A primeira surpresa com que nos deparamos é que não encontraremos sua definição pessoal de oração no Caminho de perfeição, e sim no livro de sua Vida. Ela, que lera tantos livros piedosos de seu tempo, poderia haver-se limitado a copiar uma das clássicas definições tão em voga então, por exemplo: “Oração é uma elevação da mente e do coração a Deus”, ou “Oração é pedir a Deus tudo aquilo que necessitamos”, ou, finalmente, aquela tão comum entre os “letrados”: “A oração é uma virtude moral, um ato da virtude da religião, parte integrante da virtude cardeal da justiça pela qual se aperfeiçoa a virtude teológica da fé, através da qual chegamos ao reconhecimento da soberania de Deus sobre todas as coisas e lhe pedimos tudo aquilo que necessitamos.”
Mas a Madre Teresa não era uma teóloga abstrata, e formulou sua definição da oração baseando-se em sua experiência pessoal. Não se preocupa com questões técnicas, isto é, se a oração pertence a uma virtude cardeal ou moral, se é infusa ou adquirida, indispensável ou opcional. Como mulher prática que era, quis oferecer às suas filhas uma definição que pudessem compreender facilmente. Assim, saiu de sua pena uma belíssima e original definição que vamos estudar atentamente, porque estamos convencidos de que se - como alguns sustentam - o Carmelo está atravessando um período de crise na oração, isto talvez se deva a que não se estudou e meditou com atenção suficiente a definição dada por sua Madre Fundadora.
Para compreendê-la plenamente, poderemos recorrer à técnica da ciência, ou seja: examinar seu contexto, analisar cuidadosamente a definição, anotar os paralelismos e, sobretudo, estudar a analogia da amizade proposta pela Madre. De fato, todo nosso conhecimento nos vem da analogia, porque pouca coisa poderíamos compreender sem comparações com o que já conhecemos ou com aquilo de que já temos experiência pessoal.
Eis aqui, pois, a definição da oração mental nas próprias palavras de sua Autora: “A meu ver, a oração não é outra coisa senão tratar intimamente com aquele que sabemos que nos ama, e estar muitas vezes conversando a sós com ele.” (V 8, 5).
Como se pode perceber de imediato, a palavra chave desta belíssima definição é o verbo “tratar”, repetido duas vezes: tratar de amizade (ativo) e tratar a sós, conversando - usado aqui no gerúndio para indicar uma ação em curso, progressiva. Mas este verbo “tratar” - como tantos outros - pode ser usado em contextos diferentes, com significados e matizes diversos conforme o uso. Portanto, o exato significado na definição da Madre dependerá do contexto e de tantas outras particularidades.
De fato, se consultarmos o “Dicionário da Real Academia Espanhola” (DRAE), encontramos que o verbo “tratar” tem pelo menos dez acepções diferentes ou complementares. Deixando de lado duas acepções do verbo “tratar” que não nos interessam aqui (significado comercial: tratar de mercadorias, casas ou cavalos, etc, e o significado moral de mau entendimento com alguma pessoa, moralmente censurável, etc), restam-nos oito significados muito úteis para compreender melhor a definição teresiana, a saber:
- falar com outro: se duas pessoas não se falam, dizemos que não se tratam”;
- comunicar-se com outro, o que implica abertura e confiança em relação a outra pessoa, e não somente uma troca de palavras;
- ocupar-se com alguma coisa, como estudos, oração, etc;
- consultar alguém, pedir-lhe conselhos, tratar com o professor, o confessor, etc;
- ter relações amorosas, o que supõe um maior grau de intimidade, tratar-se entre si os noivos, esposos, etc.;
- ter interesse ou empenho em contentar outra pessoa, tratar de ou empenhar-se em contentar ao outro ou agradar-lhe;
- entreter-se ou divertir-se com outra pessoa, tratar-se alegremente duas pessoas;
- conversar freqüentemente com outra pessoa, tratar-se muito em freqüentes conversações.
Tendo em conta todas estas diversas acepções do verbo “tratar”, tentemos agora precisar, se possível, o significado concreto na definição teresiana.
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