AS OBRAS MENORES DE SANTA MADRE TERESA DE JESUS:
uma pequena apresentação
José Eduardo M.
Manfredini Júnior[1]
Escrever sobre Teresa de Jesus ou
sobre seus escritos não é uma tarefa fácil. Pelo contrário, sempre foi e sempre
será um desafio, até para os grandes estudiosos desta santa abulense. Ademais,
esta tarefa tão difícil exige preparo, estudo, e, quando não, um profundo
conhecimento de sua obra. Assim, nas linhas que seguem, não pretendemos
apresentar um estudo ou sequer as conclusões e reflexões acerca da doutrina
contida nas chamadas “obras menores” de Teresa de Jesus, mas apenas uma
brevíssima e superficial apresentação destas. Para tal tarefa, nos basearemos
nas introduções contidas nas Obras Completas de Teresa de Jesus, das edições
Loyola, e no Dicionário de Santa Teresa de Jesus, edições brasileiras, e ainda
de outros materiais que tivemos acesso.
É sabido por todos que, a Ordem dos
Carmelitas Descalços, por meio das orientações e propostas da casa geral, está
se preparando para comemorar os quinhentos anos do nascimento de Santa Teresa
Jesus, nossa mãe, mestra e fundadora. Assim, para este ano – de outubro de 2013
a outubro de 2014 – o material proposto foi as “Obras Menores” de santa madre.
Para facilitar o estudo, foram selecionados alguns textos, uma vez que a
leitura em comunidade, e até pessoal de todas as obras menores, no prazo de um
ano, exigiria um grande “fôlego”. “Esta antologia é fruto das orientações do
Pe. Tomas Alvarez e o trabalho dos padres Salvador Ross, Pedro T. Navajas e
Gabriel Castro, assim como de outras religiosas da Companhia de Santa Teresa
(Projeto Nudo)”.[2]
Entretanto, esta seleção quer convidar
e estimular a leitura de todas as “Obras Menores” de Teresa. É um chamado a
mergulharmos no mundo descortinado pelas Cartas; a elevar o nosso espírito a
Deus por meio das Poesias; de encontrá-Lo através das trilhas reveladas nos Conceitos de Amor de Deus e das Relações,
e enfim, poder conhecê-la um pouco mais através das Exclamações da Alma a Deus. Ler Teresa de Jesus é aventurar-se nos
caminhos do Espírito... Do mesmo Espírito que age continuamente em nós!
Para
começarmos... As “Obras Menores”
Talvez
o título de “Obras Menores” pode soar entranho ou causar mal entendidos. Não se
trata de um título depreciativo, ou muito menos relacionado à qualidade do
texto da autora. Trata-se apenas de uma maneira simples de classificar seus
escritos. Como sabemos, a santa escreveu quatro livros: Vida, Caminho de Perfeição, Castelo Interior ou Moradas, e Fundações. Contudo, sua pena não traçou apenas estas páginas.
É indubitável que Teresa de Jesus gostava de escrever, e o fazia com maestria,
mesmo obrigada pela obediência aos seus confessores. Além do mais, como madre
fundadora e mestra da nova forma de vida que nascia na Igreja do século XVI, e
sem contar com as tecnologias facilidades que temos hoje, Teresa precisava se
comunicar. Daí o grande numero de cartas, anotações particulares, orações,
poesias...
As
obras menores, então, é uma coletânea de todos os outros escritos da santa. Nas
obras completas elas aparecem com os seguintes títulos: Relações, Conceitos do Amor de Deus, Exclamações da Alma de Deus,
Constituições, Modo de Visitar, Certame, Resposta a um desafio, Poesias e Cartas. Assim como os livros, essas
obras são um imenso tesouro espiritual que nos ajudará a conhecer mais ainda
Teresa de Jesus, seu mundo, as pessoas com as quais se relacionava, seus
problemas, suas dúvidas, suas virtudes e até seus “defeitos” e “limitações”.
Para não sermos
prolixos, vamos nos limitar a apresentar apenas as obras selecionadas pela
comissão da casa geral para o V centenário: Relações ou Contas de Consciência, Conceitos do Amor de Deus ou
Meditações sobre o Cantar dos Cantares, Exclamações, Poesias e Cartas.
I. Relações ou
Contas de Consciência, ou ainda, Relações e Mercês
As
Relações são textos “soltos” escritos em períodos diferentes, entre 1560 e
1581, e que versam sobre diferentes assuntos como, “relatos autobiográficos de
vivências interiores, consultas espirituais seladas de segredo, anotações
avulsas de modo instantâneo para uso estritamente pessoal, formulação e motivos
de voto de obediência ao diretor espiritual, avisos aos frades carmelitas
descalços etc.”[3].
São
sessenta e sete fragmentos que permitem observar o crescimento espiritual de
Teresa e consequentemente os desdobramentos na relação com o próximo. As
restantes se perderam. Entretanto, é interessante notar que as “Relações”
faziam parte de um caderninho[4]
de anotações da santa que, infelizmente, se perdeu. Nas Relações número 28
encontramos o conselho que o Senhor deu à Teresa: “Não deixes de escrever os
avisos que te dou, para que não esqueças; se queres por escrito os dos homens,
por que pensas que perdes tempo em escrever os que te dou? Tempo virá em que
terás necessidade de todos eles”.[5]
Talvez, este aviso seja também para nós...
Outro
aspecto que pode ajudar na leitura e no estudo, é o fato de que a “Santa se
propõe expressamente recolher em seu caderninho “as palavras” que o Senhor lhe
disse. Com uma pequena variante: as palavras textuais do Senhor são precedidas
quase sempre de um “disse-me” ou “me disse”. As outras vão precedidas de um
“entendi” ou “se me seu a entender”. ”[6]
Sem
dúvida, é um material rico, que permite adentrar mais ainda na experiência
mística de Teresa, no seu “trato de amizade” com Aquele que ela amou
desesperada e incondicionalmente.
II. Conceitos do
Amor de Deus ou Meditações sobre o Cantar dos Cantares
Segundo os
grandes teresianistas, este texto é o único escrito da santa madre baseado
diretamente na Sagrada Escritura. Baseado no livro de mais difícil acesso às
mulheres do século XVI, o “Cântico dos Cânticos”. Como tantos outros, “Conceitos
do Amor de Deus” foi escrito por obediência, virtude tão admirada e recomendada
pela santa. Já o título, foi dado pelo padre frei Jerônimo Gracián, em 1611,
quando este o editou pela primeira vez.
Concomitantemente
à sua meditação - já que não faz um comentário exegético - do texto bíblico, Teresa
fala de sua experiência com o Senhor. Entre a esposa, sua alma, e o Divino
Esposo, seu Jesus, Senhor e Deus. Escrito provavelmente entre 1568 e 1571, o
texto original foi queimado pela santa em 1574, por obediência ao seu diretor
espiritual, o padre dominicano frei Diego Yanguas, “por não lhe parecer descente
que uma mulher, embora tal, declarasse os Cantares”, conforme declarou a
Duquesa de Alba, dona Maria Enriquez.[7]
Neste período, a inquisição tinha encarcerado o grande teólogo agostiniano,
frei Luis de León, por ter traduzido os Cantares para a sua língua materna. Mas
tarde, entre 1587-1588, frei León foi o responsável pela edição das Obras da
Madre Teresa, por quem tinha grande amizade e admiração.
Em
“Conceitos do Amor de Deus”, Teresa de Jesus nos ensina como ler o poema
bíblico. Apresenta-nos uma doutrina sobre as suas experiências na oração de
quietude e união, da oração e êxtase e, enfim, os efeitos da união mística a
favor da Igreja. Segundo os estudiosos, este texto foi essencial para Teresa
“incorporar a seu pensamento o símbolo esponsal do poema”.[8]
Para terminar, o texto que chegou até nós, deriva de quatro cópias que as
monjas, suas filhas, - principais destinatárias da madre – fizeram, salvando
assim esta jóia que brotou do coração e da pena da santa abulense.
III. Exclamações
Desses
escritos quase nada se sabe. As únicas pistas são as palavras de frei Luís de
Léon na edição das obras da madre em 1588: “Exclamações ou meditações da alma a
seu Deus escritas por Madre Teresa de Jesus em diferentes dias, conforme o
espírito que Nosso Senhor lhe comunicava depois de haver comungado, ano de mil
quinhentos e sessenta e nove”.[9]
Contudo,
a falta de informações e do original, já que apenas cópias chegaram até nós,
não diminuem o poder das palavras e ensinamentos contidos nele. Trata-se de um
verdadeiro manual de oração, onde Teresa ao escrever ora e, ao mesmo tempo,
convida o seu leitor a participar do seu diálogo amoroso com Aquele que sabemos
que nos ama.
IV. Poesias
A
poesia é a respiração da alma, é o espelho mais nítido do espírito. Mesmo
confessando-se em Vida que não era uma poetisa: “Sei de alguém [ela mesma] que,
não sendo poeta, improvisava estrofes muitos sentidas,declarando seu penar, na
usando para isso o intelecto”[10],
Teresa de Jesus sabe encantar seus leitores com os seus versos e neles deixa resplandecer
os mistérios de amor que Deus realizava em sua alma.
Em
outras estrofes, canta as maravilhas realizadas pelo Divino Criador na vida das
irmãs; canta os mistérios celebrados na liturgia; homenageia seus santos de
devoção e suas diletas filhas. Presenteia e agrada seus amigos... Disso nasceu
no seio do Carmelo Descalço uma tradição belíssima de poetizar. Basta olhar as
poesias de tantos carmelitas descalços, canonizados ou não.
Suas
poesias nasceram da mais profunda oração e é para nós, ainda hoje, trilhas nos
caminhos da vida espiritual, é fonte que rega e nos sacia da nossa sede do
Espírito de Deus. Para facilitar a leitura, os poemas são divididos pelos
teresianistas da seguinte forma: poemas de origem mística, poemas de momentos
festivos da liturgia carmelitana, poemas para celebrar a festa pessoal das
jovens que ingressavam no Carmelo, e dois poemas “humorísticos”.[11]
Nelas
podemos encontrar uma doutrina suave, simples, espontânea, mas com uma
profundidade que só Deus poderia comunicar à alma. Teresa soube transcrever
seus sentimentos mais profundos, suas ânsias, suas dores e alegrias em linhas,
em prosa e verso. Contudo, com liberdade, não se prendeu às regras da época.
Escreveu livremente. Deixou que o pulsar de seu coração ditasse as palavras, os
pontos e as vírgulas. Soube ouvir a pausa necessária, tão necessária para que o
seu leitor ou ela mesma absorvesse aquilo que “seu” Espírito ditava. Assim, é a
poesia de Teresa.
V. Cartas
Cremos
que as cartas talvez seja a parte mais importante da obra teresiana para
aqueles que desejam conhecer Santa Teresa de Jesus. Não apenas por ser
numerosas, mesmo que, segundo os especialistas, sobraram poucas perto do número
que ela teria escrito. Ocupando quase a metade das páginas das obras completas,
as cartas da santa nos revelam sua personalidade, suas relações, no fundo, sua
vida cotidiana.
Mais
que um conjunto de documentos históricos, onde é possível fazer uma leitura da
sociedade espanhola da época, as cartas de Teresa de Jesus são portas para o
seu mundo e mostra-nos que sua pena trabalhava arduamente. Teresa escrevia para
resolver problemas, aconselhar, para, sobretudo, “tratar sempre dos interesses
de seu Senhor, no que há de mais ingente e no que há de mais pequenino”.[12]
Escrevia
aos seus parentes, amigos, religiosos, religiosas, aos pobres e ricos, como,
por exemplo, ao rei Felipe II. “Trata de saúde, de negócios, de toda sorte de
acontecimentos; mas, em poucas palavras salpicadas aqui e ali, mais os guia e
encaminha para Deus através de todas e vicissitudes da vida, melhor do que o
faria com longos sermões”.[13]
Sabe advertir, corrigir com serenidade ou energia o que estava errado, pois ama
ardentemente os seus; sabe dar sempre uma resposta com sabedoria; sabe ser
irônica quando necessário, revelando assim o seu senso de humor. Suas cartas
cruzaram praticamente toda a Espanha, chegaram à América, a Roma, a Lisboa. Em
suma, “[...]as Cartas põem o selo à santidade de Teresa.”[14]
Porém,
antes de lê-la, assim como toda a obra teresiana, devemos estar muito atento ao
contexto histórico da época. Período de grandes transformações na Europa, na
Espanha. Tempo de decisões históricas na Igreja; tempo de perseguição da
inquisição; do mar de riquezas vindas da América que invadia a Espanha; tempo
de lutas teológicas em defesa dos ameríndios.
Como
não é nosso objetivo fazer aqui um estudo das cartas, por não se tratar do
momento adequado e pelo tempo que temos, pensamos que as linhas acima podem
ajudar a nos arriscar na leitura atenta das cartas selecionadas pela Comissão
do V Centenário. Queremos como irmãos e irmãs, mergulhar nas “águas profundas”
dos escritos de Teresa, ou melhor, de sua vida revelada, acima de tudo, em suas
cartas. Oxalá que a leitura dessas cartas desperte em nós o desejo de lê-las na
sua amplitude, na sua totalidade.
Para terminarmos... Um
pequeno lembrete
Teresa
de Jesus é mãe, mestra e fundadora. Como ela disse acerca do Senhor: “Quem mais
O conhece, mais O ama, mais O louva”. Cremos que também podemos dizer as mesmas
palavras acerca de sua pessoa. Contudo, conhecendo Teresa por meio de suas
obras, não só a amamos mais, mas também ao Amado, e O louvamos por nos tê-la
dado como mestra e guia que aponta para Ele, somente para Ele... E Nele para os
irmãos.
Que
possamos ao findar desta preparação para o V centenário, nos tornarmos mais
fiéis aos seus ensinamentos e ao carisma desta grande santa abulense. Que ela
nos alcance esta e outras graças do Coração Daquele que nos ama imensa e
incondicionalmente, mas, sobretudo a de sermos dignos de sermos chamados filhos
e filhas de Teresa de Jesus, simplesmente Carmelitas Descalços.
[1]
Membro da Comunidade Santa Face,
OCDS – Tremembé, SP e membro da Comissão de Formação para a OCDS.
[2] GONZALES, Antonio. Carta de apresentação para a leitura
teresiana 2013-2014. Ávila – Espanha. 2013.
[3] ALVAREZ, T. In: SCIADINI, P. (org.).
Dicionário de Santa Teresa de Jesus. São
Paulo: LTR, 2009. p. 579.
[4] cf. R 60 In: TERESA DE JESUS. Obras Completas. São Paulo: Loyola,
1995. p. 836-837.
[5] TERESA DE JESUS, op. cit. R 28, p. 817.
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