seu Deus. Quando os pregadores, apoiando-se para isso nos apócrifos, enchiam a vida de Maria com graças extraordinárias, Teresa, pelo contrário, apresenta, a partir do Evangelho, a pobreza espiritual de Maria, afirmando "que ela vivia de fé como nós" (UC 21.8.3). E para ela, como para nós, a fé era obscura e às vezes dolorosa, provada pelo mesmo Jesus. Teresa afirma-o a propósito do episódio evangélico de Jesus perdido e achado no templo: "Mãe, o teu doce Filho quer que sejas o exemplo / Da alma que O procura na noite da fé" (PN 54,15).

Tal é, pois, para Teresa o clima da vida espiritual de Maria em Nazaré: "Sei que em Nazaré, Mãe cheia de graça / Viveste pobremente, não querendo nada mais / Nem arroubamentos, nem milagres, nem êxtases / Embelezam a tua vida, ó Rainha dos Eleitos' / O número dos pequenos é bem grande na terra / Eles podem sem receio erguer os olhos para ti / É pela via comum, incomparável Mãe / Que te apraz caminhar guiando-os para o Céu" (PN 54, 17).

Esta estrofe é particularmente importante, pois revela o caráter mariano do "pequeno caminho". Teresa aprofunda no mistério da pobreza de Maria como pobreza espiritual da fé, despojada de todas as graças extraordinárias.

Com Maria ao pé da cruz: a maternidade universal vivida na "kénose da fé"

Esta pobreza alcança o máximo no abandono total da cruz. É aí onde Teresa se une finalmente a Maria lendo o último texto do Evangelho no qual Maria está perto de Jesus: "Maria, apareces-me no cimo do Calvário /De pé junto da Cruz, como um padre no altar” (PN 54,23).

Como mãe participa de modo único no sacrifício do seu Filho. Como Abraão, consente no sacrifício do seu único Filho; e o seu Filho Jesus estende agora a sua maternidade ao homem resgatado pelo seu sangue.

Teresa vive com muita profundidade este mistério participando da maternidade de Maria aos pés da cruz. Tinha-o experimentado pela primeira vez antes de entrar no Carmelo. Olhando uma estampa de Jesus crucificado, contemplando o seu sangue derramado, tinha tomado uma das decisões mais fundamentais da sua vida: "Resolvi manter-me em espírito ao pé da cruz para receber o Divino orvalho que dela escorria, compreendendo que seria necessário espalhá-lo sobre as almas" (Ms A 45v). Com esta decisão começa imediatamente a sua maternidade espiritual: consegue a salvação eterna daquele a quem ela chama o "seu primeiro filho" (Ms A 46v): o criminoso Pranzini, condenado à morte e guilhotinado.

No coração feminino de Teresa, que ela compara frequentemente a uma lira, esta "corda" do amor maternal é essencial, vibra com a do Amor esponsal: "Ser tua esposa, ó Jesus! ser carmelita, ser, pela minha união contigo, a mãe das almas" (Ms B 2v). Tais são, para Teresa, os dois aspectos mais belos deste "tesouro" de amor que é a virgindade: ser esposa e ser mãe. A sua virgindade torna-se fecunda pela comunhão com o sangue de Jesus derramado na sua paixão. Contemplando este "orvalho de amor" na sua agonia, Teresa diz a Jesus: "Lembra-te de que o teu Orvalho fecundo / Virginizando as corolas das flores / Tornou-as capazes já neste mundo / De te gerarem muitos corações / Sou virgem, O Jesus! Todavia que mistério / Ao unir-me a Ti, das almas sou mãe" (PN 24,22).

Realça-se, sobretudo, a beleza e a força das afirmações: "sou virgem... sou mãe". Como Maria, Teresa é inseparavelmente virgem, esposa e mãe, e a sua maternidade encontra toda a sua extensão, toda a sua fecundidade, na comunhão mais íntima com Jesus crucificado. Para Teresa, como para Maria, esta comunhão no aniquilamento de Jesus, no seu total abandono na cruz, é caracterizada por esta profundíssima prova da fé que o papa João Paulo II não teme chamar "kénose da fé" (Redemptoris Mater, n. 18). Não se trata, evidentemente, da perda da fé, pelo contrário, da fé mais heróica que continua a manter-se no abandono mais total, na mais profunda obscuridade, sustentada pelo Amor e pela Esperança.

Com efeito, a paixão de Teresa, que começa a partir das festas pascais de 1896, é especialmente caracterizada por esta dolorosíssima "prova contra a fé". É quando Teresa participa na mais extrema pobreza espiritual de Maria, participando igualmente na sua maternidade universal. A maternidade espiritual de Teresa estende-se, consequentemente, a todos os homens; assim pois, chega a ser plenamente missionária, ao "adotar" de um modo muito particular os ateus do mundo moderno. Com a maior confiança, intercede por eles, roga pela sua salvação eterna.

É assim como Teresa vive o amor maternal numa fé dolorosa e numa esperança sem limites, não somente para ela, mas para os outros, para todos. Como o poeta Charles Péguy, seu contemporâneo, Teresa une-se a Maria em toda a beleza da sua esperança maternal: a esperança da mãe pela salvação de todos os seus pobres filhos.

Maria é a maior, porque é a mais pequena

Na contemplação de Teresa, Maria aparece simplicíssima na sua fé e na sua esperança. É "Mãe total" pela sua "esperança total", e isto especialmente porque é pequena, a "toda pequena" por excelência, "cheia de graça" de forma infranqueável, mais ainda do que Teresa, porque foi também mais pequena.

Assim, Teresa fala de Maria sem a nomear quando diz a Jesus, no fim do Manuscrito B: "Sinto que, se por um impossível, encontrasses uma alma mais débil, mais fraca do que a minha, deleitar-te-ias a cumulá-la de favores ainda maiores, se ela se abandonasse com inteira confiança à tua misericórdia infinita" (Ms B 5v).

Escreveu estas linhas no dia 8 de setembro de 1896, na festa da Natividade de Maria, com a graça da pequenez daquela que chegará a ser a Mãe de Deus.

TERESA NOS FALA:

"Por que te amo, é Maria"

«Oh! quisera cantar, Maria, por que te amo

Porque é que o teu nome tão doce me faz vibrar o coração

E porque o pensamento da tua grandeza suprema

Não poderia inspirar à minha alma o sentimento do temor.

Se eu te contemplasse na tua sublime glória

E mais brilhante do que todos os bem-aventurados,

Não poderia acreditar que sou tua filha

Ó Maria, diante de ti, eu baixava os olhos!..:'

"Já que o Rei dos Céus quis que a sua Mãe

Mergulhasse na noite, na angústia do coração,

Maria, é então um bem sofrer na terra?

Sim, sofrer amando, é a felicidade mais pura!...

Tudo o que Ele me deu Jesus pode tomá-lo

Diz-lhe que nunca se constranja comigo

Ele pode esconder-se, eu consinto em esperá-1o

Até ao dia sem ocaso em que se extinguirá a minha fé

"Sei que em Nazaré, Mãe cheia de graça

Viveste pobremente, não querendo nada mais

Nem arroubamentos, nem milagres, nem êxtases

Embelezam a tua vida, ó Rainha dos Eleitos!....

O número dos pequenos é bem grande na terra

Eles podem sem receio erguer os olhos para ti

É pela via comum, incomparável Mãe

Que te apraz caminhar guiando-os para o Céu".

"Ama-nos, Maria, como Jesus nos ama

E consentes por nós em afastar-te d'Ele.

Amar é tudo dar e dar-se a si mesmo

Quisestes demonstrá-lo ficando conosco.

O Salvador conhecia a tua ternura imensa

Sabia os segredos do teu coração maternal

Refúgio dos pecadores, é a ti que Ele nos deixa

Quando abandona a Cruz para nos esperar no Céu".

"Em breve eu ouvirei esta doce harmonia

Em breve no Céu eu irei ver-te

Tu que vieste sorrir-me na manhã da minha vida

Vem sorrir-me de novo... Mãe... chegou a tarde!...

Já não temo o esplendor da tua glória suprema

Contigo eu sofri e desejo agora

Cantar nos teus joelhos, Maria, porque te amo

E repetir para sempre que sou tua filha!"

(Estrofes 1, 16, 17, 22, 25).

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