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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Ser Leigo na Igreja do Século XXI.


   Celebração do aniversário de 10 anos de fundação
da Comunidade do Carmelo Secular de Tremembé – SP.

         Tema: Ser Leigo na Igreja do Século XXI.

1.      Nossa Vocação de Construtores da História.


Karl Rahner, um renomado teólogo católico, afirmou que “o Cristão do século XXI ou será místico ou não será cristão”. O homem espiritual torna-se um místico quando vive e comunica a sua comunhão com Deus numa tríplice dimensão: com Deus, consigo mesmo e com o seu semelhante. A capacidade da comunicação da vida interior ou comunicação de interioridades é um dom, um carisma que o Senhor dá àqueles que se tornam garimpeiros da alma. Como dizia Jacques Maritain: “Sou um rabdomante com o ouvido colado à terra para captar o murmúrio das nascentes escondidas, o imperceptível cicio das germinações invisíveis. E ainda como todo cristão (...) um mendigo do céu travestido de homem do nosso século[1]. Os místicos são esses rabdomantes do infinito, são “mendigos do céu revestidos da humanidade”, são homens e mulheres buscadores de Deus pela fé.
     E para que essa experiência saia do âmbito ideal e se torne um projeto encarnado e vivido na história e no tempo, porque não se pensar numa Pastoral da Espiritualidade que forme Escolas de Oração para a formação de discípulos missionários, que possam constituir pessoas cheias do Espírito Santo a fim de que eles exerçam os diversos ministérios das nossas comunidades?   
    
     Este fato não pode se apresentar como uma novidade, porque na comunidade de Jesus de Nazaré o primado da oração foi sempre uma exigência sine qua non (essencial) para a inserção do discípulo no seu grupo, elemento indispensável para ser enviado em missão. Porque não organizar de forma sistêmica, programada e estruturada a Pastoral da Espiritualidade e através das Escolas de Oração formar discípulos missionários que possam trabalhar nos vários âmbitos das atividades pastorais?

Neste vasto panorama da experiência de Deus através da oração, emergem vários grupos de formas, características e identidade muito diversas umas das outras, uns mais tradicionais, porém com nuances de novidades, outros mais vanguardistas no seu modo de ser e agir e expressar a fé; outros são mais apostólicos, outros mais contemplativos, mas entre todas essas diferenças, nota-se um desejo comum e sincero entre eles, que é o de servir cada vez mais e melhor o evangelho e a Igreja.

Neste sentido vemos a grande importância da contribuição das Escolas de Espiritualidade[2] como Escolas de oração para a formação dos fiéis leigos. Para este novo tempo, precisamos de uma nova evangelização, e para isso, de uma Igreja renovada e sempre atualizada nos seus métodos e uma estratégia de atuação pastoral que possa ver-julgar e agir na ótica de Jesus de Nazaré.

Para esta empreitada é necessário que o corpo todo trabalhe junto, os fiéis com seus padres, os padres com os seus bispos, os bispos seus coirmãos bispos, enfim todos os bispos com seus fiéis em torno do irmão maior, o Bispo de Roma.  Uma Igreja que seja expressão de unidade, comunhão numa única fé a serviço do evangelho.

Os discípulos de Jesus pediram para o seu mestre: “Mestre ensina-nos a orar”. Assim também pedem os grupos de fiéis leigos de qualquer seguimento pastoral de uma comunidade, o pedido é sempre o mesmo: “Padre: Ensina-nos a orar”, para que possamos trabalhar e servir mais e melhor, pede o povo de Deus. Pedem também os bispos para que se criem em diversos âmbitos da nossa atuação pastoral as chamadas: Escolas da Palavra, Escolas de Oração, Escolas Catequéticas, Escolas Missionárias a nível paroquial e diocesano. 

De alguma parte alguém poderá perguntar: Mas o que se deve esperar de uma Escola de Oração numa comunidade? Espera-se a formação daquilo que mais a igreja local e particular mais necessita para o serviço do anúncio do evangelho: Discípulos missionários. Um discípulo missionário sem a experiência de Deus através da oração é como se diz no âmbito empresarial: “É mão de obra não especializada”.

Formar discípulos fortes na oração, que tenham a fé como cimento de sustentação da sua atividade pastoral e uma sólida e séria espiritualidade no seguimento de Jesus de Nazaré, para que firme cada vez uma identidade própria do nosso “ser Igreja” e possam anunciar e servir o evangelho da vida com maior autenticidade. Neste sentido interpreto a Oração, a Palavra de Deus, a Catequese e a Missão, como uma escada de ascensão que nos elevará seguros para Deus e nos ajudará a alcançar a plenitude da maturidade da vida cristã.

Ser discípulo missionário para servir o evangelho da vida em nome da Igreja é algo exigente. Não basta ter somente ter boa vontade, porque no discipulado não se improvisa. A caridade cristã não pode se transformar em altruísmo, a luta pela justiça e a paz excede a prática do bem, a fraternidade e solidariedade cristã não podem se tornar uma atitude particular e ocasional, enfim na Escola de Oração se aprende a ser um irmão universal através das ações de Jesus de Nazaré.

A Escola de Oração busca garimpar discípulos missionários nas próprias comunidades. A adesão e participação na vida da comunidade eclesial não é tornar-se membro de um grêmio ou um clube social, ser discípulo missionário é tornar-se um homem e uma mulher de fé, radicados numa forte e comprometedora experiência de oração que nos lança para missão.

Em geral o termo Escola de Oração vem compreendido com reducionismos, como se fosse um grupo de oração com um estilo, método e identidade próprios. A Escola de Oração é algo muito diferente daquilo que chamamos de grupos de oração, ela está intimamente ligada às grandes linhas da espiritualidade e  tem uma estreita ligação com a catequese e a missão evangelizadora da Igreja, seja das crianças, jovens e adultos. Possui uma característica sistemática de organização e desenvolvimento de temas e estudos e momentos de exercícios para a práxis da oração, seja de forma individual e comunitária.

2.   Desafios e perspectivas.

Uma necessidade e exigência muito comum entre aqueles que buscam servir o evangelho de maneiras e formas tão diversas em nossas comunidades, é para que sejamos mais práticos e acessíveis quando falamos sobre o tema da oração. Noto que, falar simplesmente sobre o tema da oração não é suficiente, é necessário ensinar o povo de Deus a orar. Precisamos passar do discurso sobre a oração para a prática da oração. E ainda, passar da oração, para a práxis pastoral, concreta, vivencial e encarnada nas realidades da vida humana.

É na perspectiva da nossa exposição que devemos nos abrir para este vasto e amplo horizonte temático e refletirmos juntos os diversos problemas e perspectivas da oração cristã:

1.        O aspecto Teológico e Pastoral da oração pessoal e comunitária.
2.        A relação entre a Palavra de Deus e a Liturgia, seu conteúdo, forma e vivência encarnada na vida.
3.        A necessidade de uma pedagogia para oração como “Iniciação mistagógica à oração”, ou Escolas de
       Oração.

É de suma importância que o desenvolvimento de um estudo e conhecimento temático sobre o tema da oração, vá conduzindo a pessoa passo a passo ao crescimento espiritual na vida cristã a fim de atingir uma maior maturidade e adesão da fé que professa. Este processo é um caminho de perfeição da vocação cristã é um meio que possibilita uma maior abertura da vivencia e da prática da santidade.

Em diversos âmbitos da nossa atuação eclesial, em todas as pastorais e movimentos é de se admirar o interesse pela oração, existe uma grande busca da práxis da oração. Atualmente me parece que é mais fácil ensinar o povo de Deus a trabalhar e a servir pastoralmente a comunidade, do que ensiná-los a rezar. Afirmo que, se na nossa atuação pastoral, “Marta e Maria” não andarem de mãos dadas nesta empreitada, se elas não caminharem juntas, estaremos trabalhando ou orando em vão. O trabalho pastoral sem oração é altruísmo, a oração sem trabalho pastoral é alienação.

Devemos ter em conta que o caminho da oração é uma coisa árdua e exigente. Infelizmente encontramos pessoas que param nos primeiros momentos da vida de oração, buscam somente o diletantismo oracional e ao se empanturrarem do mel da experiência inicial de Deus, logo se cansam. O autêntico homem e mulher de oração devem tornar-se primeiramente como abelhas operárias na fabricação do néctar divino, para depois poder saboreá-lo, isto é adentrar no dinamismo da obra Espírito Santo.

Existe ainda outro perigo, que sem uma pedagogia da oração orientada para o crescimento na vida espiritual, ela acabe se tornando apenas um modismo passageiro, que venha somente preencher um espaço do vazio humano existencial, sem deixar sua marca de interpelação na Igreja.

Neste ponto é de suma importância ter o máximo de cuidado para que esses novos buscadores de Deus pela oração e servidores dos irmãos pela prática da caridade cristã, não abandonem este exigente caminho transformando-o numa corrente espiritual de modismo passageiro, por não terem tido a capacidade de equilibrarem suas dificuldades no caminho a percorrer, e esses novo peregrinos de Deus na oração, acabem abandonados a margem das primeiras dificuldades.

Para superarmos este desafio é necessário recorrermos aos exemplos bíblicos dos grandes amigos de Deus na oração. Apresentar a História da Salvação na experiência e na perspectiva dos grandes orantes da bíblia, cujo ápice atinge a sua plena revelação manifestada no Filho de Deus. Jesus de Nazaré, modelo e mestre de oração e de uma oração perseverante e constante, viveu a prática da oração desde o início até o término da sua missão redentora. É assim que a Introdução Geral sobre a Liturgia das Horas vai apresentá-lo:

“Toda a sua atividade cotidiana está muito ligada à oração. Mais ainda, toda sua ação brotava dela, retirando-se ao deserto e ao monte para orar, levantando-se muito cedo ou permanecendo até a quarta vigília e passando a noite em oração a Deus. Até o fim da vida, já próximo da Paixão, na última ceia em sua agonia e na cruz, o divino Mestre nos ensina que a oração foi sempre a alma de seu ministério messiânico e o termo pascal da sua vida”[3]

Esta citação é de máxima importância, pois nos apresenta a estreita relação entre: Oração Vida Mistério Pascal de Jesus. A perspectiva da oração cristã hoje, deve ser interpretada nesta mesma perspectiva de unidade de relação, como numa escada de ascensão que nos leva à Deus:
 

                                                                                                   Caridade: Ressurreição e Reino de Deus.
                                                                Esperança: Paixão e morte Martírio.
                                         Fé: Oração e vida Ministérios


Esta escada de ascensão é uma experiência que se realiza não de forma destacada e divida entre si, mas integrada e cíclica, vivida em diversos momentos da nossa vida. As virtudes teologais é a força propulsora de ascensão que leva a alma à plena comunhão com Deus.

A nascente primordial da oração está fundada na experiência vivencial do cristão numa relação dialógica com o Pai no mistério pascal do seu Filho (Paixão, Morte e Ressurreição) do qual fomos assinalado pelo batismo.

Finalmente a oração seja pessoal ou comunitária são pequenos elos interligados dessa grande corrente que chega até nós como expressão perseverante da Igreja orante. A atitude orante da Igreja antes de ser uma resposta a uma necessidade moral ou uma qualidade constitutiva de fidelidade oracional cotidiana é essencialmente uma expressão de amor e fidelidade ao Mistério da Revelação numa atenta espera da realização do Reino.

Fidelidade a Revelação e perseverança na oração é nisto que consiste a verdadeira perspectiva da oração cristã, ela une o reino de Deus à cidade dos homens no espaço e no tempo através da Palavra e da Liturgia. A oração dá força e dinamismo para a ação da Igreja, e a faz perdurar no tempo a existência da vida cristã.

Diante destas questões e perspectivas teológicas, buscaremos também recuperar o ensinamento essencial dos grandes mestres da oração da Igreja e aprofundar um pouco mais a sua compreensão convergindo seus ensinamentos na relação ente:

1.        Vida no Espírito Santo Espiritualidade.
2.        Oração Litúrgica Oração Comunitária.
3.        Oração e Contemplação Oração Pessoal.
4.        Itinerário cristão Pastoral e Missão.
5.        Experiência Mística Total Consagração.

Sobre a vida de oração surge uma voz autorizada, Hurs Von Balthasar, sua teologia recebeu o nome de "Teologia de joelhos" porque esta é profundamente ligada à oração contemplativa e intensamente ligada à fé em busca da compreensão guiada pelo coração e o ensinamento da Igreja. Nesta perspectiva surgem ainda novidades e tendências sobre a oração:

c  A valorização do corpo na oração.
c  Integração harmônica da sensibilidade para atingir a pacificação.
c  Interiorização dos sentidos.
c  Técnicas para maior concentração psicológica em torno da Palavra de Deus,
       através de uma imagem, um Ícone ou um fato da vida.
c  A oração como finalidade terapêutica, curativa e libertadora.
c  Maior valorização do silêncio profundo e pleno como expressão de acolhida e resposta.
c  Uma maior abertura ao guia espiritual e a redescoberta da sua importância no crescimento da vida
       de oração.

       Segue ainda outras contribuições sobre a vida de oração:

c  Integração de todas as dimensões da pessoa: psico-físico-espiritual.
c  Atenção para o consciente e inconsciente.
c  Silêncio mental.
c  Uso do mantra ou de jaculatória.
c  A respiração como experiência de oração profunda.
c  Experiência do inefável[4],
c  Visualização = Memória.
c  Transferência da oração para o dinamismo vital: força, bem estar,
        cura, libertação, ascesi, e empenho.

A redescoberta da “oração do coração” ou como também é conhecida de “oração continua” com a invocação do nome de Jesus. Nascida entre o povo pobre e simples e de forma quase devocional, esta oração tem comprovada eficácia, mas necessita ser fundamentada e explicada a partir da teologia ocidental e apresentada através de uma apropriada pedagogia da oração, para que esta altíssima forma de orar possa ser também integrada a oração litúrgica, a ascese e as atividades da vida cotidiana e não sejam somente aplicadas às modalidades da vida monástica.

Neste sentido surgem novas propostas e formas encontradas nos grandes mestres da espiritualidade como Teresa de Jesus e João da Cruz com a “Oração de recolhimento” uma forma de contemplação a partir da comunicação amorosa de Deus à alma. A escola Teresiana de oração tem como centralidade da sua oração a busca da união da alma com Deus através da Humanidade de Cristo, não tanto pelo intelecto, mas pelo afeto e pela amizade.

Este novo método aponta sempre como centralidade a busca da interioridade através das mediações externas para o absoluto interno, passar do discurso para o silêncio, da razão para o afeto, isto é, racionalizar segundo o esquema bíblico judaico de oração, "pensar com o coração", passar da Palavra de Deus ao Deus da Palavra.

Se existe uma deficiência atual da oração está no seu muito falar, outra limitação está em querer transformar a meditação num momento de análise racional do objeto e do conteúdo da meditação procedendo como um arqueólogo catalogador das coisas do espírito. Mas restam ainda no coração humano uma sede insaciável na busca das coisas do alto e o desejo de recuperar a unidade do homem constituído imagem e semelhança de Deus que foi retalhada e dividida pelo pecado. O coração humano neste mundo conturbado e barulhento ainda tem fome de silêncio que é a máxima expressão da acolhida da voz de Deus. A resposta definitiva à esta procura está numa mais forte experiência de comunhão e de comunicação pessoal com Deus. 


Frei Geraldo Luis Boletini ocd. freigeraldo@yahoo.com.br
Frade Carmelita Descalço – colaborador no Centro Teresiano de Espiritualidade em São Roque/SP na Pastoral da Espiritualidade em encontros e Retiros Espirituais.


[1] Jacques Maritain, in Por um humanismo cristão, pg 42, Editora Paulus.
[2] Escolas: Agostiniana, Beneditina, Carmelitana, Dominicana e Franciscana.
[3] Introdução Geral sobre a Liturgia das Horas (I.G.L.H) nr 4.
[4] Experimentar aquilo que não se pode nomear ou descrever em razão de sua natureza, força, beleza indizível, indescritível.

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