Translate

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A VASSOURA DE SANTA TERESA



A VASSOURA DE SANTA TERESA

Ribeira, o douto biógrafo de Santa Teresa, conta que a Santa Madre costumava, nos dias de varreção comum, reservar para si o pátio. Viam-na com o hábito modestamente arregaçado, de tamancos, tirar alguns baldes de água, e com ela, pressurosa esfregar o chão, com sua vassoura lançar a água suja no esgoto do jardim e tudo, cuidadosamente, pois ela gostava que reinasse por toda parte um asseio extremo.

Um dia, depois de haver cumprido este ato de humildade, vendo suas religiosas rodeá-las na recreação, disse com aquela graça e alegria de costume:

- Minhas filhas, qual é o modelo de uma perfeita carmelita?

Todas, interrompendo o trabalho, interrogavam-na com o olhar.

Uma irmã aventurou uma proposta, depois uma outra: cada uma propunha uma coisa. Santa Madre, porém acenava negativamente com a cabeça; e, com um fino sorriso, repetia:

- Não adivinhastes: procurai. Todos os dias tendes nas mãos. Bem que o conheceis!

Os espíritos estavam suspensos, aviva-se a curiosidade. Enfim, todas exclamaram:

- Nossa Madre procuramos em vão!

É preciso pois, vo-los dizer? Minhas filhas o modelo de uma carmelita perfeita é ... uma vassoura.

-Uma vassoura, nossa Madre?

- Sim, uma vassoura; e nós vamos coloca-la aqui de pé, e ela vai pregar-nos com o exemplo;

Entrou uma irmã trazendo alçada a vassoura de santa Madre, sendo acolhida por uma modesta gargalhada: pois se alegria fugisse da terra, no carmelo é que se devia procura-la.

-Vêde, minhas filhas, diz santa Teresa, os juncos que uma mão industriosa recolheu nas bordas de uma lagoa, exata imagem do mundo, para fazer os secar, liga-los e neles enfiar um pau e fazer esta vassoura que vos apresento.

- “Que excelente modelo é ela ... Sabe obedecer ... Não o negareis; faz tudo o que se quer sem murmurar. Não tem vontade própria; jamais empreende cousa alguma por si mesma; sempre espera que a obediência a mova. Nunca lhe vem ao pensamento dizer: “Mas a coisa seria melhor varrida assim”: não, sua submissão é cega, pronta e constante. Acabado o trabalho atiram-na em um canto: e aí fica sem dizer palavra. São necessários os seus serviços? Sempre a encontram pronta a trabalhar e a sofrer.

“Não é esse um verdadeiro exemplo de humildade? Quer se utilize dela para tirar teias de aranha do oratório, ou para esfregar a cozinha, tudo faz com a mesma boa vontade, sem alegar a baixeza do ofício. Para tudo serve sem resmungar. Não ousa ensinar, nem mesmo a última noviça, e muito menos criticar de outrem. Jamais se julga superior às outras ... vassouras. Quando se acha a obra mal feita, tranquilamente a recomeça, uma, duas, três vezes, sem de nenhum modo se perturbar: que igualdade de humor! ... repreendida não se zanga: não quer guiar os que devem conduzi-la, nem julga-los, nem aborrece-los, nem caçoar deles: imagina que isso seria ofender a Deus ... E completamente indiferente pela elevação como pelo o abatimento. Se dela se serve ? A tudo se presta ... Rejeitam-na como inútil? Permanece no último lugar sem se lastimar.”

“Se acontece que a senhora vassoura se desloca um pouco, a irmã a vira para cima e bate o cabo no chão, toc, toc.”

“Ela cala-se, e, concertada, continua seu ofício. Há! Para nós, não é msiter que se nos bata com força na cabeça tão dura, quem quer sempre ter razão e nunca ceder: não é preciso chegar a esse ponto para nos fazer romper em queixas pela repreensão ou humilhação recebida.”

“Quem não queria ser criativa e boa como a vassoura? Quem já lhe ouviu dizer não, a quem lhe pediu um serviço? Não sabe guardar rancor. Jogaram-na bruscamente no seu lugar: um instante depois acham-na em paz, pronta como dantes: que espelho de virtudes! Se as vezes ofende alguém, é bem involuntariamente. O coração brando, previdente e amável é um tesouro numa comunidade. Minhas filhas, não é verdade que o progresso de uma alma em Jesus se prova pelo aumento de sua mansidão?

“Falemos da vida oculta. Por ventura já se viu esta modesta vassoura exaltar-se na imaginação e querer se mostrar? Quando chega alguém de fora, depressa, se esconde por detrás da porta; aí guarda para Deus só suas belas qualidades a sua sólida virtude. Não quer sair de sua humilde obscuridade, nem mesmo pelo desejo. Ignora as misérias que rege a ternura consigo mesmo ou com os outros, as amizades particulares e suas perigosas doçuras”.

“Grande reboliço na casa! Chegada de uma irmã jovem vassoura. A irmã a pões em bom lugar, porque é nova: que serviços vai prestar à comunidade! Mas, como está cheia de si mesma! Com olhar de zombaria muitas vezes considera as mais antigas! Que noviça não se julga um pouco ... reformadora? Se começasse por si mesma ?! ...

“Admirai duas preciosas qualidades de nossa cara vassoura: não se perturba, nem se zanga. Tal me parece dever ser a alma verdadeiramente religiosa: cheia dessa bondade, nascida do fundo do coração, tão carinhosa, verdadeira imagem de Deus, que nossas importunações nunca perturbam; é senhora de si mesma nessa paz celeste, tão arrebatadora, que excede a todo sentimento e que nada aborrece nem enfada. Não se perturbar, nem se zangar: que de mortificações não ocultam estas frases, simples na aparência!

“Todavia, minhas filhas, a singular beleza do silêncio: faz ouvir coisas mais altas que a terra. Quem poderá escutar sem espanto o silêncio eterno dos espaços infinitos! ... Não é alguma coisa de admirável o silêncio de Deus e a sua longa paciência em face dos crimes que cobre a terra? Considerai o silêncio misterioso do Verbo encarnado nos trinta anos que precederam sua vida pública; o silêncio quase ininterrupto de Jesus sobre a Cruz; o silêncio das almas sepultadas nos claustros, escondidas do mundo, que ai se consome como a lâmpada; o silêncio do zelo, que a fome e sede de justiça devoram e que imola esses santos ardores à vontade de Deus; silêncio dos corações apostólicos que abraça desejo da salvação das almas e que permanece na inação imposta pela obediência, essa voz de Deus ...; o silêncio das almas que o sofrimento torna importante a tudo, e que fica crucificadas, sem proferir queixa alguma, como o cordeiro imolado pelos pecados do mundo, se calou torturado pelos seus carrascos; o silêncio da alma de oração, desprezando a terra para se elevar a contemplação celeste; ó sacrifícios heróicos do silêncio cujo merecimento é inexprimível, cuja fertilidade é infinita.

“Eis enfim a nossa vassoura exausta no serviço do Senhor, estragada até o cabo, não tendo mais senão alguns destroços sobre a cabeça, esta abandonada, talvez como inútil, num canto. AH! As jovens não encontram prazer perto das velhas.

“Em tal ocasião nossa velha vassoura percebeu jovens irmãs, eu queria dizer vassouras novas, rindo-se do pobre trabalho que lhe impuseram e resmungando disseram: É preciso sempre revistar-lhe o trabalho, tão mal feito!”

“Mas como do sol no ocaso os últimos raios iluminaram ainda o horizonte de uma claridade, assim nossa heroína, perto do seu fim, proteja em redor de si o brilho sereno de uma vida de sacrifícios a espera que chegue a hora de Deus.”

“esse momento soa enfim. Chega uma irmã, uma dessas naturezas ativas, diligentes, amantes da boa ordem em toda parte. Que faz aqui esta vassoura velha, só faz encher a casa: depressa metamo-la no fogo! Vede a vassoura seca, arder no fogão: como levanta para o alto uma tão viva e clara chama”.

“Assim o Anjo de Deus, colhe a alma da carmelita que consumou sua obra de dedicação a Jesus: e para acabar de purificá-la, lança-a no Purgatório. Preparada, entretanto como ela está, pela sua mortificação e sofrimento, suas últimas imperfeições ai são rapidamente consumidas, e a alma feliz voa para o Céu, para os braços de Jesus: aí imergindo-se no seu coração, não pode mais senão dizer “Enfim, Senhor, a tanto tempo que eu Vos esperava!”.

3 comentários:

  1. Belíssimo texto místico!.
    De qual obra foi extraído o texto!

    ResponderExcluir
  2. Que bela comparação, que bem explicado, que belo exemplo. Texto belíssimo.

    ResponderExcluir
  3. Texto maravilhoso, impecável, do início ao fim.Fácil de entender e absorver seu conteúdo

    ResponderExcluir