Como o Natal
pode ser Boa Nova neste nosso tempo onde as guerras, o terrorismo e a violência
generalizada marcam as sociedades e os noticiários? Qual o sentido de celebrar
o nascimento de uma Criança quando em nosso mundo se adia ao máximo a gravidez ou
se escolhe não ter filhos; ou de maneira definitiva busca-se a legalização do
aborto e se ainda esta não se efetivou, a morte de milhares de inocentes ocorre
clandestinamente? Que importância tem o Natal num mundo onde se adora o
dinheiro, o prazer e o poder? O Natal contribui efetivamente para trazer
sentido aos homens e mulheres de hoje, aos jovens, aos idosos, às famílias que
vivem num ambiente de indigência ética, de desvalorização da pessoa, onde o Sol
está eclipsado e a Lua perdeu seu brilho e nos sentimos envolvidos por densas e
espessas trevas?
“Ó Senhor,
fazeis brilhar a minha lâmpada, ó meu Deus, iluminai as minhas trevas” (Sl 17,
29)
À esta e a tantas
outras perguntamos que podemos fazer, o Papa Francisco na sua Carta Lumen
Fidei, sobre a fé, vem nos ajudar a encontrar claridade.
“A luz da fé
é a expressão com que a tradição da Igreja designou o grande dom trazido por
Jesus... ‘Eu vim ao mundo como luz, para que todo o que crê em Mim não fique
nas trevas’ (Jo 12, 46)... ‘Porque o Deus que disse: das trevas brilhe a luz
foi quem brilhou nos nossos corações’ (2 Cor 4, 6)... Conscientes do amplo
horizonte que a fé lhes abria, os cristãos chamaram a Cristo o verdadeiro Sol,
‘cujos raios dão a vida’. A Marta, em lágrimas pela morte do irmão Lázaro,
Jesus diz-lhe: Eu não te disse que, se acreditares, verás a glória de Deus?’
(Jo 11, 40). Quem acredita vê; vê com uma luz que ilumina todo o percurso da
estrada, porque nos vem de Cristo ressuscitado, estrela da manhã que não tem
ocaso.” (Lumen Fidei, p 7)
A luz de
Cristo vem à Igreja mediante a fé e se reflete na vida de uma nuvem de
testemunhas que a receberam como dom e a partilharam como missão. Os santos e
santas, do passado e do presente, experimentaram as trevas que envolvem o mundo
e o próprio coração, mas se deixaram iluminar pela Luz que vem do Céu e por meio
de uma íntima união com Cristo tornaram-se Luz do mundo. Assim foi com santa
Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face e assim ela nos descreve sua vivência:
“Imagino ter nascido num país envolto
por um denso nevoeiro. Nunca contemplei o risonho aspecto da natureza,
inundada, transfigurada pelo sol Brilhante; desde minha infância, ouço falar
dessas maravilhas, sei que o país em que estou não é a minha pátria, que existe
outro com o qual devo sonhar sempre. Não se trata de uma história inventada por
um habitante do triste país em que estou, mas é uma realidade comprovada, pois
o Rei da pátria do sol brilhante veio viver trinta e três anos no país das
trevas. Ai! as trevas não entenderam que esse Rei divino era a luz do mundo...
Mas, Senhor, vossa filha entendeu vossa divina luz, pede-vos perdão pelos seus
irmãos (...) Que todos aqueles que não estão iluminados pela luz resplandecente
da fé a vejam finalmente luzir... (Obras Completas, Manuscrito C, pp. 226-227)
A ressurreição de Cristo é um evento cronologicamente
posterior ao seu Natal, porém, enquanto Luz que revela o significado de tudo o
que Ele fez, falou e de sua entrada na existência terrena, a ressurreição vem
em primeiro lugar. O Cristo Ressuscitado vem ao encontro de seus primeiros
discípulos, da Sua Igreja, e a partir desta experiência, iluminados pelo
Espírito Santo, releram a sua história e viram nela, desde seu início até o seu
final, a revelação amorosa de Deus Pai e de seu projeto de salvação para toda a
humanidade.
Santa Teresinha acolheu o testemunho,
a fé, desta Igreja sobre o Natal de Cristo “desde minha infância ouço falar
dessas maravilhas”. Proclama esta mesma fé num momento de noite escura, de
trevas, da privação sensível da fé, “Senhor, vossa filha entendeu vossa divina
luz”. Esta provação da fé inicia-se exatamente no tempo pascal e só vai
terminar quando ela própria fizer sua páscoa e entrar na Vida. No texto autobiográfico,
citado acima, Teresa faz um ato de fé no Verbo Encarnado, que ao fazer-se irmão
dela e de toda a humanidade no mistério de seu Natal, ela assume também a sua
fraternidade, a sua irmandade com relação àqueles que estão nas trevas e na
sombra da morte, e como o Filho, por Ele e Nele, Teresinha intercede por todos,
“Pede-vos perdão pelos seus irmãos (...) Que todos aqueles que não estão
iluminados pela luz resplandecente da fé a vejam finalmente luzir”. Isso é
vivência profunda do Natal, fruto da Graça que encontrou abertura e adesão generosa
do coração de Teresa.
“Para nos permitir conhecê-Lo,
acolhê-Lo e segui-Lo, o Filho de Deus assumiu a nossa carne; e assim, a sua
visão do Pai deu-se também de forma humana, através de um caminho e um percurso
no tempo. A fé cristã é fé na encarnação do Verbo e na sua ressurreição na
carne; é fé em um Deus que Se fez tão próximo que entrou na nossa história. A
fé no Filho de Deus feito homem em Jesus de Nazaré não nos separa da realidade;
antes permite-nos individuar o seu significado mais profundo, descobrir quanto
Deus ama este mundo e o orienta sem cessar para Si; e isto leva o cristão a
comprometer-se, a viver de modo ainda mais intenso o seu caminho sobre a
terra.” (Lumen Fidei pp. 20-21)
Foi numa noite de Natal, em 1886, que
Teresinha recebeu uma de suas maiores graças: “recebi a graça de sair da
infância... nessa noite em que Ele se fez fraco e sofredor por meu amor, fez-me
forte e corajosa, vestiu-me com suas armas e desde essa noite bendita, não fui
vencida em nenhum combate... Teresa não era mais a mesma, Jesus mudara o seu
coração... Fez de mim pescador de almas, senti um grande desejo de trabalhar
para a conversão dos pecadores... Senti numa palavra a caridade entrar no meu
coração, a necessidade de me esquecer para dar prazer e desde então fui
feliz!”.
“Na fé, o “eu” do crente dilata-se
para ser habitado por um Outro, para viver em um Outro, e assim a sua vida
amplia-se no Amor. É aqui que se situa a ação própria do Espírito Santo: o
cristão pode ter os olhos de Jesus, os seus sentimentos, a sua predisposição
filial, porque é feito participante do seu Amor, que é o Espírito; é neste Amor
que se recebe, de algum modo, a visão própria de Jesus. Fora desta conformação
no amor, fora da presença do Espírito que o infunde nos nosso corações (cf. Rm
5, 5), é impossível confessar Jesus como Senhor (cf. 1Cor 12, 3).” (Lumen
Fidei, pp. 23)
A fé no Amor, da qual o Natal é uma
expressão, tem poder de transformar o Homem por inteiro e com ele o mundo todo:
“Fez de mim pescador de almas, senti um grande desejo de trabalhar para a
conversão dos pecadores... Senti numa palavra a caridade entrar no meu coração,
a necessidade de me esquecer para dar prazer e desde então fui feliz!”. A fé
amadurecida, adulta, é vivida como amor, como doação de si, como serviço ao
próximo, assim como Jesus o fez. Só o amor é capaz de iluminar e de salvar o
mundo das trevas da indiferença, do egoísmo, da ganância, do orgulho e do
pecado que estão na raiz da desumanização do mundo.
“Urge recuperar o caráter de luz que
é próprio da fé, pois, quando a sua chama se apaga, todas as outras luzes
acabam também por perder o seu vigor. De fato, a luz da fé possui um caráter
singular, sendo capaz de iluminar toda a existência do homem. Ora, para que uma
luz seja tão poderosa, não pode dimanar de nós mesmos; tem de vir de uma fonte
mais originária, deve provir em última análise de Deus. A fé nasce no encontro
com o Deus vivo, que nos chama e revela o seu amor: um amor que nos precede e
sobre o qual podemos apoiar-nos para construir solidamente a vida.
Transformados por este amor, recebemos olhos novos e experimentamos que há nele
uma grande promessa de plenitude e se nos abre a visão do futuro. A fé, que
recebemos de Deus como dom sobrenatural, aparece-nos como luz para a estrada,
orientando os nossos passos no tempo. (...) a fé não mora na escuridão, mas é
uma luz para as nossas trevas.” (Lumen Fidei, p. 9)
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