Estudo das obras menores
De
Santa Teresa de Jesus
|
Comunidade
Ano de 2014
|
LEITURA TERESIANA PROPOSTA PARA O ANO
2013-2014
Introdução:
AVILA
– ESPANHA
14-06-2013
Querido irmãos e irmãs no Carmelo:
A leitura de Santa Teresa – um propósito fundamental do
Carmelo para o V Centenário de seu nascimento- está sendo fonte de
revitalização, ajuda para descobrir a profundeza e riqueza de sua
espiritualidade. Nestes últimos anos compartilhamos suas obras - Vida, Caminho
de Perfeição, Fundações, Castelo Interior-, que são as mais traduzidas e
difundidas por todo o mundo. Teresa tem também outros escritos, mais breves,
mas não por isso menos valiosos, que nos confiam a intimidade e o dia a dia de
Teresa: suas experiências nas Relações, suas Exclamações, sua lírica nas
poesias; nas Cartas, testemunhas de suas preocupações e anseios.
É por isso que neste último ano de preparação ao V Centenário
do Nascimento de Santa Teresa, queremos ler estes escritos breves, que formam
uma grande e rica coleção que faria quase impossível para serem lidos em um ano
em comum e em comunidade, até para uma leitura pessoal seria quase impossível.
Por este motivo, escolhemos alguns textos. Assim queremos saborear algo desta
riqueza, oferecer algumas passagens mais interessantes. E, como diria a Santa,
“engolosinar-nos”( tentar, seducir, estimular, incitar,), animar-nos a , com mais calma, a ler toda sua obra.
Esta antologia é fruto das orientações do Pe. Tomas Alvarez e
o trabalho dos padres Salvador Ross, Pedro T. Navajas e Gabriel Castro, assim
como de outras religiosas da Companhia de Santa Teresa (Projeto Nudo) . Um
trabalho que agradecemos vivamente , como também agradecemos à Editorial Monte
Carmelo por ter nos colocado a disposição todos os textos de sua edição.
Esperamos que as leituras deste ano, já próximo do Centenário, coroem esta
aproximação à nossa Madre Teresa, e nos animem a crescer em nossa vocação
levados por sua mão.
Pe. Antonio Gonzales
Secretário
Geral do V Centenário
Do
Nascimento de Santa Teresa.
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-
Aqui vai se usar a edição brasileira Edições Loyola e Edições Carmelitanas de
1995
-
Colocaremos a numeração correspondente à obra Brasileira e a página
I-. RELAÇÕES OU CONTAS DE
CONCIÊNCIA
- Salamanca, abril 1571. Um pequeno canto sobre
o sofrimento. Êxtases.
. 15 – pg. 810
- Sevilha, fins de 1575 ou fevereiro – março
1576. Relação de sua vida espiritual e confessores.
. 46 – pg.787
- Palencia, 1581. Seu espírito e maneira de
proceder.
. 6 – pg. 805
II. Conceitos de amor de Deus ou Meditações
sobre o Cantar dos Cantares.
Capítulo 1 – pg. 849
III. Exclamações
. Exclamação 4 – pg. 890
. Exclamação 17 – pg. 902
IV. Poesias
- Vivo sem viver em mim
. 01 – pg. 917
- Vossa sou, para Vós nasci
. 02 – pg. 963
Oh formosura que excedeis!
. 06 – pg. 971
- Busca te em mim
. 08 – pg. 979
V. Cartas
* 1 A dom Lorenzo de Cepeda, em Quito
Ávila, 23 dezembro 1561
. 02 – pg. 1037
*2 A dom Lorenzo de Cepeda, em Quito
Toledo, 17 Janeiro 1570
. 25 – pg. 1066
*3 A dona Luisa da Cerda, em Paracuellos
Ávila, 7 novembro 1571
. 37 – pg. 1082
*A dona Juana de Ahumada, em Galinduste
Ávila, 4 fevereiro 1572
. 39 – pg. 1085
*A dona Maria de Mendoza, em Valladolid
Ávila, 7 maio 1572
. 40 – pg. 1086
*6 Ao Pe. Domingo Bañez, em Valladolid
Só tem janeiro de 1574
. 56 – pg. 1103
*7À madre Maria Bautista, em Valladolid
Segovia, metade ou final de junho 1574
. 62 – pg. 1111
*8 A dom Teutonio de Braganza, em Salamanca
Segovia, 3 julho 1574
. 65 – pg. 1115
*9 À madre Isabel de Santo Domingo, em Segovia
Beas, 12 maio 1575
. 78 – pg. 1133
*10 Ao Pe. João Batista Rubeo, em Piacenza
Sevilha, 18 junho 1575
. 80 – pg. 1135
*11 Ao Rei Dom Felipe II, em Madri
Sevilha, 19 julho
. 83 – pg. 1141
*12 Ao Pe. João Batista Rubeo, em Cremona
Sevilha, janeiro – fevereiro 1576
. 98 – pg. 1162
*13 A dom Lorenzo de Cepeda, em Toledo
Toledo, 24 julho 1576
. 108 – pg. 1185
*14 Ao Pe. Jerônimo Gracian, em Sevilha
Toledo, 23 outubro 1576
. 129 – pg 1224
*15 À Madre Maria de São José, em Sevilha
Toledo, 7 dezembro 1576
. 151 – pg. 1256
*16 Ao Pe. Ambrosio Mariano, em Madri
Toledo, 12 dezembro 1576
. 155 – pg. 1263
*17 Ao Pe. Jerônimo Gracian,em Sevilha (?)
Toledo, 13 dezembro 1576
. 154 – pg. 1260
*18 A do Lorenzo de Cepeda, em Ávila
Toledo, 2 janeiro de 1577
. 165 – pg. 1273
*19 Ao Pe. Jerônimo Graciano, em Sevilha (ou
Paterna) (?)
Toledo, 3 janeiro 1577
. 152 – pg. 1257
*20 A dom Lorenzo de Cepeda, em Ávila
Toledo, 17 janeiro 1577
. 171 – pg. 1289
*21 A dom Lorenzo de Cepeda, emÁvila
(?) Não se encontra ou 10 janeiro 1577
.176 – pg. 1301
*22 Ao Pe. Ambrosio Mariano, em Madri
Toledo, 16 fevereiro 1577
. 178 – pg. 1305
*23 A dom Lorenzo de Cepeda, em Ávila
Toledo, 27 e 28 fevereiro 1577
. 179 – pg. 1307
*24
À Madre Maria de São José, em Sevilha
Toledo,
28 de fevereiro 1577
.
180 – pg. 1310
*25
A Roque de Huerta, em Madri
Toledo,
14 julho 1577
.
195 – pg. 1336
*26
Ao Rei Felipe II, em Madri
Ávila,
4 dezembro 1577
.
215 – pg. 1350
*27
Ao Pe. Hernando de Pantoja, em Sevilha
Ávila,
31 janeiro 1579
.
271 – pg. 1440
*28
Às Carmelitas descalças de Sevilha
Ávila,
31 janeiro 1579
.
272 – pg. 1442
*29
À Isabel de São Jerônimo e Maria de São José, Sevilha
Ávila,
3 de maio 1579
.
282 – pg. 1454
*30
À priora e comunidade de carmelitas de Valladolid
Ávila,
31 de maio 1579
.
283 – pg. 1460
*31
À Madre Maria Bautista, em Valladolid
Ávila,
9 junho 1579
.
285 – pg. 1463
*32
Ao Pe. Jerônimo Gracian, em Alcala
Ávila,10
junho 1579
.
286 – pg. 1464
*33
A dom Teotônio de Bragança, em Évora
Valladolid,
22julho 1579
.
293 – pg. 1477
*34
A dom Lorenzo de Cepeda, em La Serna (Ávila)
Toledo,
10 abril 1580
.
324 – pg. 1523
*35
À irmã Teresa de Jesus, em Ávila
Medina,
7 agosto 1580
.
337 – pg. 1544
*36
Ao Pe. Jerônimo Gracian, em Alcala
Palencia,
17 fevereiro 1581
.
357 – pg. 1573
*37
À Madre Maria Bautista, (?)
Não
se encontra
*38
Ao Pe. Jerônimo Gracian, em Alcala
Palencia,
metade de fevereiro (19 fevereiro) 1581
.
358 – pg. 1575
*39
Ao Pe. Jerônimo Gracia, em Alcala
Palencia,
21 fevereiro 1581
.
359 – pg. 1578
*40
Ao Pe. Jerônimo Gracian, em Alcala
Palencia,
27 fevereiro 1581
.
360 – pg. 1581
*41
A dona Juana de Ahumada, em Alba
Segovia,
26 agosto 1581
.
384 – pg. 1611
*42
À Madre Maria de São José, em Sevilha
Ávila,
8 novembro 1581
.
393 – pg. 1624
*43
A dom Lorenzo de Cepeda (Filho), em Quito
Ávila,
15 dezembro 1581
.
407 – pg. 1643
*44
À priora e Carmelitas Descalças de Soria
Ávila,
28 dezembro 1581
.
409 – pg. 1646
*45
À irmã Leonor da Misericórdia, em Soria Burgos, metade de maio 1582
.
426 – pg. 1663
*46
A dom Jerônimo Reinoso, em Palencia
Burgos,
20 maio 1582
.
429 – pg. 1665
*47
À Madre Ana de Jesus, em Granada
Burgos,
30 maio 1582
.
430 – pg. 1667
*48
À Madre Maria de São José, em Sevilha
Burgos,
6 julho 1582
.
433 – pg. 1675
*49
À Madre Catalina de Cristo, em Soria
(última
carta de Santa Teresa)
Valladolid
– Medina, 15-17 setembro 1582
.
446 – pg. 1695
&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&
I-. RELAÇÕES OU CONTAS DE CONCIÊNCIA
- Salamanca,
abril 1571. Um pequeno canto sobre o sofrimento. Êxtases.
. 15 – pg. 810
1548
1.
Passei todo o dia de ontem com grande solidão e, a não ser quando comunguei,
nada causou em mim ser dia da Ressurreição. À noite, estando com todas,
cantaram um copla dizendo como era difícil suportar viver sem Deus.49 Como eu já estava penalizada, foi tamanho o
efeito que isso teve em mim que minhas mãos começaram a se entorpecer e não me
foi possível resistir. Porque, assim como saio de mim pelos arroubos de gozo,
assim também fica suspensa a alma com o pesar imenso, a ponto de alhear-se. Até
hoje eu não tinha compreendido isso.
De
uns dias para cá, parecia-me não ter ímpetos tão grandes como costumava, e
agora me parece que a causa é o que tenho dito, embora nem saiba se pode ser,
pois antes o pesar não chegava a fazer-me sair de mim e, sendo tão intolerável
e estando eu em meus sentidos, fazia-me dar imensos gritos sem que eu o pudesse
evitar. Agora, como aumentou, chegou a ponto desse trespassamento, e entendo
melhor o que Nossa Senhora sentiu, pois até hoje — como eu disse — não tinha
entendido o que é trespassamento. O corpo ficou tão alquebrado que escrevo isto
hoje com muito sofrimento, pois as mãos estão como que desconjuntadas e
doloridas.
2. Vossa Mercê, quando me
vir, me dirá se é possível esse alheamento de pesar e se o sinto tal como é ou
se me engano.
3. Até esta manhã estive
com esse pesar e, estando em oração, tive um grande arroubo e me pareceu que
Nosso Senhor me levara o espírito até junto de Seu Pai e lhe dissera: “Esta,
que me deste, eu te dou”. E parecia-me que me aproximava de Si. Isso não é
coisa imaginária, mas vem com uma grande certeza e uma delicadeza tão
espiritual que não se sabe descrever. Ele me disse algumas palavras de que não
me lembro; algumas falavam de conceder--me graças. Durou algum tempo o ter-me
junto de Si.
4.
Como Vossa Mercê se foi ontem tão depressa e vejo as muitas ocupações que tem
para que me possa consolar mesmo o necessário, pois vejo que são mais
necessárias as ocupações de Vossa Mercê, fiquei por algum tempo com aflição e
tristeza. Como sentia a solidão de que falei, ela ajudou nisso; e, como não me
parece que eu esteja apegada a alguma criatura da terra, deu-me certo escrúpulo,
pois temi começar a perder essa liberdade.
Isso
foi à noite. Hoje, Nosso Senhor me respondeu, dizendo-me que não me
maravilhasse, porque, assim como os mortais desejam companhia para comunicar
seus contentamentos dos sentidos, assim também a alma a deseja — quando há quem
a entenda — para comunicar seus gozos e sofrimentos, entristecendo-se por não
ter com quem fazê-lo. Disse-me: “Ele agora vai bem e me agradam suas obras”.
5. Como Ele esteve algum
tempo comigo, lembrei-me de ter dito a Vossa Mercê que essas visões passavam
depressa. Disse-me Ele que havia diferença entre estas e as imaginárias e que
não podia haver regra certa nas graças que nos faz, porque às vezes convém de
umas maneiras e outras, de outra.
6. Um dia, depois de
comungar, pareceu-me clarissimamente que se sentou ao meu lado Nosso Senhor,
começando a consolar-me com grandes regalos; e me disse, entre outras coisas:
“Aqui me vês, filha, pois sou Eu; mostra tuas mãos”, parecendo-me que as
tomava e as aproximava do Seu lado. E disse: “Olha as minhas chagas. Não estás
sem Mim. A brevidade da vida passa”.
Por
algumas coisas que me disse, entendi que, depois que subiu aos céus, nunca
baixou à terra, a não ser no Santíssimo Sacramento, para comunicar--Se com
alguém.
Disse-me
que, depois de ressuscitar, fora ver Nossa Senhora, que já estava com grande
necessidade, pois o pesar a tinha tão absorta e trespassada que não voltou logo
a si para gozar daquele gozo (por meio disso compreendi esse meu outro
trespassamento, que é bem diferente; qual não devia ser o da Virgem!); e que
estivera muito com Ela, pois fora necessário estar até consolá-la.
- Sevilha, fins de 1575 ou fevereiro – março 1576. Relação
de sua vida espiritual e confessores.
. 4B – pg.787
4 a)10
JHS
1. Esta monja há quarenta
anos tomou o hábito e desde o princípio começou a pensar na Paixão de Nosso
Senhor, nos mistérios, e em seus pecados, sem nunca pensar em coisa que fosse
sobrenatural, mas nas criaturas ou coisas, a partir das quais percebia quão
cedo se acaba tudo, e nisso despendia alguns momentos do dia, sem passar-lhe
pelo pensamento desejar mais, pois se tinha por tal que mesmo pensar em Deus
via que não merecia.
2. Nisso passou uns vinte
e dois anos com grandes securas, lendo também em bons livros. Haverá uns
dezoito, na época em que se começou a tratar do primeiro mosteiro de Descalças
que fundou em Ávila (uns três anos antes), que passou a ter a impressão de que
lhe falavam interiormente algumas vezes e a ver algumas visões e a ter
revelações.11 Ela jamais ouviu ou viu qualquer
coisa com os olhos corporais, mas sim na forma de uma representação semelhante
a um relâmpago, que, no entanto, as deixava tão impressas nela, e com tantos
efeitos, que era como se visse com os olhos corporais, e ainda mais do que
isso.
3.
Ela era temerosíssima, a ponto de algumas vezes não se atrever a estar só de
dia; e como, por mais que fizesse, não pudesse evitar isso, vivia aflitíssima,
temendo que fosse engano do demônio. E começou a tratar com pessoas espirituais
da Companhia de Jesus, entre elas o Padre Araoz, que por acaso foi ali, e que
era Comissário da Companhia, e o Padre Francisco — que foi Duque de Gandía —,12 com quem tratou duas vezes, bem como um
provincial da Companhia — que está agora em Roma, onde é um dos quatro
assistentes — chamado Gil González, e também o que agora o é em Castela, se bem
que com este não tanto. Baltasar Alvarez, que é agora Reitor de Salamanca,
confessou-a por seis anos; o Reitor de Cuenca,13 chamado
Salazar, e o de Segóvia, chamado Santander, este não muito tempo; o Reitor de
Burgos, que se chama Ripalda, e que estava indisposto com ela até ela tratar
com ele; o doutor Pablo Hernández de Toledo, que era Consultor da Inquisição;
Ordóñez, que foi Reitor de Ávila. Quando estava nos vários lugares, ela procurava
os que, neles, eram mais estimados.
4.
Tratou muito com o Frei Pedro de Alcântara, e foi ele quem muito fez por ela.
5.
Eles estiveram por mais de seis anos, nessa época, fazendo-a passar por muitas
provas, e ela com muitas lágrimas e aflição, e quanto mais provas se faziam,
mais as tinha, e suspensões freqüentes na oração e mesmo fora dela.14 Faziam-se muitas orações e diziam-se missas
para que Deus a levasse por outro caminho, porque era grandíssimo o seu temor
quando não estava em oração, embora em todas as coisas referentes ao serviço de
Deus se percebesse clara melhoria, e nenhuma vanglória nem soberba, chegando a
fugir dos que o sabiam; e sentia mais tratar disso do que se fossem pecados,
porque lhe parecia que se ririam dela e que eram coisas de mulherzinhas.
6.
Haverá uns treze anos, pouco mais ou menos, que foi ali o Bispo de Salamanca,
que era, creio, Inquisidor em Toledo, e o fora aqui; ela procurou falar-lhe
para assegurar-se mais e deu-lhe conta de tudo.15 Ele lhe
disse que tudo isso não era coisa que tocasse ao seu ofício, porque tudo o que
via e ouvia sempre a firmava mais na fé católica, em que ela sempre esteve e
está firme, e com grandíssimos desejos da honra de Deus e do bem das almas,
pois por uma se deixaria matar muitas vezes.
Vendo-a
tão fatigada, disse-lhe que escrevesse ao Mestre Ávila, que era vivo, uma longa
relação de tudo, visto que ele era homem que muito entendia de oração, e que,
com aquilo que ele dissesse a ela, sossegasse. Ela assim o fez; e o Mestre lhe
escreveu e a tranqüilizou muito.16 Foi de
tal maneira essa relação que todos os letrados que a viram — que eram seus
confessores — diziam ser de grande proveito para advertir sobre coisas
espirituais; e mandaram-lhe que o trasladasse e fizesse outro livrinho para
suas filhas, já que era prioresa, no qual lhes desse alguns avisos.
7. Apesar de tudo isso, de quando em quando não lhe faltavam temores, parecendo-lhe
que as pessoas espirituais também podiam estar enganadas como
ela, desejando tratar disso com grandes letrados, embora eles não fossem muito dados
à oração, porque o seu desejo era apenas saber se se conformavam às Sagradas
Escrituras todas as coisas que tinha. E algumas vezes se consolava, por
parecer--lhe que, embora por seus pecados merecesse ser enganada, Deus não
permitiria que se enganassem tantas pessoas boas como as que desejavam dar-lhe
luz.
8.
Com essa intenção, começou a tratar dessas coisas com padres de São Domingos,
pois antes de as ter muitas vezes se confessava com eles. Aqueles com quem ela
tratou são: frei Vicente Barrón, que a confessou um ano e meio em Toledo,
quando ela foi fundar ali, sendo ele consultor da Inquisição e grande letrado;
este muito a tranqüilizou. E todos lhe diziam que, se não ofendia a Deus e se
se reconhecia ruim, não tinha por que temer. O Mestre frei Domingo Bañes17 — que é agora consultor do Santo Ofício em
Valladolid — confessou-a por seis anos, e ela sempre trata com ele por carta
quando algo de novo se oferece. O Mestre Chaves. O frei Pedro Ibañez, que era
então leitor em Ávila e grandíssimo letrado, e outro dominicano chamado frei
García de Toledo. O Padre Mestre frei Bartolomé de Medina, catedrático de
Salamanca, que ela sabia estar muito mal com ela por ter ele ouvido falar
dessas coisas; pareceu-lhe que este lhe diria de pronto se estava enganada,
melhor do que ninguém (isso ocorreu há pouco mais de dois anos), e ela procurou
confessar-se com ele, dando-lhe longas contas de tudo quando ali esteve,
procurando que ele visse o que escrevera para que entendesse melhor a sua vida.
Ele a tranqüilizou muito, e mais do que todos, e ficou muito amigo seu.
Também se confessou algum
tempo com o Padre Mestre Frei Filipe de18 Meneses,
quando esteve em Valladolid para fundar, sendo ele o Prior ou Reitor do Colégio
de São Gregório, e, tendo ouvido essas coisas, fora falar com ela em Ávila com
muita caridade, querendo saber se estava enganada e se havia razão para que
murmurassem tanto a seu respeito; e ele se deu por muito satisfeito. Ela também
tratou pessoalmente com um Provincial de São Domingos de nome Salinas, homem
muito espiritual e grande servo de Deus, bem como com outro que agora é leitor
em Segóvia, chamado frei Diego de Yanguas, homem de aguda percepção.
9.
E alguns outros, pois em tantos anos e com temor houve lugar para isso, em
especial porque, como ia a tantas partes fundar, fizeram-na passar por muitas
provas, já que todos desejavam ter sucesso em lhe dar luz, razão por que com
isso lhe deram segurança e se asseguraram a si mesmos.
10.
Ela sempre esteve sujeita, e o está, a tudo o que diz a santa fé católica, e
toda a sua oração e a das casas que fundou pedem que esta cresça. Ela dizia
que, quando alguma coisa dessas a induzisse a ir contra o que é fé católica e a
lei de Deus, não haveria necessidade de procurar provas, pois logo se veria ser
o demônio.
11.
Jamais fez qualquer coisa com base no que ouvia na oração. Em vez disso, se
seus confessores lhe diziam que fizesse o contrário, logo o fazia, e sempre
lhes contava tudo. Nunca acreditou tão profundamente que o jurasse que era Deus
— conquanto lhe dissessem que sim —, ainda que, pelos efeitos e pelas grandes
graças que isso lhe deixou em algumas coisas, lhe parecesse bom espírito; mas
sempre desejava virtudes, e para isso dirigiu suas monjas, dizendo que a mais
humilde e mortificada seria a mais espiritual.
12.
Isto que escreveu19 deu ao
Padre Mestre Frei Domingo Bañes, que está em Valladolid, que é com quem mais
tem tratado e trata. Ela pensa que ele o apresentou ao Santo Ofício em Madrid.20 De todo ele se sujeita à correção da fé
católica e da Igreja. Nenhum a inculpou, porque estas são coisas que não estão
nas mãos de ninguém, e Nosso Senhor não pede o impossível.
13.
Como deu conta disso a tantos, devido ao grande temor que sentia, essas coisas
se divulgaram muito, o que foi para ela um enorme tormento e cruz; diz ela que
não por humildade, mas porque sempre a desgostavam as coisas que se diziam das
mulheres. Extremava-se para não se sujeitar a quem ela julgava acreditar que
tudo vinha de Deus, porque temia que o demônio enganasse a ambos. Tratava de
sua alma com mais disposição com quem via temeroso, se bem que também sofresse
com aqueles que depreciavam de todo essas coisas — era para prová-la —,21 porque a seu ver algumas delas vinham de Deus,
e não queria que, por não verem a causa, as condenassem decididamente, como
tampouco queria que acreditassem vir tudo de Deus, visto entender muito bem que
podia haver engano; por isso, jamais lhe pareceu poder assegurar-se de todo
naquilo em que podia haver perigo. Ela procurava o mais que podia em nada
ofender a Deus e sempre obedecer; e com essas duas coisas pensava estar livre,
mesmo que fosse o demônio.
14.
Desde que passou a ter coisas sobrenaturais, o seu espírito sempre se inclinou
a buscar o mais perfeito, e quase sempre tinha grandes desejos de padecer; e
nas perseguições — pois muitas teve — se achava consolada e com amor especial
por quem a perseguia. Grande desejo de pobreza e de solidão,
bem como de sair deste desterro para ver a Deus. Por esses efeitos e outros semelhantes,
ela começou a sossegar, julgando que o espírito que a deixava com essas
virtudes não poderia ser mau, e assim o diziam as pessoas com quem tratava, se
bem que não para deixar de temer, mas para não ficar tão aflita. Jamais o seu
espírito a persuadia a ocultar alguma coisa, mas sim a obedecer sempre.
15.
Nunca viu qualquer coisa com os olhos do22 corpo,
como foi dito, se bem que algumas vezes pensava, a princípio, que se lhe haviam
afigurado coisas, enquanto em outras não o podia pensar; o que viu vinha com
uma grande delicadeza e era uma coisa muito intelectual. Tampouco ouviu algum
dia com os ouvidos corporais, exceto duas vezes, e, nestas, nada entendeu do
que lhe diziam, nem soube o que era.
16.
Essas coisas não eram contínuas, mas, em alguma necessidade, ocorriam
algumas vezes, como sucedeu numa ocasião em que passara alguns dias com alguns
insuportáveis tormentos interiores e um desassossego interior advindos do temor
de estar sendo enganada pelo demônio, como é explicado mais amplamente naquela
Relação,23 onde também estão seus pecados,
que assim se tornaram públicos, como essas outras coisas, porque o medo
que tinha a fez esquecer seu crédito. E estando assim aflita de maneira
indescritível, bastou-lhe ouvir em seu interior as palavras
“Sou Eu, não tenhas medo” para a alma ficar tão calma, tão animada e
confiante que ela não podia entender de onde lhe viera tão grande bem.
Porque
o confessor não fora suficiente, nem o foram muitos letrados, com muitas
palavras, para infundir-lhe aquela paz e quietude que com uma só frase nela se
manifestaram. E assim aconteceu outras vezes de, com alguma visão, ficar
fortalecida; porque, não fosse por isso, ela não poderia ter passado por tão
grandes sofrimentos, contrariedades e enfermidades — que foram sem conta —, nem
passar como passa, pois jamais vive sem alguma espécie de padecimento. Há mais
e menos, mas de ordinário são sempre dores com outras muitas enfermidades, se
bem que, depois de fazer-se monja, ela tem sido incomodada ainda mais.
17.
Se em alguma coisa serve ao Senhor e as graças que Ele lhe faz lhe passam
rapidamente pela memória, embora destas muitas vezes se lembre, ela não pode
deter-se aí muito, como se detém nos pecados, que sempre a estão atormentando
com um lodo malcheiroso. O ter tido tantos pecados e ter servido a Deus tão
pouco devem ser a causa de não ter a tentação da vanglória.
18.
Jamais, com coisas do seu espírito, teve persuasão ou coisas que não fossem
todas limpas e castas, destacando-se um grande temor de ofender a Deus Nosso
Senhor e de não fazer em tudo a Sua vontade. Isso ela Lhe suplica sempre, e a
seu ver está tão determinada a não afastar-se daí que aqueles que a dirigem —
confessores e prelados — não diriam nada que ela pensasse servir mais a Deus
que ela deixasse de pôr em prática, confiando que o Senhor ajuda os que se
determinam a Seu serviço e glória.
19. Ela não se lembra mais
de si, nem do seu proveito — em comparação com isso; é como se ela não
existisse, tanto pelo que pode entender de si como pelo que entendem seus
confessores. Tudo o que está neste papel é muito verdadeiro, como pode
comprovar com eles Vossa Mercê, se o desejar, bem como com todas as pessoas que
disso têm tratado há vinte anos. É muito comum que o seu espírito a mova a
entoar louvores a Deus, e a desejar que todo o mundo se ocupasse disso, mesmo
que a ela custasse muito. Daqui vem o desejo do bem das almas, e é por isso
que, vendo quão sujas são as coisas exteriores deste mundo e quão preciosas as
interiores — que não têm comparação —, veio a ter em pouco as coisas dele.
20.
O modo de visão sobre o qual Vossa Mercê me perguntou é assim: não se vê nada
interior nem exteriormente, por não ser visão imaginária; mas, sem que se veja
nada, a alma entende o que é e de que lado lhe é apresentado com muito mais
clareza do que se o visse. Mas o que lhe é apresentado não é uma coisa
particular; é como se uma pessoa sentisse que outra está a seu lado mas, como o
ambiente está às escuras, não a visse, embora tenha certeza de que está ali.
Essa
comparação não é suficiente, porque o que está às escuras pode, de algum modo,
ou ouvindo ruídos ou tendo visto antes a pessoa, perceber que ela está ali,
podendo ainda já a conhecer antes. Na visão de que falo, não há nada
disso, mas a alma, sem palavras exteriores ou interiores, percebe clarissimamente
quem é e de que lado está, e, às vezes, o que quer dizer. Por que ou como o
entende ela não sabe, mas tudo se passa assim e, enquanto dura, ela não pode
ignorar.
Quando a visão se retira,
por mais que a alma a queira imaginar como antes, não o consegue, porque, neste
último caso, percebe que é imaginação, e não presença, visto que esta não está
em suas mãos, sendo assim todas as coisas sobrenaturais. E disso decorre não se
considerar nada a alma a quem Deus concede esse favor, porque ela vê que este é
coisa dada e que ela nada pode tirar nem pôr ali; isto a faz ficar com muito
mais humildade e amor, disposta a servir sempre a esse Senhor tão poderoso, que
pode fazer o que aqui sequer podemos entender. Porque, por mais letras que se
tenha, há coisas que não se alcançam.
Bendito seja Aquele que as
dá, por todo o sempre.
Palencia, 1581. Seu
espírito e maneira de proceder.
. 6 – pg. 805
631
1. Oh, quem pudesse dar
bem a entender a Vossa Senhoria a quietude e sossego em que se acha a minha
alma! Porque ela já tem tanta certeza de que há de gozar de Deus que lhe parece
já gozar da posse que lhe foi dada, apesar de ainda não ter o gozo. É como se
alguém tivesse dado a outro uma grande renda, por escrituras muito firmes, para
que ele disso gozasse daqui a certo tempo e colhesse os frutos; mas, até que
isso aconteça, a pessoa só goza da posse, que já lhe deram, que é garantia de
que aproveitará essa renda. E, com o agradecimento que lhe fica, sequer a
quereria aproveitar, porque lhe parece que não a mereceu, mas sim servir, mesmo
que seja padecendo muito; e até, por vezes, parece-lhe que sofrer daqui até o
fim do mundo seria pouco para servir a quem lhe deu essa posse.
Porque, na verdade, ela em
parte já não está sujeita às misérias do mundo como costumava; embora sofra
mais, não lhe parece que lhe toquem senão a roupa: a alma está como que num
castelo, com senhorio, e assim não perde a paz, se bem que essa segurança não
lhe tire um grande temor de ofender a Deus e de não deixar tudo aquilo que a
impeça de servi-Lo. Com efeito, ela até tem mais cuidado; contudo, anda tão
esquecida do seu próprio proveito que lhe parece ter perdido parcialmente o
ser, tão esquecida anda de si. Em tudo tem em vista a honra de Deus e o cumprir
melhor a Sua vontade e o ser Ele glorificado.
2. Conquanto isso seja
assim, no tocante à sua saúde e ao seu corpo, parece-me estar ela mais
cuidadosa, com menos mortificação no comer e, na penitência, seus desejos não
são os mesmos de antes. Ao que parece, porém, tudo está voltado para poder
melhor servir a Deus em outras coisas, oferecendo-Lhe muitas vezes, como um
grande sacrifício, o cuidado do corpo, pois isso a cansa muito. Algumas vezes,
se põe à prova em algo, embora lhe pareça não poder fazê-lo sem prejudicar a
sua saúde, só o fazendo ao lembrar-se das ordens dos prelados. Nisso e no
desejo de ter saúde também deve se intrometer um grande amor-próprio. A meu
ver, contudo, entendo que me daria muito mais gosto, e me dava, poder fazer
muita penitência; porque ao menos me parecia fazer alguma coisa, dando bom
exemplo, sem viver com esse tormento que é o não servir a Deus em nada. Vossa
Senhoria veja o que será melhor fazer quanto a isso.
3.
As visões imaginárias cessaram, mas parece que sempre estou com a visão
intelectual das três Pessoas e da Humanidade, o que é, a meu ver, coisa muito
mais elevada. E agora entendo, pelo que posso julgar, que eram de Deus as que
tive, porque dispunham a alma ao estado em que ora se encontra. Mas, sendo tão
miserável e tão fraca, Deus a ia levando como via ser necessário; a meu
parecer, as visões são muito apreciáveis quando vêm de Deus.
4.
As falas interiores não cessaram. Quando é preciso, dá-me Nosso Senhor alguns
avisos, e ainda agora, em Palência, se teria feito um disparate, se bem que não
de pecado, não fosse por isso.32
5.
Os atos e desejos não parecem ter a força que costumavam, porque, embora sejam
grandes, é tão mais potente o desejo de que se faça a vontade de Deus e tudo
quanto seja para a Sua maior glória que, como a alma tem bem entendido que Sua
Majestade sabe o que para isso convém e está tão afastada do interesse próprio,
esses desejos e atos logo se acabam e, a meu ver, não têm força. Daqui vem o
medo que me atinge algumas vezes, se bem que não com a inquietude e o
sofrimento de antes, de que a alma esteja abobada e eu sem fazer nada, porque
penitência não me permitem.
Atos
de padecer, de martírio e de ver a Deus não têm força, e o mais comum é que eu
não possa praticá-los. Parece que vivo apenas para comer e dormir e não ter
pena de nada, pois mesmo esta não me é dada senão algumas vezes, a ponto de,
como digo, eu temer que seja engano, embora não o possa crer, porque, ao menos
de acordo com a minha opinião, não reina em mim, com força, apego a nenhuma
criatura, nem a toda a glória do céu, mas somente a amar a este Deus. Isto não
sofre redução, mas, a meu ver, antes cresce, o mesmo ocorrendo com o desejo de
que todos O sirvam.
6.
Mas, com isso, uma coisa me espanta: os sentimentos tão excessivos e interiores
que costumavam me atormentar ao ver as almas se perderem e ao pensar se ofendia
a Deus já não posso sentir agora, se bem que, a meu ver, não seja menor o
desejo de que Ele não seja ofendido.
7.
Deve Vossa Senhoria perceber que em tudo isso, quer no que agora tenho, quer no
passado, não tenho podido mais nem está em minhas mãos; servir mais eu poderia,
se não fosse ruim. Mas digo que, se agora procurasse, com grande cuidado,
desejar morrer, eu não o poderia, o mesmo ocorrendo com praticar os atos como
deveria, sentir o sofrimento pelas ofensas a Deus, bem como os tão grandes
temores que trouxe em mim por tantos anos por me parecer que andava enganada.
Desse
modo, já não preciso procurar letrados nem dizer nada a ninguém: basta que eu
me assegure de ir bem e de poder fazer alguma coisa. E tenho falado disso com
alguns deles, com quem tratei das outras: o frei Domingo, o Mestre Medina e
alguns da Companhia. Com o que Vossa Senhoria me disser agora, acabarei de me
assegurar, pelo grande crédito em que o tenho. Cuide muito disso, por amor de
Deus.
Tampouco
me vi privada de entender que algumas almas que me tocam de perto estão no céu
e outras, não.33
8.
A solidão me faz pensar que não se pode dar aquele sentido a “o que se amamenta
nos seios de minha mãe”.34 A ida
para o Egito…
9.
A paz interior e a pouca força que têm os contentamentos e descontentamentos
para tirá-la [a presença] de uma maneira duradoura…
Essa
presença, tão fora de dúvidas, das três Pessoas, em que claramente se
experimenta o que diz São João — “que faria a sua morada na alma” —,35 e não só por graça, mas porque quer dar a
sentir essa presença, que traz tantos bens indescritíveis, é de tal maneira que
não é necessário ficar fazendo considerações para perceber que Deus está ali.
E
isso ocorre quase sempre, a não ser quando muita enfermidade traz
acabrunhamento, pois algumas vezes parece que Deus deseja que se padeça sem
consolo interior; mas nunca, nem num primeiro movimento, a alma distorce a
vontade de que nela se faça a de Deus.
Tem
tanta força essa entrega à vontade de Deus que a alma não quer nem a morte nem
a vida, a não ser por pouco tempo, quando deseja ver a Deus; mas logo lhe é
representado que estão presentes essas três Pessoas com tanta força que, com
isso, se aplaca o sofrimento dessa ausência, e fica o desejo de viver, se Ele
quiser, para mais servi-Lo e de, se pudesse, contribuir para que uma única alma
O amasse mais e O louvasse por sua intercessão. Porque, mesmo que por pouco
tempo, isso lhe parece ser mais importante do que estar na glória.
Teresa de Jesus
II. Conceitos de amor de Deus ou
Meditações sobre o Cantar dos Cantares.
Capítulo 1 – pg. 849
Trata da veneração com
que devem ser lidas as
Sagradas Escrituras e da dificuldade que as mulheres têm para compreendê-las,
principalmente no que se
refere ao “Cântico dos Cânticos”.
Beije-me o Senhor com
o beijo da sua boca, porque mais valem os teus peitos do que o vinho etc… (Ct 1,1).
1.
Tenho notado muito que parece que a alma está, pelo que aqui se dá a entender,
falando com uma pessoa e pedindo a paz de outra; porque diz: Beije-me com
o beijo da sua boca. E logo parece que está falando àquela com
quem está: mais valem os teus peitos.
Isto
eu não entendo como é, e o não entendê-lo me dá grande prazer; porque
verdadeiramente, filhas, a alma não há de olhar tanto, nem a fazem olhar tanto,
nem lhe fazem ter tanto respeito pelo seu Deus as coisas que aqui parece
podermos alcançar com nosso intelecto tão inferior quanto aquelas que de
nenhuma maneira se podem entender. E assim vos recomendo muito que, quando
lerdes algum livro, ouvirdes sermão ou pensardes nos mistérios de nossa sagrada
fé, não vos canseis nem gasteis o pensamento em tentar decifrar o que não
puderdes entender com facilidade; muitas dessas coisas não são para mulheres, e
nem mesmo para homens.
2.
Quando o Senhor quer dá-lo a entender, Sua Majestade o faz sem trabalho nosso.
A mulheres digo isso, e aos homens que não têm de sustentar com suas letras a
verdade; porque aos que o Senhor tem para no-la declarar, já se entende que hão
de trabalhar nisso e o que nesse trabalho ganham. Quanto a nós, tomemos com
simplicidade o que o Senhor nos der; e com aquilo que Ele não nos der não nos
cansemos, mas alegremo-nos por considerar que Deus e Senhor tão grande temos,
Deus de Quem uma só palavra traz em si mil mistérios, o que faz que não
entendamos o seu princípio. Se estivesse em latim, em hebraico ou em grego, não
era de espantar; mas, em nosso vernáculo, quantas coisas há nos salmos do
glorioso rei David que, ditas apenas neste vernáculo, se mostram tão obscuras
para nós como se estivessem em latim!
Desse
modo, guardai-vos sempre de gastar o pensamento com essas coisas, bem como de
cansar-vos com elas, porque mulheres não necessitam de mais do que aquilo que
lhes permite o seu entendimento. Com isso Deus vos fará favores. Quando Sua
Majestade nos quiser dar a entender essas coisas, nós as saberemos sem cuidado
nem trabalho. Quanto ao mais, humilhemo-nos e, como eu disse, alegremo-nos por
ter tal Senhor, cujas palavras, mesmo ditas em nossa língua, não podem ser
entendidas.
3. Parecer-vos-á que há
nestes Cânticos1 algumas
coisas que se poderiam dizer com outro estilo. É tanta a nossa torpeza que eu
não me espantaria; e até ouvi algumas pessoas dizerem que antes fugiam de
escutá-las. Oh, valha--me Deus, que grande miséria a nossa! Que assim como as
coisas peçonhentas transformam em veneno tudo quanto comem, assim também
acontece conosco, que, de graças tão grandes quanto a que nos faz aqui o Senhor
ao permitir que entendamos o que possui a alma que O ama e animá-la para que
possa falar e regozijar-se com Sua Majestade, temos de ter medo e dar sentido
de acordo com o pouco sentido do amor de Deus que temos.
4. Ó Senhor meu, como nos
aproveitamos mal de todos os bens que nos dais! Vossa Majestade buscando modos,
maneiras e artifícios para mostrar o amor que nos tendes; nós, pouco
experientes em amar-Vos, temos-Vos em tão pouco que, de tão mal exercitados
nisso, permitimos que os pensamentos vão para onde estão sempre e deixam de pensar
nos grandes mistérios que esta linguagem, dita pelo Espírito Santo, encerra em
si. Que mais seria necessário para nos acender em Seu amor e pensar que boa
razão tivestes para empregar esse estilo?
5.
Eu por certo me lembro de ter ouvido um religioso fazendo um sermão muito
admirável que se dedicou em especial a falar dos regalos com que a Esposa
tratava com Deus. E houve tantos risos e o que ele disse foi tomado tão mal,
porque falava de amor (embora fosse sermão do Mandato,2 que não é para tratar de outra coisa), que eu
fiquei espantada. E vejo com clareza ser o que tenho dito: praticamos tão mal o
amar a Deus que não nos parece possível que uma alma trate dessa maneira com
Ele.
Contudo, conheço algumas
pessoas que, assim como outras não entendiam bem — porque, é verdade, não o
entendiam, nem creio que pensassem senão que eram coisas vindas da cabeça do
pregador —, tiraram disso tão grande bem, tanto prazer, tão grande libertação
de temores que tiveram de dar louvores particulares a Nosso Senhor muitas vezes,
esse Senhor que deixou um remédio saudável para que as almas que O amam com
amor ardente entendam e vejam que é possível Deus se rebaixar a tanto. A estas
últimas não bastava sua experiência para deixar de temer quando o Senhor lhes
concedia grandes favores. Elas vêem aqui demonstrada a sua segurança.
6. E sei de uma que ficou
muitos anos com muitos temores, não havendo coisa que lhe desse segurança até
que o Senhor fosse servido de que ela ouvisse algumas coisas dos Cânticos, e
nelas entendesse que a sua alma estava no caminho certo.3 Porque, como eu disse, ela percebeu ser
possível à alma enamorada passar por seu Esposo todos esses regalos,
desmaios, mortes, aflições, deleitos e gozos com Ele depois de ter deixado
todos os do mundo por Seu amor, estando inteiramente posta e deixada em Suas
mãos. Isso não da boca para fora, como acontece com alguns, mas com toda a
verdade, confirmada por obras.
Ó
filhas minhas, Deus é muito bom pagador, e tendes um Senhor e um Esposo que não
deixa de entender e ver o que quer que se passe! E assim, mesmo em coisas muito
pequenas, não deixeis de fazer por Seu amor o que puderdes. Sua Majestade vos
pagará, não olhando senão o amor com que as fizerdes.
7.
Concluo, pois, com isto: jamais, em coisas que não entendais da Sagrada
Escritura ou dos mistérios da nossa fé, vos detenhais mais do que eu disse, nem
vos espanteis com as palavras enfáticas que nela ouvirdes em descrições do que
Deus passa com a alma. Espanta-me muito mais, e me desatina, o amor que Ele
teve e tem por nós, sendo quem somos.
Porque,
tendo Ele esse amor por nós, entendo que não haja exagero de palavras com que
no-lo mostre que já não nos haja mostrado mais com obras. Assim, ao chegardes
aqui, eu vos rogo, por amor de mim, que vos detenhais um pouco pensando no que
Ele nos mostrou e fez por nós e vendo com clareza com que amor tão poderoso e
forte Ele o fez, a ponto de tanto padecer. Logo, com que palavras poderá Ele
mostrar isso a ponto de nos espantar?
8. Voltando ao que comecei
a dizer,4 grandes coisas e mistérios deve
haver nessas palavras, pois dizem coisas de tanto valor que, disseram-me os
letrados (rogando-lhes eu que me declarassem o que o Espírito Santo quer dizer
e o verdadeiro sentido dessas palavras), os doutores têm escrito muitas
exposições e ainda não conseguiram atribuí-lo.5 Parece
demasiada soberba a minha, sendo isso assim, querer dizer-vos algo; e não é
minha intenção, por menos humilde que eu seja, pensar que encontrarei a
verdade.
O que pretendo é que,
assim como eu me regalo com o que o Senhor me dá a entender quando ouço algumas
dessas palavras, o dizer-vos talvez vos console como a mim. E se o que eu
disser não for a propósito daquilo que Ele quer dizer, tomo-o eu a meu
propósito; porque, sem fugir ao que dizem a Igreja e os santos (e, para isso,
primeiro o examinarão bons letrados que disso entendem antes que o vejais),
licença nos dá o Senhor, segundo penso, assim como no-la dá para que, pensando
na sagrada Paixão, pensemos em muito mais coisas de fadigas e tormentos que ali
deve ter padecido o Senhor do que as que os evangelistas escrevem.
E
não agindo por curiosidade, como eu disse no início, mas tomando o que Sua
Majestade nos der a entender, tenho por certo que não Lhe pesa que nos
consolemos e deleitemos em Suas palavras e obras, assim como um rei folgaria
que um pastorzinho que amasse, que estivesse em suas graças, ficasse embevecido
ao olhar para um brocado, pensando no que era aquilo e em como fora feito.
Assim, nós, mulheres, também não haveremos de ficar tão longe de gozar das
riquezas do Senhor; fiquemos fora, sim, de entrar em disputas a seu respeito e
de ensiná-las com a impressão de acertar, sem consultar letrados.
Assim,
eu não penso acertar naquilo que escrevo (bem o sabe o Senhor), mas sim, como
esse pastorzinho de que falei, consola-me, como a filhas minhas, dizer-vos
minhas meditações, que apresentarão bastantes tolices; e desse modo começo com
o favor deste divino Rei meu e com licença do meu confessor. Queira o Senhor
que, assim como quis que eu acertasse em outras coisas que vos disse6 (ou Sua Majestade por mim, talvez por ser isto
destinado a vós), eu acerte nestas; e, caso contrário, dou por bem empregado o
tempo que ocupar em escrever e tratar com meu pensamento de uma matéria tão
divina que eu nem mesmo merecia ouvir.
9. Parece-me, nisso que falei no princípio, que fala
uma terceira pessoa, mas que é a mesma: que dá a entender que há em Cristo duas
naturezas, uma divina e outra humana. Nisso não me detenho, porque a minha
intenção é falar daquilo que me parece possível ser aproveitado por nós, que
tratamos de oração, embora tudo sirva para animar e fazer admirar uma alma que
ama o Senhor com ardente desejo. Bem sabe Sua Majestade que, embora algumas
vezes eu tenha ouvido a explicação de algumas palavras destas e, pedindo eu, me
tenham explicado, se bem que poucas vezes, de pouco me lembro, porque tenho uma
memória muito ruim; assim, só poderei dizer aquilo que o Senhor me ensinar e
for a meu propósito, e deste princípio nunca ouvi algo de que me lembre.
Beije-me
com o beijo da sua boca.
10.
Ó Senhor e Deus meu, que palavras são estas para que as diga um verme ao seu
Criador! Bendito sejais Vós, Senhor, que de tantas maneiras nos tendes
ensinado! Mas quem ousaria, Rei meu, dizer essas palavras se não fosse por
Vossa permissão? É coisa que me espanta e assim espantará dizer eu que a diga
alguém. Dirão que sou uma néscia, que não quer dizer isto, que tem muitos
significados, que está claro que não haveríamos de dizer essas palavras a Deus,
que por isso é bom que as pessoas simples não leiam essas coisas. Reconheço que
elas têm muitos sentidos;7 mas a
alma que está abrasada de um amor que a desatina não quer saber de nenhum
deles, mas apenas de dizer essas palavras. Sim, porque o Senhor não o impede.
Valha-me
Deus! O que nos espanta? Não é de admirar mais a obra? Não nos aproximamos do
Santíssimo Sacramento? E eu pensava se a Esposa pedia essa graça que Cristo
depois nos concedeu. Também pensei se pedia aquela união tão grande, como foi
Deus fazer-se homem, aquela amizade que Ele fez com o gênero humano. Porque
claro está que o beijo é sinal de paz e de grande amizade entre duas pessoas.
Quantas maneiras de paz existem! O Senhor nos ajude a que o entendamos.
11.
Antes de prosseguir, quero dizer uma coisa que a meu ver é digna de nota,
embora fosse melhor dizê-lo em outro momento; mas faço-o para que não
esqueçamos. Tenho por certo que haverá muitas pessoas que se aproximam do
Santíssimo Sacramento (e queira o Senhor que eu me engane) com graves pecados
mortais e que, se ouvissem uma alma morta por amor a seu Deus dizer essas
palavras, se espantariam e o considerariam grande atrevimento. Eu ao menos
estou certa de que estas não as dirão, porque essas palavras e outras
semelhantes dos Cânticos são proferidas pelo amor; e, como elas não o
têm, bem podem ler os Cânticos todos os dias e não se exercitar nessas
palavras, sequer se atrevendo a pronunciá-las.
Porque,
em verdade, o simples fato de ouvi-las produz temor, porque essas palavras
trazem consigo uma imensa majestade. Grandíssima trazeis Vós, Senhor meu, no
Santíssimo Sacramento; mas, como não têm fé viva, e sim morta, tais pessoas Vos
vêem muito humilde sob as Espécies de pão. E não lhes dizeis nada, porque elas
não merecem ouvir, e o fato de se aproximarem do Santíssimo Sacramento é um
enorme atrevimento.
12. Assim é que essas palavras suscitariam
verdadeiramente temor se quem as diz estivesse em si, mesmo tomadas ao pé da
letra. Mas a quem Vosso amor tirou de si, Senhor, bem perdoareis que diga isso
e mais, embora seja atrevimento. E, Senhor meu, se significam paz e amizade,
por que não Vos pediriam as almas que as tenhais com elas? Que melhor coisa
podemos pedir que o que Vos peço, Senhor meu: que me deis essa paz com o
beijo de Vossa boca? Essa, filhas, é elevadíssima petição, como depois vos
direi.8
III. Exclamações
. Exclamação 4 – pg. 890
IV
1.
Parece, Senhor meu, que a minha alma descansa pensando no gozo que terá, se por
vossa misericórdia lhe for concedido gozar de Vós. Mas ela queria primeiro
servir-Vos, porque haverá de ganhar daquilo que Vós, servindo a ela, a fizestes
ter. Que farei, Senhor meu? Que farei, meu Deus? Ah! Quão tarde se incendiaram
meus desejos e quão cedo andáveis, Senhor, granjeando-me e chamando para que eu
me dedicasse por inteiro a Vós!1 Porventura,
Senhor, desamparais o miserável ou te afastas do pobre mendigo quando estes
desejaram aproximar-se de Vós? E porventura, Senhor, têm fim vossas grandezas
ou vossas magníficas obras?
Ó
Deus meu e misericórdia minha! E como as podereis agora mostrar em vossa serva!
Poderoso sois, grande Deus. Agora se pode entender se minha alma compreende a
si mesma vendo o tempo que perdeu e como num instante podeis, Senhor, fazer que
volte a ganhar. Parece-me que desatino, pois é costume dizer que tempo perdido
não se torna a recuperar. Bendito seja o meu Deus!
2.
Ó Senhor! Reconheço vosso grande poder. Se sois poderoso, como o sois, o que há
de impossível para Quem tudo pode? Querei, Senhor meu, querei! Porque, embora
miserável, creio firmemente que podeis o que quereis, e quanto maiores as
maravilhas vossas de que ouço falar, e considero que podeis fazer mais, tanto
maior se torna a minha fé, e com maior determinação creio que fareis o que Vos
peço. E de que se admirar do que faz o Todo-poderoso? Bem sabeis, Deus meu,
que, em meio a todas as minhas misérias, nunca deixei de reconhecer vosso
grande poder e misericórdia. Que isto em que não Vos ofendi me valha.
Recuperai, Deus meu, o
tempo perdido dando-me graças no presente e no futuro, para que eu me apresente
diante de Vós com vestes de bodas, pois se quiserdes podeis.2
. Exclamação 17 – pg. 902
XVII
1.
Ó Deus meu e minha sabedoria infinita, sem medida, sem limites, acima de toda a
compreensão angélica e humana! Ó Amor que me amais mais do que posso amar a mim
mesma, ou compreender! Para que quero, Senhor, desejar mais do que me dais?
Para que me cansar em pedir-Vos coisa ordenada pelo meu desejo se tudo quanto o
meu intelecto pode alcançar e meu desejo desejar já teve os seus fins
entendidos por Vós, enquanto eu não sei como aproveitar isso?
Talvez
naquilo em que a minha alma pensa ganhar esteja a minha perdição. Porque se Vos
peço que me livreis de um sofrimento cujo fim é minha mortificação, o que estou
pedindo, Deus meu? Se Vos suplico que mo deis, talvez não convenha à minha
paciência, que ainda é fraca e não pode suportar tão rude golpe. E se o suporto
com paciência mas não estou forte na humildade, posso pensar que fiz algo,
quando Vós é Quem tudo fazeis, meu Deus. Se desejo padecer mais, não o
desejaria, contudo, em coisas que não pareçam convenientes ao vosso serviço
perder o crédito, visto que, de minha parte, não há sentimento de honra, além
de ser possível que da mesma causa em que penso que se há de perder se ganhe
mais para aquilo que pretendo, que é Vos servir.
2. Muitas coisas mais eu
poderia dizer sobre isso, Senhor, para dar a entender a mim mesmo que não me
entendo. Mas como sei que Vós o entendeis, para que falo? Para ver se, quando a
minha miséria se revelar, Deus meu, e minha razão ficar cega, eu o possa
encontrar escrito aqui com as minhas mãos. Pois muitas vezes me vejo, meu Deus,
tão miserável, fraca e pusilânime que me ponho a procurar aquela vossa serva
que já julgava ter recebido de Vós graças suficientes para enfrentar todas as
tempestades deste mundo. Não, meu Deus, não; não mais confiarei em coisas que
eu possa querer para mim. Querei de mim o que quiserdes, porque isso quero,
pois todo o meu bem está em Vos contentar. E se Vós, Deus meu, contentar-me,
realizando tudo o que pede o meu desejo, vejo que estaria perdida.
3. Que miserável é a
sabedoria dos mortais, e incerta sua providência!1 Provede
pela vossa os meios necessários para que a minha alma Vos sirva mais ao vosso
gosto do que ao seu. Não me castigueis dando-me o que quero e desejo se vosso
amor (que em mim viva sempre) não o desejar. Morra já esse eu, e viva em mim
outro que é mais do que eu e, para mim, melhor do que eu, para que eu O possa
servir. Que Ele viva e me dê vida; reine, sendo eu a cativa, pois minha alma
não quer outra liberdade. Como será livre quem estiver distante do Sumo Bem?
Que maior e mais miserável cativeiro pode haver do que estar a alma solta das
mãos do seu Criador? Ditosos os que, com fortes grilhões e correntes dos
benefícios da misericórdia de Deus, se virem presos e incapacitados a fim de
serem poderosos para se soltarem. Forte como a morte é o amor, e duro como o
inferno.2
Ó, quem se visse já morto
às vossas mãos e arrojado nesse divino inferno de onde já não esperasse poder
sair, ou melhor, já não temesse ver-se expulso! Mas, ai de mim, Senhor!
Enquanto dura esta vida mortal, a vida eterna sempre corre perigo!
4.
Ó vida inimiga do meu bem, quem tivesse permissão para acabar contigo!
Suporto-te, porque Deus te suporta; mantenho-te porque és Dele; não me traias
nem seja ingrata a mim.
Apesar
disso tudo, ai de mim, Senhor, quão longo é o meu desterro!3 Breve é todo o tempo para dá-lo por vossa
eternidade; muito longo é um só dia, e mesmo uma hora, para quem não sabe e
teme Vos ofender. Ó livre arbítrio, tão escravo de tua liberdade se não viveres
ancorado no temor e no amor de quem te criou! Ó quando virá o ditoso dia em que
te hás de ver afogado no mar infinito da Suma Verdade, onde já não serás livre
para pecar nem o quererás ser, porque estarás protegido de toda miséria,
familiarizado com a vida do teu Deus!
5.
Ele é bem-aventurado porque Se conhece, Se ama e goza a Si mesmo, sem ser
possível outra coisa; não tem nem pode ter, nem seria perfeição Divina,
liberdade para esquecer-Se de Si mesmo e deixar de Se amar. Então, alma minha,
entrarás em teu descanso quando te entranhares nesse Sumo Bem e entenderes o
que Ele entende, amares o que ama e gozares do que goza. Quando tiveres perdido
tua mutável natureza, deixarão de haver mudanças; porque a graça de Deus terá
podido tanto que te fez partícipe de Sua divina natureza,4 e com tamanha perfeição que já não poderás nem
quererás poder esquecer-te do Sumo Bem nem deixar de gozá-Lo juntamente com o
Seu amor.
6. Bem-aventurados os que
estão inscritos no livro desta vida.5 Mas tu,
alma minha, se o estás, porque estás triste e me perturbas? Espera em Deus, que
ainda agora confessarei a Ele meus pecados e reconhecerei Suas misericórdias.6 E, de tudo junto, farei um cântico de louvor
com suspiros perpétuos a meu Salvador e Deus. Pode ser que venha algum dia em
que eu Lhe cante a minha glória,7 e que a
minha consciência, na qual já terão cessado todos os suspiros e medos, não seja
compungida. Nesse momento, a minha força estará na esperança e no silêncio.8
Mas quero viver e morrer
aspirando e pretendendo a vida eterna, que possuir todas as criaturas e todos
os seus bens, que haverão de se acabar. Não me desampares, Senhor, porque em Ti
espero; que a minha esperança não seja confundida.9 Que eu Te sirva sempre, e faz de mim o que
quiseres.
IV. Poesias
- Vivo sem viver em mim
01 – pg. 917
I -Aspirações
à Vida Eterna1
1-Vivo sem em mim viver,
E tão alta vida espero,
Que morro de não morrer.
2-Já fora de mim vivi
Desde que morro de amor;
Porque vivo no Senhor,
Que me escolheu para Si.
O coração lhe rendi,
E nele quis escrever
Que morro de não morrer.
3-Esta divina prisão
De amor, em que sempre vivo,
Faz a Deus ser meu cativo,
E livre meu coração;
E causa em mim tal paixão
Deus prisioneiro em mim ver,
Que morro de não morrer.
4-Ai! como é larga esta vida
E duros estes desterros!
Este cárcere, estes ferros
Em que a alma vive metida!…
Só de esperar a saída
Me faz tanto padecer,
Que morro de não morrer.
9-Ai! como a existência é amarga
Sem o gozo do Senhor!
Se é doce o divino amor,
Não o é a espera tão larga:
Tire-me Deus esta carga
Tão pesada de sofrer,
Que morro de não morrer.
10-Só vivo pela confiança
De que um dia hei de morrer;
Morrendo, o eterno viver
Tem, por seguro, a esperança.
Ó morte que a vida alcança,
Não tardes em me atender,
Que morro de não morrer.
11-Olha que o amor é bem forte!
Vida, não sejas molesta;
Vê: para ganhar-te resta
Só perder-te: — feliz sorte!
Venha já tão doce morte;
Venha sem mais se deter,
Que morro de não morrer.
12-Lá no Céu, definitiva,
É que a vida é verdadeira;
Durante esta, passageira,
Não a goza a alma cativa.
Morte, não sejas esquiva;
Mata-me, para eu viver,
Que morro de não morrer.
5-Ó vida, que posso eu dar
A meu Deus, que vive em mim,
A não ser perder-te, a fim
De o poder melhor gozar?
Morrendo o quero alcançar,
E não tenho outro querer;
Que morro de não morrer.
6-Se ausente de meu Deus ando*,
Que vida há de ser a minha
Senão morte, a mais mesquinha,
Que mais me vai torturando?
Tenho pena de mim, quando
Me vejo em tanto sofrer,
Que morro de não morrer.
7-Já de alívio não carece
O peixe em saindo da água,
Pois tem fim toda outra mágoa
Quando a morte se padece.
Pior que morrer parece
Meu lastimoso viver,
Que morro de não morrer.
8-Se me começo a aliviar
Ao ver-te no Sacramento,
13-Vem-me logo o sentimento
De não te poder gozar.
Tudo aumenta o meu penar,
Por tão pouco assim te ver,
Que morro de não morrer.
14-Quando me alegro, Senhor,
Pela esperança de ver-te,
Penso que posso perder-te,
E se dobra a minha dor:
E vivo em tanto pavor,
Sem na espera esmorecer,
Que morro de não morrer.
15-Oh! tira-me desta morte,
E dá-me, Deus meu, a vida;
Não me tenhas impedida
Por este laço tão forte.
Morro por ver-te, de sorte
Que sem ti não sei viver,
E morro de não morrer.
16-Choro a minha morte já;
E lamento a minha vida,
Enquanto presa e detida
Por meus pecados está.
Ó meu Deus, quando será
Que eu possa mesmo dizer
Que morro de não morrer?
- Vossa sou, para Vós nasci
. 02 – pg. 963
II
Nas Mãos de Deus
1-Sou vossa, sois o
meu Fim:
Que mandais fazer de
mim?
2-Soberana Majestade
E Sabedoria Eterna,
Caridade a mim tão terna,
Deus uno, suma Bondade,
Olhai que a minha
ruindade,
Toda amor, vos canta
assim:
Que mandais fazer de
mim?
3-Vossa sou, pois me
criastes,
Vossa, porque me remistes,
Vossa, porque me atraístes
E porque me suportastes;
4-Vossa, porque me
esperastes
E me salvastes, por fim:
Que mandais fazer de
mim?
8-Que mandais, pois, bom Senhor,
Que faça tão vil criado?
Qual o ofício que haveis dado
A este escravo pecador?
Amor doce, doce Amor,
Vede-me aqui, fraca e ruim:
Que mandais fazer de mim?
9-Eis aqui meu coração:
Deponho-o na vossa palma;
Minhas entranhas, minha alma,
Meu corpo, vida e afeição.
Doce Esposo e Redenção,
A vós entregar-me vim:
Que mandais fazer de mim?
10-Morte dai-me, dai-me vida;
Saúde ou moléstia dai-me;
Honra ou desonra mandai-me;
Dai-me paz ou guerra e lida.
Seja eu fraca ou destemida,
A tudo direi que sim:
Que mandais fazer de mim?
Dai-me riqueza ou pobreza,
Exaltação ou labéu;
Dai-me alegria ou tristeza,
Dai-me inferno ou dai-me céu;
Doce vida, sol sem véu,
Pois me rendi toda, enfim:
Que mandais fazer de mim?
5-Se quereis, dai-me oração;
Se não, dai-me soledade;
Abundância e devoção,
Ou míngua e esterilidade.
Soberana Majestade,
A paz só encontro assim:
Que mandais fazer de mim?
6-Dai-me, pois, sabedoria,
Ou, por amor, ignorância;
Anos dai-me de abundância,
Ou de fome e carestia;
Dai-me treva ou claro dia,
Vicissitudes sem fim:
Que mandais fazer de mim?
7-Se me quereis descansando,
Por amor o quero estar;
Se me mandais trabalhar,
Morrer quero trabalhando.
Dizei: onde? como? e quando?
Dizei, doce Amor, por fim:
Que mandais fazer de mim?
11-Dai-me Calvário ou Tabor;
Deserto ou terra abundante;
Seja eu como Jó na dor,
Ou João sobre o peito amante;
Seja vinha luxuriante
Ou, se quereis, vinha ruim:
Que mandais fazer de mim?
12-Ou José encarcerado,
Ou José Senhor do Egito;
Ou David sofrendo, aflito,
Ou David já sublimado;
Ou Jonas ao mar lançado,
Ou Jonas salvo, por fim.
Que mandais fazer de mim?
13-Já calada, já falando,
Traga frutos ou não traga,
Veja eu na Lei minha chaga,
Ou goze Evangelho brando;
Quer fruindo, quer penando,
Sede a minha vida, enfim!
Que mandais fazer de mim?
14-Pois sou vossa, e Vós meu Fim:
Que mandais fazer de mim?
Oh formosura que excedeis!
. 06 – pg. 971
VI
Ante a Formosura de Deus
1-Formosura que excedeis
A todas as formosuras,
Sem ferir, que dor fazeis!
E sem magoar desfazeis
O amor pelas criaturas!
2-Ó Laço que assim juntais
Dois seres tão diferentes,
Por que é que vos desatais
Se, atado, em gozos
trocais
As dores as mais
pungentes?
3-Ao que não tem ser,
juntais
Com quem é Ser por
essência;
Sem acabar, acabais;
Sem ter o que amar, amais;
E nos ergueis da
indigência.
-
Busca te em mim
08 – pg. 979
VIII
Buscando a Deus
Alma, buscar-te-ás em Mim,
E a Mim buscar-me-ás em ti.
De
tal sorte pôde o amor,
Alma,
em mim te retratar,
Que
nenhum sábio pintor
Soubera
com tal primor
Tua
imagem estampar.
Foste
por amor criada,
Bonita
e formosa, e assim
Em
meu coração pintada,
Se
te perderes, amada,
Alma, buscar-te-ás em Mim.
Porque
sei que te acharás
Em
meu peito retratada,
Tão
ao vivo debuxada,
Que,
em te olhando, folgarás
Vendo-te
tão bem pintada.
E
se acaso não souberes
Em
que lugar me escondi,
Não
busques aqui e ali,
Mas,
se me encontrar quiseres,
A Mim, buscar-me-ás em ti.
Sim,
porque és meu aposento,
És
minha casa e morada;
E
assim chamo, no momento
Em
que de teu pensamento
Encontro
a porta cerrada.
Busca-me
em ti, não por fora…
Para
me achares ali,
Chama-me,
que, a qualquer hora,
A
ti virei sem demora,
E a Mim buscar-me-ás em
ti.
V. Cartas
* 1 A dom
Lorenzo de Cepeda, em Quito
Ávila, 23
dezembro 1561
. 02 – pg. 1037
A D. Lorenzo de Cepeda, em Quito
Ávila, 23 de dezembro de 1561. Agradece a D. Lorenzo
uma remessa de várias quantias. Oportunidade com que chegou esse dinheiro, para
ela, e para suas irmãs D. María e D. Juana. Projeto da Reforma do Carmo. Elogio
de Antonio Morán e de D. Juana de
Ahumada.
Jhs
Senhor:
Esteja o Espírito Santo sempre com vossa mercê, amém!
e pague-lhe o cuidado que teve de socorrer a todos com tanta diligência. Espero
na Majestade de Deus que vossa mercê muito há de ganhar do Senhor; porque,
asseguro-lhe, a cada um em particular chegou o seu dinheiro em tão boa hora,
que para mim serviu de grande consolação. E creio que foi vossa mercê movido
por Deus, para enviar-me tanto, porque a uma pobre monja como eu, que já tenho
por honra – glória a Deus! – andar remendada, bastava o dinheiro trazido por
Juan Pedro de Espinosa y Varrona (creio que assim se chama o outro negociante),
para prover às minhas necessidades durante alguns anos1.
Mas, como já
escrevi bem longamente a vossa mercê, por muitas razões e causas, às quais não
me pude furtar por serem inspiração de Deus – de modo que não são para cartas,
– tem parecido a pessoas santas e letradas que estou obrigada a não ser
covarde, e fazer o que puder para realizar esta obra. Só lhe posso dizer que é
fundar um mosteiro, onde há de haver só quinze monjas – sem se poder aumentar o
número –, com grandíssimo encerramento, assim de nunca saírem como de não verem
senão com véu diante do rosto, fundadas em oração e mortificação, conforme a
vossa mercê já escrevi mais largamente e escreverei ainda por Antonio Morán,
quando for.
Estou sendo
ajudada por essa senhora D. Guiomar, que também escreve a vossa mercê. É viúva
de Francisco d’Ávila, de Salobralejo, não sei se vossa mercê dele se recorda.
Há nove anos lhe morreu o marido, que tinha um conto de renda, e, além do que
dele herdou, tem por sua parte um morgado. Embora tenha ficado viúva aos vinte
e cinco anos, não se casou mais e tem-se dado muito a Deus. É bem espiritual.
Há mais de quatro anos há entre nós mais estreita amizade do que se fôssemos
irmãs. Conquanto muito me ajude, porque dá grande parte da sua renda, por ora
está sem dinheiro, e, no tocante a fazer e comprar a casa, faço-o eu, com o
favor de Deus. Recebi o dote de duas noviças, antes de começar, e com isto comprei
a casa, ainda que secretamente; mas para as obras indispensáveis não tinha de
que lançar mão. Ainda assim, confiando só em Deus – pois se quer que o faça, a
tudo proverá, – contratei os oficiais. Parecia desatino. Vem Sua Majestade e
move a vossa mercê para que forneça os meios. Sabe o que mais me espantou? É
que me faziam grandíssima falta os quarenta pesos acrescentados por vossa
mercê; e quem fez que não faltassem, creio, foi S. José, pois assim se há de
chamar a casa. E, sei que o pagará a vossa mercê. Enfim, ainda que pobre e
pequena, tem lindas vistas e terreno, e com essa quantia de vossa mercê se
concluirá.
Foram buscar as
Bulas em Roma, porque, embora seja da minha mesma Ordem, prestamos obediência
ao Bispo. Espero no Senhor que será para muita glória sua, se nos permitir
realizá-lo; e penso que sem falta assim fará, porque vão almas que bastam para
dar grandíssimo exemplo: muito escolhidas, e dadas à humildade, penitência e
oração. Vossas Senhorias o encomendem a Deus. Quando Antonio Morán partir, com
o favor divino já estará acabado.
Esteve aqui, e muito me consolei com ele, por me
parecer homem de bem, verdadeiro entendido, e saber dar tão particulares
notícias de Vossas Senhorias. Certamente uma das grandes mercês que o Senhor me
tem feito a mim é ter-lhes dado a entender o que é o mundo, para que deste modo
tenham querido viver sossegados. Vejo que estão no caminho do céu, e é o que
mais desejava saber, pois até agora sempre estava em sobressalto. Glória seja
Àquele que tudo isso faz. Praza ao mesmo Senhor vá progredindo sempre vossa
mercê no seu serviço; e, pois não há medida no galardão, não há de haver
paradas, senão procurar servi-lo, e ir cada dia, sequer um pouquinho mais
adiante, e com fervor. Pareça-nos sempre, como de fato é, que estamos em guerra
e que, até ganhar vitória, não há de haver descuido.
Os que me têm trazido dinheiro, da parte de vossa
mercê, têm sido homens dignos, de caráter, mas Antonio Morán assinalou-se, não
só em trazer bem vendido o ouro e sem cobrar nada, segundo verá vossa mercê,
como em ter vindo, com bem pouca saúde, de Madrid a Ávila para mo entregar.
Hoje está melhor, foi coisa passageira. Vejo que tem deveras amor a vossa
mercê. Trouxe também o dinheiro de Varrona, e com muito cuidado. Também esteve
aqui Rodríguez, e tudo fez muito bem. Por ele escreverei a vossa mercê, pois
talvez parta primeiro. Mostrou-me Antonio Morán a carta que vossa mercê lhe
escreveu. Creia que tanto cuidado não foi só virtude de sua parte; era o
próprio Deus quem o movia.
Ontem enviou-me minha irmã D. María2 essa carta que vai inclusa. Quando ela receber
esta nova remessa de dinheiro, escreverá outra. No tempo de maior necessidade
chegou-lhe o auxílio. É muito boa cristã e passa grandes trabalhos; e se Juan
de Ovalle3 lhe movesse pleito, ficaria com seus filhos
arruinados. E afinal não é tão grande o prejuízo, como a ele parece; ainda que
foi tudo muito mal vendido, e desbaratada a herança4. Mas também Martin de Guzmán levava
bons intentos (Deus o tenha no céu!) e a justiça decidiu em seu favor, embora
indevidamente. Tornar-se agora a pedir o que meu pai (que esteja na glória!)
vendeu, eis o que não o posso sofrer. O demais, como digo, seria dar a morte a
D. María, minha irmã; e Deus me livre de interesse que redunde em tanto mal
para os parentes; conquanto por aqui estejam as coisas de tal sorte, que por
maravilha há pai para filho, e irmão para irmão. Assim pois não me espanto de
Juan de Ovalle; até portou-se bem, pois por amor de mim, deixou-se de pleitos
por enquanto. Tem boas qualidades, mas, em todo caso, convém não confiar muito;
por isso quando vossa mercê lhe enviar os mil pesos, mande-os sob condição,
firmada com escritura, e esta venha dirigida a mim, estipulando que no dia em
que tornarem ao pleito, sejam quinhentos ducados para D. María.
A venda das casas
de Gotarrendura ainda não está concluída; porém Martin de Guzmán já havia
recebido por conta das mesmas trezentos mil maravedis5, e é justo que sejam
devolvidos a Juan de Ovalle. Com mais os mil pesos que lhe enviar vossa mercê, ficará
ele remediado e poderá viver em Ávila. Assim fez, e atualmente está aqui por
certa necessidade que houve. Se daí lhe não vier essa quantia, não poderá ficar
sempre, senão passar de vez em quando umas temporadas, e mal.
São muito bem
casados, mas posso afirmar a vossa mercê que D. Juana deu uma mulher tão
honrada e de tanto valor, que é para louvar a Deus: uma alma de anjo. Eu é que
saí a pior de todas, a quem Vossas Senhorias não haviam de reconhecer por irmã,
do jeito que sou; não sei como me querem tanto. Isto digo com toda a verdade.
Grandes trabalhos tem ela passado, e sofre tudo muito bem. Se vossa mercê, sem
se pôr em aperto, puder enviar--lhe alguma coisa, faça-o com brevidade, nem que
seja aos poucos.
As quantias que
vossa mercê mandou foram entregues, como verá pelas cartas inclusas. Toribia6 morreu, assim como também seu marido. Os
filhos que deixaram são pobres, e muito lhes valeu a esmola. As Missas foram
celebradas; (algumas, creio, antes de chegar a espórtula), pelas intenções que
mandou vossa mercê; e pelos melhores sacerdotes que achei, realmente muito
virtuosos. Causou-me devoção o ver as intenções determinadas por vossa mercê.
Encontro-me em
casa da senhora D. Guiomar durante todas estas negociações, e isto tem me
consolado, por estar mais vezes com pessoas que me falam de vossa mercê. Também
me sinto à vontade, porque vim com uma filha desta senhora, monja em nosso
mosteiro, a quem me mandou o Provincial acompanhar para passar uns tempos com
sua mãe, e aqui me acho com muito mais liberdade que em casa de minha irmã para
tudo quando quero. Só tratamos de Deus e há muito recolhimento. Assim ficarei
até me mandarem outra coisa; mas para tratar de negócio em questão, melhor
seria estar aqui.
Falemos
agora de minha querida irmã, a senhora D. Juana7, que, embora seja aqui a última, não
o é na minha amizade; e tenha por certo, e assim é, que, embora não no mesmo
grau que a vossa mercê, muito a encomendo a Deus. Beijo a Sua Mercê mil vezes
as mãos, por tantas provas de estima que me dá. Não sei como retribuir, a não ser fazendo com
que o nosso menino8 seja muito encomendado a
Deus. Assim fazemos, e muito a seu cargo o tem o santo Frei Pedro de Alcântara,
que é um Frade descalço, sobre o qual já escrevi a vossa mercê; e também os
Teatinos9 e outras pessoas às quais atenderá o Senhor.
Praza a Sua Majestade fazê-lo ainda mais virtuoso que os pais, pois, por bons
que sejam, mais quero eu para ele. Sempre que me escrever vossa mercê, fale do
contentamento e concórdia que tem com sua esposa. Com isto muito me consolo.
Prometi
enviar-lhe, quando for Antonio Morán, uma cópia da carta executória, que,
segundo dizem, não pode estar melhor; e isto farei com todo cuidado. E se desta
vez se perder no caminho, enviarei outra até que alguma lhe chegue às mãos. Não
sei como deixaram de enviá-la a vossa mercê, mas, porque toca a terceira
pessoa, e esta não a quis dar, não lhe conto o caso. Vou remeter-lhe também
algumas relíquias que tenho; a guarnição é de pouco valor. Pelo que a mim me
envia meu irmão, mil vezes beijo-lhe as mãos; se fôra no tempo em que eu usava
ouro, cobiçaria não pouco a medalha; achei-a extremamente linda. Deus nos
guarde a Sua Mercê por muito tempo, e a vossa mercê igualmente, e lhes dê boas
entradas, que amanhã é véspera do ano de 1562.
Por demorar com
Antonio Morán, comecei a escrever tarde, e não posso estender-me ainda, como
quisera, porque ele quer partir amanhã, e assim vou escrever agora a meu
Jerónimo de Cepeda, mas não importa: muito brevemente escreverei de novo a
vossa mercê; sempre leia vossa mercê minhas cartas. Fiz questão de empregar boa
tinta, mas a carta foi escrita tão às pressas, e, como digo, a tal hora, que
não a posso tornar a ler. Estou melhor de saúde que de costume. Deus a dê a
vossa mercê, no corpo e na alma, como desejo. Amém!
Aos senhores
Fernando de Ahumada e Pedro de Ahumada deixo de escrever por falta de tempo;
fá-lo-ei tão logo possa. Saiba vossa mercê que algumas pessoas muito boas, que
estão ao par do nosso segredo – refiro-me ao negócio da fundação –, tiveram por
milagre o enviar-me vossa mercê tanto dinheiro a tal tempo. De Deus espero que,
em havendo necessidade de mais, ainda que vossa mercê não queira, Ele lhe porá
no coração que me socorra.
De vossa mercê
muito fiel serva,
D.
Teresa de Ahumada
*2 A dom Lorenzo de Cepeda, em Quito
Toledo, 17
Janeiro 1570
. 25 – pg. 1066
A D. Lorenzo de Cepeda em Quito
Toledo, 17 de janeiro de 1570. Alegra-se com a próxima
viagem de D. Lorenzo à Espanha. Dá-lhe notícias dos Conventos fundados até
aquela data. Facilidade que encontrará em Ávila para educação de seus filhos.
Agradece o dinheiro chegado em ocasião oportuna. Santa morte da esposa de D.
Lorenzo.
Jhs
Esteja sempre o Espírito
Santo com vossa mercê. Amém. Por quatro vias escrevi a vossa mercê; em três
delas ia também carta para o senhor Jerónimo de Cepeda, e, como é impossível
que alguma não lhe tenha chegado, não responderei a tudo o que vossa mercê me
pergunta na sua carta. Por isso nada mais direi agora a respeito da boa
resolução que Nosso Senhor lhe pôs na alma. Pareceu-me muito acertado e fez-me
louvar a Sua Majestade. Em suma, pelas razões que vossa mercê me diz, entendo
pouco mais ou menos os outros motivos que pode haver, e, espero em Nosso
Senhor, será sua vinda muito para a glória de Deus. Em todos os nossos
mosteiros temos feito oração muito particular e contínua neste sentido; e, pois
o intento de vossa mercê é servir a Nosso Senhor, Sua Majestade no-lo traga com
segurança e disponha o que for mais proveitoso à sua alma e à desses meninos.
Como escrevi a vossa mercê, são seis os Conventos já
fundados, além de dois de frades, também Descalços, de Nossa Ordem. Considero
isto grande mercê do Senhor, porque vão muito adiante na perfeição, tanto estes
como os de monjas, todos com o mesmo espírito de São José de Ávila, que parecem
uma só coisa. E muito me anima ver como em todos Nosso senhor é louvado de
verdade e com grande pureza de alma.
Presentemente estou em Toledo. Fará um ano, nas
vésperas de Nossa Senhora de Março, que cheguei aqui; apenas tive de ir a uma
vila de Rui Gómez, que é príncipe de Éboli, onde fundamos um mosteiro de frades
e outro de monjas, que vão muito bem. Voltei para terminar o que faltava e
deixar esta casa bem organizada, que, segundo vejo, será uma das principais. E
tenho passado bem melhor de saúde este inverno, porque o clima desta terra é
admirável; e, a não haver outros inconvenientes (porque não conviria
estabelecer-se vossa mercê aqui por causa de seus filhos), dá-me vontade
algumas vezes de o ver morar aqui em Toledo, por ser tão bom o clima. Mas há
lugares em territórios de Ávila onde vossa mercê poderá passar os invernos,
como assim fazem alguns. Quanto a meu irmão Jerónimo de Cepeda, penso que
estará aqui com mais saúde, quando Deus o trouxer de volta. Tudo é como Sua Majestade
quer, pois, creio, de quarenta anos para cá nunca tive tanta saúde, apesar de
cumprir a Regra como todas e jamais comer carne, a não ser em grande
necessidade.
Há cerca de um ano tive umas febres quartãs, que até
me deixaram melhor. Estava na fundação de Valladolid, e só me faltava sucumbir
sob o peso dos agrados da senhora D. María de Mendoza, viúva do Secretário
Cobos1,
que me quer muito. Deste modo, o Senhor, quando vê que é necessário para nosso
bem, dá saúde; e quando não, manda enfermidade. Seja por tudo bendito. Tive
pena de estar vossa mercê doente dos olhos, pois é coisa penosa. Glória a Deus
que tenha melhorado tanto.
Juan de Ovalle já escreveu a vossa mercê, dando-lhe
conta de como foi daqui a Sevilla. Um amigo meu encaminhou tão bem o negócio,
que no mesmo dia de sua chegada recebeu a prata e trouxe-a para aqui, onde
será trocada em moeda corrente até o fim deste mês de janeiro. Em minha
presença, fizeram a conta dos impostos a pagar; junto com esta carta lha
enviarei. Não pouco trabalho me deu, mas, com estas casas de Deus e da Ordem,
fiquei tão sabida e esperta em negócios, que já entendo de tudo, e assim trato
dos de vossa mercê como se fossem da Ordem, e folgo de com isto lhe ser útil2.
Antes que me esqueça. Saiba que, depois de minha última
carta a vossa mercê, morreu, há pouco, o filho de Cueto3, bem moço. Não há que fiar
desta vida; assim me consolo de cada vez que me lembro de como vossa mercê já
está bem convencido desta verdade.
Terminando minhas
ocupações aqui, é meu desejo voltar a Ávila, porque ainda sou Priora de lá,
para não contrariar o Bispo4, a quem devo muito, assim como toda a Ordem. Não
sei o que o Senhor fará de mim, talvez tenha de ir a Salamanca, onde me
oferecem uma casa. Deveras me canso, mas é tanto o proveito que fazem estes
mosteiros nos lugares onde estão fundados, que sou obrigada em consciência a
fundar quantos puder. O Senhor me tem favorecido, e com isto me animo.
Esqueci-me de escrever
nas outras cartas a boa oportunidade que há em Ávila para educar esses meninos.
Os Padres da Companhia têm colégio, onde ensinam gramática, confessam os alunos
de oito em oito dias e os criam tão virtuosos que é para louvar a Nosso Senhor.
Também há curso de filosofia e depois de teologia em Santo Tomás, de modo que
não há necessidade de ir a outra parte para o que diz respeito a virtudes e
estudos. Há muita cristandade em todo o povo, e assim as pessoas que vêm de
fora se edificam, achando muita prática de oração e de confissões, e pessoas
seculares que levam vida de muita perfeição.
O bom Francisco de Salcedo vai bem. Muito me penhorou
ter vossa mercê enviado tão valiosa lembrança a Cepeda5. É um santo. Creio não
exagerar chamando-o assim; ele não sabe como agradecer-lhe. Pedro del Peso, o
Velho, morreu haverá um ano: aproveitou bem da vida. Ana de Cepeda apreciou
muito a esmola que vossa mercê lhe mandou; com isto ficará rica, pois outras
pessoas também a protegem por ser tão virtuosa. Não lhe faltaria onde estar,
mas é de gênio esquisito e não serve para viver com outros. Deus a leva por
esse caminho, e por isso nunca me atrevi a recebê--la em algum destes nossos conventos; não por falta de virtude, mas por ver
que seu modo de vida é o melhor para ela. Não ficará nem com a senhora D. María6 nem com outra pessoa; sozinha como está, vive
muito bem. Parece que nasceu para ermitã, mas sempre com aquela bondade que lhe
é própria, vivendo com grande penitência.
O filho da senhora D.
María, minha irmã, e de Martin de Guzmán, professou e vai adiante na santidade
de seu estado. D. Beatriz e sua filha morreram ambas, como já escrevi a vossa
mercê. D. Madalena, que era a mais nova, está num mosteiro, como secular. Muito
quisera eu que a chamasse Deus para monja. É muito linda. Há muitos anos não a
vejo. Há pouco propuseram-lhe um casamento com um morgado, viúvo; não sei em
que vai parar7.
Já escrevi a vossa mercê
dizendo como veio em boa hora seu presente à minha irmã. Tenho-me admirado dos
trabalhos que, por falta de meios, lhe tem dado o Senhor e tudo sofreu tão bem
que agora lhe quer Sua Majestade dar algum alívio. Quanto a mim, nada me falta,
antes tenho de sobra; e assim, da esmola que vossa mercê me envia para mim,
parte será para minha irmã, e o demais se empregará em boas obras, tudo em
intenção de vossa mercê. Por certos escrúpulos que eu tinha, veio-me em boa
hora a sua oferta; porque, com estas fundações, apresentam-se alguns casos a
resolver, e eu, embora tenha muito cuidado de tudo gastar só com os mosteiros,
talvez pudesse não ter sido tão pródiga em remunerar as consultas aos letrados,
aos quais sempre recorro nas dúvidas de consciência. Enfim, são ninharias;
contudo foi para mim grande alívio o não ter de recorrer a outros e, embora não
faltasse a quem, prefiro ter liberdade com esses senhores para lhes poder dizer
meu modo de pensar. Está o mundo tão perdido em matéria de interesse, que
aborreço totalmente qualquer tipo de propriedade, e, assim, nada guardarei.
Dando uma parte à Ordem, ficarei com liberdade de dar o resto, como disse
acima, pois tenho ampla licença do Geral e do Provincial, tanto para receber
postulantes, como para mudá-las, e para ajudar a uma casa com o que é das
outras8.
Não sei como explicar o crédito que tenho com esta
gente; é tanta a confiança, ou, por melhor dizer, a cegueira, que chegam a me
fiar mil e até dois mil ducados. E assim, tendo eu agora aborrecimento, tanto a
dinheiros como a negócios, quer o Senhor que não trate de outra coisa; e
não é pequena cruz. Praza à Sua Majestade Lhe preste eu algum serviço, pois
tudo algum dia terá fim.
Deveras me parece que, estando vossa mercê aqui, hei
de ter alívio; é o que não encontro em quase todas as coisas da terra. Quer
porventura Nosso Senhor conceder-me este: que nos juntemos para procurar sua
maior honra e glória e algum proveito das almas. Isto é o que muito me faz
sofrer: o considerar quantas se perdem, em particular esses índios, que não me
custam pouco. O Senhor lhes dê luz. Por aqui como por lá, há muita desventura.
Como ando por tantos lugares e muitas pessoas me falam, não sei muitas vezes o
que pensar, senão que somos piores que animais, pois não entendemos a grande
dignidade de nossa alma, rebaixando-a a coisas tão baixas como são as da terra.
O Senhor nos dê luz!
Com o Pe. Frei García de Toledo, que é sobrinho do
Vice-rei9 – pessoa que me faz muita falta aqui para
minhas consultas –, poderá vossa mercê tratar. E, se tiver necessidade de algum
favor do Vice-rei, saiba que é muito cristão, e foi grande felicidade para nós
ter ele querido ir às Índias. De todas as vezes em que escrevi a vossa mercê, incluí
uma carta para Frei García, e em cada uma enviei relíquias para a viagem de
vossa mercê; muito desejo que lhe tenham chegado às mãos.
Não tencionava alongar-me tanto. Desejo que entenda
que foi mercê de Deus dar tal morte à senhora D. Juana10. Aqui a temos encomendado a
Nosso Senhor, e fizeram-se exéquias em todos os nossos mosteiros. Espero em Sua
Majestade que já não terá mais necessidade de sufrágios. Muito procure vossa
mercê não se entregar à dor. Veja bem: é próprio de quem não se lembra de que há
vida para sempre o sentir tanto a partida dos que na realidade vão viver,
saindo de tantas misérias.
A meu irmão o senhor Jerónimo de Cepeda muito me
recomendo, pedindo-lhe que tenha por sua esta carta. Muito me alegrou o
dizer-me vossa mercê que também ele se prepara com intenção de vir para cá,
daqui a alguns anos, se puder. Quisera eu que, se houvesse possibilidade, não
deixasse lá seus filhos, a fim de nos reunirmos aqui, e nos ajudarmos
mutuamente até um dia estarmos juntos para sempre.
É hoje 17 de janeiro. Ano de 1570.
Indigna serva de vossa mercê,
Teresa de Jesus, Carmelita.
*3 A dona Luisa da Cerda, em Paracuellos
Ávila, 7
novembro 1571
37 – pg. 1082
A D. Luisa de La Cerda, em Paracuellos
Encarnação de Ávila, 7 de novembro de 1571. Consola D.
Luisa em seus trabalhos. Recolhimento que reina na Encarnação de Ávila. Vaidade
das coisas do mundo.
Jhs
A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Senhoria.
Três vezes escrevi a Vossa Senhoria desde que estou nesta casa da Encarnação,
isto é, há pouco mais de três semanas: parece-me que nenhuma chegou às mãos de
Vossa Senhoria. É tanta a parte que tomo aqui em seus trabalhos, que, juntando
esta pena com os muitos que atualmente me afligem, já não preciso pedir mais a
Nosso Senhor. Seja bendito por tudo! Bem se deixa ver que está Vossa Senhoria
no número dos que hão de gozar de seu Reino, pois lhe dá a beber de seu cálice,
com tantas enfermidades de Vossa Senhoria e dos que lhe são caros.
Li uma vez num livro que o prêmio dos trabalhos é o
amor de Deus: por tão precioso ganho, quem não os amará? Assim suplico a Vossa
Senhoria que o faça; considere como tudo acaba depressa, e com isto se vá
desenganando de todas essas coisas que não hão de durar para sempre.
Já eu sabia quanto Vossa Senhoria estava passando mal,
e ainda hoje procurei meios para saber de sua saúde. Bendito seja o Senhor,
que Vossa Senhoria está melhor. Volte desse lugar, por amor de Deus, pois
claramente se vê como para todos é contrário à saúde. Quanto à minha, está boa
— seja Ele bendito! — em comparação do que costuma ser; é porque, sendo tantos
os trabalhos, impossível seria agüentar os sofrimentos se não houvesse melhora
no meu estado habitual. São tantas e tão forçosas as ocupações de fora e de
dentro de casa, que ainda para escrever esta carta tenho bem pouco tempo.
Nosso Senhor pague a Vossa Senhoria o favor e consolo
que me proporcionou com a sua, pois lhe asseguro que bem necessidade tenho de
algum alívio. Ó senhora! quem se viu no sossego de nossas casas e agora se acha
metida nesta barafunda1. Não sei como se pode viver; de todas as maneiras encontro
padecimento! Entretanto, glória a Deus! há paz — o que não é pouco, indo-lhes
eu aos poucos tirando seus passatempos e liberdade, pois, embora sejam tão boas
e por certo haja muita virtude nesta casa, mudar de costume é morte, como
dizem. Levam-no bem e mostram-me muito respeito; mas, onde há cento e trinta,
bem entenderá Vossa Senhoria o cuidado que será necessário para ordenar todas
as coisas segundo a razão. Alguma preocupação me dão nossos mosteiros; mas,
como vim para cá forçada pela obediência, espero em Nosso Senhor que não
consentirá que eu faça falta, e terá cuidado deles. Parece que não está
inquieta minha alma com toda esta Babilônia; e isto tenho por mercê do Senhor.
O natural se cansa, mas tudo é pouco para o muito que ofendi a Sua Majestade.
Tive pesar com a notícia
da morte da boa D. Juana2. Deus a tenha consigo; e certamente o fará, pois era muito
Dele. Por certo, não sei como sentimos a partida dos que vão para terra segura,
livrando-os Deus das vicissitudes e perigos deste mundo; é antes amar a nós
mesmos do que àqueles que vão gozar do maior bem. A essas minhas senhoras me
encomendo muito.
Asseguro a Vossa Senhoria que a trago bem presente;
não era preciso fazer-se lembrada com sua carta, antes quisera eu estar um
pouco menos atenta para não me ver tão imperfeita em sentir e partilhar as
penas de Vossa Senhoria. Nosso Senhor lhe dê o descansar nos contentamentos
eternos, já que aos desta vida, há muito tempo disse Vossa Senhoria adeus,
conquanto intimamente ainda não esteja muito convencida de que é boa paga o
padecer. Dia virá em que Vossa Senhoria entenderá o lucro, e por nenhuma coisa
o quisera ter perdido.
Muito consolada me sinto de estar aí meu Padre Duarte3. Já que não
posso eu servir a Vossa Senhoria, alegro-me de que tenha quem tão bem a ajude a
suportar seus trabalhos. Está o mensageiro esperando, e assim não me posso
alargar mais senão para beijar a essas minhas senhoras muitas vezes as mãos.
Nosso Senhor tenha a
Vossa Senhoria nas Suas, e a livre depressa dessas febres; Ele lhe conceda
fortaleza para contentar em tudo a Sua Majestade, como Lho suplico. Amém.
Da Encarnação de Ávila,
a 7 de novembro.
Indigna serva e súdita
de Vossa Senhoria,
Teresa de Jesus
*A dona Juana de Ahumada, em Galinduste
Ávila, 4
fevereiro 1572
. 39 – pg. 1085
A D. Juana de Ahumada, em Galinduste, aldeia da jurisdição de Alba
de Tormes
Encarnação de Ávila, 4 de fevereiro de 1572. Achaques
e ocupações da Santa na Encarnação. Assuntos da família Ovalle em Alba e dos
irmãos da Santa na América.
Jesus esteja com vossa mercê. Parece que estão no
outro mundo quando se retiram a esse lugar. Deus me livre dele, e também deste
onde estou, pois tenho pouca saúde quase desde minha chegada, e para não dar
essa notícia a vossa mercê, gostei de não ter tido ocasião de lhe escrever.
Antes do Natal deram-me umas febres; passei mal da garganta e por duas vezes
fui sangrada e tomei purga. Desde antes de Reis tenho tido febres quartãs;
contudo não sinto fastio, nem deixo de andar com a comunidade, nos dias em que
não tenho o acesso, e assim vou ao coro e algumas vezes ao refeitório; espero
não hão de durar. Como vejo quanto o Senhor tem feito e melhorado nesta casa,
esforço-me para não ficar de cama, a não ser quando me dá a febre, a qual dura
toda a noite. Os calafrios começam às duas horas da madrugada. mas não são
violentos. No mais tudo vai bem, por entre tantas ocupações e trabalhos que não
sei como se pode dar conta. O pior são as cartas. Para as Índias escrevi quatro
vezes, pois está em vésperas de partir a frota.
Espanta-me ver como se descuida de mim vossa mercê,
vendo-me com tantos trabalhos. Tendo sabido que o senhor Juan de Ovalle estava
para chegar, esperava-o cada dia, porque, se ele fosse a Madrid, seria boa
oportunidade para remeter por seu meio o que meu irmão1 me mandou pedir. Já não há tempo, nem sei o
que pensar. Dir-se-ia que tudo lhes há de vir às mãos sem trabalho: por certo
que isso a ninguém parece bem.
Disseram-me que o senhor Juan de Ovalle e o senhor
Gonzalo de Ovalle se opõem a que se faça ao mosteiro cessão de uma ruelazinha;
não o posso crer2.
Não quisera eu que começássemos a inventar questões; sendo com mulheres parece
mal, mesmo havendo ocasião, e seria de muito desdouro para esses senhores,
especialmente tratando-se de religiosas minhas. Não creio, aliás, que elas
conscientemente tenham dado motivo de queixa, a não ser que por simplicidade
não se tenham sabido exprimir. Avise-me vossa mercê de como vão as coisas,
porque, como digo, as Irmãs são novas e poderiam enganar-se. E não se aflija
com minhas doenças, pois espero que não será nada; ao menos, pouco me estorvam,
embora eu o pague caro.
Muita falta me faz aqui vossa mercê; sinto-me só. Como
do Convento só aceito o pão, e mais nada, terei necessidade de alguns reais;
procurem enviar-mos. A esses senhores beijo as mãos, e à minha Beatriz. Muito
me alegraria se a tivesse aqui. Gonçalo já sei que está bem. Deus os guarde.
Agustín de Ahumada está com o Vice-rei, assim me escreveu Frei García. Meu
irmão casou duas sobrinhas, e muito vantajosamente; antes de seu regresso as
deixará remediadas. Já vai dar meia-noite e estou bem cansada, e assim termino.
Foi ontem dia de S. Brás; e anteontem de Nossa Senhora3.
De vossa mercê muito
serva,
Teresa de Jesus
*A dona Maria de Mendoza, em Valladolid /Ávila, 7 março 1572
. 40
– pg. 1086
A D. María de Mendoza, em Valladolid
Encarnação de Ávila, 7 de março de 1572. Pede
desculpas a D. María por não lhe haver escrito antes, devido a seus achaques.
Pobreza extrema da Encarnação e edificante recolhimento de suas monjas. Recusa,
cortês e engenhosamente, receber nas Descalças duas jovens recomendadas.
Jhs
A graça do Espírito
Santo esteja sempre com Vossa Senhoria. Amém. Muito me tenho lembrado de Vossa
Senhoria neste tempo tão rigoroso, com receio de que o frio tenha feito mal a
Vossa Senhoria; e penso que o não terá deixado de fazer. Seja Deus bendito, que
nos havemos de ver na eternidade, onde não haverá mudanças de tempo. Praza a
Sua Majestade passemos esta vida de maneira que possamos gozar de tão grande
bem. Quanto a mim, tenho sido provada de tal maneira nesta terra, que não
pareço ter nascido nela: creio que só tive mês e meio de saúde, logo ao
princípio, por ver o Senhor que sem isto não se podia por então assentar coisa
alguma; agora Sua Majestade faz tudo em meu lugar. Não me ocupo senão em
regalar-me, especialmente de três semanas para cá, porque, além das quartãs,
deu-me uma dor no lado e tive angina. Bastava um desses males para matar, se
Deus assim fosse servido; mas não parece que algum haja capaz de fazer-me este
benefício. Com três sangrias melhorei. Deixaram-me as quartãs; mas a febre não
passa, e, assim, tomarei purgante amanhã. Estou já enfadada de me ver tão imprestável,
que, a não ser para a Missa, não saio de meu canto, nem posso. Uma dor de
dente, que tenho há cerca de mês e meio, é o que me faz sofrer mais.
Conto a Vossa
Senhoria todos esses males para que não me julgue culpada por não ter escrito a
Vossa Senhoria, e veja que tudo são mercês que o Senhor me faz, dando-me o que
sempre Lhe peço. Certo é que a mim me parecia impossível, logo que aqui
cheguei, agüentar tanto trabalho com minha pouca saúde e natureza fraca. Com
efeito, há ordinariamente muitos negócios de assuntos que dizem respeito a
esses mosteiros, além de outras muitas coisas, que, mesmo sem falar nesta casa,
já me traziam cansada. É bem verdade, como diz S. Paulo, que tudo se pode em
Deus. Dá-me este Senhor habitualmente pouca saúde, e com isto quer que eu faça
tudo; chego a rir-me algumas vezes. Deixa-me sem confessor, e tão sozinha que
nas minhas necessidades não tenho com quem tratar de modo a ter alívio; preciso
andar com muita circunspecção.
Só para o que diz
respeito ao conforto do corpo, não tem faltado quem me proveja, e com muita
piedade; e do povo tenho recebido muitas esmolas, de sorte que da casa só
aceito pão, e ainda isto o não quisera fazer. Já se está acabando a esmola que
nos deu D. Magdalena; com esta, até agora, e com o que nos dão Sua Senhoria e
algumas outras pessoas, temos custeado uma refeição para as mais pobres1.
Como já as estou
vendo tão boas e sossegadas, tenho pena de presenciar seus sofrimentos, que são
bem reais. É para louvar a Nosso Senhor a mudança que operou nelas. As mais
duras são agora as mais contentes e muito minhas amigas. Nesta quaresma não se
recebe visita nem de homem nem de mulher, ainda que sejam os próprios pais, o
que é muito novo para esta casa. A tudo se submetem com inteira paz.
Verdadeiramente temos aqui grandes servas de Deus, e quase todas vão
melhorando. Minha Priora2 faz estas maravilhas.
Para que se entenda que realmente é assim, ordenou Nosso Senhor esteja eu de
tal sorte, que, dir-se-ia, só vim para aborrecer a penitência e não tratar de outra
coisa senão de meu regalo.
Agora, para que eu de todos os modos padeça,
escreve-me a Madre Priora3 dessa casa de Vossa
Senhoria, que quer Vossa Senhoria admitir nela uma noviça, e, segundo souberam,
está descontente, porque eu a recusei. Pedem-me licença para recebê-la, assim
como outra apresentada pelo Pe. Ripalda4. Aí deve haver engano. Pesar teria eu
se fosse verdade, pois Vossa Senhoria tem poder para repreender-me e dar-me
suas ordens; e não posso crer que esteja desgostosa comigo sem me manifestar
seu descontentamento, a não ser que assim proceda para ver-se livre desses
Padres da Companhia, empenhados neste caso. Muito consolo teria eu se assim
fosse, pois com estes Padres bem me sei entender. Não tomariam eles alguém que
não fosse conveniente para sua Ordem, só em atenção a mim. Contudo se Vossa
Senhoria absolutamente quer mandar assim, não há para que falar mais nisso;
pois está claro que nessa casa e em todas as nossas tem Vossa Senhoria direito
de mandar, e eu seria a primeira a obedecer. Mandarei pedir licença ao Padre
Visitador, ou ao Padre Geral, já que é contra as nossas Constituições admitir
alguma noviça com o defeito que essa tem; e sem recorrer a algum deles não será
válido o que eu contra a lei fizer. E elas terão de aprender a ler corretamente
o latim, porque está ordenado que não se receba pretendente alguma que não o
saiba5.
Por desencargo de minha consciência, porém, não posso
deixar de dizer a Vossa Senhoria o que faria eu neste caso, depois de o ter
encomendado ao Senhor; não, já se vê, no caso de o querer Vossa Senhoria,
repito; pois, só para não a contrariar, a tudo me sujeitaria sem dar mais uma
palavra. Só suplico a Vossa Senhoria que o veja bem e seja mais exigente para
sua casa6;
não aconteça que mais tarde, vendo Vossa Senhoria que as coisas não vão muito
bem, venha a ter pesar. Se fosse convento de muitas monjas, melhor se poderia
revelar algum defeito; mas onde são tão poucas, pede a razão que sejam bem
escolhidas, e sempre vi esta intenção em Vossa Senhoria; tanto que para todos
os outros acho monjas que me satisfazem, mas para essa casa jamais ousei enviar
alguma, por desejar que fosse tal e tão completa, que jamais a encontrei a
meu gosto. E assim, a meu parecer, nenhuma das duas deveria ser recebida,
porque nelas nem vejo santidade, nem valor, nem tanto cabedal de juízo e
talentos que redundem em proveito da casa. Sendo assim, há de querer Vossa
Senhoria que se aceitem, se hão de causar prejuízo? Se é para as amparar,
bastantes mosteiros há onde, como digo, por serem muitas, se revelam melhor as
falhas; mas aí, nesse convento cada uma que se admitisse deveria ter capacidade
para exercer o ofício de Priora e qualquer outro de que fosse incumbida.
Por amor de Nosso Senhor, pense bem Vossa Senhoria e
veja que sempre se há de considerar antes o bem comum que o particular; e, pois
estão enclausuradas e hão de viver umas com as outras, suportando mutuamente
suas faltas, além de outros trabalhos da religião — e este de não acertar nas
admissões é o maior —, favoreça-as Vossa Senhoria neste ponto, assim como em
tudo nos mostra benevolência. Deixe Vossa Senhoria que eu chame a mim o
negócio, se lhe apraz ordenar assim, pois, como digo, com os padres me
entenderei. Entretanto, se Vossa Senhoria insiste, será feito o que manda, repito,
e a responsabilidade será de Vossa Senhoria se não suceder bem. Essa de que
fala o Pe. Ripalda não me parece má para outro convento; mas aí, onde se está
principiando, convém ter cuidado, a fim de não resultar desdouro para a casa.
Tudo ordene o Senhor como for para sua glória e dê a Vossa Senhoria luz para
fazer o que mais convier. Ele no-la guarde muitos anos, como Lhe suplico, que
disto não me descuido, por pior que esteja passando.
À minha senhora a duquesa, beijo as mãos de Sua
Excelência muitas vezes, assim como à minha senhora D. Beatriz, e às minhas
senhoras a condessa e D. Leonor. Escreva-me Vossa Senhoria, ou antes, ordene o
que em tudo isto é servida que se faça. Quanto a mim, creio que, deixando a
decisão à consciência de Vossa Senhoria, terei segura a minha; e não julgo
mostrar-lhe nisto pouca estima, pois em nenhuma de nossas casas se achará monja
com tão notável defeito, e eu por nenhum empenho a receberia. Será, a meu ver,
causa de contínua mortificação para as demais, por andarem sempre tão juntas; e
como se querem tanto, sempre andarão penalizadas. Basta a boa Magdalena, que já
têm aí; e prouvera a Deus fossem assim as de Vossa Senhoria!7
É hoje 7 de março.
Indigna serva e súdita de Vossa Senhoria,
Teresa de Jesus,
Carmelita
*6 Ao Pe. Domingo Bañez, em Valladolid
Só tem janeiro
de 1574
. 56 – pg. 1103
56. Ao Pe. Domingo Báñez em Valladolid
Salamanca, janeiro de 1574. Sente não ouvir os sermões
do Padre. A princesa de Éboli em Pastrana; os desgostos que dá às Descalças.
Trato com o Pe. Medina.
Jhs
A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê e em
minh’alma. Não sei como não lhe chegou às mãos uma carta bem longa que lhe
escrevi estando adoentada, e enviei por via de Medina. Nela dava boas e más
notícias a meu respeito. Agora também quisera alongar-me, mas tenho de escrever
muitas cartas e sinto alguns calafrios, por ser dia de quartã. Tinham-me as
febres deixado durante dois dias, mais ou menos; mas como não me voltou a dor
que sentia antes, tudo parece nada.
Louvo a Nosso Senhor pelas notícias que me têm chegado
de seus sermões; estou com muita inveja, e dá-me grande desejo de estar aí
agora, por ser vossa reverência Prelado dessa casa. Aliás —, quando o deixou de
ser meu? O vê-lo nesse cargo, parece-me, seria para mim novo contentamento;
mas, como tal não mereço, louvo a quem me dá sempre cruz.
Deu-me gosto essa troca de cartas entre o Padre
Visitador e meu Padre; realmente não só é santo aquele seu amigo, mas sabe
mostrar que o é; e, quando não estão em desacordo suas palavras e suas obras,
age com muita prudência. Mas, embora seja verdade o que ele diz, não deixará de
admiti--la porque de senhores a senhores há muita diferença.
A princesa de Éboli1 transformada em monja era de fazer chorar.
Quanto a esse anjo2 pode causar grande proveito
a outras almas, e quanto mais barulho fizerem os mundanos, melhor; não vejo
inconveniente. Todo o mal que pode suceder é que ela tenha de sair do convento;
ainda nesse caso terá o Senhor feito resultar outros bens, como digo, e
porventura moverá alguma alma, que, se não fora por esse meio, talvez se
condenaria. Grandes são os juízos de Deus, e quem o ama tão deveras vivendo
entre tanto perigo como anda toda essa gente ilustre, não há razão para nos
negarmos a admiti-la, nem para nos deixarmos de expor a algum trabalho e
desassossego a troco de tão grande bem. Meios humanos e cumprimentos com o
mundo se me afigura o detê-la e atormentá-la por mais tempo; pois está claro
que, em trinta dias, ainda que se arrependesse, não o haveria de dizer. Mas se,
com essa demora em retê-la no mundo, se hão de aplacar os parentes e reconhecer
a justiça de sua causa e do procedimento de vossa mercê, repito: será apenas
adiar alguns dias. Deus estará com ela, pois não é possível que, tendo deixado
muito, não lhe dê muito o Senhor, que tanto dá a nós que nada deixamos.
Muito me consola que
esteja vossa mercê aí para confortar a Priora3 a fim de que em tudo acerte. Bendito seja Ele,
por assim haver ordenado os acontecimentos. Espero em Sua Majestade que tudo
terminará bem. Este negócio de Pedro de la Banda é um não acabar; penso que
antes de concluí--lo terei de ir a Alba, para não perder tempo, porque há
perigo na transação, pelo fato de estarem em desacordo ele e sua mulher.
Sinto grande lástima das
monjas de Pastrana; embora a Princesa tenha regressado à sua casa, estão como
cativas; a tal ponto que há pouco tempo passou por lá o Prior de Atocha4, e nem ousou
ir visitá-las. Já está também de mal com os frades, e não acho motivo para que
se sofra aquela escravidão. Com o Pe. Medina vou indo bem: creio que se me
fosse dado falar-lhe mais, depressa se aplacaria. Está tão ocupado, que o não
vejo quase... Dizia-me D. María Cosneza que não quisesse tanto bem a ele quanto
a vossa mercê...
D. Beatriz está boa. Na
sexta-feira passada ofereceu-me muito seus serviços; mas, glória a Deus,
já não tenho necessidade de seu auxílio. Contou-me quanto recebeu de vossa
mercê. Muito suporta o amor de Deus, pois se houvesse alguma coisa que
não procedesse dele, já tudo estaria acabado. Dir-se-ia que a dificuldade que
vossa mercê tem em ser extenso, tenho eu em ser concisa. Contudo, é muito
o que faz por mim vossa mercê, livrando-me da tristeza de receber cartas e
não ver letra sua. Deus o guarde; não parece que esta carta vá ter... Praza a
Deus que lá não se mitigue meu gosto com o silêncio de vossa mercê5.
De vossa mercê serva e
filha,
Teresa de Jesus.
Sobrescrito: Para meu Padre e meu
senhor o Mestre Frei Domingo Báñez.
*7À madre Maria Bautista, em Valladolid
Segovia, metade
ou final de junho 1574
62 – pg. 1111
62. A Madre María Bautista, em Valladolid
Segóvia, junho de 1574. Morte
exemplar de Isabel de los Ángeles. Desapego e liberdade de espírito. Recomenda
D. Guiomar.
Jhs
Esteja com vossa reverência, minha filha, o Espírito
Santo. Com pesar estaria eu pensando que vossa reverência não me escreve há
tanto tempo por falta de saúde, se não soubesse que está boa, por uma carta da
Priora de Medina. Seja Deus bendito, que muitíssimo lhe desejo saúde. Se Deus é
servido de que essas outras estejam doentes, seja como Ele quer; assim terão em
que merecer.
Saiba que Isabel de los Ángeles — aquela que foi
objeto de tantas contendas em Medina, — levou-a o Senhor consigo. Foi tal sua
morte, que poderia ser tido por santo quem assim morresse. Certamente foi-se
com Deus, e eu aqui fiquei, como uma criatura sem proveito. Durante três
semanas tive um resfriado terrível, acompanhado de muitas indisposições. Embora
ainda não tenha passado de todo, já estou melhor, e bem alegre com as notícias
que escrevo ao Pe. Frei Domingo; dêem graças a Nosso Senhor, que assim o temos
feito cá. Por tudo seja Ele bendito.
Esta carta mande à Priora da Madre de Deus1, juntamente
com o remédio que aí vai; parece ter-me feito bem. Muita pena me dá sua doença,
como quem tanto sofreu do mesmo nestes últimos anos: é impiedosa essa dor. Não
sei para que teve o trabalho de enviar-me escorcioneira2! Quase não a comi, porque
fiquei com terrível fastio de coisas doces; mas estou muito grata pelo seu
cuidado e por tudo o que mandou às Irmãs, especialmente a Isabel. Esta já
parece gente; é sensata, amorosa, uma moça perfeita.
Que bobagem é a sua, com tantas satisfações que me dá
sobre o lavor de mãos e outras coisas! Até que nos vejamos não ouso dizer-lhe
minha intenção a esse respeito. Saiba que cada dia estou com mais liberdade. O
principal é que essa pessoa esteja segura de não ofender a Deus; não são outros
meus temores, porque tenho visto grandes quedas e perigos em casos semelhantes.
Quero muito a essa alma (parece que o próprio Deus me infundiu esse cuidado) e
quanto mais é simples, mais temo por ela. Por esta razão muito estimo que goste
de estar em lugar seguro, conquanto, absolutamente certo não o haja nesta vida;
nem é bom nos julgarmos em segurança, pois estamos em tempo de guerra e
rodeados de muitos inimigos.
Olhe, minha filha, quando estou sem aquele tão grave
mal que tive aqui, o mínimo primeiro movimento3, em qualquer coisa que seja, me
assusta muito. Isto seja só para vossa reverência, pois a quem nunca chega a
entender-me, é mister levar conforme seu temperamento. E é verdade que se
alguém aí nessa casa me faz experimentar este pouquinho, é aquela a quem o
escrevo; mas, ainda esse pouquinho, muito faz sofrer uma alma livre.
Porventura quer Deus que o sinta, para que Lhe fique assegurada a parte
necessária a seu divino serviço. Ó filha minha, estamos em um mundo de tal
natureza, que, mesmo se vossa reverência tivesse meus anos, não o acabaria de
entender! Não sei para que escrevo isso sem ter pessoa certa que lhe leve a
carta. Pagarei bem o mensageiro.
Tudo o que fizer por D. Guiomar será bem feito, pois é
mais santa do que pensam, e cheia de trabalhos. Grande coisa foi para nós ter
saído tão em paz esta outra noviça. Praza a Deus que melhor nos suceda com a
que recebemos, — não sem bastante receio de minha parte; porque estas que foram
donas de suas casas nunca se acham bem de todo nas nossas; contudo por enquanto
parece não ir mal. Isabel lho escreverá melhor.
Tinha escrito até aqui, sem achar mensageiro; agora
acabam de dizer-me que há um, e que preciso entregar logo as cartas...
*8 A dom Teutonio de Braganza, em Salamanca
Segovia, 3
julho 1574
. 65 – pg. 1115
64. A D. Teutônio de Bragança1, em Salamanca
Segóvia, junho de 1574.
Felicita-o por sua volta a Salamanca. Elogio da Priora de Segóvia. Morte do Rei
de França. Oportunidade de uma fundação de Descalços em Salamanca. Lastima a
pouca saúde do Padre Reitor da Companhia.
Jhs
A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Senhoria; e
seja muito bem vindo. Foi para mim de muito contentamento saber que está com
saúde, ainda que, após tão larga viagem, curta me tenha parecido a carta; nem
ao menos me diz nela Vossa Senhoria se conseguiu o que Vossa Senhoria ia fazer.
Que esteja descontente de si, não é coisa nova; nem se perturbe Vossa Senhoria
se, em conseqüência do trabalho do caminho e de não poder ter o tempo tão bem
ordenado, sentir alguma tibieza. Assim que Vossa Senhoria tornar a seu sossego,
também o tornará a gozar a alma.
Tenho agora alguma saúde, em comparação de como
estive. Soubera eu tão bem queixar-me com Vossa Senhoria, nada lhe pareceriam
suas penas. Foi extremo o grande mal que tive durante dois meses, e era de
sorte que redundava no interior, pondo-me como uma criatura incapaz. Quanto ao
que toca ao interior, já estou boa; no exterior, com os males ordinários, e bem
regalada com o presente de Vossa Senhoria.
Nosso Senhor lho pague. Foi suficiente para mim e para
outras enfermas, algumas vindas bem doentes de Pastrana, porque a casa de lá
era bastante úmida. Estão melhor e são muito boas almas; Vossa Senhoria
gostaria de tratar com elas, especialmente com a Priora2.
Já eu sabia da morte do Rei da França3. Grande pena
me dá ver tantos trabalhos, e quantas almas vai ganhando o demônio. Deus acuda
com o remédio, pois, se fossem de proveito nossas orações, asseguro-lhe que não
há descuido em pedi-lo a Sua Majestade, a quem suplico igualmente pague a Vossa
Senhoria o cuidado que tem de fazer mercês e favores a esta Ordem.
O Padre
Provincial tem andado tão longe (digo: o Visitador), que, ainda por cartas, não
pude tratar deste negócio. O que sugeriu Vossa Senhoria, de fazer aí casa
destes Descalços4,
seria muito bom, se, justamente porque assim é, o demônio não o estorvar. A
benevolência que nos mostra Vossa Senhoria é grande vantagem, e agora há
facilidade, porque os Visitadores foram confirmados nos seus cargos, e não por
tempo limitado. Creio que têm mais autoridade em vários pontos do que antes, e
podem permitir fundações de novos mosteiros. Sendo assim, espero no Senhor que
há de ser aprovado nosso projeto. Vossa Senhoria não desista, por amor de Deus.
Brevemente,
penso, estará perto o Padre Visitador, e eu lhe escreverei. Ouvi dizer que irá
aí. Vossa Senhoria me fará a mercê de falar-lhe, dizendo--lhe em tudo seu parecer.
Pode usar de toda confiança, que é muito bom e merece que se trate assim com
ele; e, em atenção a Vossa Senhoria, talvez se determine a fazê-lo. Até ver
isto realizado, suplico a Vossa Senhoria não abandone o projeto.
A Madre Priora se
encomenda às orações de Vossa Senhoria. Todas têm tido cuidado, e de
encomendá-lo a Nosso Senhor, e o mesmo farão em Medina, e em qualquer outra
parte onde me quiserem causar prazer. Dá-me pena a pouca saúde com que anda
nosso Padre Reitor. Nosso Senhor lha dê melhoras, e a Vossa Senhoria tanta
santidade como a Ele suplico. Amém.
Mande Vossa
Senhoria dizer ao Padre Reitor5, que estamos empenhadas em pedir ao Senhor sua
saúde, e que me vou dando bem com o Pe. Santander6. O mesmo não me acontece com os
Frades Franciscanos; íamos comprar uma casa muito acomodada para nós, e por ser
um tanto perto deles, puseram-nos demanda: não sei em que irá parar.
Indigna serva e súdita de Vossa Senhoria,
Teresa de Jesus, Carmelita.
*9 À madre Isabel de Santo Domingo, em Segovia
Beas, 12 maio
1575
. 78 – pg. 1133
78. À Madre Inés de
Jesus Medina
Beas, 12 de maio de
1575. Grata impressão recebida da visita do Pe. Gracián em Beas. Elogios deste
Padre. Fundações de Sevilha e Caravaca.
Jhs
A graça do Espírito Santo esteja com vossa reverência,
filha minha. Bendito seja Deus! Chegaram aqui suas cartas, que eu não pouco
desejava. Sempre me parecem curtas, e nisto vejo que lhe quero mais que a
outras parentas muito próximas. Fiquei muito consolada por saber que está com
saúde; o Senhor lha dê, como suplico. Sinto muita pena por vê-la sempre com
esse tormento, como se não fossem poucos os que o ofício da Priora traz
consigo; e está sendo tão ordinária agora, que há necessidade de tomar muito
remédio. O Senhor faça acertar com o que lhe convier.
Ó Madre minha, como desejei tê-la comigo nestes
últimos dias! Saiba que, a meu parecer, foram os melhores de minha vida, sem
encarecimento. Passou aqui mais de vinte dias o Pe. Mestre Gracián. Eu lhe
asseguro que, embora tenha tratado tanto com ele, ainda não entendi todo o
valor deste homem. A meus olhos é perfeito, melhor do que o saberíamos pedir a
Deus para nós. O que agora há de fazer vossa reverência, e todas, é suplicar a
Sua Majestade que no-lo dê por Prelado. Se assim for, posso descansar do governo
destas casas, pois tanta perfeição com tanta suavidade, nunca vi. Deus o tenha
de sua Mão, e o guarde; por nenhuma coisa do mundo quisera eu deixar de o ter
visto e tratado com ele.
Ficou à espera de Maríano; e nós muito contentes de
que este tardasse tanto. Julián de Ávila está perdido por ele, e o mesmo
acontece a todos. Prega admiravelmente. Creio que tem progredido muito desde o
tempo em que vossa reverência o viu; os grandes trabalhos que passou lhe foram
de grande proveito. Tantas voltas deu o Senhor, que parto na próxima
segunda-feira, com o favor de Deus, para Sevilha. Ao Pe. Frei Diego escrevo,
explicando mais particularmente as razões.
No fim de contas descobriu-se que está esta casa em
Andaluzia, onde é Provincial o Pe. Mestre Gracián, de modo que, sem mesmo o
entender, eis--me feita sua súdita, e como a tal teve autoridade para me
mandar. Além disso já estávamos com intenção de ir a Caravaca, tendo dado o
Conselho de Ordens a licença; mas veio esta em tais termos, que nada adiantou,
e assim ficou determinado fazermos logo a fundação de Sevilha. Muito me
consolaria de levar vossa reverência comigo; mas vejo que tirá-la daí agora
seria a ruína dessa casa, sem falar em outros inconvenientes.
Penso que o Pe. Mestre1 irá vê-la antes de voltar para cá, porque o
mandou chamar o Núncio; estará em Madrid quando vossa reverência receber esta
minha carta. Estou com muito mais saúde que de costume, e assim sempre tenho
estado aqui. Como passaria eu melhor o verão junto de vossa reverência que no
fogaréu de Sevilha! Encomende-nos ao Senhor, e diga-o a todas as Irmãs,
dando-lhes minhas recomendações.
Em Sevilha haverá mais
mensageiros e poderemos ter correspondência mais a miúdo; e assim nada mais
acrescento do que pedir-lhe que me recomende muito ao Padre Reitor e ao
Licenciado; conte-lhes o que se passa e diga-lhes que me encomendem a Deus. A
todas as Irmãs, minhas lembranças. O Senhor a faça muito santa.
É hoje dia da Ascensão.
San Jerónimo2 se recomenda a vossa reverência. Vai para
Sevilha com outras cinco de muito bons talentos; e a que será Priora é muito
própria para o cargo.
De vossa reverência
serva,
Teresa de Jesus.
Não sei para que tanta
pressa em fazer professar Juana Bautista. Deixe-a esperar um pouco mais, que é
muito mocinha; se lhe parece outra coisa, e se está contente com ela, faça-o;
mas não me pareceria mal o prolongar-lhe a provação, pois me pareceu enferma.
*10 Ao Pe. João Batista Rubeo, em Piacenza
Sevilha, 18
junho 1575
. 80 – pg. 1135
80. Ao Revmo. Pe. Frei João Bautista Rubeo,
Geral do Carmo em Roma
Geral do Carmo em Roma
Sevilha, 18 de junho de
1575. Carinho filial da Santa para com o Pe. Geral. Dá-lhe conta de algumas
fundações. Desculpa os Padres Gracián e Ambrósio Maríano contra os quais estava
indisposto o Pe. Geral. Vida exemplar dos Descalços primitivos.
Jhs
A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa
Senhoria. A semana passada escrevi a Vossa Senhoria longamente, por duas vias,
sobre o mesmo assunto, porque desejo que lhe chegue às mãos a carta. Ontem, 17
de junho, entregaram-me duas de Vossa Senhoria, as quais muito desejava: uma
com data de outubro e a outra de janeiro. Ainda que não eram tão recentes como
eu quisera, consolei-me muitíssimo com elas, sobretudo por saber que está Vossa
Senhoria com saúde. Dê-lha Nosso Senhor, como todas nós, suas filhas,
suplicamos, que é muito contínuo este cuidado nestas casas de Vossa Senhoria.
Todos os dias fazemos particular oração no coro para este fim, e, além disto,
todas se desvelam, pois, como sabem quanto amo a Vossa Senhoria e não conhecem
a outro por Pai, consagram a Vossa Senhoria grande amor; e não é muito, pois
não temos outro bem na terra. Como todas vivem muito contentes, não sabem como
agradecer a Vossa Senhoria o ter-lhes dado princípio.
Escrevi a Vossa Senhoria contando a fundação de Beas e
como, em Caravaca, haviam pedido outra, mas deram licença com tal inconveniente
que não a quis admitir. Já tornaram a dá-la nas mesmas condições da de Beas,
que é estarem sujeitas a Vossa Senhoria; e assim faremos para todas, se o
Senhor for servido. Escrevi também a Vossa Senhoria as causas pelas quais vim
fundar o mosteiro de Sevilha. Praza a Nosso Senhor consiga eu explicar o caso
destes Descalços a Vossa Senhoria, para que isto não lhe seja motivo de
contrariedade. Deus me faça a mercê de ver tudo aplanado. Saiba Vossa Senhoria
que tomei muitas informações antes de minha vinda a Beas, com o fim de me
certificar de que não era Andaluzia, onde eu de nenhum modo pensei em vir, pois
não desejava viver entre esta gente. Acontece, porém, que Beas, embora não seja
terra andaluza, está situada na província de Andaluzia. Só o vim a saber quando
havia mais de um mês estava fundado o mosteiro. Como já me achava ali com
outras monjas, pareceu-me não dever abandonar a fundação; e daí se originou
também minha vinda para Sevilha. Meu principal desejo, entretanto, é, como
escrevi acima a Vossa Senhoria, deslindar os negócios tão complicados destes
Padres. Embora eles justifiquem sua causa — e posso assegurar que os tenho em
conta de filhos verdadeiros de Vossa Senhoria, desejosos de não lhe causar
desgosto, — não posso deixar de culpá-los. Parece que já vão entendendo como
fora melhor outro caminho, a fim de não contrariarem a Vossa Senhoria. Muito
temos discutido, especialmente Maríano e eu, pois é muito arrebatado. Quanto a
Gracián, é como um anjo; se fosse só por ele, tudo se teria feito de outra
sorte; e veio para cá por ordem de Frei Baltasar, que era então Prior da
Pastrana. Posso dizer a Vossa Senhoria que, se o conhecesse, gostaria de o ter
por filho, e verdadeiramente entendo que o é, como, aliás, o próprio Maríano.
Este Maríano é homem virtuoso e penitente, notado de
todos pelo seu engenho, e creia Vossa Senhoria que, certamente, só agiu movido
pelo zelo de Deus e o bem da Ordem; mas, como já disse, foi exagerado e
indiscreto. Ambição não entendo que haja nele; é o demônio, como Vossa Senhoria
diz, que arma esses enredos, e o move a dizer muitas coisas sem refletir.
Tem--me feito sofrer bastante algumas vezes, mas, como vejo que é virtuoso, vou
passando por cima. Se Vossa Senhoria ouvisse como eles se justificam, não
deixaria de aplacar-se. Disse-me hoje mesmo que, enquanto não se lançar aos pés
de Vossa Senhoria, não terá descanso. Já escrevi a Vossa Senhoria como ambos me
rogaram que escrevesse a Vossa Senhoria, apresentando-lhe suas desculpas, pois
não ousam fazê-lo; e assim não direi aqui senão aquilo a que me parece estar
obrigada, pois já escrevi a Vossa Senhoria sobre este assunto.
Em primeiro lugar, entenda Vossa Senhoria, por amor de
Nosso Senhor, que todos os Descalços juntos nada são para mim, em comparação da
mínima coisa que atinja as vestes de Vossa Senhoria. Isto é a pura verdade; dar
a Vossa Senhoria algum desgosto é ferir-me na menina dos olhos. Eles não viram,
nem hão de ver estas cartas; apenas disse a Maríano que, tenho certeza, desde
que eles sejam obedientes, Vossa Senhoria usará de misericórdia. Gracián não
está aqui; foi chamado pelo Núncio, como a Vossa Senhoria escrevi; e, creia
Vossa Senhoria: se eu os achasse desobedientes, não os quisera mais ver nem
ouvir; porém não posso ser mais filha de Vossa Senhoria do que eles se mostram.
Direi agora meu parecer e, se for bobagem, perdoe-me
Vossa Senhoria. A respeito da excomunhão, o que Gracián escreveu da Corte a
Maríano, é o seguinte: o Padre Provincial Frei Ángel declarou não poder tê-lo
no convento por estar excomungado, de modo que teve de ir para a casa de seu
pai. Soube-o o Núncio e, mandando chamar ao Pe. Frei Ángel, repreendeu-o muito,
dizendo que se sentia afrontado, pois, estando aqui esses Padres por sua ordem,
os chamam excomungados; e, portanto, quem tal disser será castigado. Logo
voltou Gracián ao mosteiro, e aí está, e prega na Corte.
Pai e senhor meu, não estão agora os tempos para estas
coisas. Este Gracián tem um irmão que está sempre com o Rei; é seu secretário,
e muito querido dele; e o Rei, segundo tenho sabido, não está longe de intervir
em favor da Reforma. Os próprios Calçados dizem que não sabem como Vossa
Senhoria trata assim a homens tão virtuosos; gostariam de conviver com os
contemplativos por verem sua virtude, e Vossa Senhoria com esta excomunhão os
privou desse bem. A Vossa Senhoria dizem uma coisa e por aqui dizem outra. Vão
ao Arcebispo e alegam que não ousem castigá-los por temor de que logo recorram
a Vossa Senhoria. É uma gente esquisita. Eu, senhor, tenho-os diante dos olhos,
tanto a uns como a outros — sabe Nosso Senhor que digo a verdade, — e creio que os mais obedientes são, e hão de ser os
Descalços. De lá não vê Vossa Senhoria o que se passa aqui; eu o vejo e relato
as coisas como são, porque bem conheço a santidade de Vossa Senhoria e quanto é
amigo da virtude. E como, por nossos pecados, as coisas da Ordem chegaram por
aqui a tal ponto, parecem-me agora muito bons os frades de Castela, depois que
vejo os de cá. Ainda depois de minha chegada aqui, aconteceu uma coisa muito
desagradável: no meio do dia achou a Justiça dois frades numa casa mal
freqüentada; e publicamente foram levados presos. Foi isto muito mal feito;
quisera eu que se tivesse mais cuidado em não lhes tirar a honra; quanto a
fraquezas humanas, não me espantam. Isto aconteceu depois que escrevi a Vossa
Senhoria. Contudo, dizem que fizeram bem em prendê-los.
Alguns vieram visitar-me. Fiquei bem impressionada;
especialmente o Prior é muito boa pessoa. Veio requerer que lhe mostrasse eu as
patentes com que havia fundado. Queria levar cópia. Respondi-lhe que não
intentasse pleito, pois bem via como tenho faculdade para fundar. De fato, a
última patente, redigida em latim, que me enviou Vossa Senhoria, depois que
vieram os Visitadores, dá ampla licença para que eu possa fundar em qualquer
lugar. Assim o entendem os Letrados: já que não assinala Vossa Senhoria coisa
alguma, nem reino, nem províncias, estende
a licença a todas as partes. E até vem com preceito, e foi isto o que me tem
feito esforçar-me além da minha possibilidade, velha e cansada como estou. Até
mesmo o cansaço que sofri na Encarnação, tudo me parece nada. Nunca tenho
saúde, nem mesmo vontade de a ter; minhas grandes ânsias são de sair já deste
desterro; isto, sim, tenho, embora cada dia me faça Deus maiores mercês. Por
tudo seja Ele bendito.
Sobre esses Frades que receberam, já falei a Maríano.
Diz ele que esse Piñuela usou de astúcia para tomar o hábito: foi a Pastrana e
declarou que o havia recebido das mãos de Vargas, que é o Visitador aqui; e,
vindo a saber-se a verdade, ele mesmo o vestiu. Já há tempo estão querendo
mandá-lo embora, e assim o farão; o outro já não está com eles. Os mosteiros
foram feitos por mandado do Visitador Vargas, com a autoridade apostólica que
tinha, pois as fundações de casas de Descalços aqui são tidas em conta de
principal meio de reforma. E assim, quando o Núncio mandou como reformador a
Frei Antonio de Jesus, deu-lhe licença para fazer as visitas e fundar mosteiros;
mas ele procedeu melhor, nada fazendo sem pedir a Vossa Senhoria. E se aqui
estivera Teresa de Jesus, porventura teriam olhado mais o que faziam; porque
nunca se tratou de fazer casa sem licença de Vossa Senhoria, que eu não me
pusesse muito brava. Neste ponto procedeu muito bem Frei Pedro Fernández,
Visitador de Castela, e sou-lhe muito devedora porque era sempre solícito em
não desgostar a Vossa Senhoria. O Visitador aqui tem dado tantas licenças e
faculdades a estes Padres, rogando-lhe que usem delas, que se Vossa Senhoria as
vir entenderá que não são tão culpados. Dizem até que jamais quiseram admitir a
Frei Gaspar nem ter amizade com ele, por mais que lhes pedisse, e o mesmo
fizeram com outros; e o convento que tinham tomado aos Calçados, logo o
restituíram. Estas e muitas outras coisas dizem para se justificar, por onde
vejo que não agiram com malícia; e, quando considero os grandes trabalhos que
passaram e a penitência que fazem, realmente entendo que são servos de Deus e
tenho pesar de transparecer que Vossa Senhoria não os favorece.
Os mosteiros
foram feitos pelo Visitador, que os mandou para lá com grandes preceitos de não
saírem; e o Núncio deu patentes de reformador a Gracián, encarregando-o de
cuidar das casas dos Descalços. Por ordem de Vossa Senhoria, devem estes
observar o que mandam os Visitadores; e o mesmo, como Vossa Senhoria sabe,
manda o Papa no Breve, livrando-o de qualquer intervenção. Como agora se há de
desfazer, não entendo. Além de tudo, segundo ouvi dizer, mandam as nossas Constituições,
que se estão imprimindo, haver em cada província casas de frades reformados. Se
toda a Ordem já o está, não sei, mas aqui não o julgam assim; enquanto a estes,
são tidos em conta de santos, todos eles, e verdadeiramente vão bem, com grande
recolhimento e vida de oração. Há entre eles pessoas principais, e mais de vinte fizeram cursos, ou não sei como se diz: uns
de direito canônico, outros de teologia, e há muito bons talentos. E, entre
esta casa, a de Granada e a Peñuela, parece-me ter ouvido que há mais de
setenta. Não compreendo o que se haveria de fazer de todos estes, nem o que
pensaria agora o mundo, pois os tem em tão boa opinião. Talvez viéssemos todos
nós a pagá-lo caro; porque junto ao Rei têm crédito, e o Arcebispo aqui diz que
só eles merecem o nome de Frades. Saírem agora da Reforma — se Vossa Senhoria
os não quer, — creia-me: ainda que Vossa Senhoria tivesse toda a razão do
mundo, a ninguém pareceria justo. Privá-los Vossa Senhoria de seu amparo, nem
eles o querem, nem é razão que Vossa Senhoria o faça, nem Nosso Senhor
ficará contente. Encomende-o Vossa Senhoria a Sua Majestade, e, como verdadeiro
pai, olvide o passado. Veja Vossa Senhoria que é servo da Virgem, e que Ela não
levará a bem que Vossa Senhoria desampare aos que, com seus suores, querem
aumentar a sua Ordem. Estão já as coisas de sorte, que é mister muita
consideração...1
* 1 A dom Lorenzo de Cepeda, em Quito
Ávila, 23
dezembro 1561
02 – pg. 1037
A D. Lorenzo de Cepeda, em Quito
Ávila, 23 de dezembro de 1561. Agradece a D. Lorenzo
uma remessa de várias quantias. Oportunidade com que chegou esse dinheiro, para
ela, e para suas irmãs D. María e D. Juana. Projeto da Reforma do Carmo. Elogio
de Antonio Morán e de D. Juana de Ahumada.
Jhs
Senhor:
Esteja o Espírito Santo sempre com vossa mercê, amém!
e pague-lhe o cuidado que teve de socorrer a todos com tanta diligência. Espero
na Majestade de Deus que vossa mercê muito há de ganhar do Senhor; porque,
asseguro-lhe, a cada um em particular chegou o seu dinheiro em tão boa hora,
que para mim serviu de grande consolação. E creio que foi vossa mercê movido
por Deus, para enviar-me tanto, porque a uma pobre monja como eu, que já tenho
por honra – glória a Deus! – andar remendada, bastava o dinheiro trazido por
Juan Pedro de Espinosa y Varrona (creio que assim se chama o outro negociante),
para prover às minhas necessidades durante alguns anos1.
Mas, como já
escrevi bem longamente a vossa mercê, por muitas razões e causas, às quais não
me pude furtar por serem inspiração de Deus – de modo que não são para cartas,
– tem parecido a pessoas santas e letradas que estou obrigada a não ser
covarde, e fazer o que puder para realizar esta obra. Só lhe posso dizer que é
fundar um mosteiro, onde há de haver só quinze monjas – sem se poder aumentar o
número –, com grandíssimo encerramento, assim de nunca saírem como de não verem
senão com véu diante do rosto, fundadas em oração e mortificação, conforme a
vossa mercê já escrevi mais largamente e escreverei ainda por Antonio Morán, quando
for.
Estou sendo
ajudada por essa senhora D. Guiomar, que também escreve a vossa mercê. É viúva
de Francisco d’Ávila, de Salobralejo, não sei se vossa mercê dele se recorda.
Há nove anos lhe morreu o marido, que tinha um conto de renda, e, além do que dele
herdou, tem por sua parte um morgado. Embora tenha ficado viúva aos vinte e
cinco anos, não se casou mais e tem-se dado muito a Deus. É bem espiritual. Há
mais de quatro anos há entre nós mais estreita amizade do que se fôssemos
irmãs. Conquanto muito me ajude, porque dá grande parte da sua renda, por ora
está sem dinheiro, e, no tocante a fazer e comprar a casa, faço-o eu, com o
favor de Deus. Recebi o dote de duas noviças, antes de começar, e com isto
comprei a casa, ainda que secretamente; mas para as obras indispensáveis não
tinha de que lançar mão. Ainda assim, confiando só em Deus – pois se quer que o
faça, a tudo proverá, – contratei os oficiais. Parecia desatino. Vem Sua
Majestade e move a vossa mercê para que forneça os meios. Sabe o que mais me
espantou? É que me faziam grandíssima falta os quarenta pesos acrescentados por
vossa mercê; e quem fez que não faltassem, creio, foi S. José, pois assim se há
de chamar a casa. E, sei que o pagará a vossa mercê. Enfim, ainda que pobre e
pequena, tem lindas vistas e terreno, e com essa quantia de vossa mercê se
concluirá.
Foram buscar as
Bulas em Roma, porque, embora seja da minha mesma Ordem, prestamos obediência
ao Bispo. Espero no Senhor que será para muita glória sua, se nos permitir
realizá-lo; e penso que sem falta assim fará, porque vão almas que bastam para
dar grandíssimo exemplo: muito escolhidas, e dadas à humildade, penitência e
oração. Vossas Senhorias o encomendem a Deus. Quando Antonio Morán partir, com
o favor divino já estará acabado.
Esteve aqui, e muito me consolei com ele, por me
parecer homem de bem, verdadeiro entendido, e saber dar tão particulares
notícias de Vossas Senhorias. Certamente uma das grandes mercês que o Senhor me
tem feito a mim é ter-lhes dado a entender o que é o mundo, para que deste modo
tenham querido viver sossegados. Vejo que estão no caminho do céu, e é o que
mais desejava saber, pois até agora sempre estava em sobressalto. Glória seja
Àquele que tudo isso faz. Praza ao mesmo Senhor vá progredindo sempre vossa mercê
no seu serviço; e, pois não há medida no galardão, não há de haver paradas,
senão procurar servi-lo, e ir cada dia, sequer um pouquinho mais adiante, e com
fervor. Pareça-nos sempre, como de fato é, que estamos em guerra e que, até
ganhar vitória, não há de haver descuido.
Os que me têm trazido dinheiro, da parte de vossa
mercê, têm sido homens dignos, de caráter, mas Antonio Morán assinalou-se, não
só em trazer bem vendido o ouro e sem cobrar nada, segundo verá vossa mercê,
como em ter vindo, com bem pouca saúde, de Madrid a Ávila para mo entregar.
Hoje está melhor, foi coisa passageira. Vejo que tem deveras amor a vossa
mercê. Trouxe também o dinheiro de Varrona, e com muito cuidado. Também esteve
aqui Rodríguez, e tudo fez muito bem. Por ele escreverei a vossa mercê, pois
talvez parta primeiro. Mostrou-me Antonio Morán a carta que vossa mercê lhe
escreveu. Creia que tanto cuidado não foi só virtude de sua parte; era o
próprio Deus quem o movia.
Ontem enviou-me minha irmã D. María2 essa carta que vai inclusa. Quando ela receber
esta nova remessa de dinheiro, escreverá outra. No tempo de maior necessidade
chegou-lhe o auxílio. É muito boa cristã e passa grandes trabalhos; e se Juan
de Ovalle3 lhe movesse pleito, ficaria com seus filhos
arruinados. E afinal não é tão grande o prejuízo, como a ele parece; ainda que
foi tudo muito mal vendido, e desbaratada a herança4. Mas também Martin de Guzmán levava
bons intentos (Deus o tenha no céu!) e a justiça decidiu em seu favor, embora
indevidamente. Tornar-se agora a pedir o que meu pai (que esteja na glória!)
vendeu, eis o que não o posso sofrer. O demais, como digo, seria dar a morte a
D. María, minha irmã; e Deus me livre de interesse que redunde em tanto mal
para os parentes; conquanto por aqui estejam as coisas de tal sorte, que por
maravilha há pai para filho, e irmão para irmão. Assim pois não me espanto de
Juan de Ovalle; até portou-se bem, pois por amor de mim, deixou-se de pleitos
por enquanto. Tem boas qualidades, mas, em todo caso, convém não confiar muito;
por isso quando vossa mercê lhe enviar os mil pesos, mande-os sob condição,
firmada com escritura, e esta venha dirigida a mim, estipulando que no dia em
que tornarem ao pleito, sejam quinhentos ducados para D. María.
A venda das casas
de Gotarrendura ainda não está concluída; porém Martin de Guzmán já havia
recebido por conta das mesmas trezentos mil maravedis5, e é justo que sejam
devolvidos a Juan de Ovalle. Com mais os mil pesos que lhe enviar vossa mercê,
ficará ele remediado e poderá viver em Ávila. Assim fez, e atualmente está aqui
por certa necessidade que houve. Se daí lhe não vier essa quantia, não poderá
ficar sempre, senão passar de vez em quando umas temporadas, e mal.
São muito bem
casados, mas posso afirmar a vossa mercê que D. Juana deu uma mulher tão
honrada e de tanto valor, que é para louvar a Deus: uma alma de anjo. Eu é que
saí a pior de todas, a quem Vossas Senhorias não haviam de reconhecer por irmã,
do jeito que sou; não sei como me querem tanto. Isto digo com toda a verdade.
Grandes trabalhos tem ela passado, e sofre tudo muito bem. Se vossa mercê, sem
se pôr em aperto, puder enviar--lhe alguma coisa, faça-o com brevidade, nem que
seja aos poucos.
As quantias que
vossa mercê mandou foram entregues, como verá pelas cartas inclusas. Toribia6 morreu, assim como também seu marido. Os
filhos que deixaram são pobres, e muito lhes valeu a esmola. As Missas foram
celebradas; (algumas, creio, antes de chegar a espórtula), pelas intenções que
mandou vossa mercê; e pelos melhores sacerdotes que achei, realmente muito
virtuosos. Causou-me devoção o ver as intenções determinadas por vossa mercê.
Encontro-me em
casa da senhora D. Guiomar durante todas estas negociações, e isto tem me
consolado, por estar mais vezes com pessoas que me falam de vossa mercê. Também
me sinto à vontade, porque vim com uma filha desta senhora, monja em nosso
mosteiro, a quem me mandou o Provincial acompanhar para passar uns tempos com
sua mãe, e aqui me acho com muito mais liberdade que em casa de minha irmã para
tudo quando quero. Só tratamos de Deus e há muito recolhimento. Assim ficarei
até me mandarem outra coisa; mas para tratar de negócio em questão, melhor
seria estar aqui.
Falemos
agora de minha querida irmã, a senhora D. Juana7, que, embora seja aqui a última, não
o é na minha amizade; e tenha por certo, e assim é, que, embora não no mesmo
grau que a vossa mercê, muito a encomendo a Deus. Beijo a Sua Mercê mil vezes
as mãos, por tantas provas de estima que me dá. Não sei
como retribuir, a não ser fazendo com que o nosso
menino8 seja muito encomendado a Deus. Assim fazemos,
e muito a seu cargo o tem o santo Frei Pedro de Alcântara, que é um Frade
descalço, sobre o qual já escrevi a vossa mercê; e também os Teatinos9 e outras pessoas às quais atenderá o Senhor.
Praza a Sua Majestade fazê-lo ainda mais virtuoso que os pais, pois, por bons
que sejam, mais quero eu para ele. Sempre que me escrever vossa mercê, fale do
contentamento e concórdia que tem com sua esposa. Com isto muito me consolo.
Prometi
enviar-lhe, quando for Antonio Morán, uma cópia da carta executória, que,
segundo dizem, não pode estar melhor; e isto farei com todo cuidado. E se desta
vez se perder no caminho, enviarei outra até que alguma lhe chegue às mãos. Não
sei como deixaram de enviá-la a vossa mercê, mas, porque toca a terceira
pessoa, e esta não a quis dar, não lhe conto o caso. Vou remeter-lhe também
algumas relíquias que tenho; a guarnição é de pouco valor. Pelo que a mim me
envia meu irmão, mil vezes beijo-lhe as mãos; se fôra no tempo em que eu usava
ouro, cobiçaria não pouco a medalha; achei-a extremamente linda. Deus nos
guarde a Sua Mercê por muito tempo, e a vossa mercê igualmente, e lhes dê boas
entradas, que amanhã é véspera do ano de 1562.
Por demorar com
Antonio Morán, comecei a escrever tarde, e não posso estender-me ainda, como
quisera, porque ele quer partir amanhã, e assim vou escrever agora a meu
Jerónimo de Cepeda, mas não importa: muito brevemente escreverei de novo a
vossa mercê; sempre leia vossa mercê minhas cartas. Fiz questão de empregar boa
tinta, mas a carta foi escrita tão às pressas, e, como digo, a tal hora, que
não a posso tornar a ler. Estou melhor de saúde que de costume. Deus a dê a
vossa mercê, no corpo e na alma, como desejo. Amém!
Aos senhores
Fernando de Ahumada e Pedro de Ahumada deixo de escrever por falta de tempo;
fá-lo-ei tão logo possa. Saiba vossa mercê que algumas pessoas muito boas, que
estão ao par do nosso segredo – refiro-me ao negócio da fundação –, tiveram por
milagre o enviar-me vossa mercê tanto dinheiro a tal tempo. De Deus espero que,
em havendo necessidade de mais, ainda que vossa mercê não queira, Ele lhe porá
no coração que me socorra.
De vossa mercê
muito fiel serva,
D. Teresa de Ahumada.
*2 A dom Lorenzo de Cepeda, em Quito
Toledo, 17 Janeiro
1570
25 – pg. 1066
25. A D. Lorenzo de Cepeda em Quito
Toledo, 17 de janeiro de 1570. Alegra-se com a próxima
viagem de D. Lorenzo à Espanha. Dá-lhe notícias dos Conventos fundados até
aquela data. Facilidade que encontrará em Ávila para educação de seus filhos.
Agradece o dinheiro chegado em ocasião oportuna. Santa morte da esposa de D.
Lorenzo.
Jhs
Esteja sempre o Espírito
Santo com vossa mercê. Amém. Por quatro vias escrevi a vossa mercê; em três
delas ia também carta para o senhor Jerónimo de Cepeda, e, como é impossível
que alguma não lhe tenha chegado, não responderei a tudo o que vossa mercê me
pergunta na sua carta. Por isso nada mais direi agora a respeito da boa
resolução que Nosso Senhor lhe pôs na alma. Pareceu-me muito acertado e fez-me
louvar a Sua Majestade. Em suma, pelas razões que vossa mercê me diz, entendo
pouco mais ou menos os outros motivos que pode haver, e, espero em Nosso
Senhor, será sua vinda muito para a glória de Deus. Em todos os nossos
mosteiros temos feito oração muito particular e contínua neste sentido; e, pois
o intento de vossa mercê é servir a Nosso Senhor, Sua Majestade no-lo traga com
segurança e disponha o que for mais proveitoso à sua alma e à desses meninos.
Como escrevi a vossa mercê, são seis os Conventos já
fundados, além de dois de frades, também Descalços, de Nossa Ordem. Considero
isto grande mercê do Senhor, porque vão muito adiante na perfeição, tanto estes
como os de monjas, todos com o mesmo espírito de São José de Ávila, que parecem
uma só coisa. E muito me anima ver como em todos Nosso senhor é louvado de
verdade e com grande pureza de alma.
Presentemente estou em Toledo. Fará um ano, nas
vésperas de Nossa Senhora de Março, que cheguei aqui; apenas tive de ir a uma
vila de Rui Gómez, que é príncipe de Éboli, onde fundamos um mosteiro de frades
e outro de monjas, que vão muito bem. Voltei para terminar o que faltava e
deixar esta casa bem organizada, que, segundo vejo, será uma das principais. E
tenho passado bem melhor de saúde este inverno, porque o clima desta terra é
admirável; e, a não haver outros inconvenientes (porque não conviria
estabelecer-se vossa mercê aqui por causa de seus filhos), dá-me vontade
algumas vezes de o ver morar aqui em Toledo, por ser tão bom o clima. Mas há
lugares em territórios de Ávila onde vossa mercê poderá passar os invernos,
como assim fazem alguns. Quanto a meu irmão Jerónimo de Cepeda, penso que
estará aqui com mais saúde, quando Deus o trouxer de volta. Tudo é como Sua
Majestade quer, pois, creio, de quarenta anos para cá nunca tive tanta saúde,
apesar de cumprir a Regra como todas e jamais comer carne, a não ser em grande
necessidade.
Há cerca de um ano tive umas febres quartãs, que até
me deixaram melhor. Estava na fundação de Valladolid, e só me faltava sucumbir
sob o peso dos agrados da senhora D. María de Mendoza, viúva do Secretário
Cobos1,
que me quer muito. Deste modo, o Senhor, quando vê que é necessário para nosso
bem, dá saúde; e quando não, manda enfermidade. Seja por tudo bendito. Tive
pena de estar vossa mercê doente dos olhos, pois é coisa penosa. Glória a Deus
que tenha melhorado tanto.
Juan de Ovalle já escreveu a vossa mercê, dando-lhe
conta de como foi daqui a Sevilla. Um amigo meu encaminhou tão bem o negócio,
que no mesmo dia de sua chegada recebeu a prata e trouxe-a para aqui, onde
será trocada em moeda corrente até o fim deste mês de janeiro. Em minha
presença, fizeram a conta dos impostos a pagar; junto com esta carta lha
enviarei. Não pouco trabalho me deu, mas, com estas casas de Deus e da Ordem,
fiquei tão sabida e esperta em negócios, que já entendo de tudo, e assim trato
dos de vossa mercê como se fossem da Ordem, e folgo de com isto lhe ser útil2.
Antes que me esqueça. Saiba que, depois de minha
última carta a vossa mercê, morreu, há pouco, o filho de Cueto3, bem moço.
Não há que fiar desta vida; assim me consolo de cada vez que me lembro de como
vossa mercê já está bem convencido desta verdade.
Terminando minhas
ocupações aqui, é meu desejo voltar a Ávila, porque ainda sou Priora de lá, para
não contrariar o Bispo4, a quem devo muito, assim como toda a Ordem. Não sei o que o
Senhor fará de mim, talvez tenha de ir a Salamanca, onde me oferecem uma casa.
Deveras me canso, mas é tanto o proveito que fazem estes mosteiros nos lugares
onde estão fundados, que sou obrigada em consciência a fundar quantos puder. O
Senhor me tem favorecido, e com isto me animo.
Esqueci-me de escrever
nas outras cartas a boa oportunidade que há em Ávila para educar esses meninos.
Os Padres da Companhia têm colégio, onde ensinam gramática, confessam os alunos
de oito em oito dias e os criam tão virtuosos que é para louvar a Nosso Senhor.
Também há curso de filosofia e depois de teologia em Santo Tomás, de modo que
não há necessidade de ir a outra parte para o que diz respeito a virtudes e
estudos. Há muita cristandade em todo o povo, e assim as pessoas que vêm de
fora se edificam, achando muita prática de oração e de confissões, e pessoas
seculares que levam vida de muita perfeição.
O bom Francisco de Salcedo vai bem. Muito me penhorou
ter vossa mercê enviado tão valiosa lembrança a Cepeda5. É um santo. Creio não
exagerar chamando-o assim; ele não sabe como agradecer-lhe. Pedro del Peso, o
Velho, morreu haverá um ano: aproveitou bem da vida. Ana de Cepeda apreciou
muito a esmola que vossa mercê lhe mandou; com isto ficará rica, pois outras
pessoas também a protegem por ser tão virtuosa. Não lhe faltaria onde estar,
mas é de gênio esquisito e não serve para viver com outros. Deus a leva por
esse caminho, e por isso nunca me atrevi a recebê--la em algum destes nossos conventos; não por falta de virtude, mas por ver
que seu modo de vida é o melhor para ela. Não ficará nem com a senhora D. María6 nem com outra pessoa; sozinha como está, vive
muito bem. Parece que nasceu para ermitã, mas sempre com aquela bondade que lhe
é própria, vivendo com grande penitência.
O filho da senhora D.
María, minha irmã, e de Martin de Guzmán, professou e vai adiante na santidade
de seu estado. D. Beatriz e sua filha morreram ambas, como já escrevi a vossa
mercê. D. Madalena, que era a mais nova, está num mosteiro, como secular. Muito
quisera eu que a chamasse Deus para monja. É muito linda. Há muitos anos não a
vejo. Há pouco propuseram-lhe um casamento com um morgado, viúvo; não sei em
que vai parar7.
Já escrevi a vossa mercê
dizendo como veio em boa hora seu presente à minha irmã. Tenho-me admirado dos
trabalhos que, por falta de meios, lhe tem dado o Senhor e tudo sofreu tão bem
que agora lhe quer Sua Majestade dar algum alívio. Quanto a mim, nada me falta,
antes tenho de sobra; e assim, da esmola que vossa mercê me envia para mim,
parte será para minha irmã, e o demais se empregará em boas obras, tudo em
intenção de vossa mercê. Por certos escrúpulos que eu tinha, veio-me em boa
hora a sua oferta; porque, com estas fundações, apresentam-se alguns casos a
resolver, e eu, embora tenha muito cuidado de tudo gastar só com os mosteiros,
talvez pudesse não ter sido tão pródiga em remunerar as consultas aos letrados,
aos quais sempre recorro nas dúvidas de consciência. Enfim, são ninharias;
contudo foi para mim grande alívio o não ter de recorrer a outros e, embora não
faltasse a quem, prefiro ter liberdade com esses senhores para lhes poder dizer
meu modo de pensar. Está o mundo tão perdido em matéria de interesse, que
aborreço totalmente qualquer tipo de propriedade, e, assim, nada guardarei.
Dando uma parte à Ordem, ficarei com liberdade de dar o resto, como disse
acima, pois tenho ampla licença do Geral e do Provincial, tanto para receber
postulantes, como para mudá-las, e para ajudar a uma casa com o que é das
outras8.
Não sei como explicar o crédito que tenho com esta
gente; é tanta a confiança, ou, por melhor dizer, a cegueira, que chegam a me
fiar mil e até dois mil ducados. E assim, tendo eu agora aborrecimento, tanto a
dinheiros como a negócios, quer o Senhor que não trate de outra coisa; e
não é pequena cruz. Praza à Sua Majestade Lhe preste eu algum serviço, pois
tudo algum dia terá fim.
Deveras me parece que, estando vossa mercê aqui, hei
de ter alívio; é o que não encontro em quase todas as coisas da terra. Quer
porventura Nosso Senhor conceder-me este: que nos juntemos para procurar sua
maior honra e glória e algum proveito das almas. Isto é o que muito me faz
sofrer: o considerar quantas se perdem, em particular esses índios, que não me
custam pouco. O Senhor lhes dê luz. Por aqui como por lá, há muita desventura.
Como ando por tantos lugares e muitas pessoas me falam, não sei muitas vezes o
que pensar, senão que somos piores que animais, pois não entendemos a grande
dignidade de nossa alma, rebaixando-a a coisas tão baixas como são as da terra.
O Senhor nos dê luz!
Com o Pe. Frei García de Toledo, que é sobrinho do
Vice-rei9 – pessoa que me faz muita falta aqui para
minhas consultas –, poderá vossa mercê tratar. E, se tiver necessidade de algum
favor do Vice-rei, saiba que é muito cristão, e foi grande felicidade para nós
ter ele querido ir às Índias. De todas as vezes em que escrevi a vossa mercê,
incluí uma carta para Frei García, e em cada uma enviei relíquias para a viagem
de vossa mercê; muito desejo que lhe tenham chegado às mãos.
Não tencionava alongar-me tanto. Desejo que entenda
que foi mercê de Deus dar tal morte à senhora D. Juana10. Aqui a temos encomendado a
Nosso Senhor, e fizeram-se exéquias em todos os nossos mosteiros. Espero em Sua
Majestade que já não terá mais necessidade de sufrágios. Muito procure vossa
mercê não se entregar à dor. Veja bem: é próprio de quem não se lembra de que
há vida para sempre o sentir tanto a partida dos que na realidade vão viver,
saindo de tantas misérias.
A meu irmão o senhor Jerónimo de Cepeda muito me
recomendo, pedindo-lhe que tenha por sua esta carta. Muito me alegrou o
dizer-me vossa mercê que também ele se prepara com intenção de vir para cá,
daqui a alguns anos, se puder. Quisera eu que, se houvesse possibilidade, não
deixasse lá seus filhos, a fim de nos reunirmos aqui, e nos ajudarmos
mutuamente até um dia estarmos juntos para sempre.
É hoje 17 de janeiro. Ano de 1570.
Indigna serva de vossa mercê,
Teresa de Jesus, Carmelita.
Das Missas encomendadas, muitas já foram ditas; as
demais também o serão.
Recebi uma noviça sem dote, e até a cama lhe quis dar,
oferecendo a Deus esta esmola para que me traga com segurança a vossa mercê e a
seus filhos. A eles me recomendo. O mesmo vou oferecer pelo senhor Jerónimo de
Cepeda. Muitas recebo assim, desinteressadamente, só fazendo questão de que
sejam espirituais; e o Senhor provê mandando outras com cujo dote se vão
fazendo as obras.
Em Medina entrou uma jovem que trouxe oito mil ducados11; e outra,
que tem nove mil, está querendo entrar aqui. Da minha parte nada peço; e são
tantas que é para louvar a Deus. Em começando alguma a ter oração, já não quer
outra coisa, a modo de dizer, senão enclausurar-se nestas casas. São apenas
treze em cada Convento, porque sem fazer peditório como é de Constituição, e
vivendo apenas das esmolas que espontaneamente nos trazem à portaria – e já é
ter muita confiança! –, não é admissível serem muitas. Creio que vossa mercê há
de gostar de ver estas casas. Ninguém pede conta nem tem que ver com as esmolas
que recebemos, a não ser eu, e assim é mais trabalho para mim.
Ao senhor Pedro de Ahumada envie vossa mercê, da minha
parte, muitas recomendações; e, porque saberá de mim por vossa mercê, e
disponho de tão pouco tempo, não lhe escrevo hoje. Estou muito preocupada com
Agostinho de Ahumada, por não saber como vai indo com Nosso Senhor; estes
mesmos cuidados ofereço em sua intenção. Ao senhor Hernando de Cepeda me
recomendo. Uma filha de sua irmã casou-se agora vantajosamente.
*3 A dona Luisa da Cerda, em Paracuellos
Ávila, 7
novembro 1571
37 – pg. 1082
37. A D. Luisa de La Cerda, em Paracuellos
Encarnação de Ávila, 7 de novembro de 1571. Consola D.
Luisa em seus trabalhos. Recolhimento que reina na Encarnação de Ávila. Vaidade
das coisas do mundo.
Jhs
A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Senhoria.
Três vezes escrevi a Vossa Senhoria desde que estou nesta casa da Encarnação,
isto é, há pouco mais de três semanas: parece-me que nenhuma chegou às mãos de
Vossa Senhoria. É tanta a parte que tomo aqui em seus trabalhos, que, juntando
esta pena com os muitos que atualmente me afligem, já não preciso pedir mais a
Nosso Senhor. Seja bendito por tudo! Bem se deixa ver que está Vossa Senhoria
no número dos que hão de gozar de seu Reino, pois lhe dá a beber de seu cálice,
com tantas enfermidades de Vossa Senhoria e dos que lhe são caros.
Li uma vez num livro que o prêmio dos trabalhos é o
amor de Deus: por tão precioso ganho, quem não os amará? Assim suplico a Vossa
Senhoria que o faça; considere como tudo acaba depressa, e com isto se vá
desenganando de todas essas coisas que não hão de durar para sempre.
Já eu sabia quanto Vossa Senhoria estava passando mal,
e ainda hoje procurei meios para saber de sua saúde. Bendito seja o Senhor,
que Vossa Senhoria está melhor. Volte desse lugar, por amor de Deus, pois
claramente se vê como para todos é contrário à saúde. Quanto à minha, está boa
— seja Ele bendito! — em comparação do que costuma ser; é porque, sendo tantos
os trabalhos, impossível seria agüentar os sofrimentos se não houvesse melhora
no meu estado habitual. São tantas e tão forçosas as ocupações de fora e de
dentro de casa, que ainda para escrever esta carta tenho bem pouco tempo.
Nosso Senhor pague a Vossa Senhoria o favor e consolo
que me proporcionou com a sua, pois lhe asseguro que bem necessidade tenho de
algum alívio. Ó senhora! quem se viu no sossego de nossas casas e agora se acha
metida nesta barafunda1. Não sei como se pode viver; de todas as maneiras encontro
padecimento! Entretanto, glória a Deus! há paz — o que não é pouco, indo-lhes
eu aos poucos tirando seus passatempos e liberdade, pois, embora sejam tão boas
e por certo haja muita virtude nesta casa, mudar de costume é morte, como
dizem. Levam-no bem e mostram-me muito respeito; mas, onde há cento e trinta,
bem entenderá Vossa Senhoria o cuidado que será necessário para ordenar todas
as coisas segundo a razão. Alguma preocupação me dão nossos mosteiros; mas, como
vim para cá forçada pela obediência, espero em Nosso Senhor que não consentirá
que eu faça falta, e terá cuidado deles. Parece que não está inquieta minha
alma com toda esta Babilônia; e isto tenho por mercê do Senhor. O natural se
cansa, mas tudo é pouco para o muito que ofendi a Sua Majestade.
Tive pesar com a notícia
da morte da boa D. Juana2. Deus a tenha consigo; e certamente o fará, pois era muito
Dele. Por certo, não sei como sentimos a partida dos que vão para terra segura,
livrando-os Deus das vicissitudes e perigos deste mundo; é antes amar a nós
mesmos do que àqueles que vão gozar do maior bem. A essas minhas senhoras me
encomendo muito.
Asseguro a Vossa Senhoria que a trago bem presente;
não era preciso fazer-se lembrada com sua carta, antes quisera eu estar um
pouco menos atenta para não me ver tão imperfeita em sentir e partilhar as
penas de Vossa Senhoria. Nosso Senhor lhe dê o descansar nos contentamentos
eternos, já que aos desta vida, há muito tempo disse Vossa Senhoria adeus,
conquanto intimamente ainda não esteja muito convencida de que é boa paga o
padecer. Dia virá em que Vossa Senhoria entenderá o lucro, e por nenhuma coisa
o quisera ter perdido.
Muito consolada me sinto de estar aí meu Padre Duarte3. Já que não
posso eu servir a Vossa Senhoria, alegro-me de que tenha quem tão bem a ajude a
suportar seus trabalhos. Está o mensageiro esperando, e assim não me posso
alargar mais senão para beijar a essas minhas senhoras muitas vezes as mãos.
Nosso Senhor tenha a
Vossa Senhoria nas Suas, e a livre depressa dessas febres; Ele lhe conceda
fortaleza para contentar em tudo a Sua Majestade, como Lho suplico. Amém.
Da Encarnação de Ávila,
a 7 de novembro.
Indigna serva e súdita
de Vossa Senhoria,
Teresa de Jesus.
.
*A dona Juana de Ahumada, em Galinduste
Ávila, 4
fevereiro 1572
39 – pg. 1085
39. A D. Juana de Ahumada, em Galinduste, aldeia da jurisdição de Alba
de Tormes
Encarnação de Ávila, 4 de fevereiro de 1572. Achaques
e ocupações da Santa na Encarnação. Assuntos da família Ovalle em Alba e dos
irmãos da Santa na América.
Jesus esteja com vossa mercê. Parece que estão no
outro mundo quando se retiram a esse lugar. Deus me livre dele, e também deste
onde estou, pois tenho pouca saúde quase desde minha chegada, e para não dar
essa notícia a vossa mercê, gostei de não ter tido ocasião de lhe escrever.
Antes do Natal deram-me umas febres; passei mal da garganta e por duas vezes
fui sangrada e tomei purga. Desde antes de Reis tenho tido febres quartãs;
contudo não sinto fastio, nem deixo de andar com a comunidade, nos dias em que
não tenho o acesso, e assim vou ao coro e algumas vezes ao refeitório; espero
não hão de durar. Como vejo quanto o Senhor tem feito e melhorado nesta casa,
esforço-me para não ficar de cama, a não ser quando me dá a febre, a qual dura
toda a noite. Os calafrios começam às duas horas da madrugada. mas não são
violentos. No mais tudo vai bem, por entre tantas ocupações e trabalhos que não
sei como se pode dar conta. O pior são as cartas. Para as Índias escrevi quatro
vezes, pois está em vésperas de partir a frota.
Espanta-me ver como se descuida de mim vossa mercê,
vendo-me com tantos trabalhos. Tendo sabido que o senhor Juan de Ovalle estava
para chegar, esperava-o cada dia, porque, se ele fosse a Madrid, seria boa
oportunidade para remeter por seu meio o que meu irmão1 me mandou pedir. Já não há tempo, nem sei o
que pensar. Dir-se-ia que tudo lhes há de vir às mãos sem trabalho: por certo
que isso a ninguém parece bem.
Disseram-me que o senhor Juan de Ovalle e o senhor
Gonzalo de Ovalle se opõem a que se faça ao mosteiro cessão de uma ruelazinha;
não o posso crer2.
Não quisera eu que começássemos a inventar questões; sendo com mulheres parece
mal, mesmo havendo ocasião, e seria de muito desdouro para esses senhores,
especialmente tratando-se de religiosas minhas. Não creio, aliás, que elas
conscientemente tenham dado motivo de queixa, a não ser que por simplicidade
não se tenham sabido exprimir. Avise-me vossa mercê de como vão as coisas,
porque, como digo, as Irmãs são novas e poderiam enganar-se. E não se aflija
com minhas doenças, pois espero que não será nada; ao menos, pouco me estorvam,
embora eu o pague caro.
Muita falta me faz aqui vossa mercê; sinto-me só. Como
do Convento só aceito o pão, e mais nada, terei necessidade de alguns reais;
procurem enviar-mos. A esses senhores beijo as mãos, e à minha Beatriz. Muito
me alegraria se a tivesse aqui. Gonçalo já sei que está bem. Deus os guarde.
Agustín de Ahumada está com o Vice-rei, assim me escreveu Frei García. Meu
irmão casou duas sobrinhas, e muito vantajosamente; antes de seu regresso as
deixará remediadas. Já vai dar meia-noite e estou bem cansada, e assim termino.
Foi ontem dia de S. Brás; e anteontem de Nossa Senhora3.
De vossa mercê muito serva,
Teresa de Jesus.
*A dona Maria de Mendoza, em Valladolid
Ávila, 7 março
1572
. 40 – pg. 1086
40. A D. María de Mendoza, em Valladolid
Encarnação de Ávila, 7 de março de 1572. Pede
desculpas a D. María por não lhe haver escrito antes, devido a seus achaques.
Pobreza extrema da Encarnação e edificante recolhimento de suas monjas. Recusa,
cortês e engenhosamente, receber nas Descalças duas jovens recomendadas.
Jhs
A graça do Espírito
Santo esteja sempre com Vossa Senhoria. Amém. Muito me tenho lembrado de Vossa
Senhoria neste tempo tão rigoroso, com receio de que o frio tenha feito mal a
Vossa Senhoria; e penso que o não terá deixado de fazer. Seja Deus bendito, que
nos havemos de ver na eternidade, onde não haverá mudanças de tempo. Praza a
Sua Majestade passemos esta vida de maneira que possamos gozar de tão grande
bem. Quanto a mim, tenho sido provada de tal maneira nesta terra, que não
pareço ter nascido nela: creio que só tive mês e meio de saúde, logo ao
princípio, por ver o Senhor que sem isto não se podia por então assentar coisa
alguma; agora Sua Majestade faz tudo em meu lugar. Não me ocupo senão em
regalar-me, especialmente de três semanas para cá, porque, além das quartãs,
deu-me uma dor no lado e tive angina. Bastava um desses males para matar, se
Deus assim fosse servido; mas não parece que algum haja capaz de fazer-me este
benefício. Com três sangrias melhorei. Deixaram-me as quartãs; mas a febre não
passa, e, assim, tomarei purgante amanhã. Estou já enfadada de me ver tão
imprestável, que, a não ser para a Missa, não saio de meu canto, nem posso. Uma
dor de dente, que tenho há cerca de mês e meio, é o que me faz sofrer mais.
Conto a Vossa
Senhoria todos esses males para que não me julgue culpada por não ter escrito a
Vossa Senhoria, e veja que tudo são mercês que o Senhor me faz, dando-me o que
sempre Lhe peço. Certo é que a mim me parecia impossível, logo que aqui
cheguei, agüentar tanto trabalho com minha pouca saúde e natureza fraca. Com
efeito, há ordinariamente muitos negócios de assuntos que dizem respeito a
esses mosteiros, além de outras muitas coisas, que, mesmo sem falar nesta casa,
já me traziam cansada. É bem verdade, como diz S. Paulo, que tudo se pode em
Deus. Dá-me este Senhor habitualmente pouca saúde, e com isto quer que eu faça
tudo; chego a rir-me algumas vezes. Deixa-me sem confessor, e tão sozinha que
nas minhas necessidades não tenho com quem tratar de modo a ter alívio; preciso
andar com muita circunspecção.
Só para o que diz
respeito ao conforto do corpo, não tem faltado quem me proveja, e com muita
piedade; e do povo tenho recebido muitas esmolas, de sorte que da casa só
aceito pão, e ainda isto o não quisera fazer. Já se está acabando a esmola que
nos deu D. Magdalena; com esta, até agora, e com o que nos dão Sua Senhoria e
algumas outras pessoas, temos custeado uma refeição para as mais pobres1.
Como já as estou
vendo tão boas e sossegadas, tenho pena de presenciar seus sofrimentos, que são
bem reais. É para louvar a Nosso Senhor a mudança que operou nelas. As mais duras
são agora as mais contentes e muito minhas amigas. Nesta quaresma não se recebe
visita nem de homem nem de mulher, ainda que sejam os próprios pais, o que é
muito novo para esta casa. A tudo se submetem com inteira paz. Verdadeiramente
temos aqui grandes servas de Deus, e quase todas vão melhorando. Minha Priora2 faz estas maravilhas. Para que se entenda que
realmente é assim, ordenou Nosso Senhor esteja eu de tal sorte, que, dir-se-ia,
só vim para aborrecer a penitência e não tratar de outra coisa senão de meu
regalo.
Agora, para que eu de todos os modos padeça,
escreve-me a Madre Priora3 dessa casa de Vossa
Senhoria, que quer Vossa Senhoria admitir nela uma noviça, e, segundo souberam,
está descontente, porque eu a recusei. Pedem-me licença para recebê-la, assim
como outra apresentada pelo Pe. Ripalda4. Aí deve haver engano. Pesar teria eu
se fosse verdade, pois Vossa Senhoria tem poder para repreender-me e dar-me
suas ordens; e não posso crer que esteja desgostosa comigo sem me manifestar
seu descontentamento, a não ser que assim proceda para ver-se livre desses
Padres da Companhia, empenhados neste caso. Muito consolo teria eu se assim
fosse, pois com estes Padres bem me sei entender. Não tomariam eles alguém que
não fosse conveniente para sua Ordem, só em atenção a mim. Contudo se Vossa
Senhoria absolutamente quer mandar assim, não há para que falar mais nisso;
pois está claro que nessa casa e em todas as nossas tem Vossa Senhoria direito
de mandar, e eu seria a primeira a obedecer. Mandarei pedir licença ao Padre
Visitador, ou ao Padre Geral, já que é contra as nossas Constituições admitir
alguma noviça com o defeito que essa tem; e sem recorrer a algum deles não será
válido o que eu contra a lei fizer. E elas terão de aprender a ler corretamente
o latim, porque está ordenado que não se receba pretendente alguma que não o
saiba5.
Por desencargo de minha consciência, porém, não posso
deixar de dizer a Vossa Senhoria o que faria eu neste caso, depois de o ter
encomendado ao Senhor; não, já se vê, no caso de o querer Vossa Senhoria,
repito; pois, só para não a contrariar, a tudo me sujeitaria sem dar mais uma
palavra. Só suplico a Vossa Senhoria que o veja bem e seja mais exigente para
sua casa6;
não aconteça que mais tarde, vendo Vossa Senhoria que as coisas não vão muito
bem, venha a ter pesar. Se fosse convento de muitas monjas, melhor se poderia
revelar algum defeito; mas onde são tão poucas, pede a razão que sejam bem
escolhidas, e sempre vi esta intenção em Vossa Senhoria; tanto que para todos
os outros acho monjas que me satisfazem, mas para essa casa jamais ousei enviar
alguma, por desejar que fosse tal e tão completa, que jamais a encontrei a
meu gosto. E assim, a meu parecer, nenhuma das duas deveria ser recebida,
porque nelas nem vejo santidade, nem valor, nem tanto cabedal de juízo e
talentos que redundem em proveito da casa. Sendo assim, há de querer Vossa
Senhoria que se aceitem, se hão de causar prejuízo? Se é para as amparar,
bastantes mosteiros há onde, como digo, por serem muitas, se revelam melhor as
falhas; mas aí, nesse convento cada uma que se admitisse deveria ter capacidade
para exercer o ofício de Priora e qualquer outro de que fosse incumbida.
Por amor de Nosso Senhor, pense bem Vossa Senhoria e
veja que sempre se há de considerar antes o bem comum que o particular; e, pois
estão enclausuradas e hão de viver umas com as outras, suportando mutuamente
suas faltas, além de outros trabalhos da religião — e este de não acertar nas
admissões é o maior —, favoreça-as Vossa Senhoria neste ponto, assim como em
tudo nos mostra benevolência. Deixe Vossa Senhoria que eu chame a mim o
negócio, se lhe apraz ordenar assim, pois, como digo, com os padres me
entenderei. Entretanto, se Vossa Senhoria insiste, será feito o que manda,
repito, e a responsabilidade será de Vossa Senhoria se não suceder bem. Essa de
que fala o Pe. Ripalda não me parece má para outro convento; mas aí, onde se
está principiando, convém ter cuidado, a fim de não resultar desdouro para a
casa. Tudo ordene o Senhor como for para sua glória e dê a Vossa Senhoria luz
para fazer o que mais convier. Ele no-la guarde muitos anos, como Lhe suplico,
que disto não me descuido, por pior que esteja passando.
À minha senhora a duquesa, beijo as mãos de Sua
Excelência muitas vezes, assim como à minha senhora D. Beatriz, e às minhas
senhoras a condessa e D. Leonor. Escreva-me Vossa Senhoria, ou antes, ordene o
que em tudo isto é servida que se faça. Quanto a mim, creio que, deixando a
decisão à consciência de Vossa Senhoria, terei segura a minha; e não julgo
mostrar-lhe nisto pouca estima, pois em nenhuma de nossas casas se achará monja
com tão notável defeito, e eu por nenhum empenho a receberia. Será, a meu ver,
causa de contínua mortificação para as demais, por andarem sempre tão juntas; e
como se querem tanto, sempre andarão penalizadas. Basta a boa Magdalena, que já
têm aí; e prouvera a Deus fossem assim as de Vossa Senhoria!7
É hoje 7 de março.
Indigna serva e súdita de Vossa Senhoria,
Teresa de Jesus, Carmelita.
A Madre Subpriora8 beija as mãos de Vossa Senhoria muitas
vezes. Dou-me bem com ela.
*6 Ao Pe. Domingo Bañez, em Valladolid
Só tem janeiro
de 1574
56 – pg. 1103
56. Ao Pe. Domingo Báñez em Valladolid
Salamanca, janeiro de 1574. Sente não ouvir os sermões
do Padre. A princesa de Éboli em Pastrana; os desgostos que dá às Descalças.
Trato com o Pe. Medina.
Jhs
A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê e em
minh’alma. Não sei como não lhe chegou às mãos uma carta bem longa que lhe
escrevi estando adoentada, e enviei por via de Medina. Nela dava boas e más
notícias a meu respeito. Agora também quisera alongar-me, mas tenho de escrever
muitas cartas e sinto alguns calafrios, por ser dia de quartã. Tinham-me as
febres deixado durante dois dias, mais ou menos; mas como não me voltou a dor
que sentia antes, tudo parece nada.
Louvo a Nosso Senhor pelas notícias que me têm chegado
de seus sermões; estou com muita inveja, e dá-me grande desejo de estar aí
agora, por ser vossa reverência Prelado dessa casa. Aliás —, quando o deixou de
ser meu? O vê-lo nesse cargo, parece-me, seria para mim novo contentamento;
mas, como tal não mereço, louvo a quem me dá sempre cruz.
Deu-me gosto essa troca de cartas entre o Padre
Visitador e meu Padre; realmente não só é santo aquele seu amigo, mas sabe
mostrar que o é; e, quando não estão em desacordo suas palavras e suas obras,
age com muita prudência. Mas, embora seja verdade o que ele diz, não deixará de
admiti--la porque de senhores a senhores há muita diferença.
A princesa de Éboli1 transformada em monja era de fazer chorar.
Quanto a esse anjo2 pode causar grande
proveito a outras almas, e quanto mais barulho fizerem os mundanos, melhor; não
vejo inconveniente. Todo o mal que pode suceder é que ela tenha de sair do
convento; ainda nesse caso terá o Senhor feito resultar outros bens, como digo,
e porventura moverá alguma alma, que, se não fora por esse meio, talvez se
condenaria. Grandes são os juízos de Deus, e quem o ama tão deveras vivendo
entre tanto perigo como anda toda essa gente ilustre, não há razão para nos
negarmos a admiti-la, nem para nos deixarmos de expor a algum trabalho e
desassossego a troco de tão grande bem. Meios humanos e cumprimentos com o
mundo se me afigura o detê-la e atormentá-la por mais tempo; pois está claro
que, em trinta dias, ainda que se arrependesse, não o haveria de dizer. Mas se,
com essa demora em retê-la no mundo, se hão de aplacar os parentes e reconhecer
a justiça de sua causa e do procedimento de vossa mercê, repito: será apenas
adiar alguns dias. Deus estará com ela, pois não é possível que, tendo deixado
muito, não lhe dê muito o Senhor, que tanto dá a nós que nada deixamos.
Muito me consola que
esteja vossa mercê aí para confortar a Priora3 a fim de que em tudo acerte. Bendito seja Ele,
por assim haver ordenado os acontecimentos. Espero em Sua Majestade que tudo
terminará bem. Este negócio de Pedro de la Banda é um não acabar; penso que
antes de concluí--lo terei de ir a Alba, para não perder tempo, porque há
perigo na transação, pelo fato de estarem em desacordo ele e sua mulher.
Sinto grande lástima das
monjas de Pastrana; embora a Princesa tenha regressado à sua casa, estão como
cativas; a tal ponto que há pouco tempo passou por lá o Prior de Atocha4, e nem ousou
ir visitá-las. Já está também de mal com os frades, e não acho motivo para que
se sofra aquela escravidão. Com o Pe. Medina vou indo bem: creio que se me
fosse dado falar-lhe mais, depressa se aplacaria. Está tão ocupado, que o não
vejo quase... Dizia-me D. María Cosneza que não quisesse tanto bem a ele quanto
a vossa mercê...
D. Beatriz está boa. Na
sexta-feira passada ofereceu-me muito seus serviços; mas, glória a Deus,
já não tenho necessidade de seu auxílio. Contou-me quanto recebeu de vossa
mercê. Muito suporta o amor de Deus, pois se houvesse alguma coisa que
não procedesse dele, já tudo estaria acabado. Dir-se-ia que a dificuldade que
vossa mercê tem em ser extenso, tenho eu em ser concisa. Contudo, é muito
o que faz por mim vossa mercê, livrando-me da tristeza de receber cartas e
não ver letra sua. Deus o guarde; não parece que esta carta vá ter... Praza a
Deus que lá não se mitigue meu gosto com o silêncio de vossa mercê5.
De vossa mercê serva e
filha,
Teresa de Jesus.
Sobrescrito: Para meu Padre e meu
senhor o Mestre Frei Domingo Báñez.
.
*7À madre Maria Bautista, em Valladolid
Segovia, metade
ou final de junho 1574
. 62 – pg. 1111 62. A Madre María
Bautista, em Valladolid
Segóvia, junho de 1574. Morte
exemplar de Isabel de los Ángeles. Desapego e liberdade de espírito. Recomenda
D. Guiomar.
Jhs
Esteja com vossa reverência, minha filha, o Espírito
Santo. Com pesar estaria eu pensando que vossa reverência não me escreve há
tanto tempo por falta de saúde, se não soubesse que está boa, por uma carta da
Priora de Medina. Seja Deus bendito, que muitíssimo lhe desejo saúde. Se Deus é
servido de que essas outras estejam doentes, seja como Ele quer; assim terão em
que merecer.
Saiba que Isabel de los Ángeles — aquela que foi
objeto de tantas contendas em Medina, — levou-a o Senhor consigo. Foi tal sua
morte, que poderia ser tido por santo quem assim morresse. Certamente foi-se
com Deus, e eu aqui fiquei, como uma criatura sem proveito. Durante três
semanas tive um resfriado terrível, acompanhado de muitas indisposições. Embora
ainda não tenha passado de todo, já estou melhor, e bem alegre com as notícias
que escrevo ao Pe. Frei Domingo; dêem graças a Nosso Senhor, que assim o temos
feito cá. Por tudo seja Ele bendito.
Esta carta mande à Priora da Madre de Deus1, juntamente
com o remédio que aí vai; parece ter-me feito bem. Muita pena me dá sua doença,
como quem tanto sofreu do mesmo nestes últimos anos: é impiedosa essa dor. Não
sei para que teve o trabalho de enviar-me escorcioneira2! Quase não a comi, porque
fiquei com terrível fastio de coisas doces; mas estou muito grata pelo seu
cuidado e por tudo o que mandou às Irmãs, especialmente a Isabel. Esta já
parece gente; é sensata, amorosa, uma moça perfeita.
Que bobagem é a sua, com tantas satisfações que me dá
sobre o lavor de mãos e outras coisas! Até que nos vejamos não ouso dizer-lhe
minha intenção a esse respeito. Saiba que cada dia estou com mais liberdade. O
principal é que essa pessoa esteja segura de não ofender a Deus; não são outros
meus temores, porque tenho visto grandes quedas e perigos em casos semelhantes.
Quero muito a essa alma (parece que o próprio Deus me infundiu esse cuidado) e
quanto mais é simples, mais temo por ela. Por esta razão muito estimo que goste
de estar em lugar seguro, conquanto, absolutamente certo não o haja nesta vida;
nem é bom nos julgarmos em segurança, pois estamos em tempo de guerra e
rodeados de muitos inimigos.
Olhe, minha filha, quando estou sem aquele tão grave
mal que tive aqui, o mínimo primeiro movimento3, em qualquer coisa que seja, me
assusta muito. Isto seja só para vossa reverência, pois a quem nunca chega a
entender-me, é mister levar conforme seu temperamento. E é verdade que se
alguém aí nessa casa me faz experimentar este pouquinho, é aquela a quem o
escrevo; mas, ainda esse pouquinho, muito faz sofrer uma alma livre.
Porventura quer Deus que o sinta, para que Lhe fique assegurada a parte
necessária a seu divino serviço. Ó filha minha, estamos em um mundo de tal
natureza, que, mesmo se vossa reverência tivesse meus anos, não o acabaria de entender!
Não sei para que escrevo isso sem ter pessoa certa que lhe leve a carta.
Pagarei bem o mensageiro.
Tudo o que fizer por D. Guiomar será bem feito, pois é
mais santa do que pensam, e cheia de trabalhos. Grande coisa foi para nós ter
saído tão em paz esta outra noviça. Praza a Deus que melhor nos suceda com a
que recebemos, — não sem bastante receio de minha parte; porque estas que foram
donas de suas casas nunca se acham bem de todo nas nossas; contudo por enquanto
parece não ir mal. Isabel lho escreverá melhor.
Tinha escrito até aqui, sem achar mensageiro; agora
acabam de dizer-me que há um, e que preciso entregar logo as cartas...
*8 A dom Teutonio de Braganza, em Salamanca
Segovia, 3
julho 1574
. 65 – pg. 1115
65. A D. Teutônio de Bragança, em Salamanca
Segóvia, 3 de julho de 1574. Queixa-se do tratamento
de Ilustríssima que lhe dá D. Teutônio. Compra casa em Segóvia. Conselhos sobre
a oração e a melancolia. Próxima chegada do Padre Visitador.
Jhs
A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Senhoria.
Eu lhe digo, e é muito certo: se outra vez me sobrescritar do mesmo modo sua
carta1,
não responderei. Não sei por que me quer dar desgosto, — que de cada vez o é
para mim, — e eu ainda não tinha caído na conta: só hoje o percebi. Indague
Vossa Senhoria do Padre Reitor como ele costuma fazer, e saiba que não há de
pôr outro título, pois é muito fora de minha Religião aquele tratamento.
Alegrei-me de que esteja ele com saúde, pois me fez andar cuidadosa. Suplico a
Vossa Senhoria lhe dê minhas recomendações.
Impróprio me parece
agora o tempo para Vossa Senhoria tentar a sua cura. Praza ao Senhor tenha bom
resultado, como eu Lho suplicarei. Sua Majestade dê boa viagem à comitiva de
Vossa Senhoria; isto já Lho tenho suplicado, mas quisera que Vossa Senhoria não
se afligisse tanto: de que servirá tanta aflição para sua saúde? Oh! se
entendêssemos estas verdades, quão poucas coisas nos afligiriam na terra!
Enviei logo a carta, e
escrevi ao Padre Reitor2 dizendo-lhe quanto tomo a
peito que se faça isto com diligência; devo-lhe muito. Ele tratou da compra de
uma casa para nós, e já é nossa, glória a Deus! E muito boa, junto da que agora
ocupamos; ficam bem situadas. Conte-o Vossa Senhoria ao Padre Reitor. Era de um
cavaleiro chamado Diego de Porras. O Pe. Acosta3 dirá que tal é. Também suplico a Vossa
Senhoria que lhe dê minhas recomendações; diga--lhe que suas noviças estão cada
dia mais contentes, e nós com elas. Recomendam-se às orações de Vossa Senhoria,
assim como todas. Mas quão malcriada estou em rogar a Vossa Senhoria que
transmita estes recados! A verdade é que, por ser tão humilde, sofre tudo.
Disso que Vossa Senhoria
tem de querer deixar pelo meio a oração, não faça caso; antes louve ao Senhor
pelo desejo que habitualmente nutre de fazê--la, e creia que sua vontade o quer
e gosta de estar com Deus. É a melancolia que o aflige, com a impressão de que
o hão de obrigar à força. Procure Vossa Senhoria algumas vezes, quando se vir
nesses apertos, ir a algum lugar de onde veja o céu, e andar passeando, que nem
por isso deixará de fazer oração; e é mister levar esta nossa fraqueza de modo
a não afligir por demais o natural. Tudo será buscar a Deus, pois é por Ele que
andamos à procura desses meios, e é preciso levar a alma com suavidade. Para
isto e para tudo, melhor entenderá meu Padre Reitor o que lhe convém.
Estão à espera do Padre
Visitador, que já vem próximo. Deus pague a Vossa Senhoria o cuidado que tem de
sempre nos fazer benefícios. Escreverei ao Padre Visitador assim que souber
onde está; o mais importante é que Vossa Senhoria lhe fale, quando ele aí for.
Já fiquei boa; praza ao Senhor, também o esteja Vossa Senhoria, e tire muito
proveito do tratamento que vai empreender.
É hoje dia 3 de julho.
Indigna serva de Vossa Senhoria e súdita,
Teresa de Jesus, Carmelita.
Sobrescrito:
Ao Muito Ilustre Senhor D. Teotônio de Bragança, meu senhor, em Salamanca.
*9 À madre À Madre Inés de Jesus
Medina
Beas, 12 maio
1575
. 78 – pg. 1133
78. À Madre Inés de
Jesus Medina
Beas, 12 de maio de
1575. Grata impressão recebida da visita do Pe. Gracián em Beas. Elogios deste
Padre. Fundações de Sevilha e Caravaca.
Jhs
A graça do Espírito Santo esteja com vossa reverência,
filha minha. Bendito seja Deus! Chegaram aqui suas cartas, que eu não pouco
desejava. Sempre me parecem curtas, e nisto vejo que lhe quero mais que a
outras parentas muito próximas. Fiquei muito consolada por saber que está com
saúde; o Senhor lha dê, como suplico. Sinto muita pena por vê-la sempre com
esse tormento, como se não fossem poucos os que o ofício da Priora traz
consigo; e está sendo tão ordinária agora, que há necessidade de tomar muito
remédio. O Senhor faça acertar com o que lhe convier.
Ó Madre minha, como desejei tê-la comigo nestes
últimos dias! Saiba que, a meu parecer, foram os melhores de minha vida, sem
encarecimento. Passou aqui mais de vinte dias o Pe. Mestre Gracián. Eu lhe
asseguro que, embora tenha tratado tanto com ele, ainda não entendi todo o
valor deste homem. A meus olhos é perfeito, melhor do que o saberíamos pedir a
Deus para nós. O que agora há de fazer vossa reverência, e todas, é suplicar a
Sua Majestade que no-lo dê por Prelado. Se assim for, posso descansar do
governo destas casas, pois tanta perfeição com tanta suavidade, nunca vi. Deus
o tenha de sua Mão, e o guarde; por nenhuma coisa do mundo quisera eu deixar de
o ter visto e tratado com ele.
Ficou à espera de Maríano; e nós muito contentes de
que este tardasse tanto. Julián de Ávila está perdido por ele, e o mesmo
acontece a todos. Prega admiravelmente. Creio que tem progredido muito desde o
tempo em que vossa reverência o viu; os grandes trabalhos que passou lhe foram
de grande proveito. Tantas voltas deu o Senhor, que parto na próxima
segunda-feira, com o favor de Deus, para Sevilha. Ao Pe. Frei Diego escrevo,
explicando mais particularmente as razões.
No fim de contas descobriu-se que está esta casa em
Andaluzia, onde é Provincial o Pe. Mestre Gracián, de modo que, sem mesmo o
entender, eis--me feita sua súdita, e como a tal teve autoridade para me mandar.
Além disso já estávamos com intenção de ir a Caravaca, tendo dado o Conselho de
Ordens a licença; mas veio esta em tais termos, que nada adiantou, e assim
ficou determinado fazermos logo a fundação de Sevilha. Muito me consolaria de
levar vossa reverência comigo; mas vejo que tirá-la daí agora seria a ruína
dessa casa, sem falar em outros inconvenientes.
Penso que o Pe. Mestre1 irá vê-la antes de voltar para cá, porque o
mandou chamar o Núncio; estará em Madrid quando vossa reverência receber esta
minha carta. Estou com muito mais saúde que de costume, e assim sempre tenho
estado aqui. Como passaria eu melhor o verão junto de vossa reverência que no
fogaréu de Sevilha! Encomende-nos ao Senhor, e diga-o a todas as Irmãs,
dando-lhes minhas recomendações.
Em Sevilha haverá mais
mensageiros e poderemos ter correspondência mais a miúdo; e assim nada mais
acrescento do que pedir-lhe que me recomende muito ao Padre Reitor e ao
Licenciado; conte-lhes o que se passa e diga-lhes que me encomendem a Deus. A
todas as Irmãs, minhas lembranças. O Senhor a faça muito santa.
É hoje dia da Ascensão.
San Jerónimo2 se recomenda a vossa reverência. Vai para
Sevilha com outras cinco de muito bons talentos; e a que será Priora é muito
própria para o cargo.
De vossa reverência
serva,
Teresa de Jesus.
Não sei para que tanta
pressa em fazer professar Juana Bautista. Deixe-a esperar um pouco mais, que é
muito mocinha; se lhe parece outra coisa, e se está contente com ela, faça-o;
mas não me pareceria mal o prolongar-lhe a provação, pois me pareceu enferma.
*10 Ao Pe. João Batista Rubeo, em Piacenza
Sevilha, 18
junho 1575
. 80 – pg. 1135
80. Ao Revmo. Pe. Frei João Bautista Rubeo,
Geral do Carmo em Roma
Geral do Carmo em Roma
Sevilha, 18 de junho de
1575. Carinho filial da Santa para com o Pe. Geral. Dá-lhe conta de algumas
fundações. Desculpa os Padres Gracián e Ambrósio Maríano contra os quais estava
indisposto o Pe. Geral. Vida exemplar dos Descalços primitivos.
Jhs
A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa
Senhoria. A semana passada escrevi a Vossa Senhoria longamente, por duas vias,
sobre o mesmo assunto, porque desejo que lhe chegue às mãos a carta. Ontem, 17
de junho, entregaram-me duas de Vossa Senhoria, as quais muito desejava: uma
com data de outubro e a outra de janeiro. Ainda que não eram tão recentes como
eu quisera, consolei-me muitíssimo com elas, sobretudo por saber que está Vossa
Senhoria com saúde. Dê-lha Nosso Senhor, como todas nós, suas filhas,
suplicamos, que é muito contínuo este cuidado nestas casas de Vossa Senhoria. Todos
os dias fazemos particular oração no coro para este fim, e, além disto, todas
se desvelam, pois, como sabem quanto amo a Vossa Senhoria e não conhecem a
outro por Pai, consagram a Vossa Senhoria grande amor; e não é muito, pois não
temos outro bem na terra. Como todas vivem muito contentes, não sabem como
agradecer a Vossa Senhoria o ter-lhes dado princípio.
Escrevi a Vossa Senhoria contando a fundação de Beas e
como, em Caravaca, haviam pedido outra, mas deram licença com tal inconveniente
que não a quis admitir. Já tornaram a dá-la nas mesmas condições da de Beas,
que é estarem sujeitas a Vossa Senhoria; e assim faremos para todas, se o
Senhor for servido. Escrevi também a Vossa Senhoria as causas pelas quais vim
fundar o mosteiro de Sevilha. Praza a Nosso Senhor consiga eu explicar o caso
destes Descalços a Vossa Senhoria, para que isto não lhe seja motivo de
contrariedade. Deus me faça a mercê de ver tudo aplanado. Saiba Vossa Senhoria
que tomei muitas informações antes de minha vinda a Beas, com o fim de me
certificar de que não era Andaluzia, onde eu de nenhum modo pensei em vir, pois
não desejava viver entre esta gente. Acontece, porém, que Beas, embora não seja
terra andaluza, está situada na província de Andaluzia. Só o vim a saber quando
havia mais de um mês estava fundado o mosteiro. Como já me achava ali com
outras monjas, pareceu-me não dever abandonar a fundação; e daí se originou
também minha vinda para Sevilha. Meu principal desejo, entretanto, é, como
escrevi acima a Vossa Senhoria, deslindar os negócios tão complicados destes
Padres. Embora eles justifiquem sua causa — e posso assegurar que os tenho em
conta de filhos verdadeiros de Vossa Senhoria, desejosos de não lhe causar
desgosto, — não posso deixar de culpá-los. Parece que já vão entendendo como
fora melhor outro caminho, a fim de não contrariarem a Vossa Senhoria. Muito
temos discutido, especialmente Maríano e eu, pois é muito arrebatado. Quanto a
Gracián, é como um anjo; se fosse só por ele, tudo se teria feito de outra
sorte; e veio para cá por ordem de Frei Baltasar, que era então Prior da
Pastrana. Posso dizer a Vossa Senhoria que, se o conhecesse, gostaria de o ter
por filho, e verdadeiramente entendo que o é, como, aliás, o próprio Maríano.
Este Maríano é homem virtuoso e penitente, notado de
todos pelo seu engenho, e creia Vossa Senhoria que, certamente, só agiu movido
pelo zelo de Deus e o bem da Ordem; mas, como já disse, foi exagerado e
indiscreto. Ambição não entendo que haja nele; é o demônio, como Vossa Senhoria
diz, que arma esses enredos, e o move a dizer muitas coisas sem refletir.
Tem--me feito sofrer bastante algumas vezes, mas, como vejo que é virtuoso, vou
passando por cima. Se Vossa Senhoria ouvisse como eles se justificam, não
deixaria de aplacar-se. Disse-me hoje mesmo que, enquanto não se lançar aos pés
de Vossa Senhoria, não terá descanso. Já escrevi a Vossa Senhoria como ambos me
rogaram que escrevesse a Vossa Senhoria, apresentando-lhe suas desculpas, pois
não ousam fazê-lo; e assim não direi aqui senão aquilo a que me parece estar
obrigada, pois já escrevi a Vossa Senhoria sobre este assunto.
Em primeiro lugar, entenda Vossa Senhoria, por amor de
Nosso Senhor, que todos os Descalços juntos nada são para mim, em comparação da
mínima coisa que atinja as vestes de Vossa Senhoria. Isto é a pura verdade; dar
a Vossa Senhoria algum desgosto é ferir-me na menina dos olhos. Eles não viram,
nem hão de ver estas cartas; apenas disse a Maríano que, tenho certeza, desde
que eles sejam obedientes, Vossa Senhoria usará de misericórdia. Gracián não
está aqui; foi chamado pelo Núncio, como a Vossa Senhoria escrevi; e, creia
Vossa Senhoria: se eu os achasse desobedientes, não os quisera mais ver nem
ouvir; porém não posso ser mais filha de Vossa Senhoria do que eles se mostram.
Direi agora meu parecer e, se for bobagem, perdoe-me
Vossa Senhoria. A respeito da excomunhão, o que Gracián escreveu da Corte a
Maríano, é o seguinte: o Padre Provincial Frei Ángel declarou não poder tê-lo
no convento por estar excomungado, de modo que teve de ir para a casa de seu
pai. Soube-o o Núncio e, mandando chamar ao Pe. Frei Ángel, repreendeu-o muito,
dizendo que se sentia afrontado, pois, estando aqui esses Padres por sua ordem,
os chamam excomungados; e, portanto, quem tal disser será castigado. Logo
voltou Gracián ao mosteiro, e aí está, e prega na Corte.
Pai e senhor meu, não estão agora os tempos para estas
coisas. Este Gracián tem um irmão que está sempre com o Rei; é seu secretário,
e muito querido dele; e o Rei, segundo tenho sabido, não está longe de intervir
em favor da Reforma. Os próprios Calçados dizem que não sabem como Vossa
Senhoria trata assim a homens tão virtuosos; gostariam de conviver com os
contemplativos por verem sua virtude, e Vossa Senhoria com esta excomunhão os
privou desse bem. A Vossa Senhoria dizem uma coisa e por aqui dizem outra. Vão
ao Arcebispo e alegam que não ousem castigá-los por temor de que logo recorram
a Vossa Senhoria. É uma gente esquisita. Eu, senhor, tenho-os diante dos olhos,
tanto a uns como a outros — sabe Nosso Senhor que digo a verdade, — e creio que os mais obedientes são, e hão de ser os
Descalços. De lá não vê Vossa Senhoria o que se passa aqui; eu o vejo e relato
as coisas como são, porque bem conheço a santidade de Vossa Senhoria e quanto é
amigo da virtude. E como, por nossos pecados, as coisas da Ordem chegaram por
aqui a tal ponto, parecem-me agora muito bons os frades de Castela, depois que
vejo os de cá. Ainda depois de minha chegada aqui, aconteceu uma coisa muito
desagradável: no meio do dia achou a Justiça dois frades numa casa mal
freqüentada; e publicamente foram levados presos. Foi isto muito mal feito;
quisera eu que se tivesse mais cuidado em não lhes tirar a honra; quanto a
fraquezas humanas, não me espantam. Isto aconteceu depois que escrevi a Vossa
Senhoria. Contudo, dizem que fizeram bem em prendê-los.
Alguns vieram visitar-me. Fiquei bem impressionada;
especialmente o Prior é muito boa pessoa. Veio requerer que lhe mostrasse eu as
patentes com que havia fundado. Queria levar cópia. Respondi-lhe que não
intentasse pleito, pois bem via como tenho faculdade para fundar. De fato, a
última patente, redigida em latim, que me enviou Vossa Senhoria, depois que
vieram os Visitadores, dá ampla licença para que eu possa fundar em qualquer
lugar. Assim o entendem os Letrados: já que não assinala Vossa Senhoria coisa
alguma, nem reino, nem províncias, estende
a licença a todas as partes. E até vem com preceito, e foi isto o que me tem
feito esforçar-me além da minha possibilidade, velha e cansada como estou. Até
mesmo o cansaço que sofri na Encarnação, tudo me parece nada. Nunca tenho
saúde, nem mesmo vontade de a ter; minhas grandes ânsias são de sair já deste
desterro; isto, sim, tenho, embora cada dia me faça Deus maiores mercês. Por
tudo seja Ele bendito.
Sobre esses Frades que receberam, já falei a Maríano.
Diz ele que esse Piñuela usou de astúcia para tomar o hábito: foi a Pastrana e
declarou que o havia recebido das mãos de Vargas, que é o Visitador aqui; e,
vindo a saber-se a verdade, ele mesmo o vestiu. Já há tempo estão querendo
mandá-lo embora, e assim o farão; o outro já não está com eles. Os mosteiros
foram feitos por mandado do Visitador Vargas, com a autoridade apostólica que
tinha, pois as fundações de casas de Descalços aqui são tidas em conta de
principal meio de reforma. E assim, quando o Núncio mandou como reformador a
Frei Antonio de Jesus, deu-lhe licença para fazer as visitas e fundar
mosteiros; mas ele procedeu melhor, nada fazendo sem pedir a Vossa Senhoria. E
se aqui estivera Teresa de Jesus, porventura teriam olhado mais o que faziam;
porque nunca se tratou de fazer casa sem licença de Vossa Senhoria, que eu não
me pusesse muito brava. Neste ponto procedeu muito bem Frei Pedro Fernández,
Visitador de Castela, e sou-lhe muito devedora porque era sempre solícito em
não desgostar a Vossa Senhoria. O Visitador aqui tem dado tantas licenças e
faculdades a estes Padres, rogando-lhe que usem delas, que se Vossa Senhoria as
vir entenderá que não são tão culpados. Dizem até que jamais quiseram admitir a
Frei Gaspar nem ter amizade com ele, por mais que lhes pedisse, e o mesmo
fizeram com outros; e o convento que tinham tomado aos Calçados, logo o
restituíram. Estas e muitas outras coisas dizem para se justificar, por onde
vejo que não agiram com malícia; e, quando considero os grandes trabalhos que
passaram e a penitência que fazem, realmente entendo que são servos de Deus e
tenho pesar de transparecer que Vossa Senhoria não os favorece.
Os mosteiros
foram feitos pelo Visitador, que os mandou para lá com grandes preceitos de não
saírem; e o Núncio deu patentes de reformador a Gracián, encarregando-o de
cuidar das casas dos Descalços. Por ordem de Vossa Senhoria, devem estes
observar o que mandam os Visitadores; e o mesmo, como Vossa Senhoria sabe,
manda o Papa no Breve, livrando-o de qualquer intervenção. Como agora se há de
desfazer, não entendo. Além de tudo, segundo ouvi dizer, mandam as nossas
Constituições, que se estão imprimindo, haver em cada província casas de frades
reformados. Se toda a Ordem já o está, não sei, mas aqui não o julgam assim;
enquanto a estes, são tidos em conta de santos, todos eles, e verdadeiramente
vão bem, com grande recolhimento e vida de oração. Há entre eles pessoas
principais, e mais de vinte fizeram cursos,
ou não sei como se diz: uns de direito canônico, outros de teologia, e há muito
bons talentos. E, entre esta casa, a de Granada e a Peñuela, parece-me ter
ouvido que há mais de setenta. Não compreendo o que se haveria de fazer de
todos estes, nem o que pensaria agora o mundo, pois os tem em tão boa opinião.
Talvez viéssemos todos nós a pagá-lo caro; porque junto ao Rei têm crédito, e o
Arcebispo aqui diz que só eles merecem o nome de Frades. Saírem agora da
Reforma — se Vossa Senhoria os não quer, — creia-me: ainda que Vossa Senhoria
tivesse toda a razão do mundo, a ninguém pareceria justo. Privá-los Vossa
Senhoria de seu amparo, nem eles o querem, nem é razão que Vossa Senhoria o
faça, nem Nosso Senhor ficará contente. Encomende-o Vossa Senhoria a Sua
Majestade, e, como verdadeiro pai, olvide o passado. Veja Vossa Senhoria que é
servo da Virgem, e que Ela não levará a bem que Vossa Senhoria desampare aos
que, com seus suores, querem aumentar a sua Ordem. Estão já as coisas de sorte,
que é mister muita consideração...1
*11 Ao Rei Dom Felipe II, em Madri
Sevilha, 19
julho
. 83 – pg. 1141
83. A Filipe II
Sevilha, 19 de julho de 1575. Pede-lhe seu amparo para
ser a Descalcez constituída em província independente dos Calçados. Recomenda o
Pe. Gracián para Superior. Dá graças a Sua Majestade pela licença de fundar em
Caravaca.
Jhs
A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa
Majestade. Estando eu a encomendar muito aflita a Nosso Senhor os negócios
desta sagrada Ordem de Nossa Senhora, e considerando a grande necessidade que
tem de não virem a decair estes princípios que Deus nela realizou, ocorreu-me
que o melhor meio para nosso remédio é entender Vossa Majestade qual o modo de
assentar definitivamente este edifício, remediando, com seu aumento, também os
Calçados.
Há quarenta anos vivo entre eles, e, consideradas
todas as coisas, vejo claramente que se não se fizer com brevidade província
dos Descalços autônoma, será grande o mal, e tenho por impossível poderem ir
adiante. Como tudo está nas mãos de Vossa
Majestade — e vejo que a Virgem Nossa Senhora o quis tomar por amparo e remédio
de sua Ordem, — atrevo-me a escrever para suplicar a Vossa Majestade, por amor
de Nosso Senhor e de sua gloriosa Mãe, ordene Vossa Majestade que assim se
faça; porque o demônio está tão interessado em estorvá-lo, que não deixará de
opor muitos inconvenientes, quando na verdade nenhum existe, senão muito bem,
sob todos os pontos de vista.
Seria de muito
proveito para nós se, nestes primeiros tempos, se entregasse o governo a um
Padre Descalço chamado Gracián, o qual conheci há pouco. Embora moço, muito me
tem feito louvar a Nosso Senhor pelos dons que depositou naquela alma, e as
grandes obras realizadas por seu meio, em benefício de muitos; e assim, creio o
escolheu para grande bem desta Ordem. Encaminhe Nosso Senhor as coisas de sorte
que Vossa Majestade queira prestar-nos este serviço, ordenando o que acabo de
sugerir.
Pela mercê que
Vossa Majestade me fez, concedendo licença para fundar mosteiro em Caravaca,
beijo a Vossa Majestade muitas vezes as mãos. Por amor de Deus, suplico a Vossa
Majestade me perdoe, pois bem vejo sou muito atrevida; mas, considerando como o
Senhor ouve os pobres, e vendo que Vossa Majestade está em seu lugar, não penso
ter sido importuna.
Conceda Deus a Vossa Majestade tanto descanso e tantos
anos de vida como de contínuo Lhe suplico e é necessário à cristandade.
É hoje dia 19 de julho.
Indigna serva e súdita de Vossa Majestade,
Teresa de Jesus, Carmelita.
*12 Ao Pe. João Batista Rubeo, em Cremona
Sevilha,
janeiro – fevereiro 1576
. 98 – pg. 1162
98. Ao Pe. Juan Bautista Rubeo,
Geral dos Carmelitas em Roma
Geral dos Carmelitas em Roma
Sevilha, fevereiro de 1576. Dá-lhe conta da fundação
de Descalças em Beas, Caravaca e
Sevilha. Suplica ao Geral tenha os Descalços
na conta de filhos bons e
obedientes. Pede-lhe benevolência para com o Pe. Gracián. Acata a decisão do
Capítulo que lhe ordena retirar-se
a um convento de Castela. Procedimento do Pe. Ángel de Salazar.
Inquietação das monjas da Encarnação.
Jhs
A graça do Espírito
Santo esteja sempre com Vossa Senhoria. Amém. Depois que cheguei aqui a
Sevilha, escrevi a Vossa Senhoria três ou quatro vezes; e não escrevi mais,
porque, de volta do Capítulo, me disseram estes Padres que andava Vossa Senhoria
a visitar os Mantuanos1 e não estava em Roma.
Bendito seja Deus, que se acabou este negócio. Nas mesmas cartas dava a Vossa
Senhoria conta dos mosteiros que se fundaram este ano, que são três: em Beas,
em Caravaca e aqui. Tem neles Vossa Senhoria súditas que são grandes servas de
Deus. Os dois primeiros se fundaram com rendas; o desta cidade é de pobreza.
Ainda não temos casa própria, mas espero no Senhor se há de fazer. Porque tenho
certeza de que algumas destas cartas terão chegado às mãos de Vossa Senhoria,
não lhe dou aqui mais particular conta de tudo.
Nelas dizia que
diferença há entre falar a estes Padres Descalços, e ouvir o que por lá se
conta deles. Refiro-me ao Pe. Mestre Gracián e a Maríano, porque, não há
dúvida, são filhos verdadeiros de Vossa Senhoria, e, no substancial, ousarei
afirmar: nenhum dos que muito presumem de o ser, lhes faz vantagem. Como eles
me puseram por medianeira para alcançar de Vossa Senhoria que lhes restitua as
suas boas graças, pois já não ousavam escrever--lhe, suplicava eu a Vossa
Senhoria nessas cartas, com todo o encarecimento possível, o mesmo que agora
lhe suplico. Por amor de Nosso Senhor, faça--me Vossa Senhoria esta mercê, e
dê-me algum crédito, pois não tenho motivo para falar senão toda a verdade.
Teria, aliás, por ofensa de Deus não agir assim, e, ainda que não fora ir
contra Ele, consideraria grande traição e maldade proceder de outro modo com o
Pai a quem eu tanto quero.
Quando estivermos, um dia, ambos diante de Deus, verá
Vossa Senhoria o que deve à sua verdadeira filha Teresa de Jesus. Só isto me
consola nestes transes porque, bem sei, deve haver quem diga o contrário. Faço
tudo por Vossa Senhoria quando está em minhas mãos, como entendem — e quanto eu
viver entenderão sempre — todos os que julgam desapaixonadamente, pois só a
estes me refiro.
Já escrevi a Vossa Senhoria acerca da comissão que Pe.
Gracián recebeu do Núncio, e como este agora o tinha mandado chamar. Já terá
sabido Vossa Senhoria que de novo lha tornaram a dar, para visitar a Descalços
e Descalças e a província de Andaluzia. Sei com muita certeza que este último
encargo recusou ele o mais que pôde, embora não o digam assim. Esta é a
verdade, e seu irmão, o Secretário2, também o não queria, porque o resultado é só
grande trabalho.
Mas, pois estava feito, se me tivessem dado crédito
estes Padres3 tudo se teria executado sem publicidade e
muito como entre irmãos. Fiz tudo o que foi possível de minha parte para este
fim, porque, além de ser conforme à razão, eles desde que aqui estamos nos têm
socorrido em tudo; e, como a Vossa Senhoria já escrevi, acho entre eles pessoas
de bom talento e letras. Bem quisera eu os houvesse semelhantes em nossa
província de Castela.
Sou sempre amiga de fazer da necessidade virtude, como
dizem; e assim quisera que, em vez de resistir, vissem primeiro se poderiam
sair com a vitória. Por outra parte, não me espanto de que estejam cansados de
tantas visitas e novidades como por nossos pecados têm havido nestes últimos
anos. Praza ao Senhor nos saibamos aproveitar de tudo, pois é bem certo que
muito nos sacode Sua Majestade. Agora, porém, como são do mesmo hábito, não
parece ser tão em desdouro da Ordem; e espero em Deus se Vossa Senhoria
favorecer este Padre de maneira a entender ele que recuperou as boas graças de
Vossa Senhoria, de tudo há de resultar muito bem. Escreve ele a Vossa Senhoria,
e tem grande desejo, repito, de não lhe dar qualquer desgosto, porque se preza
de ser filho obediente de Vossa Senhoria.
O que torno agora a suplicar a Vossa Senhoria, por
amor de Nosso Senhor e de sua gloriosa Mãe (a quem Vossa Senhoria tanto ama,
assim como também a ama este Padre, que por lhe ser muito devoto entrou nesta
sua Ordem), é que Vossa Senhoria lhe responda, com brandura, deixando em
esquecimento as coisas passadas, embora tenha havido alguma culpa, e
recebendo-o generosamente por filho e súdito, pois na verdade o é; e o mesmo
digo do pobre Maríano, conquanto algumas vezes não avalie bem as coisas. E não
me espanto de que tenha escrito a Vossa Senhoria de modo tão diferente do que
ele na realidade quer. Não terá sabido exprimir-se, pois declara que jamais
teve a intenção de contrariar a Vossa Senhoria, nem por palavras nem por obras.
Como o demônio ganha tanto com esses mal-entendidos e os faz servir a seus
fins, deve ter ajudado para que, involuntariamente, esses Padres tenham faltado
de tino nesses negócios.
Mas olhe Vossa Senhoria, dos filhos é próprio o errar,
e dos pais o perdoar e não se deter nas faltas. Por amor de Nosso Senhor,
suplico a Vossa Senhoria: faça-me esta mercê. Veja que assim convém por muitos
motivos, que talvez aí Vossa Senhoria não os entenda, como eu aqui; e, ainda
que nós mulheres não prestemos para dar conselho, alguma vez acertamos. Não
entendo que prejuízo possa vir de Vossa Senhoria proceder assim, e, como digo,
proveitos pode haver muitos. Que mal pode resultar de acolher Vossa Senhoria
estes filhos que de muito boa vontade se lançariam a seus pés, se estivessem em
sua presença, pois Deus não deixa de perdoar? Convém que todos entendam como é
do agrado de Vossa Senhoria ser a Reforma promovida por um súdito e filho seu,
e como, a troco disto, se sente feliz de perdoar.
Se houvera muitos a quem encomendar tal obra! mas já
que, tanto quanto se pode julgar, nenhum há com os talentos deste Padre — e tenho
por certo, se Vossa Senhoria o visse diria o mesmo, — por que não há de mostrar
Vossa Senhoria que se alegra em ter tal súdito, de modo a entenderem todos que
esta reforma, se se levar a bom termo, procede de Vossa Senhoria e de seus
conselhos e avisos? E, se virem que Vossa Senhoria é favorável, todos se
aplacarão. Muitas outras coisas quisera eu dizer sobre este caso; parece-me,
porém, mais eficaz suplicar a Nosso Senhor dê a entender a Vossa Senhoria o que
será mais conveniente, porque, de tempos para cá, não faz Vossa Senhoria caso
de minhas palavras. Bem segura estou que, se nelas há algum erro, não erra
minha vontade.
O Pe. Frei
Antonio de Jesus está aqui; não pôde deixar de vir, embora também tenha
procurado escusar-se, como esses outros Padres. Escreveu a Vossa Senhoria;
quiçá terá mais sorte do que eu, encontrando crédito em Vossa Senhoria
acerca de tudo que sugeri como sendo conveniente. Faça-o Nosso Senhor como pode
e vê que é necessário.
Tive conhecimento da ata vinda do Capítulo Geral,
determinando que fique eu numa casa sem mais dela sair. Mandou-a para cá o
Padre Provincial, Frei Ángel, ao Pe. Ulloa, encarregando-o de ma notificar.
Pensou que me causaria muita pena, pois a intenção desses Padres foi de
magoar-me, e por isso a tinha guardado. Deve haver pouco mais de um mês,
procurei que me chegasse às mãos, porque o soube por outra parte.
Asseguro a Vossa Senhoria: certamente, tanto quanto
posso entender de mim, ser-me-ia de grande regalo e contento se Vossa Senhoria
mo tivesse escrito pessoalmente, e eu visse que, por compaixão dos muitos
trabalhos, (grandes ao menos para mim, pois não sou capaz de muito padecer) que
nestas fundações tenho passado, e em prêmio deles, me mandava Vossa Senhoria
descansar. E, ainda mesmo entendendo de onde procede a ordem, tem-me dado muito
consolo o poder estar em meu sossego.
Como tenho tão grande amor a Vossa Senhoria, não
deixei de sentir, na qualidade de filha outrora tão amada, esta ordem, porque
veio como dirigida a pessoa muito desobediente, em tais termos que o Pe. Frei
Ángel pode publicá--lo na corte antes de chegar a meu conhecimento. Pensava ele
que era fazer-me muita violência, e assim me escreveu que eu podia apelar para
a Câmara do Papa. Como se não fosse um grande descanso! Por certo, ainda no caso
de não ser gozo para mim o fazer o que Vossa Senhoria manda, senão grandíssimo
trabalho, não me passaria pelo pensamento deixar de obedecer; nem permita Deus
jamais que eu procure contentamento contra a vontade de Vossa Senhoria. Posso
dizer com verdade, e isto sabe N. Senhor, que, se algum alívio tinha nos
trabalhos e desassossegos e aflições e murmurações que passei, era por entender
que fazia a vontade de Vossa Senhoria, e lhe dava gosto. O mesmo terei agora em
fazer o que Vossa Senhoria me manda.
Quis obedecer imediatamente, mas vinha próximo o
Natal, e, como é tão longo o caminho, não me deixaram, entendendo não ser da
vontade de Vossa Senhoria que eu aventurasse a saúde. Por esta razão ainda
estou aqui, não com intento de ficar sempre nesta casa, mas só até passar o
inverno; porque não me entendo com a gente de Andaluzia. E o que suplico muito
a Vossa Senhoria é que não me deixe de escrever aonde quer que eu esteja,
porque não havendo já ocasião de tratar de negócios (e isto certamente me dará
grande contentamento), receio que Vossa Senhoria se esqueça de mim. De minha
parte não darei a Vossa Senhoria possibilidade de esquecer-me, e ainda que se
canse, não deixarei de lhe escrever para minha consolação.
Por aqui nunca se entendeu, nem se entende, que o Concílio4 — nem tampouco o Motu proprio — tire
aos Prelados o direito de mandar as monjas de uma a outra casa, para o proveito
e os interesses da Ordem, que muitas vezes se podem oferecer. Não digo isto em
relação a mim, que já não presto para nada, nem por ter de ficar numa só casa,
pois é tão bom ter algum sossego e descanso; e mesmo num cárcere, sabendo que
Vossa Senhoria se satisfaz com isso, estarei de boa vontade toda a vida. Digo-o
para que não tenha Vossa Senhoria escrúpulo do passado. Embora estivesse eu
munida de patentes, jamais saí para fundar em parte alguma, — pois para os
demais, claro está que não podia — sem ordem por escrito, ou licença do
Prelado. Com a do Pe. Frei Ángel, fui para Beas e Caravacas, e com a do Pe.
Gracián vim para Sevilha, porque naquele tempo tinha este a mesma comissão que
recebeu agora do Núncio, embora não usasse dela. Entretanto disse o Pe. Frei
Ángel que vim para cá como apóstata e estava excomungada. Deus lho perdoe!
Vossa Senhoria é testemunha de como sempre procurei que estivesse Vossa
Senhoria bem com ele, e lhe fizesse a vontade (quando não importava em
desagradar a Deus); e contudo nunca se decide a ficar bem comigo.
Prouvera a Deus tomasse ele a mesma atitude com
Valdemoro5!
Este, como é Prior de Ávila, tirou da Encarnação os Descalços, com não pouco
escândalo do povo; e, estando antes a casa que era para louvar a Deus, de tal
modo tratou aquelas monjas, que é lástima vê-las em tão grande desassossego.
Elas me têm escrito que para o desculparem a ele lançam sobre si a culpa! Já
voltaram para lá os Descalços, e, segundo me escreveram, mandou o Núncio que
não as confesse nenhum outro Padre do Carmo.
Muito me tem penalizado a aflição daquelas monjas; por
alimento só recebem pão, e de outro lado tantas inquietações sofrem, que me
causam grande lástima. Deus dê remédio a tudo; e a Vossa Paternidade nos guarde
muitos anos. Disseram-me hoje que vem cá o Geral dos Dominicanos. Ah! se me
fizesse Deus mercê de acontecer vir também Vossa Senhoria! Contudo, por outra
parte, sentiria eu o trabalho de tão longa viagem, e assim terá de ficar meu
descanso para aquela eternidade que não tem fim, onde verá Vossa Senhoria o que
me deve.
Praza ao Senhor, por sua
misericórdia, que assim o mereça eu. A esses meus Reverendos Padres, assessores
de Vossa Senhoria, muito me recomendo, pedindo as orações de Suas Paternidades.
Estas súditas e filhas de Vossa Paternidade suplicam que lhes dê sua
bênção, e eu o mesmo peço para mim.
*13 A dom Lorenzo de Cepeda, em Toledo
Toledo, 24
julho 1576
. 108 – pg.
1185
108. A D. Lorenzo de Cepeda em Ávila
Toledo, 24 de julho de 1576. “O mestre de
cerimônias.” Linda cela a de
Toledo. Zelos de Juan de Ovalle. Os manuscritos das “Fundações”. Uma cópia da
“Vida”. Marmelos e marmelada. A educação dos filhos de D. Lorenzo.
Jhs
A graça do Espírito Santo esteja sempre com vossa
mercê. Oh! quão longos me parecem estes quinze dias! Bendito seja Deus, que
vossa mercê está com saúde. Foi grande consolo para mim. Sobre o que me contou
de sua casa e criadagem não me parece haver demasia. Fez-me rir gostosamente o
mestre de cerimônias1; asseguro que achei muita graça. Bem pode confiar nela, que é
muito boa e muito sensata. Quando vossa mercê a vir, dê-lhe minhas
recomendações, que muito lhe devo, assim como a Francisco de Salcedo.
Fico triste com a sua indisposição.
Já começa o frio a fazer-lhe mal. Estou melhor do que de uns anos para cá, a
meu parecer, e tenho uma cela muito linda, completamente isolada, com uma
janela que dá para um jardim. Visitas muito raras. Se não fossem tantas as
cartas e me deixassem sossegar, tão bem estaria, que não fora possível durar
muito, pois assim costuma acontecer quando estou bem. Tivera eu vossa mercê
aqui, e nada me faltaria; mas, se Deus me fizer a graça de lhe conceder saúde,
o resto não custa passar. Deus lhe pague o cuidado que tem com a minha,
consolei-me da sua ausência, vendo que vossa mercê também sofre por estar eu
aqui. Espero em Deus não ficarei tanto tempo que me deixe de alcançar o frio de
Ávila. Ao menos, pelo mal que me havia de fazer não deixaria de ir; nem me
deterei um dia mais; pois, quando Deus quer, em qualquer parte dá saúde. Oh!
para meu contentamento, quanto mais desejo a de vossa mercê! Deus lha dê, como
está em suas Mãos.
Juan de Ovalle
escreveu-me uma carta muito longa, encarecendo a amizade que tem a vossa mercê
e quanto está pronto a servi-lo. Toda a sua tentação foi o parecer-lhe que
Cimbrón2 lhe era preferido, mandando e desmandando no
que a vossa mercê toca e sendo causa de que não viesse minha irmã. Todo o seu
sentimento não é mais que ciúme; e é fora de dúvida, creio, porque é ciumento
de natureza, e não foi pouco o que passei com ele por sermos amigas D. Guiomar3 e eu. Todas as suas queixas são contra
Cimbrón. Em certas coisas é muito criança, mas portou-se bem com vossa mercê em
Sevilha e tem-lhe grande afeição; portanto, por amor de Deus, vossa mercê
revele essas coisas.
Respondi-lhe dizendo meu
parecer. Assegurei-lhe que vejo quanto vossa mercê lhe quer e que, portanto,
antes se deve ele alegrar de que Cimbrón trate dos interesses de vossa mercê.
Insisti muito, aconselhando-o a contentar vossa mercê e a enviar-lhe, assim que
lho pedisse, o dinheiro. Acrescentei que melhor estava cada um em sua casa, e
talvez Deus o tivesse ordenado assim. Em suma, lancei a culpa sobre ele e
desculpei a Perálvarez. O pior é que estou prevendo sua vinda, e de nada valerá
tudo quanto fiz para impedi--la. Certamente tenho muita pena de minha irmã e
por amor dela havemos de sofrê-lo assim; quanto à sua vontade de contentar a
vossa mercê e servi-lo, posso jurar que é muita. Deus não o favoreceu com
maiores dons. Por outro lado, fez a outros bem acondicionados, para que sofram
os que têm desses gênios. É o que deverá fazer vossa mercê.
Acho que o Agnus Dei4, se não estiver
no baú, junto com os anéis, está na arquinha. Já disse à Subpriora que envie
esta a vossa mercê, para que de dentro tire os manuscritos das “Fundações”, e
lhos devolva, envoltos num papel, e selados. Ela os remeterá a mim, junto com
não sei que objeto de minha companheira, e um manto meu, que fomos precipitadas
em mandar para aí antes de tempo. Não sei que outros papéis estarão na
arquinha, e não quisera que alguém os visse; e nem tampouco as “Fundações”, por
isso lhe faço este pedido. Quanto a vossa mercê não me importa que os veja.
Quebrou-se a chave da
arquinha; abra-a vossa mercê e, depois de ter tirado a fechadura, guarde-a em
alguma arca, até que seja substituída. Dentro dela achará a chave de um
porta-cartas que por minha ordem vão enviar a vossa mercê, no qual estão também
alguns papéis, se não me engano, de coisas de oração. Bem os pode ler, e tirar
umas folhas com algumas notas sobre a fundação de Alba. Remeta-me vossa mercê
tudo junto, porque me mandou o Padre Visitador terminar as “Fundações”, e tenho
necessidade desses apontamentos para ver o que já ficou dito e escrever a
fundação de Alba. é muito penoso
para mim, porque o tempo que me sobra das cartas, preferia passar na solidão e
descansar. Não parece que assim o queira Deus. Praza a Ele seja para seu
serviço.
Saiba vossa mercê que me
escreveu a Priora de Valladolid contando como D. María de Mendoza mandou tirar
uma cópia do livro5 que estava nas mãos do
Bispo, e ele agora lha tomou. Pelo que toca a vossa mercê, fiquei contente;
assim quando eu estiver aí, poderei pedi-lo para que o veja. Não o conte a
ninguém. Se acontecesse ir aí o Bispo, bem lho poderia vossa mercê pedir.
Escreverei para Sevilha
dando seu recado, pois não sei se as cartas lá chegaram. Por que fazer caso de
quatro reais? Eles não pagaram o porte porque se o mensageiro entendesse que ia
alguma coisa dentro, não as teria entregue. Muito bem está passando a Priora
daqui, em comparação do que estava antes; ela e todas beijam as mãos de vossa
mercê. Muito o temos encomendado a Deus, pedindo que lhe dê saúde. Envio-lhe
uns marmelos para sua criada fazer uma compota que lhe sirva de sobremesa; e
duas caixas de marmelada, sendo uma para a Subpriora de S. José, a qual ouvi
dizer que anda muito fraca. Diga-lhe que a coma, e a vossa mercê suplico que da
sua não reparta: coma-a toda por amor de mim. Avise-me quando acabar, pois aqui
são baratos os marmelos, e não é dinheiro do Convento. De fato, mandou-me o Pe.
Gracián, por obediência, fazer o que costumava, pois o que tinha não era para
mim, e sim para a Ordem. Por um lado tive pesar, mas, por outro, gostei; porque
surgem tantas necessidades aqui onde estou — ainda só falando em portes para
cartas, — que me dá pena o gastar tanto, e são muitas as ocasiões que se
apresentam...
MEMORIAL SOBRE A
EDUCAÇÃO DOs FILHOS DE DOM LOURENÇO
Quero que vossa mercê
não o esqueça, e por isso o ponho aqui. Tenho grande receio de que, se desde já
não tiver grande cautela com esses meninos, bem depressa poderão juntar-se aos
mais presunçosos de Ávila; e é preciso quanto antes mandá-los vossa mercê ao
Colégio da Companhia. Neste sentido escrevo ao Reitor, como aí verá; e, se ao
bom Francisco de Salcedo e ao Mestre Daza parecer bem, usem bonés. A filha de
Rodrigo teve seis filhos, dos quais só um foi homem, e — feliz dele! — sempre o
aplicaram aos estudos, e ainda agora está em Salamanca; e tanto este como o
filho de D. Diego del Aguila, andavam assim. Em suma, lá combinarão o que for
mais acertado. Praza a Deus não criem meus irmãos com muitas vaidades os seus
filhos.
Não poderá vossa
mercê ver com muita freqüência a Francisco Salcedo, nem ao Mestre se não for
pessoalmente às suas casas, porque moram longe de Perálvarez, e essas conversas
espirituais se devem fazer em particular. Não se esqueça vossa mercê de não
tomar, por enquanto, confessor certo, e em sua casa tenha o menor número de
criados que puder ser; é preferível tomar outros, mais tarde, a despedir os que
já tem. Vou escrever a Valladolid para que venha o pajem. Ainda que saiam sem
ele alguns dias, não importa, pois são dois e podem andar juntos; vou escrever
que venha quanto antes.
vossa mercê é
inclinado a muito fausto, e até se acostumou a ele. É mister mortificar-se
neste ponto e não dar ouvido a todos. Tome o parecer destes dois amigos em
tudo, e também o do Pe. Muñoz da Companhia, se achar bom. Para as coisas mais
graves, porém, bastam os dois, e siga o que aconselharem. Veja que nos começos
não se entende logo o mal que resultará de certas coisas; e vossa mercê ganhará
mais, aos olhos de Deus e até aos do mundo, e ganharão também seus filhos, se
tiver mais para fazer esmolas. Por ora acho melhor não comprar mula; basta-lhe
um cavalo ordinário, que sirva para montaria e para carga. Não vejo motivo
agora para não passearem a pé esses meninos; deixe-os estudar.
*14 Ao Pe. Jerônimo Gracian, em Sevilha
Toledo, 23
outubro 1576
. 129 – pg 1224
Carta 129
A D. Lorenzo de Cepeda em Ávila
Toledo, novembro de 1576. Cobrança de algum dinheiro
de D. Lorenzo. Atenções com Antonio Ruiz, de Malagón. Gratidão a Francisco de
Salcedo, ao qual aconselha paciência em certo pleito que tinha, sobre
interesses materiais. Quão conveniente é o desapego dos bens terrenos.
... A vossa Mercê posso dizer que se deve ter
rompido...1 erro, como há tanta barafunda por lá, que não
(se pode) encobrir. Agora me diz que tem em casa, já cobrado, o dinheiro de
vossa mercê, mas não ousa enviá-lo até que vossa mercê determine alguém a quem
o possa entregar mediante carta sua; por isso tenha cuidado, quando partir daí
o arrieiro, porque, se for de confiança, será o melhor portador para levá-lo,
ou, antes, trazê-lo. Antonio Ruiz há de ir... não podia, iriam desde Malagón.
Ele ficará contente, pois como não há tempo para adiantar as obras da casa, não
tem que fazer lá, e melhor é que se trate tudo no próprio local. é grande esmola o que se faz por ele,
porque terá algum meio para começar a remediar-se, e vossa mercê nada perderá.
Quando pensei em escrever isto a vossa mercê, mais me lembrei, ao que me
parece, do proveito desses pobres, tão bons, do que do lucro de vossa mercê,
conquanto também o tenha em vista e deseje vê-lo muito rico, pois tão bem
emprega seus haveres. Ainda esta manhã me veio ao pensamento que não convém
casar tão depressa esses meninos, a fim de poder vossa mercê fazer mais em
benefício de sua alma; porque, em começando com outros gastos, não poderá dar
tanto, e, afinal, isto é o que há de levar para a outra vida, do que adquiriu
com tanto trabalho. Melhor é gastar o mais que puder no serviço de quem lhe há
de dar seu reino, sem que a morte lho tire. Sua Majestade o...
Muito mais aparelhado está vossa mercê para os
trabalhos interiores e as coisas do espírito, graças a seu natural e ao ânimo
que tem. É preciso mostrar a ele2 sempre
muito agrado, para que não se julgue logo importuno. Não sei se poderei afirmar
que é a pessoa a quem mais devo na vida, de todas as maneiras, porque foi para
mim o princípio de grande luz, e assim lhe quero muitíssimo. Dá-me bastante
pena não ver nele mais ânimo para essa provação do pleito que Deus lhe dá, pois
não me posso convencer de que lhe venha de outra parte esse abatimento.
Rogue vossa mercê ao Senhor que o dê a entender a D.
Francisco, para pôr fim à sua inquietação. Eis o resultado de não estarmos
desprendidos de tudo: o que mais nos dá a ganhar, que é perder a fortuna tão
pouco duradoura e digna de tão pouca estima em comparação dos bens eternos,
isso nos inquieta e priva de todo lucro. Mas convém levar em conta que estas
considerações não consolam a quem Deus não concedeu tal desapego; preferem ver
que nos compadecemos de seus sofrimentos.
Estando eu a pensar hoje
como reparte Deus os bens segundo lhe apraz, e como um homem desses, que há
tantos anos o serve tão deveras, cujos haveres são mais dos pobres do que seus,
se aflige tanto em perdê-los; e, parecendo-me que a mim pouco se me daria,
lembrei-me do muito que senti quando em Sevilha vimos vossa mercê em risco de
perder o que trouxera. É que nunca nos conhecemos. Assim pois, o melhor deve
ser fugir de tudo pelo Tudo, para que nosso natural não nos faça escravos de
coisas tão baixas; e os que não chegam a tanto, considerem esta verdade muitas
vezes. Assim o faça vossa mercê, e lembre-se disto quando seu natural o
levar...1
*15 À Madre Maria de São José, em Sevilha
Toledo, 7
dezembro 1576
. 151 – pg.
1256
Carta 151
À Madre María de S.
José, Priora de Sevilha
Toledo, 27 de dezembro
de 1576, Felicita a Nicolau Dória. Assuntos do convento das Descalças de
Sevilha. Pede confeitos à Madre Priora. Lembranças aos conhecidos.
Jesus esteja com vossa reverência,
filha minha. Vão dar duas horas, e assim não posso alargar-me; digo, duas da
noite. Pela mesma razão não escrevo ao bom Nicolau; dê-lhe os Bons Anos de
minha parte e diga-lhe que hoje esteve aqui a mulher de seu primo. Quanto ao mosteiro,
aquela pessoa continua em seu bom propósito, como ele deixou, mas até chegar a
decisão da corte para admiti--lo, como aqui não vem o Pe. Maríano, ficará tudo
parado.
Alegrei-me de terem recebido tão boa
noviça; recomendem-me muito a ela e a todas. Fiquei contente com as cartas que
me enviou, de meu irmão. O que me contraria é nada me dizer vossa
reverência sobre sua saúde; Deus lhe dê como desejo. Grandíssima mercê nos faz
em dá-la também a Nosso Padre. Seja para sempre bendito! Trouxe-me o almocreve
as cartas que vossa reverência envia a Malagón; não sei se trouxe o dinheiro.
Grande bobagem seria não aceitar o que lhe dá meu irmão; prouvera a Deus fôsse
mais. Fará bem de mandar-me os confeitos de que falou; se são tão bons,
gostaria de tê-los para certa necessidade.1
Estou com saúde, embora nos últimos
dias antes do Natal tenha passado adoentada, e cansadíssima com a demasia dos
negócios. Contudo não quebrei o jejum do Advento. A todas as pessoas que julgar
conveniente dê minhas recomendações, especialmente ao Pe. Frei Antonio de
Jesus; e pergunte-lhe se fez promessa de não me responder. Também a Frei
Gregório me recomendo. Muito me folgo de que tenha o convento o necessário para
pagar a contribuição deste ano. Deus dará o demais. Sua Majestade a guarde. Já
estava desejando ver carta sua.
É dia de S. João Evangelista.
Eu de vossa reverência,
Teresa de Jesus.
*16 Ao Pe. Ambrosio Mariano, em Madri
Toledo, 12
dezembro 1576
. 155 – pg.
1263
Carta 155
Ao Pe. Ambrósio Maríano de São Bento
Toledo, 12 de dezembro de 1576. Inveja a Santa aos que
trabalham pelos próximos. A reforma de Paterna. Bom exemplo das Descalças.
Deseja que entrem pessoas de bons talentos. Acerca da descalcez completa de
pés. O trabalho de mãos. Sou amiga
de apertar nas virtudes, porém não no rigor.
Jesus esteja com vossa reverência. Estas cartas, entre
as quais a da Priora de Paterna, chegaram-me às mãos. As outras que, segundo me
diz, devem chegar talvez amanhã, quinta-feira, virão com segurança por essa
via; não hão de perder-se. Muitíssimo folguei com estas, e também com a de
vossa reverência. Seja Deus bendito por tudo.
Ó Padre meu! e que alegria me vem ao coração quando
vejo que por algum dos membros desta Ordem (onde o Senhor tem sido tão
ofendido) se faça alguma coisa para sua honra e glória, e se evitem alguns
pecados! Só me dá grande pena e inveja por ver o pouco valor que tenho para
isso; desejaria andar no meio de perigos e trabalhos, para que me coubesse
parte desses despojos dos que andam metidos na peleja. Algumas vezes, ruim como
sou, alegro-me de ver-me aqui sossegada; mas, em vindo à minha notícia quando
estão trabalhando por lá, sinto-me consumida e tenho inveja a essas que foram
para Paterna. Estou alegríssima por Deus começar a servir-se das Descalças, e
muitas vezes, quando vejo almas tão animosas nestas casas, parece-me que não
seria possível dar-lhes Deus tanto se não fosse para algum fim. Ainda que não
fizessem mais do que estão fazendo naquele mosteiro — porque enfim terão
evitado ofensas de Deus, — estaria contentíssima; quanto mais que espero em Sua
Majestade hão de ir muito além.
Não esqueça vossa reverência: de acrescentar, na
declaração acerca dos Frades, que também possa dar licença para fundar
mosteiros de monjas. Saiba que me confesso aqui com o Doutor Velásquez, Cônego
desta Igreja, grande letrado e servo de Deus, como poderá informar-se. Não se
conforma com a idéia de não mais se fundarem mosteiros de monjas, e ordenou-me
tomar por intercessora a senhora D. Luisa para, por intermédio do Embaixador, alcançar
licença do Geral, e, em último caso, do Papa. Recomenda informar a Sua
Santidade de como são espelhos de Espanha, e promete indicar os trâmites a
seguir. Já mandei falar a vossa reverência de uma fundação que se nos oferece;
responda-me a estas duas coisas.
Com o último
bilhete que me enviou, fiquei muito consolada. Deus o pague a vossa reverência,
conquanto já esteja bem assentado em meu coração tudo o que me escreveu. Como
não me diz nada do Pe. Frei Baltazar? A todos dê minhas encomendas.
Achei graça no que alega o Pe. Frei João de Jesus a
respeito de andarem inteiramente descalços. Como diz que é por minha vontade,
se fui eu que sempre o proibi ao Pe. Frei Antonio? E, a tomar ele meu parecer,
teria errado. Era meu intento e desejo que entrassem bons talentos e temia que,
vendo muita aspereza, se haviam de assustar; mas tudo foi necessário para se
distinguirem dos Calçados. O que talvez tenha dito é que tanto frio teriam
assim, como de pés no chão.
O que eu disse — e daí deve ter vindo o engano, —
quando se tratou da má impressão que dariam os Descalços montados em boas
mulas, foi que não se havia de consentir, a não ser para longo caminho e com
grande necessidade; pois uma coisa não assentava bem com a outra. Ora, têm
passado por aqui uns Descalços mocinhos, que tinham, aparentemente, pouco a
andar, e vinham de jumento quando poderiam vir a pé. E assim o torno a dizer:
não dão boa impressão esses jovens; descalços, por um lado e por outro em mulas
com boas selas. Quanto à outra questão, nem me passou pelo pensamento: já
andam descalços demais. Avise vossa reverência que não o façam; voltem ao que
costumavam; e escreva a Nosso Padre.
no que insisti muitíssimo com Sua Paternidade foi que
lhes fizesse dar muito bem de comer; porque trago sempre diante dos olhos o que
vossa reverência diz, e muitas vezes tenho bastante pesar. Ainda ontem ou hoje,
antes de ler sua carta, o estava sentindo, parecendo-me que daqui a dois dias
tudo irá por água abaixo, tal o modo com que se estão tratando. Voltei-me para Deus
a buscar consolação, porque Ele, que o começou, dará jeito a tudo; e assim
alegrei-me por ver que vossa reverência pensa como eu.
Outra coisa que
lhe pedi muito foi que exigisse o lavor de mãos, ainda que só fosse fazer
cestas, ou qualquer outra coisa; e seja na hora da recreação, quando não houver
outro tempo, porque, nas casas que não são de estudos, é importantíssimo.
Entenda, meu Padre, que sou amiga de apertar muito nas virtudes, porém não no
rigor, como se poderá ver nestas nossas casas. Deve ser porque sou pouco
penitente. Muito louvo a Nosso Senhor de que dê a vossa reverência tanta luz em
pontos tão importantes. É grande coisa em tudo desejar sua honra e glória.
Praza a Sua Majestade nos dar graça para morrermos mil vezes por esta causa.
Amém, amém.
É hoje
quarta-feira, 12 de dezembro.
Indigna serva de
vossa reverência,
Teresa
de Jesus.
De muita caridade
usa vossa reverência para comigo enviando-me as cartas, que recebe de Nosso
Padre, pois quando ele me escreve é sempre muito breve; e não me admiro, antes
pelo contrário lhe rogo que o faça assim. Verdadeiramente louvo ao Senhor
quando as leio, e vossa reverência está muito obrigado a fazer o mesmo, pois
deu princípio àquela obra. Não deixe de insistir com o Arcediago. Temos também
por nós o Deão e outros Cônegos, e já vou granjeando outros amigos.
*17 Ao Pe. Jerônimo Gracian,em Sevilha (?)
Toledo, 13
dezembro 1576
. 154 – pg.
1260
Carta 154
Ao Pe. Jerónimo Gracián em Sevilha
Toledo, dezembro de 1576. Agradece em termos afetuosos
as cartas recebidas. Graça do Pe. Jerónimo para a correspondência
epistolar. Um falso testemunho.
Reforma das Calçadas de Paterna. As casas da Descalcez “espelhos de Espanha”. Informação
a Roma para a separação entre Calçados e Descalços. Fundação de Caravaca. Torna a falar sobre a de Paterna. Os
melhores dias da Santa foram
os passados em Beas com Paulo. Enfermidade da Madre María de S. José.
Brandura de gênio de Isabelita.
Jesus esteja com Vossa Paternidade, meu Padre. Oh! que
dia bom tive hoje! Enviou-me o Pe. Maríano todas as cartas de Vossa Paternidade
para ele! Não é preciso que lhe recomende fazer assim, pois já lho pedi, e,
embora custe a mandá-las, trazem-me muito consolo. E ainda tão caridosamente
relata-me Vossa Paternidade em resumo as coisas sucedidas! Segundo já lhe
disse, as outras cartas demoram a chegar, exceto quando o Pe. Maríano tem
alguma em seu poder para mim, porque então ma envia logo. Estamos grandíssimos
amigos.
Tem-me feito louvar a Nosso Senhor a maneira e a graça
com que Vossa Paternidade escreve, sobretudo quando fala sobre a perfeição. Ó
Padre meu, que majestade em suas palavras quando toca neste assunto, e quanto
consolo dão à minha alma! Quando não fôssemos fiéis a Deus pelo bem que daí nos
resulta, senão pela autoridade que comunica a seus representantes — tanto mais
quanto mais de perto o representam, — seria grandíssimo lucro para nós; bem
deixa Vossa Paternidade ver que lhe vai bem com Sua Majestade. Seja Ele por
tudo bendito, que tantas mercês me faz, e lhe dá tanta luz e tantas forças. Não
sei quando hei de determinar-me de todo a servi-lo.
Posso assegurar-lhe que estava muito boa a carta que
Vossa Paternidade escreveu de Trigueiros sobre o Tostado; e fez bem em rasgar
as que lhe mostraram com um pedido acerca do mesmo. Enfim, meu Padre, Deus o
ajuda e ensina, a bandeiras despregadas, como dizem; não tenha medo que deixe
de sair com êxito de tão grande empresa. Oh! que inveja tenho de Vossa
Paternidade e do Pe. Antonio pelos pecados que conseguem impedir, enquanto eu
aqui não tenho mais que desejos!
Faça-me saber em
que se basearam para levantar um falso testemunho contra a honra daquela monja
virgem, e mãe. Parece-me grandíssima insensatez levantar um falso com este. Mas
nenhum chega ao que Vossa Paternidade me conta em sua carta, há poucos dias.
Pensa que é pequena mercê de Deus levar Vossa Paternidade estas coisas como as
leva? Eu lhe digo que Ele lhe vai pagando os serviços que aí Lhe presta. E não
é só isto.
Estou pasma de
tanta desgraça que se vê, especialmente no que se refere a essas Missas; fui ao
coro pedir a Deus remédio para essas almas. Não é possível consentir Sua
Majestade que vá adiante tanto mal, já que o começou a desvendar. Cada dia vou
entendendo mais o fruto da oração, e quanto deve ter valor diante de Deus uma
alma que só pela honra de Sua Majestade pede remédio para outras. Creia, meu
Padre, penso que se vai realizando o fito com que se deu começo a estes
mosteiros, que foi para pedir a Deus sua assistência para aqueles que defendem
sua honra e trabalham em seu serviço, porquanto, nós, sendo mulheres, de nada
valemos. Quando considero a perfeição destas monjas, não me espantarei de
qualquer coisa que alcançarem de Deus.
Gostei de ver a carta que a Vossa Paternidade escreveu
a Priora de Paterna, e o tino que Deus infunde a Vossa Paternidade em todas as
coisas. N’Ele espero que haverá grande fruto; com isto vieram-me ânsias de que
não cessem as fundações. Há projeto de uma acerca da qual já escrevi a Vossa
Paternidade; e agora sobre o mesmo assunto escreve-me essa carta, que lhe
envio, a Priora de Medina. Não são mil ducados os que ela dá, senão seiscentos;
bem pode ser que tenha resolvido ficar com o demais. Consultei o Doutor
Velásquez sobre este negócio, porque tinha escrúpulo de tratar disso contra a
vontade do Geral. Insistiu muito em que devo procurar que D. Luisa escreva ao
Embaixador, a fim de que este alcance a licença do Reverendíssimo Geral, e
prometeu dar a informação que será preciso mandar. No caso de não se obter,
aconselhou recorrer ao Papa, informando Sua Santidade de como são espelhos de
Espanha estas casas. Assim o penso fazer, se a Vossa Paternidade não parecer
outra coisa.
Respondi a Medina pedindo que me explicassem melhor as
condições, e já escrevi ao mestre Ripalda, até pouco tempo Reitor em Burgos e
meu grande amigo da Companhia, para que tomasse informações e depois me desse
conta, pois se fosse coisa conveniente, enviaria eu alguém em meu lugar para
que o visse e tratasse. De fato, se parecer bem a Vossa Paternidade, poderão ir
Antonio Gaytán e Julián de Ávila, quando vier a estação favorável. Vossa
Paternidade dar-lhes-á plenos poderes para que façam um acordo, como o de
Caravaca, e a fundação poderá realizar-se sem a minha presença. Mesmo no caso
de se ter de lançar mão de maior número de monjas para reformar conventos, não
faltará quem vá, contanto que a cada um vão poucas, como aí em Paterna.
Parece-me, contudo, que em outros, que sejam maiores, não conviria irem só
duas; e até mesmo aí não teria por mau que houvesse uma Irmã conversa, já que
as temos, e muito boas!
Estou persuadida
de que nada se consegue em mosteiros de monjas se não há quem de portas adentro
as mantenha na disciplina. A Encarnação está que é para louvar a Deus. Oh! que
desejo tenho de ver todas as monjas livres da sujeição aos Calçados! Quando me
for concedido ver separada deles a nossa Província, darei até a vida para este
fim, porque do mau governo vem todo o dano, e é sem remédio. Com efeito, ainda
que outros mosteiros estejam relaxados, não é em tanto extremo; refiro-me aos
que estão sob a jurisdição dos frades; quanto aos sujeitos aos Ordinários, nem
é bom falar. E se os Prelados entendessem a responsabilidade que lhes pesa
sobre os ombros e tivessem a solicitude de Vossa Paternidade, agiriam de outra
maneira; e não seria pouca misericórdia de Deus haver tantas orações de boas
almas em favor de sua Igreja.
Muito bem me parece o que Vossa Paternidade me diz
sobre os hábitos, e, dentro de um ano, poderão todas estar assim vestidas. Uma
vez estabelecido, estabelecido fica. Será questão de gritarem alguns dias; mas
castigadas umas, calarão as demais, pois as mulheres são assim: pela maior
parte, temerosas. Essas noviças não continuem aí, por caridade, pois receberam
tão maus princípios. Importa-nos muito o sairmo-nos bem dessa reforma, por ser
a primeira. Eu lhe asseguro que a amizade que lhe tinham, bem o mostram com as
obras.
Achei graça no rigor de nosso Padre Frei Antonio. É
certo que com alguma não seria mau, antes importa muitíssimo que eu as conheço
todas. Talvez desse modo se houvesse impedido mais de um pecado por palavras, e
estariam agora mais rendidas; pois há de haver brandura e rigor, que assim
Nosso Senhor nos leva; e para essas muito obstinadas não há outro remédio.
Torno a dizer: aquelas pobres Descalças estão muito sozinhas e se alguma ficar
doente, será grande contratempo. Deus, que vê a necessidade, lhes dará saúde.
Todas as filhas de Vossa
Paternidade — as de cá — vão bem; as de Beas é que só faltam morrer com tantos
pleitos; mas não é muito padecerem um pouco, já que lhes faltaram trabalhos na
fundação daquela casa. Nunca terei dias melhores do que os passados ali com meu
Paulo. Gostei de que se tenha assinado “seu filho querido”. Como eu estava só,
exclamei logo: “Quanta razão tem!” Muito me folguei de ouvi-lo de Vossa
Paternidade e mais me folgaria se visse os negócios daí em tão bons termos, que
pudesse voltar a ocupar-se dos de cá. Espero em Deus que tudo há de vir a parar
em suas mãos.
Muito sinto a doença dessa Priora, pois seria difícil
achar outra como ela para aí. Faça Vossa Paternidade que seja bem tratada e
tome algumas drogas para essa febre contínua. Oh! como me dou bem com o
confessor! Para me obrigar a fazer alguma penitência, manda-me comer, cada dia,
mais do que costumo, e quer que me regale. A minha Isabel está aqui; pergunta
se como está Vossa Paternidade brincando com ela e não lhe responde?
Dei-lhe uma fatia de
melão; disse que está muito frio, e lhe atroa a garganta. Asseguro-lhe que tem
ditos engraçadíssimos e uma alegria constante, unida a uma brandura de gênio
que a torna muito parecida com meu Padre. Deus mo guarde muito mais que a mim.
Amém, amém.
Saiba que aí têm as
monjas um medo extraordinário da Priora, e também um costume de não dizer as
coisas aos Prelados como elas são. Essa questão dos estudantes que as servem, é
preciso ser bem examinada.
Filha de Vossa
Paternidade,
Teresa de Jesus.
*18 A do Lorenzo de Cepeda, em Ávila
Toledo, 2
janeiro de 1577
. 165 – pg.
1273
*19 Ao Pe. Jerônimo
Graciano, em Sevilha (ou Paterna) (?)
Toledo, 3 janeiro 1577
. 152 – pg.
1257
Carta 152
Ao Pe. Jerónimo Gracián
Toledo, 7 de dezembro de 1576. Aconselha a Gracián que
trate com o Inquisidor. Sobre o modo de governar usado pelo Prior dos Remédios.
O Tostado não visitará as casas das Províncias da Ordem. Elogios feitos por
Esperança (Salazar) ao Pe. Gracián. Defende Eliseu. Intenta-se uma fundação de
Descalças em Aguilar de Campo e Burgos. Gracián entre as Cigarras.
Jesus esteja com Vossa Paternidade, meu Padre. Cada
vez que vejo tão amiudadas cartas de Vossa Paternidade, quereria beijar-lhe
novamente as mãos, porque, tendo-me deixado aqui neste lugar, não sei o que
seria de mim sem este alívio. Seja Deus por tudo bendito. Sexta-feira passada
respondi a algumas cartas de Vossa Paternidade; outras recebi agora, escritas
de Paterna e de Trigueiros, sendo que esta última está bem cheia de cuidados, e
com muita razão.
Apesar de todos os motivos alegados por Vossa
Paternidade para ficar aí, quisera eu que, em vista da carta do Anjo tão
encarecida, não deixasse de ir, mesmo à custa de algum trabalho, assim que
acabasse de atender a esses senhores Marqueses. Com efeito, ainda que ele não
acertasse, mal se podem comunicar por cartas certas coisas, e, como lhe devemos
tanto e parece que Deus o escolheu para nossa ajuda, até seus erros se
converterão em bem para nós se lhe obedecermos. Olhe, meu Padre, não o
contrarie, por amor de Deus, pois está aí muito só, sem um bom conselho.
Dar-me-ia muito pesar.
Também senti por saber que esse Santoia, segundo me
diz a Priora, não faz bem seu ofício; muito mais o sinto do que a falta de
ânimo que tem. Por amor de Deus, Vossa Paternidade o admoeste de modo a dar-lhe
a entender que também para ele haverá justiça, como para os outros.
Estou escrevendo com tanta pressa, que não poderei
dizer o que quisera, pois, quando a ia começar, sobreveio uma visita urgente, e
agora é muito tarde, de noite. Tem de ser levada ao almocreve, e, para
aproveitar mensageiro tão seguro, não quero deixar de repetir-lhe o que já lhe
tinha escrito, isto é: deu provisão o Concelho Real para o Tostado não mais
visitar as quatro Províncias. Leram-me uma carta de uma pessoa que afirmava ter
visto a dita provisão. Quem ma leu foi próprio destinatário, que não tenho por
muito verdadeiro, mas creio que neste ponto não faltou à verdade, e, por várias
causas, não tinha motivo para mentir. De um ou de outro modo, espero em Deus
que tudo se fará bem, pois Ele assim vai dando a Paulo esse dom de todos atrair
a si.
Ainda quando eu não
tivesse motivos para servir a Sua Majestade, só esta mercê bastava. Por certo
que é digno de admiração ver como se vão fazendo as coisas. Saiba que há muito
tempo Esperança não louvava a Paulo; agora mandou-me dizer dele maravilhas, recomendando-me
que daqui lhe lançasse a minha benção. Que será quando souber de que modo está
agindo em Paterna? Por certo, que me admira constatar como vai o Senhor
entremeando contentamentos e penas: é este verdadeiramente o caminho reto por
onde executa seus desígnios.
Teresa de Jesus.
Saiba, meu Padre, que de
algum modo é para mim grande regalo quando me conta seus trabalhos; contudo
aquele testemunho falso me magoou muito, não pelo que toca a Vossa Paternidade,
mas pela outra parte. Como não acham quem sirva de testemunha, buscam alguém
que, segundo lhes parece, não há de falar; e será esta, mais que ninguém neste
mundo, quem defenderá a si e a seu filho Eliseu.
Recebi ontem carta de um
Padre da Companhia, e também de uma senhora de Aguilar del Campo, que é uma boa
vila, a treze léguas de Burgos. É viúva, de sessenta anos de idade e sem
filhos. Numa grave doença, querendo fazer uma boa obra com a sua fortuna, que
consta de seiscentos ducados de renda além de uma boa casa e terreno, o Padre
deu-lhe notícia desses mosteiros. Agradou-se tanto, que por testamento deixou
tudo para uma fundação nossa. Afinal veio a escapar, mas ficou-lhe grande
vontade de fazê-la, e por isso escreveu-me sobre o assunto, pedindo resposta.
Parece-me muito longe, contudo talvez queira Deus que se realize.
Também há em Burgos
tantas candidatas desejosas de entrar, que é lástima não haver onde. Enfim, não
rejeitarei a proposta; somente quero informar-me melhor sobre a terra e o
demais, até ver o que manda Vossa Paternidade, e saber se poderá, com o Breve
que tem, admitir mosteiros de monjas. Mesmo que eu não vá, pode Vossa
Paternidade mandar outras. Não se esqueça de dizer-me o que me ordena fazer
neste caso.
Em Burgos tenho bem de quem me informar. Se ela der
tudo — e penso que o fará, — podemos contar com nove mil ducados, além das
casas; e de Valladolid para lá a distância não é considerável. A terra deve ser
muito fria, mas dizem que é bem protegida.
Ó meu Padre! quem me
dera poder partilhar esses cuidados de Vossa Paternidade! E quão bem faz em
queixar-se a quem tanto se dói de suas penas! E quanto gosto de o ver tão
ocupado com as Cigarras! Grande fruto se há de fazer aí. Espero em Deus, que
Ele as proverá, pois são tão pobres. Saiba que me escreveu S. Francisco uma
carta muito sensata. Deus esteja com elas; fico muito contente por quererem
tanto bem a Paulo; e de que ele o retribua alegro-me, embora não tanto. Mas a
essas de Sevilha, se eu já lhes queria muito, cada dia lhes quero mais, pelo
cuidado que têm daquele a quem eu quisera, com o maior desvelo, estar sempre
regalando e servindo. Seja Deus louvado que lhe dá tanta saúde. Olhe, por amor
de Deus: tome cuidado com o que lhe dão a comer por esses mosteiros. Estou boa
e contente por saber de Vossa Paternidade tão a miúdo. Sua Majestade mo guarde
e faça tão santo como Lhe suplico. Amém.
É hoje vigília da Conceição de Nossa Senhora.
Indigna filha de Vossa Paternidade,
Teresa de Jesus.
Palencia,
metade de fevereiro (19 fevereiro) 1581
. 358 – pg. 1575
*39 Ao Pe. Jerônimo Gracia, em Alcala
Palencia, 21 fevereiro 1581
. 359 – pg. 1578
*40 Ao Pe. Jerônimo Gracian, em Alcala
Palencia, 27 fevereiro 1581
. 360 – pg. 1581
*41 A dona Juana de Ahumada, em Alba
Segovia, 26 agosto 1581
. 384 – pg. 1611
*42 À Madre Maria de São José, em Sevilha
Ávila, 8 novembro 1581
. 393 – pg. 1624
*43 A dom Lorenzo de Cepeda (Filho), em Quito
Ávila, 15 dezembro 1581
. 407 – pg. 1643
*44 À priora e Carmelitas Descalças de Soria
Ávila, 28 dezembro 1581
. 409 – pg. 1646
*45 À irmã Leonor da Misericórdia, em Soria Burgos, metade de
maio 1582
. 426 – pg. 1663
*46 A dom Jerônimo Reinoso, em Palencia
Burgos, 20 maio 1582
. 429 – pg. 1665
*47 À Madre Ana de Jesus, em Granada
Burgos, 30 maio 1582
. 430 – pg. 1667
*48 À Madre Maria de São José, em Sevilha
Burgos, 6 julho 1582
. 433 – pg. 1675
*49 À Madre Catalina de Cristo, em Soria
(última carta de Santa Teresa)
Valladolid – Medina, 15-17 setembro 1582
. 446 – pg. 1695
|
CARTAS QUE FALTAM
NESTA APOSTILA
|
Toledo, 17 janeiro 1577
. 171 – pg. 1289
*21 A dom Lorenzo de Cepeda, emÁvila
(?) Não se encontra ou 10 janeiro 1577
.176 – pg. 1301
*22 Ao Pe. Ambrosio Mariano, em Madri
Toledo, 16 fevereiro 1577
. 178 – pg. 1305
*23 A dom Lorenzo de Cepeda, em Ávila
Toledo, 27 e 28 fevereiro 1577
. 179 – pg. 1307
*24 À Madre Maria de São José, em
Sevilha
Toledo, 28 de fevereiro 1577
. 180 – pg. 1310
*25 A Roque de Huerta, em Madri
Toledo, 14 julho 1577
. 195 – pg. 1336
*26 Ao Rei Felipe II, em Madri
Ávila, 4 dezembro 1577
. 215 – pg. 1350
*27 Ao Pe. Hernando de Pantoja, em
Sevilha
Ávila, 31 janeiro 1579
. 271 – pg. 1440
*28 Às Carmelitas descalças de Sevilha
Ávila, 31 janeiro 1579
. 272 – pg. 1442
*29 À Isabel de São Jerônimo e Maria
de São José, Sevilha –
-Ávila, 3 de maio 1579 . 282 – pg. 1454
*30 À priora e comunidade de
carmelitas de Valladolid
Ávila, 31 de maio 1579
. 283 – pg. 1460
*31 À Madre Maria Bautista, em
Valladolid
Ávila, 9 junho 1579
. 285 – pg. 1463
*32 Ao Pe. Jerônimo Gracian, em Alcala
Ávila,10 junho 1579
. 286 – pg. 1464
*33 A dom Teotônio de Bragança, em
Évora
Valladolid, 22julho 1579
. 293 – pg. 1477
*34 A dom Lorenzo de Cepeda, em La
Serna (Ávila)
Toledo, 10 abril 1580
. 324 – pg. 1523
*35 À irmã Teresa de Jesus, em Ávila
Medina, 7 agosto 1580
. 337 – pg. 1544
*36 Ao Pe. Jerônimo Gracian, em Alcala
Palencia, 17 fevereiro 1581
. 357 – pg. 1573