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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

OS SÍMBOLOS TERESIANOS

OS SÍMBOLOS TERESIANO

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Os símbolos Teresianos: a água, o poço, o castelo e a lagarta, eis aqui alguns para que possamos adentrar mais intimamente na literatura Teresiana

Santa Teresa de Jesus recorre a símbolos expressivos para dar a conhecer melhor a sua mensagem. Era normal que ela utilizasse símbolos quando nos transmitia as suas experiências mais íntimas. Ao usar o símbolo a autora não se sente na obrigação de entrar em detalhes explícitos no momento de nos abrir o interior da sua alma. Sabemos que o símbolo “fala sem falar”, ou melhor ainda, é uma espécie de mensagem aberta, ampla, capaz de despertar no leitor diversas interpretações, dependendo da sua capacidade de receptibilidade ou da sua empatia com a experiência da autora.

É óbvio que Teresa, como filha do seu tempo, utilize imagens e símbolos da sua época. Ela escreve noutro contexto e cabe-nos a nós, leitores de hoje, actualizar a mensagem, ajustar os conceitos sem perder a profundidade dos conteúdos presentes através dos símbolos.

A Santa Doutora confessa, como já referimos, que tenha lido ou ouvido, e certamente assim deve ser. A Originalidade não está na descoberta de metáforas, mas na amplitude e no desenvolvimento que lhes dá, na ternura e graça com que ela expõe na ironia delicada e fina que emerge a partir delas, algo que se torna efeito da influência magnética da Santa Mãe ", o ímã do mundo", como ela chama, animada, Fray Luis de Leon

Por último é preciso dizer que nem todos os símbolos teresianos têm a mesma importância. Alguns são essenciais, outros acidentais e finalmente aparecem os funcionais.

“Se a natureza inanimada despertou em Teresa metáforas tão belas como temos visto, na alma de Teresa de Jesus, maior fertilidade lhe ofereceria e mais beleza de criações surpreendentes , a natureza viva com o encanto de suas maravilhosas transformações, desde a flor que deleita e perfuma ate o coração que sofre e ama.

Nos quadros de natureza inerte, buscava sempre a mística Doutora a variedade do movimento, como para dar-lhes animação e vida. O caminho e a sensação para andar por eles; a água salta entre a arena de seu manancial, o ou correr pela grama e pedras, ou ondulando ao vento ou reverbera a luz, o Sol em si [da Trindade] cascata é como brilha, não brilha na alma como remansos de luz e calma, mas como a luz fervente, inflamada que transferiu os poderes, sentidos e as coisas.

Nos quadros da natureza inerte, buscando sempre a mística da natureza viva não tem necessidade de ser concedido o que ela tomou emprestado de si mesma, o que é a animação e o movimento é essencialmente dinâmico. E por isso as metáforas que inspira são mais ágeis, coloridas e vigorosas do que inertes.

Devemos começar pelas belezas do reino vegetal, examinando-se as analogias favoritas de Santa Teresa, nascida no interior das fronteiras do reino. Alguns são grandes, vou mencionar de passagem, porque vimos, em parte, quando nós contemplamos os córregos de águas claras.

Na verdade, a alma é um jardim. "Pareceu-me", diz Santa-me ter lido ou ouvido essa comparação que eu tenho memória ruim como eu não sei onde, ou o fim, mas por agora contenta-me essa imagem.

Deve fazer conta, ele começa, ele começa a fazer um jardim na terra que é muito infrutuosa e que tem muito mato para que encante o Senhor. Sua Majestade, arranca as ervas ruins ruins, e há de plantar o que é bom...Agora voltamos ao nosso jardim ou pomar e ver como começam essas árvores a florescer e dar frutos mais tarde, flores e cravo e o mesmo, para conferir o odor. Regala-me esta comparação ... que minha alma é um jardim e Deus passeasse nele ...». O trabalho ativo "quando saem desta raiz e das flores perfumadas são impressionantes, pois estas árvores vêm de amor de Deus e o perfume dura muito" e não passa rápido, mas faz grande um grande bem " também as faltas lembram pequenas plantas quando são propostas, mas se regamos as mudas todos os dias "operam-se tão grande mudança que não vê necessidade de ver necessária depois a pá e enxada. Assim parece fazer cada dia a a mesma falta (ainda que pequena que seja) se não nos emendarmos delas, mas se um dia ou dez o evitamos, em seguida, começa a ser facil fácil ».

Além disso, é inútil procurar a origem dessas analogias são muito comuns em livros que abordam a vida espiritual de seu ponto de vista, os Versos belo dos Cânticos, que muito usa em suas comparações entre a alma e Deus.

Deixando, então, pomares e jardins, na primavera, as flores são lindíssimas e alguns frutos são de esperança, nós vemos as cores que nos deixou Santa Teresa, aplicando-se à vida sobrenatural das qualidades reais ou simulados de alguns animaizinhos de Deus” (Fray Luis Urbano, O. P.)

O BICHO DA SEDA

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Em pleno coração do livro do castelo interior e dentro das quintas moradas, Santa Teresa descreve a transformação que experimenta a pessoa na oração, com um símbolo muito belo: o bicho da seda, o qual se fecha no seu casulo interior, e aí “com as suas boquitas vão fiando a seda, e fazendo uns casulos muito apertados onde se fecham… E morre este bicho, que é grande e feio, e sai do mesmo casulo uma borboleta branca muito bonita”.

Esta imagem do bicho da seda serve para que Teresa expresse melhor a mudança e a transformação da pessoa, como mistério pascal de morte e ressurreição. No desenvolvimento desta transformação, como no processo em que o bicho da seda se metamorfoseia em borboleta, é muito importante a acção do Espírito Santo que vai ajudando nessa disposição e no nosso trabalho para não ficarmos pelo meio do caminho.

O CASTELO INTERIOR

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Talvez seja este o símbolo que melhor representa Santa Teresa e pelo qual ficou ligada para sempre à cultura. Ela utiliza este símbolo para representar a alma (a pessoa e a sua interioridade) “ofereceu-se-me considerar a nossa alma como um castelo…”.

A este castelo, da Santa, não lhe falta nada e assim nos mostra que tem uma cerca que é o corpo, uma porta que é a oração; os habitantes principais são Deus e o homem. Mas há mais gente: vassalos e guardiões, que a Santa compara aos sentidos e às potências da alma (memória, inteligência e vontade). E, como todo o Castelo, conta com os seus inimigos que se reflectem nos vermes e animais, nas coisas peçonhentas e nos demonios.

Finalmente este castelo conta com os aposentos da alma que são como as diversas moradas do Céu, onde habita Deus, “um paraíso onde Ele tem as suas delícias”. As moradas deste castelo encontram-se “umas no alto, outras em baixo, outras aos lados; e, no centro e meio de todas estas, tem a principal, que é o compartimento do palácio onde está o rei”.

Diante do panorama deste castelo apresentam-se-nos três alternativas:

Ø Destruí-lo, que equivale à perdição total da pessoa.

Ø Admirá-lo e viver fora dele, o que corresponde a viver na mediocridade e no pecado.

Ø Ou nos decidirmos a conquistá-lo, para viver unidos a Deus.

Para aprofundar este símbolo recomendamos a leitura do livro



Mais imagens nas palavras de Teresa:

...”Já tereis ouvido das maravilhas de Deus no modo como se cria a seda, invenção que só Ele poderia conceber. É como se fosse uma semente, grãos pequeninos como o da pimenta. Devo dizer que nunca o vi, mas ouvi-o dizer; assim, se algo não corresponder, não é minha a culpa. Pois bem, com o calor, quando começa a haver folhas nas amoreiras, essa semente — que até então estivera como morta — começa a viver. E esses grãos pequeninos se criam com folhas de amoreira; quando crescem, cada verme, com a boquinha, vai fiando a seda, que tira de si mesmo. Tece um pequeno casulo muito apertado, onde se encerra; então desaparece o verme, que é muito feio, e sai do mesmo casulo Ver imagem em tamanho grandeuma borboletinha branca, muito graciosa. Mas se isso não fosse visto, e só contado como ocorrido em outros tempos, quem o poderia crer? Que razões teríamos para concluir que uma criatura irracional como a lagarta ou a abelha seja tão diligente e engenhosa para trabalhar em nosso proveito, chegando a pobre lagartinha a perder a vida na tarefa de o fazer? Para um pouco de meditação basta isso, … mesmo que eu nada mais acrescentasse, porque aí podeis considerar as maravilhas e a sabedoria do nosso Deus. E o que seria se conhecêssemos as propriedades de todas as coisas? É de grande proveito que nos ocupemos em meditar nessas grandezas e nos alegremos de ser esposas de Rei tão sábio e poderoso. A alma — representada por essa lagarta — começa a ter vida quando, com o calor do Espírito Santo, começa a beneficiar-se do auxílio geral3 que Deus dá a todos, fazendo uso dos meios confiados pelo Senhor à Sua Igreja: confissões freqüentes, boas leituras e sermões. São esses os remédios para uma alma que está morta em seu descuido, pecados e ocasiões de cometê-los. Então ela começa a viver e encontra sustento nisso, bem como em boas meditações, até estar crescida. É aqui que se concentra o meu propósito, pois o resto pouco importa. … a lagarta começa a fabricar a seda e a edificar a casa onde há de morrer. Eu gostaria de explicar que essa casa é, para nós, Cristo. Creio ter lido ou ouvido em algum lugar que a nossa vida está escondida em Cristo ou em Deus — o que é a mesma coisa — ou que nossa vida é Cristo....Morra, morra esse verme, tal como o da seda quando acaba de realizar a obra para a qual foi criado! E comprovareis como vemos a Deus e nos vemos tão introduzidas em Sua grandeza como a lagartinha em seu casulo.

...agora o que acontece a essa lagarta; é para isso que tenho dito tudo o mais. Quando está nesta oração — e bem morta está para o mundo —, dela sai uma borboleta branca. Ó grandeza de Deus! Quão transformada sai a alma daqui, depois de ter estado imersa na grandeza de Deus e tão unida a Ele, embora esse estado seja tão breve que, em minha opinião, nunca chega a meia hora!

Eu vos digo, na verdade, que a própria alma não se conhece a si mesma. Porque há aqui a mesma diferença que existe entre uma lagarta feia e uma borboletinha branca. A alma não sabe como pode merecer tanto bem — de onde ele pode advir, quero dizer, pois ela bem sabe que não o merece. ...Oh! Ver o desassossego dessa borboletinha, apesar de nunca ter estado mais quieta e tranqüila em sua vida, é coisa para louvar a Deus! Ela não sabe onde pousar e descansar. Depois de ter experimentado tal estado, tudo da terra a descontenta, em especial quando são muitas as vezes que Deus lhe dá desse vinho. Já não dá valor ao que fazia quando lagarta, que era tecer pouco a pouco o casulo. Nasceram-lhe asas. Se pode voar, como pode ela contentar-se em andar passo a passo? Tudo quanto pode fazer por Deus lhe parece pouco, comparado com os seus desejos. Não acha muito o que os santos fizeram, uma vez que já entende por experiência como o Senhor ajuda e transforma uma alma a ponto de transfigurá-la.”

. Afirmou-se que na simbologia Teresiana prevalece, como motivo, a água. Talvez haja que caracterizar aquela, antes como simbologia feminina. Nela prevalece, é certo, a água em suas mais variadas manifestações, mas abundam os símbolos maternais, como “o menino que ainda mama, aos peitos de sua mãe”, os aromas e as flores, os símbolos caseiros e os do amor, as “panelas”, a pousada ou a morada, a música... Todavia abundam nas páginas de Teresa as imagens bélicas, como a luta ou a peleja (“encerradas pelejamos”), as baterias, artilharia, o capitão e os soldados, o alferes, a seta, o dardo e o arcabuz, o xadrez. Inclusive a “corrida de touros” e o “cadafalso” ou tablado a partir de onde pode ser contemplada sem risco. também Teresa tenha recorre ao simbolismo da chuva, das nuvens, o sol, o céu empírico, o anoitecer e o amanhecer, o mar e suas ondas....


No Livro da Vida, o mais elaborado é o símbolo da água de regado sobre o horto da alma. Imagem que provém a partir de sua experiência pessoal e de suas leituras .Ela o elaborou cuidadosamente, à base dos quatro modos de regar (poço, nora, arroio, chuva, para simbolizar quatro modos de relação entre Deus e a alma, e várias situações do espírito humano: horto árido, flores, frutos, partilha de frutos aos demais. E com isso, uma síntese elementar do desenvolvimento da vida espiritual, seja a nível autobiográfico ,seja a nível doutrinal.

O simbolismo da água terá novas elaborações nos restantes livros doutrinais: fonte de água viva com todos os seus derivados (C 19,2... com expressa inspiração evangélica); água de aquedutos e água de reservatório manancial, no Castelo Interior para simbolizar o contraste entre o esforço humano (ascese: água de aquedutos) e o dom divino (o místico: “reservatório que se enche de água”). Com a explícita confissão de que “não encontro nada mais a propósito para declarar algumas coisas de espírito que essa da água” .“Sou tão amiga deste elemento, que o observei com mais advertência que outras coisas”. Agua em sua plenitude oceânica, mas com marulhada e risco de submersão, como no caso da “nau” que chega ao porto, já nas sétimas moradas Água e esponja, como alma imersa no divino

Sem dúvida, o símbolo mais elaborado por Teresa é o do “castelo da alma”, base de todo o livro das Moradas, e imagem de todo o processo espiritual. Serve-lhe, antes de tudo, para delinear a estrutura do ser humano (corpo, alma, espírito, centro da alma, relação do homem com Deus transcendente e imanente). Serve-lhe, por sua vez, para interpretar o texto evangélico da “inabitação” ou da morada de Deus na alma e para expressar sua própria experiência trinitária


Também O símbolo do “bicho-da-seda” que se metamorfoseia em borboleta. Ao longo das três moradas finais servir-lhe-á para desenvolver o processo místico da vida espiritual, desde o trabalho ascético precedente, através da união com Cristo, até a plena transfiguração mística: fogo em que se abrasa a borboleta .

Teresa recorre ao símbolo esponsal, antes de tudo, para expressar sua própria experiência, e depois para diagramar as fases finais do processo místico. Sem se desligar da motivação bíblica do símbolo, Teresa incorpora a ele a liturgia do sacramento e o realismo da vida social de seu tempo. Desta toma os três momentos do processo: o encontro, o desposório e o matrimônio. O encontro, para ilustrar a fase do conhecimento místico: quintas moradas; o desposório, para expor a mútua entrega das vontades entre a alma e o Senhor; e o matrimônio espiritual, para simbolizar a união plena entre Deus e a alma, ponto culminante da experiência religiosa. Já notamos que a este símbolo lhe concede Teresa a suma aptidão para expressar a vida mística. É bem possível que essa convicção derive de sua leitura do Cântico dos Cânticos

Tem me dado o Senhor, de alguns anos para cá, um gosto muito grande cada vez que ouço ou leio algumas palavras dos Cânticos de Salomão, e isto de modo tão extremado que eu, sem entender com clareza o latim em língua vulgar, me recolhia mais e tinha minha alma mais movida do que pelos livros muito devotos que compreendo; e isso é uma coisa quase comum...”

Ao lado desses símbolos maiores, existe nos escritos de Teresa uma constelação de imagens ou símbolos menores. Também estes são reveladores do pensamento teresiano. Impossível catalogá-los aqui. Há, antes de tudo, uma larga série de símbolos bíblicos, que denotam a sensibilidade receptiva de Teresa e sua capacidade de entalhamento das imagens clássicas na imaginaria original sua.

Podemos agora visualizar os diferentes elementos contidos no processo desta imagem:

Ø Semente: São uns bagos, como grãos de pimenta, que se convertem em larvas.

Ø A folha da amoreira: É o primeiro espaço onde se desenvolvem, é o alimento.

Ø Ambiente: Calor, elemento que necessita a semente para viver, é a graça do Espírito Santo.

Ø Bicho da seda: É cada um de nós a partir da perspectiva da transformação profunda.

Ø Tecer o casulo ou a “casa”: é um convite para construir a própria habitação, a viver a interioridade.

Ø Fabricar a seda, lavrar a seda: Cristo é a morada. Vive dentro de cada um. A seda é o resultado das maravilhas que Deus faz através de nós.

Ø Trabalhos: São todos os esforços e acções que temos que fazer para corresponder à graça, para não vivermos superficialmente.

Ø A borboleta: equivale ao “homem novo”, é o fruto da acção transformadora de Deus. É graça, libertação.Este símbolo é a síntese da história de todo o homem nascido para ter asas e elevar-se.

Ø A abelha e a aranha, a formiga e o leão, a pomba e a águia, as peçonhas

Ø A “ave de asas fracas

Ø A “panela que ferve em demasia”

Ø O coração, a ferida interior, as entranhas, “as medulas...,

Ø A câmara de jóias

Ø O imperador e o mendigo

Ø O braseiro

Ø e os perfumes

Ver imagem em tamanho grande

Igual floração de linguagem simbólica para perfilar a imagem de Cristo: mestre, esposo, modelo, caminho e vida, amigo verdadeiro, capitão do amor...

É também notável a constância com que Teresa recorre aos símbolos para expressar sua idéia profunda do ser humano: na realidade todos os símbolos maiores refletem seu empenho secreto por dizer o que em sua estima é o homem: castelo de diamante, horto de flores, larva com vocação de vôo e de borboleta; ele é um possível esposo de Cristo ou de Deus; é um paraíso de Deus, “paraíso onde Ele disse ter Suas delícias” , árvore plantada junto às correntes de água.

Tudo isso, em contraste com a imagem que Teresa tem de si mesma: “uma como eu”, “verme que assim vos atreve”, “vermezinho de mau odor”, formiga que tenta falar, “água tão turva” Imagem negativa, compensada de certo modo com a qual ela mesma projeta de seus carmelos e suas monjas: pombaizinhos da Virgem, “pensai que esta congregação é a casa de santa Marta” ,filhas da Vigem, soldados embandeirados de alferes, borboletas, pombas...: “muito mais quero que se prezem de parecer simples, o que é muito próprio de santas, do que de tão retóricas...”

Bibliografia:

Ø Tomaz Alvarez,

Ø Fray Luis Urbano, O. P,

Ø Dicionário Teresiano ,

Ø Obras Completas De Santa Madre.


Rose Piotto,ocds

sábado, 16 de janeiro de 2010

O carmelita buscador do rosto de Deus e seu testemunho



“Quem não conhece o rosto de Deus na contemplação, não o reconhecerá na ação”.
(Von Balthasar)
“Estar diante do rosto de Deus vivo, esta é nossa vocação”, dizia Edith Stein. Buscar o rosto
de Deus... Poucas frases têm tantas raízes bíblicas como esta. Todo o Antigo Testamento não é
mais que uma busca incansável do rosto de Deus. Aí está expresso o profundo desejo do israelita por conhecer a Deus, sua identidade entrar em sua intimidade e participa em sua glória. Será o desejo de Moisés, apesar de que Deus lhe diga: “Meu rosto não podeis ver”(Ex 32,20), a chamada à conversão dos profetas, como Amós que diz: “Buscai o rosto de Deus e vivereis”, o desejo dos sábios em sua busca da sabedoria e a felicidade para o ser humano; porém será sobretudo o grito orante do salmista que uma vez ou outra pede e deseja “ter a visão do rosto de Deus”, que “seu rosto nos ilumine” ou, ao contrário, que “não se afaste de nós seu rosto”.
E quando este rosto apareça e brilhe no de Jesus, nascerá o Novo Testamento e o cristianismo e o monacato para continuar com mais insistência e mais afinco esta busca incansável. Porque nesta busca do rosto autêntico de Deus em Jesus está em jogo o próprio futuro deste cristianismo. Diz-nos, de uma maneira indireta, o Concílio Vaticano II, quando ao falar das causas do ateísmo afirma audazmente: “nesta gênese do ateísmo, grande parte podem ter os crentes, enquanto negligenciando a educação da fé, ou por uma exposição falaz da doutrina, ou por faltas na sua vida religiosa, moral e social, se poderia dizer deles que mais escondem que manifestam a face genuína de Deus e da religião” ( GS, 19) A mesma fundamentação bíblica podemos encontrar para a segunda parte de nossa oração-definição: “ser no mundo testemunhas do teu amor”. Poder-se-ia dizer que toda a Bíblia e em particular o Novo Testamento não é mais que uma exposição de como cada um é testemunho do amor de Deus. Jesus é o testemunho do amor de Deus por excelência e esta será a missão de seus seguidores, testemunhas de sua ressurreição... em definitivo de seu amor. Assim poderíamos dizer que nesta oração está condensada toda a Bíblia.
Dir-se-á, então, que esta é a tarefa de todo religioso, mais ainda, de todo cristão. Por estar correta tal afirmativa é que nós, os carmelitas, necessitamos concretizar esta busca e ser testemunhos com a luz que projeta o ícone de Elias, que é o que inspira esta oração que rezamos todos os dias.
Somente algumas pinceladas. É bem sabido que a tradição elianoprofética está nas origem
do Carmelo Teresiano; porém esta tradição recebeu nova orientação com os filhos de Teresa e
João da Cruz. Elias já não será simplesmente o modelo de ermitão, centrando-se sobretudo em
sua imitação no retiro da fonte de Carit, como faz A instituição dos primeiros monges.
Elias, “guia e pai” dos carmelitas descalços será aquele que vai do córrego Carit ao monte
Horeb, passando pelo Carmelo, o vinhedo de Nabot e ao longo caminhar pelo deserto; ou seja,
abarca toda a vida do profeta contemplando-lhe, sobretudo, quando chega ao alto na visão de
Deus no “sussurro da brisa suave”, como faz São João da Cruz que dos seis textos que falam do
profeta, cinco deles nos falam desta visão do Horeb, e de “assobio/cantar dos ares amorosos”.
Tudo isto resume muito bem as nossas Constituições quando diz em seu artigo 2o : “Entre
os veneráveis personagens bíblicos, rendamos culto especial ao profeta Elias, que contempla
ao Deus vivo e se abrasa no zelo de sua glória, como inspirador do Carmelo, e consideramos
seu carisma profético como ideal de nosso chamamento à escuta e proclamação da palavra de
Deus.”
Elias, nesta dupla faceta se tem convertido hoje para muitos, não só para os carmelitas, em modelo do que se tem começado a chamar “espiritualidade do deserto”, que reflete muito bem a situação na qual se encontra a igreja na atualidade. Há vários anos apareceu na Alemanha um livro que tem este título Espiritualidade do deserto. O autor é um dos teólogos Comunidade Santa Edith Stein
4
mais destacados no panorama atual da teologia; teólogo de altos vôos, de raça, diriam alguns,
quando se atreve escrever um trabalho tão volumoso sobre o mistério trinitário e depois saber
divulgá-lo de uma maneira muito simples ao alcance de qualquer cristão. Estou me referido a
Gisbert Greshake. Alguns anos antes tinham aparecidos, na Holanda, dois livros, um com o
titulo Oásis no desert:. Espaços vitais para a fé e o outro, Quarenta palavras no deserto, ambos
do mesmo autor: Bernard Rootmensen.
Neste livro, Espiritualidade do deserto, Greshake dedica um capítulo completo ao Carmelo:
“A espiritualidade Eliana do deserto no Carmelo”.4
É por tal razão que volto a recordar: “Vive o Senhor, o Deus de Israel, ante cuja presença
estou”. Aí está resumida a espiritualidade Eliana do deserto: estar frente ao rosto de Deus,
buscar continuamente sua presença, para isto se vai ao deserto. Daí, desta imediatez da
presença de Deus brotará “seu zelo, sua paixão por Deus” contra todos os ídolos com uma
radicalidade absoluta. O carmelita teresiano sãojoanista viverá isto desde a meditação da
palavra de Deus dia e noite seguindo a indicação da Regra e o anseio de encontrar o rosto de
Deus se converterá no núcleo da experiência contemplativa.
Teresa de Jesus e João da Cruz e todo o Carmelo descalço assumem a divisa de Elias “Me
consome o zelo, a paixão pelo Senhor” e concretizarão sua radicalidade absoluta nas
formulações marcadas por estas mesmas características. Teresa dirá: “Só Deus basta” e João
da Cruz : “Tudo ou Nada” que levará a uma paixão absoluta pelo Deus da união mística e a luta
sem quartel contra todos os ídolos, com a mesma força e intensidade que Elias no Carmelo e
no Horeb.
Assim, Elias se converte no arquétipo ideal do carmelita, que poderíamos apresentar em
breve resumo, assim: Elias é o profeta solitário que tem sede de Deus vivo e vive em sua
presença (1R 17,1); é um místico que depois de uma longa e esgotadora viagem pelo deserto
aprende a lei e descobre a nova presença de Deus no sussurro do silêncio (1Rs 19, 1-18). É o
homem contemplativo a quem lhe consome uma paixão avassaladora por Deus, uma paixão
transborda para os demais (2Rs 18, 20-46). É o profeta que se preocupa pela vida do povo, que
luta contra os falsos deuses e conduz o povo ao verdadeiro Deus. É o homem solidário com os
pobres e o os abandonados (1Rs 17, 8-24) e que defende aqueles que sofrem a opressão e a
injustiça (1Rs 21, 17-29).
Este é o modelo que se apresenta hoje aos carmelitas nesta espiritualidade do deserto,
uma espiritualidade que como sinal dos tempos, parece estar chamando às portas do Carmelo
Teresiano.

Luciniano Luis Luis, ocd
Tradução:
Nilcéa Maria de Siqueira Pedra, ocds

Santa Teresa de Ávila, amiga de Deus e dos homens



Frei Maximiliano Herráiz, OCD
Por Frei Patrício Sciadini e Andréa Luna
Frei Maximiliano Herráiz é espanhol, Carmelita Descalço, Conselheiro Geral do Carmelo para a América Latina e autor de vários livros sobre os místicos do Carmelo.

Por ser um grande estudioso de Santa Teresa de Ávila e de São João da Cruz, ajuda-nos a compreender que os místicos não pertencem ao ontem da Igreja, mas ao futuro, porque caminham à nossa frente. Teresa é mãe e mestra da oração, uma mestra que antes de ensinar experimentou na própria vida a amizade com Deus e depois foi comunicando esse dom a todos os que conviviam com ela.

Quem é Santa Teresa de Ávila? Fale-nos um pouco de sua trajetória como mulher, Carmelita e Doutora da Igreja.

Frei Maximiliano: Podemos distinguir três etapas na vida de Teresa de Jesus.

O primeiro período vai até os vinte anos, tempo em que ficou na casa paterna. Por volta dos quinze anos perdeu a mãe, tornando-se assim o coração da família. Era uma mulher muito inteligente, gostava de fazer amizades, e tinha o dom de unir as pessoas – esta será uma característica forte na sua espiritualidade.

Foi uma das poucas mulheres que podia ler no século XVI, e gostava muito de fazê-lo, tanto para saber mais quanto para ter o próprio pensamento e ser livre diante dos outros.

Podemos destacar também a vocação de Teresa à oração e a grande devoção à Virgem Maria, sobretudo como mãe. Ela mesma, no livro da Vida, diz que depois da morte de sua mãe colocou-se nas mãos da Virgem e a assumiu como mãe.

O primeiro período, portanto, é fortemente caracterizado pelo trabalho como "mãe" dos irmãos e do pai, em casa, e pelo relacionamento com os outros. Era uma mulher muito aberta, de uma afetividade forte, sentia-se amada e amava intensamente. Porém, uma relação de amizade lhe fez muito mal, ela o diz no livro da Vida, porque a introduziu na escravidão afetiva.

O segundo, é o maior período da sua vida: são 27 anos de vida religiosa carmelita, no Mosteiro da Encarnação, em Ávila. Podemos recordar alguns momentos muito importantes.

A escravidão afetiva durou muito ainda como religiosa, até os 39 anos de idade, quando ocorreu sua conversão definitiva – diante de uma imagem do Cristo muito ferido; disto ela mesma fala no livro da Vida.

Outro acontecimento importante, nesse tempo, foi quando a Inquisição proibiu, sobretudo às mulheres, de ler livros. Os inquisidores sabiam muito bem que a formação torna a pessoa livre, independente, autônoma. Teresa chorou muito, mas foi obediente. Isso foi em 1559.

O terceiro período dura 20 anos: de 1562 a 1582, o ano de sua morte. Esse tempo é dividido em três funções: educadora, fundadora dos mosteiros de monjas e monges, e escritora. Todos os livros que temos foram escritos durante esse período.

Podemos recordar, em 1567, o encontro com São João da Cruz. João tinha 25 anos, e ela 52. Gostou muitíssimo, diz ela, desse jovem carmelita, ao qual convida para acompanhá-la na reforma dos frades carmelitas.

Em 1577, escreveu o último livro, o livro das Moradas, tendo João da Cruz como confessor dela e da comunidade da Encarnação de Ávila. Nesse tempo, há um relacionamento muito íntimo entre eles, de amizade e acompanhamento espiritual que se tornou muito importante na vida de ambos.

Santa Teresa é uma mulher de amizade com Deus e com os homens. Como ela descobriu esse trato de amizade?

A descoberta da amizade com Deus é uma graça particular que tem seu fundamento na natureza de Teresa: uma mulher muito aberta, desde menina, às relações interpessoais.

É uma graça mística. Não é possível que uma menina de sete ou oito anos relacione-se com Deus na base da amizade, sobretudo num tempo em que a Igreja e os teólogos não ensinavam que Deus fosse amigo, mas juiz.

Então, essa graça da natureza foi o que dispôs Teresa à descoberta do Deus amigo, que nunca lhe falta, que fica sempre muito perto dela para dar-lhe a mão e levantá-la quando cai no pecado ou na infidelidade.

Existe um método de oração teresiano?

Não existe um método teresiano de oração. Mas podemos dizer que a amizade, o exercício da amizade divina e humana, é o seu método. E esse método inclui uma relação freqüente na fé mútua. Devemos crer em Deus e uns nos outros.

O método é, portanto, o caminho da amizade. Gosto de convidar as pessoas a pensar na amizade – naquela mais forte, mais bela – e a escrever os passos dessa amizade, ver sua história.

Não temos métodos na relação pessoal: cada amizade é uma descoberta particular, um caminho único que percorremos com aquela pessoa. O amor é a força que alimenta a vida humana e nos faz procurar uma relação mais íntima com a pessoa amada.

Se as pessoas acostumam-se a ler a própria vida, a relação com os outros em termos de amizade, vão descobrir muito bem o que é o método teresiano da oração pessoal, cada pessoa tem um caminho na relação da amizade.

O senhor falou que a base de tudo é o amor. Como se deu a descoberta, a experiência do amor de Deus na vida de Teresa?

Foi muito íntima, sem imagens, sem idéias; foi uma graça muito particular de Deus, uma graça divina e humana, porque ela sabia muito bem que possuía uma graça especial para querer e ser querida pelos outros. Esta é a maior de todas as graças: ter a capacidade de amar e ser amada pelos outros; e devemos pedir esta graça.

Isto é uma questão pessoal. Se você lê todos os livros que falam da amizade, mas não tem uma pessoa amiga, você tem apenas a idéia, mas não sabe o que é a amizade. Com Deus é a mesma coisa: eu posso ter idéias geradas nas leituras e conversas com teólogos, mas conhecer Deus é possível somente pela relação pessoal, isto é, pela oração.

E o senhor, como descobriu o Carmelo e encontrou-se com Teresa?

O desejo de ser carmelita e a descoberta de São João da Cruz e de Santa Teresa aconteceram muito cedo, aos 14 anos de idade, com uma certeza absoluta de que eu não podia ser senão carmelita, como eles.

Como foi isso, não sei. Apenas entendo que houve uma luz muito intensa diante de uma imagem da Virgem, no mês de maio.

Depois, meu relacionamento com São João da Cruz e com Santa Teresa foi o de uma pessoa que quer ser salva numa situação muito difícil: aos 25 anos, eu estudava na universidade de Valência, que respirava o clima e as conseqüências da revolução pós Concílio Vaticano II na Igreja, da revolução social de Paris (maio de 68) e da revolução da primavera de Praga.

Pensei que se não estabelecesse amizade com estes dois profetas da verdade e do amor perderia a minha vida como pessoa, como crente e como carmelita. Então, procurei a sua amizade e comecei a lê-los com muita paixão e todos os dias reservei muitas horas para dialogar com eles porque no entorno não encontrava pessoas com as quais partilhar e iluminar minha situação pessoal.

Que conselho o senhor daria aos jovens de hoje que querem ler Santa Teresa? Como devem começar?

Os místicos não são fáceis de se ler, sobretudo para os jovens de hoje, que não têm tempo nem psicologia para sentar-se e ler tranqüilamente, já que têm a televisão, a música...

Portanto, aconselho em primeiro lugar conhecer alguma coisa da vida de Teresa. Depois, é bom ler alguns textos-chave, que elucidam e explicam os escritos. Não é fácil, nem bom, ler Teresa da primeira à última página.

Outra coisa importante é estar profundamente abertos, porque os escritos dos místicos, como Teresa e João da Cruz, são uma comunicação de experiência.

Os livros mais fáceis são Fundações e Caminho de Perfeição... mas insisto sempre nos textos-chave.

Fale um pouco dos seus livros, que certamente podem ajudar a "descobrir" os místicos.

Escrevi alguns livros sobre Santa Teresa e São João da Cruz. Os primeiros, escrevi sem querer, ou seja, escrevi para mim mesmo, somente.

Só Deus Basta, que foi minha tese de doutorado em Teologia, tem seis edições, mas ainda não existe em português. Posteriormente, depois de muitos anos lendo Santa Teresa e fazendo oração pessoal, em dois meses apenas, escrevi A oração, uma história de amizade; tem sete edições, inclusive em português, pelas edições Carmelitana e Loyola. Escrevi também, de São João da Cruz, um outro livro sobre oração: Palavras de um maestro; também publicado muitas vezes na língua espanhola. E um pequeno livro, intitulado A união com Deus, graça e projeto – catecismo São-Joanita, é um guia de leitura dos livros de São João da Cruz. Depois, fiz também a publicação com notas, introduções e notas de rodapé das Obras Completas de Santa Teresa e de São João da Cruz. E outros livros, como Oração, uma experiência libertadora.

O que Santa Teresa pode dizer aos homens e mulheres do terceiro milênio?

Pode dizer muito! Santa Teresa queria ser uma pessoa livre, independente. Sem liberdade, não podemos ter bons relacionamentos. Então, para ser autônoma, independente, a santa procurou a formação pessoal: ler, estudar, dialogar com pessoas que conhecem, por exemplo, a Teologia, a Bíblia, para que o relacionamento com elas a ajudasse a ter as próprias idéias e não depender de ninguém.

A santa diria também aos homens e mulheres do terceiro milênio que não podemos falar de valores individuais, porque a pessoa é, essencialmente, social, comunitária. Não posso ser eu mesmo sem a relação com os outros. Eu sou o que são as minhas relações com os outros. Portanto, uma pessoa deve abrir-se ao diálogo. Como cristãos, temos a urgente necessidade de lembrar que Jesus faz comunidade. Não é possível seguir Jesus sozinho, mas com os outros. E a Igreja, a comunidade, não pode fechar-se sobre si mesma. Acredito que Santa Teresa estaria muito contente com o documento do Concílio Vaticano II sobre as relações da Igreja com o mundo, porque era uma mulher aberta ao diálogo.

A experiência da relação com os outros nos faz entrar em nós mesmos para descobrir as imensas riquezas que Deus nos dá. Então, que cultivemos a relação com os outros, porque é disso que mais precisamos para crescer.

O matrimônio espiritual de que fala Santa Teresa é apenas para os religiosos e religiosas, ou é também para os leigos que vivem no mundo?

O matrimônio espiritual é o símbolo das relações de Deus com a humanidade, é a partilha mais profunda entre duas pessoas. É a máxima individualização e a máxima comunhão. Não se pode estabelecer uma relação de comunhão se não permaneço "eu" mesmo e o outro não permanece "ele" mesmo. Então, a relação mútua, recíproca, nos faz indivíduos unidos. É a plenitude do amor: acolher o outro e deixá-lo ser ele mesmo e dar-nos a ele com todo o nosso ser. É a relação mais íntima, mais profunda.

Devemos dizer aos cristãos que Deus é amor. E, por ser amor, não chama ninguém a uma vida medíocre, Ele chama todos à plenitude, e a plenitude de vida é uma plenitude de relação. E quando fala de relação com Deus, a santa – como João da Cruz, como a Tradição da Igreja – fala do matrimônio espiritual, que é a história da relação humana mais íntima, mais significativa.

Então, Deus chama todos, sem distinção de leigos, religiosos... Deus chama todos a viver o amor, simplesmente. Porque a nossa vocação é amar tanto quanto somos amados.

Santa Teresa, insistindo muito na oração, não corre o risco de beirar a alienação?

Uma pessoa que crê no amor não pode ser alienada senão de si mesma. A alienação de si mesma é a exigência interna do amor. Quando amo, saio de mim mesmo para colocar meu amigo, minha amiga, no centro da minha vida.

O amor, unicamente ele, faz a alienação positiva, realizadora da pessoa. Por isso Santa Teresa insiste tanto nas obras. Se tenho uma relação íntima contigo, não posso deixar de amar e de fazer o bem a todas as pessoas que tu amas. Teus amigos são meus amigos. Com Deus é a mesma coisa: se tenho uma relação de amizade com Ele, não posso deixar de estar em comunhão com todas as pessoas que Ele ama.

Por que existe tanto interesse pelo Carmelo hoje?

O mundo e a Igreja procuram os místicos carmelitas, Teresa e João da Cruz, sobretudo porque estes receberam de Deus uma graça grandíssima de enamorar-se por Ele e de poder comunicar sua experiência de relação com Deus de uma maneira agradável. As pessoas procuram Teresa e João da Cruz para descobrir o próprio caminho de relacionar-se com Deus.

Quando uma pessoa conta a sua experiência, muitas outras gostam de ouvi-la, porque descobrem as suas possibilidades pessoais e os desejos de fazer o próprio caminho de experiência.

Santa Teresa e São João da Cruz são lidos apenas por católicos?

Não, eles são muito lidos fora da Igreja, por exemplo entre muçulmanos e hindus; e fora do Ocidente, como no Egito, na Líbia, na Índia e no Japão. Porque os místicos não falam propriamente como teóricos da sua fé, mas falam da sua experiência. Então, uma pessoa não crente, quando os lê, procura a experiência espiritual de uma pessoa, uma experiência que é fonte de vida para todos.

O que o senhor sente ao ver uma comunidade nova na Igreja, como a Comunidade Shalom, que tem Santa Teresa como baluarte da sua vocação?

Para mim, significa uma grande alegria. Reconheço que as pessoas que procuram a amizade de Santa Teresa são muito inteligentes, porque procuram uma mulher verdadeiramente enamorada por Deus, com uma capacidade de introduzir as pessoas no caminho da amizade.

Então, quando um grupo de pessoas procura a proximidade com uma pessoa rica espiritual e humanamente, para mim é uma alegria imensa, porque penso que elas farão um caminho muito bonito de realização pessoal e de realização cristã.

Sou carmelita, mas Teresa é uma mulher da humanidade. Uma das grandes pessoas que Deus deu à humanidade para ajudá-la no caminho da realização.

O que o senhor pensa sobre esse tempo novo na Igreja, de leigos consagrados, Movimentos e Comunidades?

Os leigos são para mim a graça maior no conjunto da Igreja pós-Conciliar. Mas existe uma preocupação acerca da formação desses Movimentos e da sua inserção na Igreja Católica, através da inserção nas Igrejas particulares.

Segundo os nossos místicos, a formação – intelectual, moral e espiritual – é o mais importante para a sobrevivência dos Movimentos e Comunidades. Devem ser livres, ser eles mesmos, buscar a especificidade do seu carisma; e que sejam abertos ao conjunto da Igreja, não se fechando sobre si mesmos; tenham também uma profunda relação com aqueles que chamamos místicos, que ensinam a ter o máximo de carisma e o mínimo de estrutura. Quando a vida é fraca, tendemos a multiplicar as estruturas; quando a vida é rica, não precisamos de tantas estruturas.

O senhor poderia citar três pensamentos de Santa Teresa e de João da Cruz de sua preferência?

De São João da Cruz: "A saúde da pessoa é o amor"; "De Deus alcançamos tudo o que esperamos"; "Com Deus estamos unidos, segundo a nossa fé; quanto mais caímos, mais unidos estamos a Deus".

De Teresa de Jesus: "A amizade é a mais verdadeira realização da pessoa"; "A amizade com Deus e a amizade com os outros é uma mesma coisa, não podemos separar uma da outra"; "Quem ama, faz sempre comunidade; não fica nunca sozinho".

Que mensagem o senhor deixaria aos amigos de Santa Teresa e nosso Internautas?

Uma palavra simples: o amor é visível; podemos ver quando uma pessoa ama, porque se torna aberta aos outros, procura fazer-lhes o bem, é receptiva das experiências e palavras dos outros. Quando alguém descobre que é aberto ao amor, então é amigo de Deus.

Lembro também que, como somos racionais, procuramos conhecer o que vivemos. Então, todos devemos discernir, examinar o nosso relacionamento pessoal com Deus.

Minha vocação é de Deus para os demais!

Não sei com que grau de consciência e segurança confessei a meus pais o desejo de ir para o Seminário Menor, por volta dos 12 anos de idade. O certo é que pouco tempo depois iniciei meu caminho. E o mais certo – porque guardo disto uma viva memória, impressa no mais íntimo de mim – é que considerei sempre como o dia de meu verdadeiro chamado, ou ao menos de minha verdadeira resposta à vocação, um dia de maio, em que diante de uma imagem da Virgem Maria tive a convicção de que só poderia ser carmelita. A decisão foi evidente: o Diretor do Seminário me disse que, se eu não tivesse tão boas notas, já teria me expulsado, "porque era muito rebelde"; no ano seguinte àquela experiência luminosa, recebi um prêmio de bom comportamento.

No noviciado – dos 16 aos 17 anos – minhas experiências levaram-me a uma convicção luminosa e maravilhosa de minha vocação. Lia incansavelmente e possuía notável inclinação para a oração, o que proporcionou nesse período um contato muito pessoal com Teresa e João da Cruz. Conformava-me em experimentar o gosto de estar com eles, de escutá-los no silêncio de minha cela.

Mais tarde tive de dar um salto: por volta de meus 28 anos, redescobri o valor daqueles contatos de juventude com meus pais, Teresa e João, quando vivia bem minha vocação – já no quarto ano de sacerdócio – e uma desafortunada atuação de meus superiores me pôs à beira do precipício. A luz se acendeu em meu interior. Quando me insinuaram – pessoas de cujo amor fraterno não tinha nem tenho dúvida alguma – a saída, surpreendi-me dizendo a mim mesmo: só Teresa e João, meus pais, me dirão a verdade de que necessito.

Devo dizer que jamais me passou pela mente deixar a Ordem e pus-me a dialogar (não simplesmente ler) com eles com muita urgência e paixão. Jamais esquecerei o deleite, o gozo profundo e a luz deslumbrante que – partindo do espírito de meus mestres e amigos – tantas vezes adentraram em meu espírito. Costumo dizer que minha experiência com Teresa e João da Cruz resume-se no seguinte: evangelizaram-me, aproximaram-me do Deus e Pai de Jesus; a misericórdia divina banhou as profundidades do meu ser.

Porque se deu este diálogo tranqüilo, amoroso, orante, estou onde e como estou. Em plena efervescência dos 68 anos, de convulsões profundas, vivendo em uma universidade civil, estudando Filosofia muitas horas por dia. Penso que até a Igreja teria deixado se não houvesse me abrigado à sombra protetora de Teresa e de João da Cruz.

Fonte: comshalom.org