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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

AS MORADAS ou CASTELO INTERIOR Guia doutrinal

                            



 AS MORADAS ou CASTELO INTERIOR
Guião doutrinal


Eis aqui o terceiro “guião de leitura” para nos acompanhar na leitura anual de Santa Teresa que, de acordo com o programado, este ano vai centrar-se mo Livro d’As Moradas ou Castelo Interior.
Diferentemente de outros anos, desta vez, desta vez só enviamos um guião, o doutrinal. Tomámos esta decisão tendo em vista que muitas comunidades usam para a leitura comum e para a pastoral, as fichas que se publicam na página Web do Centenário, e pareceu-nos melhor concentrar o trabalho nelas e não oferecer outro guião que possa ser de menor utilidade
As comunidades que não disponham de internet ou que não possam aceder a ela frequentemente, podem solicitar aos Superiores Maiores que lhes enviem ditas fichas, ou então pôr-se em contacto com a Comissão do Centenário através da página Web, para que lhas enviemos a uma direcção de correio electrónico (não nos é possível fazê-lo por correio postal).
Empreendamos, pois, juntos, esta viagem apaixonante rumo ao castelo de diamante ou mui claro cristal…
 
Comissão preparatória OCD do Vº Centenário do Nascimento de Santa Teresa
O CASTELO INTERIOR ou AS MORADAS 

de SANTA TERESA.

Mandato de escrever

O livro d’As Moradas ou Castelo Interior de Santa Teresa é habitualmente considerado como a sua melhor obra. Mais do que história, este livro contém biografia, ou melhor, autobiografia. Em diálogo com Graciano, falando do livro da Vida, disse-lhe ele: “Faça memória do que se lembrar e de outras coisas, e escreva outro livro, e diga a doutrina em geral, sem nomear a quem aconteceu tudo aquilo que nele disser”.
Este “outro livro” foi o Castelo Interior. A própria autora, contente com a sua obra, dá a preferência a este – as Moradas, sobre o outro – a Vida. E, usando termos de ourivesaria, embora para ela o livro da Vida seja uma jóia, o Castelo Interior é mais precioso e com mais delicados esmaltes e lavores, ou dito de outra maneira por ela própria: “ A meu parecer, avantaja-se-lhe o que escrevi depois, embora frei Domingos Báñez diz que não está bom; pelo menos tinha mais experiência do que quando o escrevi”.
O mandato de escrever As Moradas veio-lhe de três lados: do padre Graciano, do doutor Velázquez e do “vidreiro” Maior: Cristo Jesus que, por outra parte, era o seu “livro vivo”.
As condições de saúde que a Madre atravessava eram muito penosas, “com ruído e fraqueza tão grande de (cabeça) que mesmo os negócios forçosos escrevo com pena”. A situação da Ordem era de grande risco e a própria Teresa encontrava-se confinada em Toledo, a modo de cárcere. Mas a fortaleza desta mulher dá-lhe o equilíbrio necessário para poder escrever amplamente. E a que levou acabo tantas fundações sem saúde e no meio de tantas contradições, vai agora construir este seu castelo com a mesma força de vontade.
 

Tempo de escritura, autógrafo, destinatárias

A hora da primeira pedra e da última é ela própria quem no-la revela: “E assim começo a cumpri-la hoje, dia da Santíssima Trindade, ano de 1577, neste mosteiro de S. José do Carmo em Toledo, onde estou presentemente” Isto no prólogo. E, na conclusão do livro: “Acabou-se isto de escrever no mosteiro de São José de Ávila, no ano de 1577, véspera de Santo André, para glória de Deus, que vive e reina para sempre sem fim, amen” (7M, conclusão 5).
Um total de seis meses menos dois dias, desde que começou a escrever até que lhe pôs ponto final. Fala-nos, pelo menos duas vezes, da interrupção da escrita, “porque os negócios e a saúde me fazem deixá-lo na melhor altura” (4M 2,1). E noutro lugar dirá: “já passaram quase cinco meses desde que comecei até agora; e, como a cabeça não está para o tornar a ler, tudo deve ir desconcertado, e talvez diga algumas coisas duas vezes” (5M 4,1). Volta ao mesmo manuscrito e termina a obra a 29 de Novembro.
E, concluído o livro, dá “por bem empregado o trabalho, embora confesso que foi bem pouco”. O autógrafo das moradas encontra-se no mosteiro das carmelitas descalças de Sevilha desde Outubro de 1618. Em 1622, foi levado em procissão pelas ruas de Sevilha por ocasião dos festejos pela canonização da autora. E a última e mais prolongada saída do manuscrito até Roma teve lugar em 1961, onde foi devidamente restaurado pelo “Istituto Ristauro Scientifico del libro” do Vaticano e o “Istituto di Patologia del libro” de Itália. Voltou a Sevilha em 1962 e ali se conserva no convento das Descalças, num indescritível estojo relicário: as muralhas de Ávila convertidas em castelo para abrigar e custodiar o autógrafo do Castelo Interior. Esta obra deve-se à ideia e solicitude do então Geral da Ordem, Padre Anastácio Ballestrero
As primeiras destinatárias são as suas monjas, como diz nesta espécie de dedicatória: “JHS. Este tratado, chamado Castelo Interior, escreveu Teresa de Jesus, monja de nossa Senhora do Carmo, para as suas irmãs e filhas, as monjas carmelitas descalças”.
Destinatário da obra é também todo o fiel cristão, candidato à santidade desde o seu baptismo e por ele.

Visita ao Castelo

É a própria autora a que nos vai guiando a partir de uma das suas primeiras confissões. Está com a pena na mão pensando como poderá começar a escrever, e “ofereceu-se-me o que agora direi para começar com algum fundamento. É considerar a nossa alma como um castelo todo ele de um diamante ou mui claro cristal, onde há muitos aposentos, assim como no Céu há muitas moradas (Jo 14,2). Que, se bem o considerarmos, irmãs, não é outra coisa a alma do justo, senão um paraíso onde Ele disse ter Suas delícias” (Prov 8, 31) ” (1M 1,1).
Já, desde aqui, sem nenhuma complicação, compreendemos qual, ou melhor, quem é para ela o castelo interior: a pessoa humana, e vemos como se vai deixando iluminar, por esse par de textos bíblicos, de João e Provérbios.
Para organizar a leitura ou estudo de obra tão importante como esta, para assaltar este Castelo (passe a expressão), publicaram-se já há alguns anos, “um grande trabalho em que se analisam com lupa os núcleos básicos do simbolismo teresiano, os eixos temáticos de cada uma das moradas, o itinerário léxico da interiorização, o caminho para a construção simbólica da própria interiorização” (Monserrat Izquierdo Sorli).
Este tipo de estudo e de leitura não resulta fácil à maioria dos leitores em cujas mãos cai o livro d’ As Moradas. Mais ao alcance da mão estão uns esquemas muito simples, mas muito compreensíveis. Nesta elaboração entram elementos doutrinais básicos, em que se interrelacionam necessariamente os dois protagonistas: Deus e o homem. Deus que vive e actua e Se comunica dentro. O homem (a alma) como cenário e protagonista da aventura espiritual. E a oração, que é a ponte de comunicação entre Deus e a alma. Daqui brota a ideia, o conceito de “moradas”.
Teresa divide a obra do Castelo em sete moradas, mas adverte: “não considerem poucos aposentos, senão um milhão deles” (2M 2,12), e mais claramente: “Embora não se trate senão de sete moradas, em cada uma destas há muitas: por baixo, por cima. Dos lados” (7M conclusão 3).
Prescindindo da compreensão do Castelo em que se encontram e se vêem e se podem visitar e percorrer os diferentes aposentos, estâncias, salas, moradas, devemos ter sempre presente que a alma é a que tem em si mesma as diversas ou diferentes moradas, as leva consigo e é considerada como repartida em sete moradas, sem prejuízo de que essas sete se convertam em setenta vezes sete, quer dizer, em inumeráveis.
Em Fundações 14, 5, encontra-se uma frase que ilumina bem este facto: “Quanto menos tivermos na terra, mais gozaremos naquela eternidade onde as moradas são conforme ao amor com que imitámos a vida do nosso nom Jesus”. Esse mais além tem-no ela bem presente no momento em que começa a escrever: “Onde há muitos aposentos, assim como no Céu há muitas moradas” (1M 1,1). Ouve-se, aqui, o eco da passagem evangélica, embora sem mencioná-la: “Na Casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14,2)
O percurso do Castelo torna-se mais fácil e prazenteiro da mão da autora. Lido devagar o prólogo, o leitor deixe-se levar pelos títulos dos 27 capítulos que compõem o livro. A Santa tem uma habilidade especial para sintetizar nesses epígrafes o que quer dizer. Além disso, como parece certo que os títulos estão escritos depois de redigido o texto, resulta dupla a habilidade sintetizadora e esclarecedora da autora.
Terminada a leitura dos 27 títulos, leia-se com atenção a Conclusão, particularmente os nn. 2 e 3, onde a Madre lança, uma vez mais, critérios de vida e de leitura, que foi semeando ao longo do livro.
Outro método bastante simples para ir fixando na mente a doutrina do Castelo interior consiste em atender à substância bíblica incluída em textos, tipos, personagens, motivos bíblicos.
Como exemplo, pode ver-se, nas Segundas Moradas, onde se encontram: 1. Textos: “Quem anda no perigo, nele perece” (Si 3,26); “ não sabemos o que pedimos” (Mt 20,22); “sem a sua ajuda nada podemos fazer” (Jo 15,5); “a paz esteja convosco” (Jo 2,19.21). 2. Tipos bíblicos: O filho pródigo, perdido e comendo manjar de porcos (Lc 15,16); e os soldados de Gedeão quando iam para a batalha (Jz 7, 5-7. 16,22). 3. Textos e também motivos: “Ninguém subirá ao Pai senão por Mm” (Jo 14, 6); “quem Me vê a Mim, vê Meu Pai” (Jo 14,19).
O fio condutor é bem fácil de seguir e muito útil ao longo de todas as moradas. Não podemos esquecer tampouco uma coisa tão frequente na Santa escritora: o mundo dos símiles, exemplos ou comparações, que, na sua pedagogia, a assemelham tanto ao divino Mestre. Um dos exemplos generalizados é a comparação do castelo: 1M 1,3. Este símile não é exclusivo (nem no seu espírito nem na sua pena) d’As Moradas: também o usou no Caminho (CV 28,9-12; CE 48, 1-4); no Caminho, não usa a palavra ”castelo”, mas “palácio”; no entanto, a substância é a mesma. Outro exemplo de comparação- e acaso a melhor – é a do bicho-da-seda: 5M 2, 1-10.
O tema, ou melhor, a realidade da oração, está presente em todo o Castelo como fio condutor. A presença da oração já a deixa bem claramente proposta em 1M 1,7: “Tanto quanto eu posso entender, a porta para entrar neste castelo é a oração e reflexão, não digo mais mental que vocal; logo que seja oração, há-de ser com consideração; porque naquela em que não se adverte com Quem se fala e o que se pede e quem é pede e a Quem, não lhe chamo eu oração, embora muito meneie os lábios”.
Não podemos perder de vista esta afirmação, contando com a evolução que se vai seguindo: oração rudimentar, como primeiros ensaios; meditação, um simples olhar, estar na presença de Deus; recolhimento infuso, quietude, gostos; oração de união. Deus no fundo da alma; formas extáticas, visões, locuções, êxtases, ferida de amor; ânsias de eternidade; contemplação perfeita. Da conjunção de todos estes elementos que vamos assinalando, bem saboreados, irá surgindo no leitor, além do gosto mental, a compreensão da doutrina teresiana.
Alguém, desde a França, escreveu há tempos, embora não a propósito da doutrina teresiana: “A oração é o primeiro de tudo. Não é o essencial: o essencial é a caridade, que resume em si mesma a perfeição, Deus mesmo. Mas a oração é o primeiro”. Por isso, escreveu José Vicente Rodríguez com toda a razão: “Partindo da realidade da graça e do amor, que fazem que a alma seja agradável a Deus, que seja o paraíso onde Ele Se deleita (1M 1,1), as moradas vão-se convertendo na base do amor, virão a ser os diferentes graus de amor da alma, visto que ”o aproveitamento da alma não está em pensar muito, mas em amar muito” (F 5,2), e também “para subir às moradas que desejamos, não está a coisa em pensar muito, mas em amar muito” (4M 1,7). Este amor não é exclusivo mas inclusivo de outras actividades, outros exercícios, e assim resulta que a alma estabelecida em amor empregar-se-á, por exemplo, no conhecimento próprio e no exercício da humildade: as primeiras moradas (1M 2, 8-9). Dar-se-á também diversificação segundo as diferentes mercês recebidas de Deus (1M 1,3). Isto vê-se bem claro na leitura seguida da obra teresiana, sendo a oração de quietude algo típico e fundante, por exemplo, das Moradas Quartas; das Moradas Quintas a oração de união; das Sextas o desposório espiritual e das Sétimas o matrimónio espiritual”.
Para compreendermos plenamente como leva a Santa toda a sua carga doutrinal, aconselhamos a ler com toda a atenção o último capítulo de todo o livro: (7M c. 4). Aqui, dá a impressão de que a Madre quer aterrar nos fundamentos mais sólidos da vida cristã: o amor fraterno e a configuração com Cristo. O Castelo interior é, sem dúvida, um esplêndido manual de santidade.
Como ajudas e pontos de referência no percurso do Castelo, também resulta útil imprimir na memória alguns pontos nos quais a Madre condensa a doutrina que vai estendendo os seus tentáculos ao longo de todo o livro. Bastarão alguns exemplos: Grandeza, dignidade, capacidade, formosura da alma humana: 1M 1, Presença total, natural e sobrenatural de Deus na alma: 5M 1,10. Consciência teresiana da diversidade de almas:1M 1,3; 5M 3,4. Fabricar cada um a sua morada em Deus: 5M 2, título e corpo do capítulo. Ser de veras espirituais: 7M 4,8. Não ficarem anãos: 7M 4,9. Ser plenamente realistas: 7M 4, 14. Não pôr medida às obras de Deus: 6M 4,12.
E, como capítulo imprescindível sobre Cristo Jesus, deve ler-se 6M 7, cujo título reza assim: “Diz quão grande erro é não se exercitar, por espiritual que seja, em trazer presente a humanidade de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e sua sacratíssima Paixão e vida, e a Sua gloriosa Mãe e os santos. É de muito proveito”. Trata-se de um capítulo paralelo a Vida 22.

Concluindo 

Em 6M 10,3, a Santa surpreende-nos com a identidade e, ao mesmo tempo, com a diversidade que assinala nesta passagem: “Façamos agora de conta que Deus é como uma morada ou palácio muito grande e formoso, e que este palácio, como digo, é o mesmo Deus”. Partindo destas palavras, chega-se imediatamente àquilo de “sede perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito” (Mt 5,48). Aqui, diríamos: sede castelos formosos como o vosso Pai Celestial o é.
O famoso Catecismo holandês apresenta assim aos crentes de hoje esta obra teresiana: “Santa Teresa escreveu um livro em que a alma está representada por um Castelo com sete moradas. Morada após morada, chega-se à sétima onde habita Deus, quer dizer, Cristo. A sua presença percebe-se em todo o Castelo, mas ao chegar a alma ao centro, imersa na própria realidade, sente-se toda invadida pelo sereno sentimento de que Deus está nela. A alma vive dentro da realidade terrena, que se apresenta magnífica aos seus olhos, pois compreende que Deus é o coração inefável de toda a realidade”.
Na Positio para o Doutoramento da Santa, encontra-se, como peça principal, o Relatório do advogado da causa. Para defender a altura da eminente doutrina da santa doutoranda, oferece da seguinte maneira uma espécie de resumo d’As Moradas. 
Esta “é a principal obra teresiana e mesmo – segundo alguns- de toda a mística cristã […]. O livro divide-se em sete partes ou moradas, das quais cada uma tem vários capítulos, excepto as segundas moradas, que tem um único capítulo.
As Primeiras Moradas (2 capítulos) são as almas que têm desejos de perfeição, mas ainda estão metidas nas preocupações do mundo, das quais devem fugir e procurar a soledade.
As Segundas Moradas (1 capítulo) são as almas com grande determinação de viver em graça e que se entregam, portanto, à oração e a alguma mortificação, embora com muitas tentações por não deixarem de todo o mundo.
As Terceiras Moradas (2 capítulos) são para as almas que exercitam a virtude e a oração, mas pondo nisso um amor dissimulado a si mesmas. Precisam de humildade e obediência.
As Quartas Moradas (3 capítulos) são já o começo das coisas “sobrenaturais”: a oração de quietude e um início da união. Os frutos não são ainda estáveis: por isso, as almas devem fugir do mundo e das ocasiões.
As Quintas Moradas (4 capítulos) são já de plena vida mística, com a oração de união que é sobrenatural e dá-a Deus quando quer e como quer, embora a alma se possa preparar. Os sinais verdadeiros desta união é que seja total, que não falte a certeza da presença de Deus e que sucedam tribulações e dores em que provar o amor a Deus. Necessita-se grande fidelidade.
As Sextas Moradas (11 capítulos). Consegue-se uma grande purificação interior da alma, e, entre as graças que nela se dão, totalmente sobrenaturais, estão as locuções, êxtases, etc., grande zelo pela salvação das almas, que leva a deixar a sua soledade. É necessária a contemplação da humanidade de Cristo para chegar aos últimos graus da vida mística.
As Sétimas Moradas (4 capítulos) são o cume da vida espiritual, em que se recebe a graça do matrimónio espiritual e uma íntima comunicação com a Trindade, da que brota espontaneamente uma grande paz em que vive a alma, sendo ao mesmo temo activa e contemplativa. Uma contemplação que não é subjectiva, mas que transcende o homem levando-o a esquecer-se de si e a entregar-se a Cristo e à Igreja”.
Esta espécie de resumo autorizado é como uma apresentação do Castelo no seu conjunto; e vem a ser, ao mesmo tempo, como um convite a ir verificando toda essa estrutura, não de maneira mental ou intelectual, mas vivencialmente, isto é, desde a praxis e experiência cristã, e tudo isso pela mão de Teresa de Jesus, a Doutora da Igreja Universal.  

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