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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Centenário da chegada dos Descalços no Sudeste

Em vistas da celebração do centenário da chegada dos Carmelitas Descalços no Sudeste do Brasil a celebrar-se a partir do próximo ano, tentaremos escrever um pequeno histórico daqueles inícios, a partir de pesquisas em livros e revistas da Ordem, da Província Romana e de anotações feitas pelo nosso frei Mariano Júnior, atualmente empenhado no resgate de nossa história.

Pequeno histórico da chegada dos frades Carmelitas Descalços no Sudeste do Brasil

1. A pedido de D. Assis

D. Antônio Augusto de Assis, nascido em 1863 na cidade de Lagoa Dourada (MG), foi nomeado Bispo Titular de Sura e Coadjutor de Pouso Alegre (MG) em 10 de julho de 1907, sendo o bispo diocesano D. João Batista Correa Nery. Com a transferência de Dom Nery para sua terra natal, Campinas, que fora escolhida para sediar uma das primeiras dioceses do interior paulista, Dom Assis foi nomeado Vigário Capitular de Pouso Alegre, em outubro de 1907, e nesta qualidade regeu a Diocese até maio de 1909. Em 27 de janeiro de 1909, foi nomeado como segundo Bispo de Pouso Alegre, tomando posse a 17 de novembro deste mesmo ano. A diocese de Pouso Alegre, criada em 1900, era a chamada "diocese do sul de minas", fazendo divisa com as dioceses de São Paulo e Mariana.

Estando à frente da Diocese D. Assis empenhou-se em prover um imenso território e mais de 800.000 pessoas de sacerdotes e missionários. Além de fomentar o clero local D. Assis era aberto reconhecia a importância da presença de religiosos na diocese e, no curto espaço do seu bispado, foi em busca dos consagrados para atuarem no seminário e no colégio diocesano e para assumirem a missão na região de Córrego. Para o seminário chamou os Missionários do Sagrado Coração, única família religiosa masculina presente em todo o território da atual arquidiocese, que chegaram em maio de 1911. Para a missão chamou os Carmelitas Descalços.

Seu contato para trazer os Descalços para o Sul de Minas foi com o Cardeal Gaetano de Loi, então protetor da Ordem. O Cardeal entra então em contato com o Provincial Romano que iniciará o processo de decisão na Província até o envio dos primeiros missionários ao local.

O desejo de o bispo de Pouso Alegre ter os carmelitas pode explicar-se pelo devotamento que o bispo tinha ao Carmelo, talvez desde a época em que fora pároco da Paróquia de Nossa Senhora do Carmo em Borda da Mata, na mesma região de Pouso Alegre. O Carmelo vai-lhe coroar a trajetória como bispo - em 1916 deixa a Diocese de Pouso Alegre para assumir a nova diocese de Guaxupé (a diocese possui três paróquias dedicadas a Nossa Senhora do Carmo); em 1918 vai para Mariana, como auxiliar de D. Silvério; com a morte de D. Silvério, D. Assis decidiu morar no Rio de Janeiro, no convento da Ajuda; mas, em 1931, com 68 anos, foi designado para assumir a então recém-criada diocese de Jaboticabal, no interior de S. Paulo, sendo seu primeiro bispo. Aí D. Assis falecera em 1961. Depois de ter sido enterrado na Catedral de São João del-Rei (MG), seus restos mortais foram transferidos para a Catedral de Jaboticabal, dedicada à Gloriosa Virgem Maria do Monte Carmelo, onde repousa aos pés da excelsa Mãe a quem tanto amou.

2. A Província Romana

Depois da morte de Santa Teresa (1582), a Ordem dos Carmelitas Descalços se estendia na Itália com as fundações dos conventos de Gênova (1584) e de Santa Maria da Scala em Roma (1597). No dia 13 de Novembro de 1600, Clemente VIII decretava o nascimento da Congregação Italiana de Santo Elias. A nova Congregação teve uma prodigiosa expansão.

No Capítulo Geral de 1617, em 12 de maio, foi dividida em seis províncias, entre as quais a da Província Romana, com o título da Purificação de Maria Santíssima. O território da Província, que inicialmente se extendia por todo o Estado Pontifício, as Duas Sicílias e Malta, foi, com o nascimento de outras Províncias, restringindo-se a Lazio, Umbria e Abruzzo.

No início do século XX, depois que a Ordem conhece um período longo de perseguições e renasce com a unificação das Congregações Italiana e Espanhola, a Província Romana cresce e assume a Missão do Líbano e da Síria em 1908. Em 1911 inicia a Missão no Brasil. Em 1968 assume a Missão no Congo. Todas as três missões tiveram pleno êxito, tornando-se independentes da Província com o crescimento das vocações locais.

3. A região que margeia o rio Sapucaí

No extremo sul de Minas uma muralha verde dá as boas vindas a quem chega. A Serra da Mantiqueira, que tem seu nome originado do 'Amantikir' e significa "montanha que chora", com suas matas fechadas, foi um grande desafio para os primeiros desbravadores. Os índios foram os primeiros habitantes das serras, como comprovam as inscrições rupestres e os sítios arqueológicos. Depois vieram os bandeirantes em busca de ouro, seguindo o trajeto do rio Sapucaí, cujo nome deriva das sapucaias -- árvores que crescem em suas margens, e que nasce próximo aos municípios de Campos do Jordão e São Bento do Sapucaí, no estado de São Paulo, e deságua no rio Grande, no município de São José da Barra, próximo à hidrelétrica de Furnas, em Minas Gerais. Nas suas margens vão nascendo pequenos povoados (Bom Repouso, Bueno Brandão, Cachoeira de Minas, Cambuí, Camanducaia, Conceição dos Ouros, Consolação, Córrego do Bom Jesus, Estiva, Extrema, Gonçalves, Inconfidentes, Itapeva, Paraisópolis, Sapucaí-Mirim, Senador Amaral, Tocos do Moji e Toledo, etc).

Os bandeirantes que foram para a região em busca do ouro, não o acharam (ele se encontrava mais ao centro das Gerais). Depararam, porém, com terras férteis e rios generosos. As cidades da região do Sapucaí e da Serra da Mantiqueira mantêm os hábitos de vida simples. Estão presentes nesse cotidiano o fogão a lenha, as quitandas, o queijo artesanal, doces, geléias e pães, além dos pratos típicos da apreciada cozinha mineira. Nestas paragens, as mãos do povo montanhês expressa em arte sua cultura e sua visão de vida através do barro, da palha, da madeira e do tecido. A arte também revela, nas festas típicas da região, a fé daquela gente.
Foi nesta região que os Carmelitas Descalços da Província Romana são enviados em Missão no ano de 1911.

4. Partida e chegada dos quatro pioneiros


O final do século XIX e a primeira metade do século XX foi um período de chegada no Brasil de muitos missionários das modernas congregações nascidas na Igreja nestes tempos. Os Descalços também conhecem naquela época uma grande expansão missionária. Neste clima, o pedido de D. Assis aos Carmelitas Descalços da Província Romana, de enviarem missionários para sua Diocese, encontrou acolhida entusiasmada no coração da Província. Frei Rodrigo de São Francisco de Paulo era o Provincial de turno que em 1910 tudo prepara para que a missão se inicie: apresenta o pedido ao conselho da Província, percebe por parte dos frades a acolhida, vai em busca dos frades dispostos para a empreitada, faz o pedido à Ordem.

Depois dos trâmites legais e das devidas autorizações, inclusive por parte de Fr. Ezequias do Sagrado Coração, Geral da Ordem, passa à preparação da documentação dos frades escolhidos para partirem no início do ano seguinte. Os pioneiros da missão no Brasil são os sacerdotes Fr. Arcanjo de São Pedro, Fr. Marcelino de Santa Teresa, Fr. Mauro de São José e o irmão-leigo Fr. Afonso de Santo Agostinho.

Eles partem do Porto de Gênova no dia 11 de março a bordo do Navio de propriedade do Lloyd Italiano de nome Cordova (rebatizado como Rio de Janeiro em 1912 e em 1913 chamado com o nome de origem, foi torpedeado e afundado perto de Cape Armi, na Itália, em 1918), colorido de amarelo e preto na chaminé e atraca no porto do Rio no dia 26 de março, depois de 16 dias de viagem transatlântica.

Os frades chegam no Brasil no ano em que governava o país o militar Hermes da Fonseca, no ano em que os marinheiros se revoltaram no Rio contra a injusta chibata, no ano da fundação de um clube de imigrantes italianos (o guarani, de Campinas, fundado em 2 de abril), num ano em que, no dizer de Nelson Rodrigues, "ninguém bebia um copo d'água sem paixão". Após chegarem ao Rio de Janeiro, os quatro expedicionários vão a cavalo para o Sul de Minas e chegam a Pouso Alegre no dia 02 de abril.

5. Córrego do Bom Jesus: o início

A cidade de Córrego do Bom Jesus foi escolhida para a instalação da comunidade. Fr. Arcanjo é o superior, pároco, e vigário provincial da nova missão. Nascido em 14 de Março de 1871, professou na Ordem no dia 29 de Março de 1887 e no dia 21 de Maio de 1897 foi ordenado sacerdote. Na Província Romana foi Definidor Provincial. Douto e pio, destacava-se por ser um grande pregador e professor de música sacra.

Quando a Província decidiu reabrir o convento da cidade de Terni, onde encontram-se os restos mortais de São Valentino, patrono dos namorados, Fr. Arcanjo foi nomeado prior daquele convento e com firmeza e tato convocou a população a retomar a sua vida religiosa, pois muitos, naquela região, influenciados pela doutrina marxista, tinham-se afastado da Igreja. Fr. Arcanjo foi escolhido a dedo para chefiar o grupo dos primeiros missionários no Brasil, para onde foi e dedicou seus últimos anos de vida.

Em Córrego os frades buscam conhecer a realidade e dar vida à comunidade. O que os frades encontram? Córrego do Bom Jesus era um pequeno povoado, elevado a distrito de Cambuí não muito tempo antes da chegada dos frades (1889). Naquele tempo contava com uma população de uns 3.000 habitantes. Mas naquela época já era um centro de peregrinação para toda a região do vale de sapucaí.

De fato a igreja foi construída em 1865 e é em torno dela que o povoado começou a surgir. O templo foi dedicado ao Sr. Bom Jesus. A Paróquia foi criada quando Córrego pertencia à Diocese de S. Paulo, em 1899. Mas o crescente movimento de fiéis que visitavam a Igreja levou d. Assis, bispo da Diocese de Pouso Alegre, a planejar elevá-lo a Santuário. Nos planos do bispo a chegada dos Carmelitas revitalizariam o santuário que o bispo cria na primeira visita pastoral que faz aos Carmelitas depois de sua chegada, no dia 4 de agosto de 1911. Nesta visita, inclusive, D. Assis pede que os frades procurem instruir o povo e chamá-lo aos sacramentos. A importância, portanto, desta igreja, na região, é que levou D. Assis a pedir aos frades que habitassem em Córrego, e não em Cambuí, sede da municipalidade.

A devoção ao Sr. Bom Jesus

A imagem do padroeiro foi confeccionada em Portugal, pelo escultor Manoel Soares de Oliveira e pintada por João Teixeira especialmente para umas das Igrejas do Império do Brasil. A obra de tamanho natural e esculpida em madeira policromada representa o ECCE HOMO.A imagem pesando cerca de 70 KG figura um dos passos da Paixão de Jesus. Flagelado e coroado de espinhos, é apresentado ao povo pelo juiz – com as mãos atadas e o olhar voltado para o céu, o seu semblante exprime serenidade numa perfeita expressão de dor. A data de fabricação embora desconhecida é supostamente pertencente ao 3º quartel do século XIX.

No dia 17 de junho de 1873 os jornais da cidade do Porto, "Comércio do Porto" e "O Progresso Comercial" falaram sobre o escultor e a exposição da imagem no Porto. Entre as especificações estava o tamanho natural da imagem, e a expressão de dor na fisionomia do Senhor preso em um dos Passos da Paixão de Jesus, apresentado ao povo pelo juiz, flagelado e coroado de espinhos. Outros jornais do Porto, como "A Palavra", o "Primeiro de Janeiro" e o "Jornal da Manhã", também se manifestaram no mesmo sentido.

A histórica imagem foi trazida do Rio de Janeiro em um carro de bois em 1873. Segundo uma transcrição do jornal "A Propaganda" de 22 de setembro de 1904, a imagem começou a ser ovacionada e transportada pelo povo em Jaguary. A imagem foi abençoada e veio em procissão com a música do Sr. Brito, até a entrada do Córrego, na época freguesia, onde aconteceu o encontro com a imagem de Nossa Senhora, acompanhada de mulheres e de música do Sr. Quintino.

O Reverendo Caramuru falou para milhares de pessoas sobre a bondade de Deus para com os homens, perdoando-lhes até na hora em que o mataram, e exaltou os fieis como um exército comandado pelo coração e obedecendo pelas lágrimas. A procissão seguiu por ruas cobertas de folhas e flores, com as janelas embandeiradas. Ao entrar na matriz o Reverendíssimo Padre João Borges Soares de Figueiredo pediu a todo que rezassem um Pai Nosso, para aquele que mandou vir do Porto aquela imagem soberanamente perfeita.
Assim ficaram estabelecidas as festas do Senhor Bom Jesus do Córrego.

A primeira festa aconteceu antes da chegada da imagem de Bom Jesus em 1873. Conhecida como "Festa do Córrego" ou " Festa de Agosto", a cada ano atraía mais festeiros e devotos. Fr. Arcanjo e seus confrades encontram, portanto, o campo espiritual da região de Córrego em plena expansão e empenham-se em evangelizar através da devoção do Bom Jesus, através da dedicação na formação do povo, nas horas ininterruptas passadas no confessionário, das pregações e Missas, mas também reforçando a beleza das tradições locais que dava uma identidade cada vez mais sólida àquele povo, com seus carros de boi, sua decoração colorida e sua culinária.

6. Cambuí e região: a messe é grande

O convento-sede da missão brasileira dos frades da Província Romana instala-se em Córrego, no dia 2 de abril de 1911. Mas a Paróquia principal localizava-se na sede do município, Cambuí, de onde Córrego era distrito. Logo após a chegada dos frades D. Assis dá provisão de Pároco de Nossa Senhora do Carmo de Cambuí ao frei Marcelino de Santa Teresa.

a) A cidade e a Paróquia de Cambuí

A Cidade de Cambuí nasceu como uma parada entre Camanducaia e Pouso Alegre, e recebeu este nome devido as árvores que povoavam as margens do Rio das Antas. Seu nome significa "a planta ou a folha que se desprende". Nos longínquos anos de 1787 já existem relatos sobre lugarejos denominados "Rio do Peixe" e "Roseta" - sendo que o nome Cambuí aparece pela primeira vez no ano de 1789 num livro de batismos da Paróquia de Camanducaia. De fato, Camanducaia, antes chamado Jaguari, foi o antigo povoado a qual pertencia Cambuí.

A região dia-a-dia se torna mais povoada, até que, por iniciativa do Capitão Francisco Soares de Figueiredo, nascido em Portugal e radicado em Campanha, e com a doação de um terreno pelo Capitão Joaquim José de Moraes e sua esposa, a Sra. Isabel Pinheiro Cardoso, é erigida uma capela em homenagem a Nossa Senhora do Carmo no lugar hoje denominado "Cambuí - Velho".

A localidade, no entanto, vai se desenvolvendo, e a igreja começa a sofrer o desgaste do tempo. As casas, feitas de taipa e adobe, são erigidas de modo desorganizado e o lugar é de acesso muito difícil.

Tendo em vista estas dificuldades, em agosto de 1834 é levado um documento à Cúria de São Paulo, pedindo autorização para a construção de outra capela num lugar melhor - onde hoje se situa a igreja matriz. Concedida à licença e após ser construída a igreja, é feita a mudança dos habitantes - que fazem uma procissão rumo à terra do Novo Cambuí.

Com a mudança, Cambuí se desenvolve e em 1850 o pequeno Curato de Camanducaia é declarado Paróquia - confirmando a autonomia da organização eclesiástica. Cambuí se mantém influente na região. Tem em pleno século dezenove, com as dificuldades do transporte, duas bandas de música, revelando sua inclinação às artes e à cultura que viriam a ter os cambuienses. Além disso, com o desaparecimento do Capitão Soares em 1864, assume o comando da freguesia o Tenente Coronel Francisco Cândido de Brito Lambert, também vindo de Campanha, que logo ocupa a Presidência da Câmara Municipal de Camanducaia mostrando o prestígio político dos habitantes de Cambuí.

Cambuí cresce e se desenvolve. Comerciantes, sapateiros, fazendeiros, tropeiros aquecem o cenário local até que em 24 de maio de 1892 Cambuí se torna cidade confirmando sua independência política.

Após a emancipação de Cambuí em 1892, seus habitantes liderados pelas figuras de José Alexandre de Moraes, Capitão Zeferino de Brito Lambert, Padre José da Silva Figueiredo Caramuru, Capitão Antonio José de Brito Lambert e Antonio Evaristo de Brito dão início à adaptação do novo município. A cidade, que também é elevada a Comarca prospera a cada dia. Abarcando os municípios de Senador Amaral, Bom Repouso e Córrego do Bom Jesus, tendo uma vida cultural intensa.

b) Frei Marcelino de Santa Teresa - Pároco de uma cidadezinha que cresce aos poucos

A Paróquia de Nossa Senhora do Carmo de Cambuí foi fundada em 1850, o que marcou também a emancipação do município. Com a chegada dos Carmelitas em 1911 fr. Marcelino assume a Paróquia.

Fr. Marcelino de Santa Teresa (Henrique Dorelli) nasceu em Roma no dia 25 de agosto de 1864. Professou na Ordem no dia 28 de agosto de 1883 e no dia 21 de setembro de 1889 foi ordenado sacerdote. Depois de ordenado foi professor de filosofia no Colégio da Província Romana de Caprarola e em 1900 (24 de novembro) foi nomeado pela Sagrada Congregação de Propaganda da Fé como Missionário Apostólico. Em 1911 se une aos primeiros missionários que vêem ao Brasil e assume, logo na sua chegada, a Paróquia de Cambuí.

Fr. Marcelino empenha todo o seu zelo pelas almas aos seus cuidados nos três anos que ficou à frente da Paróquia, sem deixar de participar dos atos de sua nova comunidade, fixada em Córrego. A distância entre a cidade de Cambuí e o distrito de Córrego é pequena, uns 15 quilômetros e o frade vive entre as duas cidades e o grande campo missionário em torno de Cambuí, formado por pequenas capelas privadas nas muitas fazendas e pequenos povoados espalhados pela região montanhosa.

Em 1911 a Praça da Matriz era um descampado de terra, cercado de arame farpado. Não havia uma única árvore para amenizar o calor. A Igreja, modesta, possuía um torre solitária que fazia sombra a imagem do Cristo que chamava os fiéis a frente de sua porta principal. Ao lado da Igreja, funcionava o Mercado Municipal. Em uma das primeiras imagens da cidade de Cambuí, provavelmente do início do século XX, observa-se no seu ponto mais alto a presença dominante de uma pequena igreja constituídade dois corpos em planta retangular, com cobertura em telhado de duas águas.

Nessa época, no entorno da igreja já estava delimitada a praça principal, composta de edificações da primeira geração da cidade, que compreende o período entre a sua fundação e meados da década de 1930. Nas edificações desse período utilizavam-se o sistema construtivo denominado “pau a pique”, fundações corridas de pedra, telhas de barro “tipo colonial”, largos assoalhos, portas e janelas de madeira de grandes dimensões. Observa-se também nessa época a presença de lotes arborizados de grandes dimensões no seu sentido longitudinal. As edificações e lotes de Cambuí tinham então características urbanas e arquitetônicas do Brasil – Colônia.

Mesmo sendo tão pequena e pacata, Cambuí possuía um jornal semanal, chamado Correio do Povo e editado pelo Dr. Dráuzio de Alcântara e José Alexandre de Moraes. Dele, restam apenas 2 exemplares conhecidos: de dezembro de 1911 e julho de 1912, então em seu número 37, justamente nos dois primeiros anos do curato de fr. Marcelino.

Fr. Marcelino e o novo cinema na cidade

Em 1912 inaugura-se na cidade de Cambuí o seu primeiro cinema. Não se pode precisar sua inauguração, mas ocorreu antes desta data, 14 de Julho de 1912. Funcionava no largo atrás da Igreja Matriz, onde funcionava o mercado. O Recreio Cinema era de propriedade do Major José Luiz Tavares da Silveira, farmacêutico formado em Ouro Preto, na época capital de Minas Gerais, antigo Juiz de Paz e presidente da Câmara Municipal no século XIX. Em 1912, o acesso a Cambuí era por caminhos de tropas de burros. Uma viagem levava dias, enfrentando lama e cansaço. Poucas pessoas, àquela época, conheciam outros lugares exceto a própria cidade. O cinema era uma porta para o mundo para aquela gente e trouxe novidades para a cidade. Naquele tempo, o cinema era o grande propagador de imagens, e as pessoas somente poderiam conhecer a Pérsia e outros lugares exóticos no cinema, além da própria cidade de São Paulo e do Rio de Janeiro, a Capital Federal. Fr. Marcelino se vê nesta situação. No jornal "A Montanha", de 30/02/49 Levindo Lambert nos conta:

"A inauguração do cinema foi um acontecimento de grande ressonância em Cambuí e seus arredores. Instalara-o uma empresa, de que era presidente o saudoso farmacêutico José Luiz Tavares da Silveira. Os trabalhos técnicos foram feitos pela inteligência brilhante de João Batista Corrêa, mais tarde substituído pelo não menos inteligente Lázaro Silva. Não havia luz elétrica na cidade. Um motor a gasolina produzia a luz interna e externa e acionava o projetor. A banda de Música do Zeca Preto rompia um dobrado nos confins da Rua Coronel Lambert e marchava para o cinema arrastando já um punhado de assistentes.

A Igreja se esvaziava e Frei Marcelino Dorelli, carmelita descalço, pregava zangado: - Calígula tinha um cavalo chamado Incitatus. Elegeu o cavalo Senador de Roma e dava banquetes, comidas finas e bebidas gostosas. Mas o cavalo relinchava e pateava quando via um feixe de alfafa. E concluiu cheio de humor: O Povo de Cambuí é como o cavalo de Calígula: deixa a Igreja para procurar o Cinema... Não adiantava a arenga do frade ingênuo e bom. O povo largava a reza e acompanhava mesmo a Banda de Música, a caminho do cinema."

Cambuí, àquela época, não tinha energia elétrica. a aquisição de gerador potente para a iluminação pública, particular e urbana. E isso foi feito, com algum êxito. A luz era dada aos usuários e logradouros até às 23 horas. Esse sistema perdurou até 1924.


c) A Matriz de Nossa Senhora do Carmo

No ano seguinte ao início de seu pastoreio, Fr. Marcelino dá início à reforma da Matriz de Nossa Senhora do Carmo, no dia 8 de setembro de 1912. A igreja construída pelo Capitão Soares, um dos fundadores da cidade, apresenta em uma das suas imagens mais antigas as seguintes características: frontispício simples, com uma portada com verga reta sobreposta por cinco janelas, encimada por um frontão triangular marcado por quatro pináculos na sua base e uma pequena escultura em forma de uma ave no vértice.

Do lado direito da igreja havia uma pequena torre sineira, mais baixa que o frontispício, com sua parte superior vazada e coberta por um telhado em forma piramidal. Na frente, na sua parte mediana, foi instalada uma cruz de madeira e no seu lado direito foi construído um coreto em forma octogonal, com estrutura também de madeira.

Fr. Marcelino inicia a reforma da antiga igreja que os párocos posteriores terminam antes de 1920, dando lugar a uma outra em estilo neogótico. Essa igreja tinha no primeiro pavimento dois nichos laterais em arco e uma pequena escada que dava acesso a uma porta central em arco pleno, sobreposto por um outro arco ogival. O segundo pavimento era composto de dois pares de vitrais laterais em arcos encimados por arcos ogivais, tendo no seu centro uma porta de madeira, também em arco com balaustrada.

Na fachada principal da igreja existia uma torre central de base quadrangular, com uma janela em arco na sua fachada principal. O coroamento da torre era em forma de pirâmide, assentada sobre a terminação triangular das suas fachadas. Na frente da igreja foi implantada uma escultura representando o Cristo sobre uma base em forma de paralelepípedo, com o globo terrestre em uma das mãos. A reforma da igreja foi acompanhada de obras de urbanização da praça.

d) Despedida de Fr. Marcelino

Em 1913 Fr. Marcelino contrai a malária e é obrigado a retornar a Roma. Habita no convento de Santa Maria della Scala onde trabalha na investigação histórica da Província Romana. Em 20 de fevereiro de 1946 falece na cidade eterna. Seu substituto na Paróquia de Cambuí foi fr. Mauro de São José, que assumiu a Paróquia de 1913 a 1914.

e) Uma terceira Paróquia

No final do mês de maio de 1911, portanto no mês seguinte á chegada dos frades na região de Cambuí, D. Assis pede que os frades assumam também a Paróquia de Jaguari. Fr. Mauro de São José foi indicado para assumí-la e chega a receber a provisão do Sr. Bispo. Mas o Pároco local, Cônego Saturnino de Paula Conceição, não aceita a nomeação nem sua transferência, e D. Assis então pede que Fr. Mauro assuma uma outra Paróquia: a de Capivari do Paraíso e Bom Retiro, que distava 18 quilômetros de Córrego. Frei Mauro assume a cura da comunidade e vai para lá duas vezes por mês para celebrar as Missas e administrar outros sacramentos.

A situação em Capivari ficará assim pelos próximos anos, com a impossibilidade do Pároco de fixar residência por lá. No dia 10 de setembro de 1914 Frei Nicolau, frade que virá para a região na segunda leva de missionários que chega em 1912, assume a Paróquia no lugar de Fr. Mauro. Até 1916 ele partilha o trabalho pastoral naquela região com fr. Félix, fr. Anselmo e Fr. Jerônimo.

A situação, porém, vai ficando difícil, porque os frades começam a deparar-se com outros pedidos e fundações. Com todo o esforço dos frades a Paróquia de Capivari continua com uma assistência pequena e esporádica. Com a posse do novo bispo de Pouso alegre, D. Otávio Chagas de Miranda, no dia 29 de junho de 1916, o povo de Capivari lhe apresenta, em sua primeira visita pastoral à Paróquia no dia 19 de outubro, o pedido para um Pároco que seja residente. Na impossibilidade dos frades de poderem fundar ali um outro convento, D. Otávio indica um outro pároco para aquela comunidade e os frades, oficialmente, deixam os cuidados pastorais da Paróquia. No dia 20 de dezembro o Padre Lauro de Castro tomará posse em Capivari.

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