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domingo, 24 de maio de 2009

RESPOSTA A UM DESAFIO

INTRODUÇÃO
Brevíssimo escrito, espécie de versão literária, para o campo espiritual, dos antigos torneios ou justas de cavalaria, muito difundida nos primeiros tempos da Reforma.
Um cavaleiro (talvez Padre Gracián, jovem noviço em Pastrana), secundado por outros “cavaleiros e filhas da Virgem”, envia um desafio às monjas da Encarnação. Elas aceitam o repto e respondem, dispostas a entrar na liça.
Desconhecemos o texto do desafio, que sem dúvida incluía arrogantes penitências, alheias à discrição e ao estilo pedagógico teresiano. As respostas se situam num nível menos espetacular e mais autêntico. São vinte e quatro, das quais vinte e duas correspondem ao empenho espiritual das monjas da Encarnação; a última, a mais humorística da série, é a resposta da Madre Priora, Teresa de Jesus, precedida em alguns números por um “aventureiro” que se dirige ao “mestre de campo”, que com toda probabilidade oculta a figura de frei João da Cruz, então confessor do mosteiro.
O escrito data provavelmente de fins de 1572 ou princípios de 1573.
Até o século XVIII, o autógrafo se conservava no mosteiro das Carmelitas Descalças de Burgos e de Guadalajara. Perdido em data e circunstâncias desconhecidas, resta uma cópia na Biblioteca Nacional de Madrid, ms. 6615, obtida do original já incompleto.
Damos o texto da Biblioteca Nacional de Madrid.
RESPOSTA A UM DESAFIO
1. Tendo visto o desafio, parecia que nossas forças não seriam suficientes para poder entrar em campo contra tão valorosos e esforçados cavaleiros. Eles certamente alcançariam vitória e nos deixariam completamente despojadas de nossos bens, além de acovardadas para não fazer esse pouco que podemos. Diante disso, nenhuma assinou; Teresa de Jesus muito menos. Essa é a verdade sem disfarce.
2. Combinamos fazer o que nossas forças permitissem e, exercitando-nos alguns dias nessas gentilezas, pode ser que, com o favor e ajuda dos que quiserem tomar parte delas, possamos dentro de alguns dias firmar o desafio.
3. Nossa condição é que o mantenedor não dê as costas enquanto estiver metido nessas covas, mas que venha ao campo deste mundo onde estamos. Pode ser que — vendo-se sempre em guerra onde não possa baixar armas nem descuidar-se um só instante para descansar em segurança — não fique tão furioso. Porque há grande distância entre um e outro e entre falar e agir. Entendemos um pouco a diferença que há nisso.
4. Saia, saia dessa vida deleitosa, ele e seus companheiros. Pode ser que comecem a tropeçar e a cair tão cedo que seja preciso ajudá-los a levantar--se. É terrível estar sempre em perigo e carregados de armas e sem comer. E visto que o mantenedor providenciou isso tão abundantemente, com presteza envie o mantimento que promete. Se ganhar de nós pela fome, ganhará pouca honra e nenhum proveito.
5. Qualquer cavaleiro ou filhas da Virgem que a cada dia rogar ao Senhor que tenha em sua graça irmã Beatriz Juárez, levando-a a não falar inadvertidamente e só o que sirva para Sua glória, lhe dá dois anos do que mereceu cuidando de enfermas muito graves.
6. Irmã Ana de Vergas promete que, se os cavaleiros e irmãos mencionados pedirem ao Senhor que a livre de uma contradição que a persegue e lhe dê humildade, lhes dará todo o mérito que com isso ganhar, se o Senhor conceder-lhe.
7. A Madre Superiora diz que os mencionados peçam ao Senhor que lhe tire sua vontade própria, e lhes dará o que tiver merecido em dois anos: chama-se Isabel de la Cruz.
8. Irmã Sebastiana Gómez promete aplicar a qualquer um dos mencionados que mirar o crucifixo três vezes ao dia pelas três horas em que o Senhor esteve na cruz, para que ela alcance vencer uma grande paixão que lhe atormenta a alma, o mérito que ganhar (se o Senhor a atender) do vencimento da paixão.
9. Madre María de Tamayo dará a qualquer dos mencionados que rezar todo dia um pai-nosso e uma ave-maria para que o Senhor lhe dê paciência e conformidade para sofrer a enfermidade, a terça parte do que padece no dia em quer rezarem; e vive em estado muito grave, não podendo falar há já um ano ou mais.
10. Irmã Ana de la Miseria promete dar a quem, dentre os cavaleiros e filhas da Virgem, considerando a pobreza em que Jesus Cristo nasceu e morreu, pedir a sua Majestade que lhe dê espiritualmente o que lhe prometeu, todo o mérito que tiver diante do Senhor, excetuando as faltas que comete em Seu serviço.
11. Irmã Isabel de Santángelo dá parte dos trabalhos de alma que tem enfrentado a quem, dentre os cavaleiros e filhas da Virgem, acompanhar o Senhor nas três horas em que esteve vivo na cruz, para que ela alcance de sua Majestade lhe dê a graça de guardar os três votos com perfeição.
12. Irmã Beatriz Remón promete dar a qualquer irmã ou filha da Virgem um ano do que merecer, se a cada dia pedir que ela alcance humildade e obediência.
13. Irmã María de la Cueva dá a qualquer cavaleiro ou filha de Nossa Senhora três anos do que mereceu (sei que é bastante, porque passa por grandes trabalhos interiores) a quem pedir por ela fé e luz, todo dia, e graça.
14. Irmã María de San José promete dar um ano do que mereceu a qualquer dos mencionados que pedir por ela ao Senhor humildade e obediência.
15. Irmã Catalina Alvarez promete dar a quem pedir por ela ao Senhor conhecimento próprio um ano dos que padeceu, que é bastante.
16. Irmã Leonor de Contreras promete rezar por qualquer cavaleiro ou irmã que peça a Nossa Senhora lhe alcance graça de seu Filho para que O sirva e persevere, três salves a cada dia enquanto viver, e assim hão de pedir por ela todo dia.
17. Irmã Ana Sánchez diz que rezará, todo dia, por qualquer cavaleiro ou filha da Virgem que peça cada dia ao Senhor lhe dê seu amor, três ave--marias e a limpeza de Nossa Senhora.
18. Irmã María Gutiérrez promete dar a cada um dos mencionados parte de tudo o que merecer diante do Senhor, desde que peçam por ela amor de Deus perfeito, e perseverança.
19. Irmã María Cimbrón diz que os mencionados tomem parte no que padecer, e que cada dia peçam boa morte para ela; e está sem poder levantar--se da cama, e até o fim.
20. Irmã Inés Diaz promete rezar, todo dia, por qualquer um dos mencionados que pedirem para ela parte do sentimento que a Virgem teve aos pés da cruz, cinco pais-nossos e cinco ave-marias, se a cada dia o pedirem.
21. Irmã Juana de Jesus promete dar a qualquer dos cavaleiros e irmãs mencionados que pedirem ao Senhor, cada dia, contrição de seus pecados, parte dos muitos trabalhos e afrontas que por eles padeceu, que são certamente muitos.
22. Irmã Ana de Torres promete dar aos mencionados o que merecer este ano, para que peçam a cada dia [ao Senhor] que pelo tormento que padeceu quando o cravaram, lhe dê graça para que acerte em servir, e obediência.
23. Irmã Catalina de Velasco promete dar a qualquer dos mencionados que pedir ao Senhor, pela dor que sofreu quando O cravaram na cruz, que lhe dê a graça de não ofendê-Lo e que se vá aumentando nossa Ordem, os momentos em que permanece com Nossa Senhora a cada dia: são certamente muitos.
24. Irmã Jerónima de la Cruz promete rezar por qualquer um dos mencionados que pedir para ela humildade e paciência e luz para servir ao Senhor, três credos todo dia e um ano dos trabalhos que padeceu. Peça-se todos os dias.
25. Um aventureiro diz que se o Mestre de campo lhe alcançar do Senhor a graça de que precisa para perfeitamente servi-Lo em tudo o que a obediência mandar, dar-lhe-á todo o mérito que ganhar este ano, servindo-O nela.
26. Irmã Estefanía Samaniego promete rezar, todos os dias, por qualquer cavaleiro e filhas da Virgem que pedir a Nosso Senhor que O Sirva e não O ofenda e lhe dê fé viva e mansidão, a oração do Nome de Jesus e os méritos de um ano das enfermidades e tentações por que passar.
27. Irmã Antonia del Aguila promete dar a qualquer cavaleiro e filhas da Virgem que a cada dia se recordar de suas angústias, cada dia um pouco, e pedir: remédio para uma grande necessidade que leva em su’alma, pela vida de nossa Madre Priora Teresa de Jesus e pelo aumento de nossa Ordem, a terça parte de seus trabalhos e enfermidades por toda a sua vida.
28. Teresa de Jesus promete dar a qualquer cavaleiro da Virgem que fizer um só ato a cada dia, determinado a satisfazer, durante toda a sua vida, por um prelado néscio, vicioso, glutão e mal preparado, no dia em que o fizer, a metade do que merecer naquele dia, tanto na comunhão com nas grandes dores que suporta: tudo enfim, o que será ainda muito pouco. Há de considerar a humildade com que o Senhor esteve diante dos juízes e como foi obediente até a morte de cruz. Esse é um contrato de um mês e meio.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

CARTAS DE SANTA TERESA




Introdução

Destas Cartas haveria muito a dizer. Desde o Pe. Jerônimo Gracián da Madre de Deus — báculo da velhice (Tb 10,4) da Santa — até nossos dias, largamente se tem escrito sobre elas, e coisas interessantes e acertadas. Diremos apenas algumas palavras que parecem necessárias, quer para melhor compreensão, quer para maior apreço desta correspondência que, à primeira vista, pode não revelar todo o seu valor aos leitores que não conhecem as Obras, e a vida da Santa Reformadora do Carmelo.

Na realidade, as Cartas põem o selo à sua santidade. Guiada pelo Espírito de Deus, escreve não por gosto ou passatempo, mas para tratar sempre dos interesses de seu Senhor, no que há de mais ingente e no que há de mais pequenino. É a realização de seu estribilho predileto: “Que se me dá a mim, Senhor, de mim, senão de Vós?”

Dirige-se a irmãos e parentes. São cartas tão familiares e despretensiosas como qualquer pessoa escreve. Trata de saúde, de negócios, de toda sorte de acontecimentos; mas, em poucas palavras salpicadas aqui e ali, melhor os guia e encaminha para Deus através de todos os casos e vicissitudes da vida, do que o faria com longos sermões.

Escreve às filhas; com ternura, graça, sabedoria e fortaleza! Não tem necessidade de dissertar com elas longamente sobre assuntos espirituais. Já lhes disse tudo — não só às contemporâneas mas a todas as vindouras através dos séculos, — em suas Obras, nas quais tantas vezes repete: filhas minhas, minhas filhas, amigas etc. Os assuntos são os mais variados: é mãe, mestra, luz, fogo de caridade, vela sobre tudo, nada esquece.

Dirige-se a toda sorte de pessoas: assim às altamente situadas — benfeitores, fundadores, Prelados, e até à própria Majestade de Filipe II, — como aos modestos, humildes e pobres. Até o fim da vida, sempre que tinha portador, escrevia algumas linhas e mandava um presentinho a uma pobre mulher que lhe arranjara um ovo numa fundação. E com todos é sempre a mesma, dando a cada um o que lhe é devido.

Dela se pode dizer que se fez tudo para todos, para ganhar todos a Cristo, a exemplo de S. Paulo (1Cor 9,22).

Com seus confessores é de uma reverência, sujeição, amor sobrenatural que bem mostram como neles vê o próprio Cristo. Que solicitude maternal! Vela sobre a saúde, a hospedagem, o agasalho, a montaria, o sono, o trabalho, enfim sobre todas as necessidades e vantagens no temporal e no espiritual.

Com os Descalços, seus filhos, em particular com Pe. Gracián, trata dos negócios da Reforma, da perfeição da Ordem, da santidade individual e geral, dos diversos pontos de observância, sem esquecer os cuidados com a saúde e os temores de que se prejudiquem pelo demasiado rigor da penitência.

E é de notar a despreocupação total de escrever bem e de parecer santa. Diz o que se passa — a verdade que tanto ama —, jamais faltando à prudência, à caridade ou a qualquer virtude, mas com santa liberdade, como quem já vive mais no céu que na terra.

Quando é preciso, sabe repreender e reprovar fortemente o que foi malfeito, sobretudo naqueles que mais ama, porque os quer santos e todos de Deus.

E é de ver essa alma tão sublime — que nem um instante, ainda no meio do maior rebuliço, perde de vista a seu Deus, e vive a consumir-se nos ardores de um amor seráfico — acudir a todas as necessidades humanas, sem distinguir entre amor de Deus e amor do próximo. Alegra-se com uns, chora com outros; anima, aconselha, encaminha e guia mesmo em negócios temporais; pede um auxílio ou emprego para um; solicita uma carta de recomendação para outro; trata de vocações religiosas e de casamentos; de compras, vendas, empréstimos, modo de aplicar o dinheiro, doenças, remédios… em suma de tudo quanto ocorre na vida.

Parece muito; entretanto as cartas autênticas chegadas até nós são apenas uma parcela, talvez mínima, das que a Santa Madre escreveu, e isto, além do uso das “cifras”, ou nomes previamente convencionados, torna obscuras e difíceis de entender certas passagens, por falta de esclarecimentos contidos em cartas anteriores ou posteriores. Nem é de admirar que não se tenha conservado a correspondência em tempos de tanta perseguição, quando corria perigo de ser violada e ocasionar gravíssimos males. Por outro lado, a própria Santa Madre, assim como ordenou a Ana de Jesus, conforme esta declara, terá ordenado geralmente a suas filhas e a outras pessoas, que rasgassem suas cartas, apenas lidas. O que mais faz pena, porém, é não terem chegado até nós as cartas, certamente numerosas, dirigidas a S. João da Cruz. Conta seu biógrafo, o Pe. Jerônimo de São José, que um dia, no Convento do Calvário, aquele admirável amante do despojamento e do nada, temendo apegar-se a uma trouxinha de cartas da Madre Teresa que levava consigo por toda parte onde ia, lançou mão delas e, na presença do mesmo Pe. Jerônimo, atirou-as ao fogo.

Esta tão grande atividade epistolar, que lhe era por demais penosa e muitas vezes se prolongava até a madrugada, é inexplicável sem especial assistência divina, se considerarmos seu organismo débil e doentio desde a adolescência; suas muitas e graves enfermidades; seus trabalhos e viagens, tudo unido à observância de uma Regra austera e a penitências e macerações voluntárias.

Nada iguala a sua solicitude de Mãe e Reformadora. Hoje, com tantos meios rápidos de comunicação, não seria tão difícil; mas naquele tempo, em que era preciso aguardar o almocreve ou o arrieiro, ou expedir um próprio, malgrado a pobreza do mosteiro, a Santa Madre estava sempre à testa de tudo. Dirigia compras de casas ou terrenos, construções, aceitação de fundadores, admissão de noviças e dotes, contratos e todos os mais negócios, com mão firme e saber lúcido.

Nas sétimas Moradas, aliás, a Santa explica como a alma chegada ao matrimônio espiritual pode tratar das coisas materiais sem distração nem prejuízo, e até melhor do que antes.

Onde, porém, mais avulta nas Cartas a personalidade assombrosa da Fundadora é na guerra de morte feita durante mais de quatro anos à sua Reforma, com o fim de aniquilá-la ou ao menos reduzi-las a proporções ridículas.

O Senhor poderia dizer-lhe, então, como a S. Pedro: “Satanás vos pediu para vos joeirar como ao trigo…” (Lc 22, 31).

Por permissão divina, pois os adversários agiam com intenções mais ou menos boas, embora erradamente o próprio Geral da Ordem, que fora pai da Reforma e da Santa, a quem chamava “la mia figlia”, mal informado pelos seus súditos mais autorizados, determinou extinguir o que antes aprovara tanto.

S. João da Cruz é raptado e metido no cárcere do Carmo Calçado, em Toledo, onde penou durante nove meses.

Os principais Descalços, perseguidos, malvistos — presos e excomungados alguns deles —, perdem a cabeça, deixam cair as armas, e com suas imprudências agravam a situação.

O exército de Maria está em desordem, em debandada. Só a Santa Madre, mais atingida que todos e com ordem de retirar-se a um mosteiro de onde nunca mais saia a empreender novas fundações, conserva-se como generalíssima no seu posto, defendendo não a sua obra, não os seus interesses, mas os interesses e a obra de Deus.

Logo às primeiras ameaças da borrasca, traçara o plano a seguir; mandar a Roma Descalços que solicitassem do Padre Geral e, em caso de necessidade, do próprio Papa, a separação canônica entre a antiga Observância e a nova, que formaria Província autônoma sob a dependência do Generalíssimo da Ordem. Para garantia de sucesso, alcançar que o Rei, sempre favorecedor da Reforma, encarregue de patrocinar a causa da Madre Teresa a seu Embaixador em Roma.

Quanto dissabor evitado, quantas pedras de escândalo removidas do caminho se houvessem os soldados obedecido à voz de comando da chefe! Mas a Santa clamou no deserto.

Desencadeou-se a tempestade. Teresa já idosa, sozinha, tendo contra si e os seus o próprio Núncio e os mais altos representantes da Ordem, enfrenta sem temor os adversários, com a humildade singela que lhe é própria.

Escreve a uns e a outros; defende, aconselha, anima, traça planos e consegue reunir um punhado de amigos que, sob sua direção, pugnam pela Reforma. O eminente Frei Silvério de Santa Teresa calcula em cinco mil as cartas nesse período tenebroso.

Empregava todos os meios humanos, mas não se estribava só neles: orava, fazia penitência, chorava com o Senhor, como outrora ao ter notícia dos estragos produzidos pelos luteranos na Igreja de Deus. Em todos os mosteiros da Reforma fazia-se o mesmo.

Finalmente esta Santa admirável, em cujas veias parecia correr o sangue heróico dos Macabeus, salva do extermínio a sua Ordem.

O Breve pontifício pelo qual o Carmelo Descalço foi constituído em Província traz a data de 22 de junho de 1580, mas só pode executar-se em 3 de maio do seguinte ano. A Santa ainda viveu até 15 de outubro de 1582, e, nesta última fase de sua vida, continuou a manejar a pena — uma das principais armas com que promoveu a glória de seu Senhor.

Antes de morrer, tem o supremo consolo de ouvir da boca de S. Luís Beltrão, dominicano, a profecia de que dentro de cinqüenta anos sua Ordem será uma das mais ilustres da Igreja de Deus.

Esta edição baseou-se nos autógrafos da Madre e nas cópias mais autorizadas feitas por carmelitas descalças nos séculos XVII e XVIII. Oferecemos ao leitor as cartas em ordem cronológica, numa transcrição que evita tecnicismos e atualiza a grafia, a partir das cartas autenticadas por frei Tomas Alvarez. Louvemos a Deus admirável em seus santos (Sl 67,36).

1. A D. Alonso Venegrilla em Gotarrendura

Encarnação de Ávila, 12 de agosto de 1546. Pagamento de dez fanegas1 de trigo. Remessa de uns pombinhos.

Senhor Venegrilla2. Santos García trouxe dez fanegas de trigo. Faça-me o favor de pagar o trigo, porque não tenho com quê, e o senhor Martin de Guzmán ficará satisfeito e lho pagará, pois assim costuma fazer.

12 de agosto.

Sua serva,

D. Teresa de Ahumada.

Faça-me o favor de enviar-me uns pombinhos.

2. A D. Lorenzo de Cepeda, em Quito

Ávila, 23 de dezembro de 1561. Agradece a D. Lorenzo uma remessa de várias quantias. Oportunidade com que chegou esse dinheiro, para ela, e para suas irmãs D. María e D. Juana. Projeto da Reforma do Carmo. Elogio de Antonio Morán e de      D. Juana de Ahumada.

 Jhs

Senhor:

Esteja o Espírito Santo sempre com vossa mercê, amém! e pague-lhe o cuidado que teve de socorrer a todos com tanta diligência. Espero na Majestade de Deus que vossa mercê muito há de ganhar do Senhor; porque, asseguro-lhe, a cada um em particular chegou o seu dinheiro em tão boa hora, que para mim serviu de grande consolação. E creio que foi vossa mercê movido por Deus, para enviar-me tanto, porque a uma pobre monja como eu, que já tenho por honra – glória a Deus! – andar remendada, bastava o dinheiro trazido por Juan Pedro de Espinosa y Varrona (creio que assim se chama o outro negociante), para prover às minhas necessidades durante alguns anos1.

Mas, como já escrevi bem longamente a vossa mercê, por muitas razões e causas, às quais não me pude furtar por serem inspiração de Deus – de modo que não são para cartas, – tem parecido a pessoas santas e letradas que estou obrigada a não ser covarde, e fazer o que puder para realizar esta obra. Só lhe posso dizer que é fundar um mosteiro, onde há de haver só quinze monjas – sem se poder aumentar o número –, com grandíssimo encerramento, assim de nunca saírem como de não verem senão com véu diante do rosto, fundadas em oração e mortificação, conforme a vossa mercê já escrevi mais largamente e escreverei ainda por Antonio Morán, quando for.

Estou sendo ajudada por essa senhora D. Guiomar, que também escreve a vossa mercê. É viúva de Francisco d’Ávila, de Salobralejo, não sei se vossa mercê dele se recorda. Há nove anos lhe morreu o marido, que tinha um conto de renda, e, além do que dele herdou, tem por sua parte um morga­do. Embora tenha ficado viúva aos vinte e cinco anos, não se casou mais e tem-se dado muito a Deus. É bem espiritual. Há mais de quatro anos há entre nós mais estreita amizade do que se fôssemos irmãs. Conquanto muito me ajude, porque dá grande parte da sua renda, por ora está sem dinheiro, e, no tocante a fazer e comprar a casa, faço-o eu, com o favor de Deus. Recebi o dote de duas noviças, antes de começar, e com isto comprei a casa, ainda que secretamente; mas para as obras indispensáveis não tinha de que lançar mão. Ainda assim, confiando só em Deus – pois se quer que o faça, a tudo proverá, – contratei os oficiais. Parecia desatino. Vem Sua Majestade e move a vossa mercê para que forneça os meios. Sabe o que mais me espantou? É que me faziam grandíssima falta os quarenta pesos acrescentados por vossa mercê; e quem fez que não faltassem, creio, foi S. José, pois assim se há de chamar a casa. E, sei que o pagará a vossa mercê. Enfim, ainda que pobre e pequena, tem lindas vistas e terreno, e com essa quantia de vossa mercê se concluirá.

Foram buscar as Bulas em Roma, porque, embora seja da minha mesma Ordem, prestamos obediência ao Bispo. Espero no Senhor que será para muita glória sua, se nos permitir realizá-lo; e penso que sem falta assim fará, porque vão almas que bastam para dar grandíssimo exemplo: muito escolhidas, e dadas à humildade, penitência e oração. Vossas Senhorias o encomendem a Deus. Quando Antonio Morán partir, com o favor divino já estará acabado.

Esteve aqui, e muito me consolei com ele, por me parecer homem de bem, verdadeiro entendido, e saber dar tão particulares notícias de Vossas Senhorias. Certamente uma das grandes mercês que o Senhor me tem feito a mim é ter-lhes dado a entender o que é o mundo, para que deste modo tenham querido viver sossegados. Vejo que estão no caminho do céu, e é o que mais desejava saber, pois até agora sempre estava em sobressalto. Glória seja Àquele que tudo isso faz. Praza ao mesmo Senhor vá progredindo sempre vossa mercê no seu serviço; e, pois não há medida no galardão, não há de haver paradas, senão procurar servi-lo, e ir cada dia, sequer um pouquinho mais adiante, e com fervor. Pareça-nos sempre, como de fato é, que estamos em guerra e que, até ganhar vitória, não há de haver descuido.

Os que me têm trazido dinheiro, da parte de vossa mercê, têm sido homens dignos, de caráter, mas Antonio Morán assinalou-se, não só em trazer bem vendido o ouro e sem cobrar nada, segundo verá vossa mercê, como em ter vindo, com bem pouca saúde, de Madrid a Ávila para mo entregar. Hoje está melhor, foi coisa passageira. Vejo que tem deveras amor a vossa mercê. Trouxe também o dinheiro de Varrona, e com muito cuidado. Também esteve aqui Rodríguez, e tudo fez muito bem. Por ele escreverei a vossa mercê, pois talvez parta primeiro. Mostrou-me Antonio Morán a carta que vossa mercê lhe escreveu. Creia que tanto cuidado não foi só virtude de sua parte; era o próprio Deus quem o movia.

Ontem enviou-me minha irmã D. María2 essa carta que vai inclusa. Quando ela receber esta nova remessa de dinheiro, escreverá outra. No tempo de maior necessidade chegou-lhe o auxílio. É muito boa cristã e passa grandes trabalhos; e se Juan de Ovalle3 lhe movesse pleito, ficaria com seus filhos arruinados. E afinal não é tão grande o prejuízo, como a ele parece; ainda que foi tudo muito mal vendido, e desbaratada a herança4. Mas também Martin de Guzmán levava bons intentos (Deus o tenha no céu!) e a justiça decidiu em seu favor, embora indevidamente. Tornar-se agora a pedir o que meu pai (que esteja na glória!) vendeu, eis o que não o posso sofrer. O demais, como digo, seria dar a morte a D. María, minha irmã; e Deus me livre de interesse que redunde em tanto mal para os parentes; conquanto por aqui estejam as coisas de tal sorte, que por maravilha há pai para filho, e irmão para irmão. Assim pois não me espanto de Juan de Ovalle; até portou-se bem, pois por amor de mim, deixou-se de pleitos por enquanto. Tem boas qualidades, mas, em todo caso, convém não confiar muito; por isso quando vossa mercê lhe enviar os mil pesos, mande-os sob condição, firmada com escritura, e esta venha dirigida a mim, estipulando que no dia em que tornarem ao pleito, sejam quinhentos ducados para D. María.

A venda das casas de Gotarrendura ainda não está concluída; porém Martin de Guzmán já havia recebido por conta das mesmas trezentos mil maravedis5, e é justo que sejam devolvidos a Juan de Ovalle. Com mais os mil pesos que lhe enviar vossa mercê, ficará ele remediado e poderá viver em Ávila. Assim fez, e atualmente está aqui por certa necessidade que houve. Se daí lhe não vier essa quantia, não poderá ficar sempre, senão passar de vez em quando umas temporadas, e mal.

São muito bem casados, mas posso afirmar a vossa mercê que D. Juana deu uma mulher tão honrada e de tanto valor, que é para louvar a Deus: uma alma de anjo. Eu é que saí a pior de todas, a quem Vossas Senhorias não haviam de reconhecer por irmã, do jeito que sou; não sei como me querem tanto. Isto digo com toda a verdade. Grandes trabalhos tem ela passado, e sofre tudo muito bem. Se vossa mercê, sem se pôr em aperto, puder enviar--lhe alguma coisa, faça-o com brevidade, nem que seja aos poucos.

As quantias que vossa mercê mandou foram entregues, como verá pelas cartas inclusas. Toribia6 morreu, assim como também seu marido. Os filhos que deixaram são pobres, e muito lhes valeu a esmola. As Missas foram celebradas; (algumas, creio, antes de chegar a espórtula), pelas intenções que mandou vossa mercê; e pelos melhores sacerdotes que achei, realmente muito virtuosos. Causou-me devoção o ver as intenções determinadas por vossa mercê.

Encontro-me em casa da senhora D. Guiomar durante todas estas negociações, e isto tem me consolado, por estar mais vezes com pessoas que me falam de vossa mercê. Também me sinto à vontade, porque vim com uma filha desta senhora, monja em nosso mosteiro, a quem me mandou o Provincial acompanhar para passar uns tempos com sua mãe, e aqui me acho com muito mais liberdade que em casa de minha irmã para tudo quando quero. Só tratamos de Deus e há muito recolhimento. Assim ficarei até me mandarem outra coisa; mas para tratar de negócio em questão, melhor seria estar aqui.

Falemos agora de minha querida irmã, a senhora D. Juana7, que, embora seja aqui a última, não o é na minha amizade; e tenha por certo, e assim é, que, embora não no mesmo grau que a vossa mercê, muito a encomendo a Deus. Beijo a Sua Mercê mil vezes as mãos, por tantas provas de estima que me dá. Não sei como retribuir, a não ser fazendo com que o nosso menino8 seja muito encomen­dado a Deus. Assim fazemos, e muito a seu cargo o tem o santo Frei Pedro de Alcântara, que é um Frade descalço, sobre o qual já escrevi a vossa mercê; e também os Teatinos9 e outras pessoas às quais atenderá o Senhor. Praza a Sua Ma­jestade fazê-lo ainda mais virtuoso que os pais, pois, por bons que sejam, mais quero eu para ele. Sempre que me escrever vossa mercê, fale do contenta­mento e concórdia que tem com sua esposa. Com isto muito me consolo.

Prometi enviar-lhe, quando for Antonio Morán, uma cópia da carta executória, que, segundo dizem, não pode estar melhor; e isto farei com todo cuidado. E se desta vez se perder no caminho, enviarei outra até que alguma lhe chegue às mãos. Não sei como deixaram de enviá-la a vossa mercê, mas, porque toca a terceira pessoa, e esta não a quis dar, não lhe conto o caso. Vou remeter-lhe também algumas relíquias que tenho; a guarnição é de pouco valor. Pelo que a mim me envia meu irmão, mil vezes beijo-lhe as mãos; se fôra no tempo em que eu usava ouro, cobiçaria não pouco a medalha; achei-a extremamente linda. Deus nos guarde a Sua Mercê por muito tempo, e a vossa mercê igualmente, e lhes dê boas entradas, que amanhã é véspera do ano de 1562.

Por demorar com Antonio Morán, comecei a escrever tarde, e não posso estender-me ainda, como quisera, porque ele quer partir amanhã, e assim vou escrever agora a meu Jerónimo de Cepeda, mas não importa: muito brevemente escreverei de novo a vossa mercê; sempre leia vossa mercê minhas cartas. Fiz questão de empregar boa tinta, mas a carta foi escrita tão às pressas, e, como digo, a tal hora, que não a posso tornar a ler. Estou melhor de saúde que de costume. Deus a dê a vossa mercê, no corpo e na alma, como desejo. Amém!

Aos senhores Fernando de Ahumada e Pedro de Ahumada deixo de escrever por falta de tempo; fá-lo-ei tão logo possa. Saiba vossa mercê que algumas pessoas muito boas, que estão ao par do nosso segredo – refiro-me ao negócio da fundação –, tiveram por milagre o enviar-me vossa mercê tanto dinheiro a tal tempo. De Deus espero que, em havendo necessidade de mais, ainda que vossa mercê não queira, Ele lhe porá no coração que me socorra.

De vossa mercê muito fiel serva,

D. Teresa de Ahumada.

3. Ao Pe. García de Toledo, em Ávila (?)

São José de Ávila. Em fins do ano de 1565. Remete-lhe o Livro da Vida para que o veja e corrija, e logo o envie ao Mestre Ávila.

Jhs

O Espírito Santo seja sempre com vossa mercê. Amém. Não seria mau encarecer a vossa mercê este serviço, por obrigá-lo a ter muito cuidado de encomendar-me a Nosso Senhor. Bem o poderia eu fazer, tal foi meu sofrimento ao me ver retratada e ao trazer à memória tantas misérias minhas; embora com verdade possa dizer que mais senti o ter de escrever as graças que tenho recebido do Senhor, do que minhas ofensas contra Sua Majestade.

Obedecendo ao que vossa mercê me mandou, fui extensa, mas com a condição de que cumprirá de seu lado o que me prometeu, rasgando o que lhe parecer mal. Não o tinha acabado de ler, depois de escrito, e já vossa mercê o manda buscar. Pode ser que algumas coisas estejam mal explicadas, e outras repetidas, porque disponho de tão pouco tempo, que não podia reler à medida que escrevia. Suplico a vossa mercê que o emende, e o mande copiar no caso de o remeter ao Pe. Mestre Ávila, porque alguém poderia conhecer a letra.

Desejo muito que faça de modo que ele o veja, pois foi com esta intenção que o comecei a escrever, e se parecer que estou em bom caminho, ficarei muito consolada, tendo feito o que está a meu alcance. Em tudo ordene vossa mercê como lhe parecer, vendo o que está obrigado a fazer por quem lhe confia sua alma.

A de vossa mercê encomendarei toda a minha vida a Nosso Senhor. Dê--se pressa em servir a Sua Majestade, em atenção a mim, pois verá vossa mercê, pelo que aqui vai, quão bem empregado é dar tudo e a si mesmo – como vossa mercê já o começou a fazer – a Quem tão sem medida se dá a nós.

Seja Ele bendito para sempre! De sua clemência espero que nos veremos onde mais claramente, vossa mercê e eu, compreendamos as grandes misericórdias com que nos cumulou, e onde para todo o sempre o louvemos. Amém.

Acabou-se este livro em junho do ano de 1562.1

4. AOS SENHORES DO CONSELHO DE ÁVILA, em Ávila

Ávila, 5 de dezembro de 1563. Ermidas para louvar a Deus e rezar pela cidade. Com pesar, prescindiriam desse consolo.

Ilustríssimos senhores: como nos informamos de que não causaria nenhum dano ao edíficio das águas as ermidas que aqui se fizeram e como a necessidade era muito grande, nunca pensamos (veja vossa senhoria, a obra que foi feita, que serve apenas de louvor ao Senhor e para que nós tenhamos um lugar afastado para a oração) causar pesar a vossa senhoria, pois ali pedimos particularmente a Nosso Senhor pela conservação desa cidade em seu serviço.

Visto que vossa senhoria o toma com desgosto (o que muito nos penaliza), suplicamos a vossa senhoria que examinem o caso. Temos em mãos todas as escrituras e fianças e censo que os letrados de vossa senhoria ordenarem para segurança de que em nenhum tempo haja dano. E a isso sempre estivemos determinadas.

Se com tudo isso vossas senhorias não se satisfizerem, que de imediato se deixe. Mas seria necessário que vossas senhorias vissem antes o proveito e não o dano que causam. O que mais queremos é que vossa senhoria não esteja descontente, pois todo consolo que ali se alcança é espirituale nos causaria pesar dele prescindir.

Que Nosso Senhor guarde e conserve em seu serviço as ilustríssimas pessoas de vossas senhorias, amém.

Indignas servas, que as mãos de vossa senhoria beijam.

As Pobres Irmãs de São José.

5. a Juan de San Cristóbal, em Ávila

Ávila, 9 de abril de 1564. Compra uma cerca de pombal.

Hoje, domingo, oitava de páscoa deste ano de 1564, acordou-se entre Juan de San Cristóbal e Teresa de Jesus a venda desta cerca de pombal, a cem ducados livres de décima e alcabala1.

Forma de pagamento será a seguinte: dez mil maravedis no ato e mais dez mil na páscoa do Espírito Santo. O restante será pago em São João deste corrente ano.

Por ser verdade, assino:

Teresa de Jesus

6. A D. Alvaro de Mendoza

Ávila, julho de 1567. Alegria com que esperavam a ida de D. Alvaro       a Ávila. Reza o Ofício. García de Toledo, mestre de noviços.

... a algum seja tido, em especial de en...

Todas estas Irmãs beijam as mãos de Vossa Senhoria muitas vezes. Há um ano estávamos esperando que viesse Vossa Senhoria a ver a minha senhora D. María, que assim no-lo havia dito o senhor D. Bernardino1, e nos sentíamos muito alegres. Não o quis Nosso Senhor. Praza a Sua Majestade veja eu a Vossa Senhoria onde não há de haver ausência. Os ofícios foram rezados este ano nos dias próprios, e assim faremos sempre de muito boa vontade. Nosso Senhor tenha Vossa Senhoria sempre em sua Mão, e o guarde muitos anos para seu maior serviço.

O senhor Frei García está muito bem, Deus louvado! Sempre nos favorece, e é cada vez mais servo de Deus. Assumiu, a mandado do provincial, o ofício de mestre de noviços, o qual para um homem de sua autoridade é cargo bem baixo, ainda que não lho tenham dado senão tendo em vista o proveito da Ordem, para que ele, com seu espírito e virtude, crie aquelas almas à sua semelhança. Tomou-o com tanta humildade, que a todos edificou muito. Tem não pouco trabalho. É hoje dia 6 de julho.

Indigna serva de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus.

Faça-me Vossa Senhoria a mercê de despachar com brevidade este Padre. Poderá ser que uma carta de Vossa Senhoria dê bom resultado.

7. Ao mestre Gaspar Daza, em Ávila1

Toledo, 24 de março de 1568. As relíquias dos Santos Justo e Pastor. Que não falem as religiosas umas com as outras sobre a oração que têm. está em vésperas de sair para Malagón.

... as relíquias dos Santos Pastorzinhos que traziam a Alcalá; é para louvar a Nosso Senhor. Seja bendito por tudo! Por certo, Senhor, tão fácil é a Sua Majestade fazer santos, que não sei como estão lá tão espantados de que se digne conceder algumas graças por intercessão de almas que viveram tão apartadas de tudo. Praza ao Senhor o saibamos servir, que muito bem sabe Ele pagar.

Muito me alegrarei que lhe tenha caído em graça... pois não gostará dela senão quem houver entendido deveras, ao menos em parte, quão suave é o Senhor. Praza a Ele guardar-me vossa mercê muitos anos para benefício dessas Irmãs.

Não consinta que tratem umas com as outras da oração, que têm, nem se intrometam nisso, nem falem em Conceição, pois quererá cada uma dizer sua tolice. Deixem-na: quando não puder trabalhar tanto, tomar-se-á outra, repartindo-se o trabalho; e Deus lhes dará de comer, como... da mi...

Parece que sua irmã e sua mãe pouco se lembram de mim.

À abadessa escreverei, se puder. Deus lhe dê saúde.

Já escrevi para Madrid acerca do saial. Não sei se me esqueci de alguma coisa; ao menos não me esquecerei de encomendar a Deus vossa mercê.

Faça o mesmo, e, para o serviço do Senhor, peça-Lhe que se comece esta casa.

Terça-feira que vem penso que partiremos sem falta. Hoje é véspera de Nossa Senhora da Encarnação.

Ao Padre La... e ao Irmão Cristóvão diga muito de minha parte, e à Maridias.

Indigna serva e filha de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

8. A D. Luisa de La Cerda, em Antequera

malagón, 18 de maio de 1568. Fala a D. Luisa sobre as          Descalças de Malagón e pede-lhe que remeta o Livro da Vida ao Mestre Ávila.

Jhs

Jesus esteja com Vossa Senhoria. Quisera eu ter mais tempo e alongar--me aqui; mas, esperando tê-lo hoje para escrever, deixei até o último dia, pois vou amanhã, 19 de maio, e foi tanta a lida, que não me sobrou tempo. Pelo Pe. Pablo Hernández escreverei; ainda que nada tenha sabido dele depois que se foi daqui, dir-lhe-ei o que manda Vossa Senhoria. Louvei a Nosso Senhor de que a viagem tenha sucedido bem; muito Lho suplicamos por cá. Praza a Sua Majestade seja assim em tudo o mais.

Vou bem de saúde e cada dia mais satisfeita com esta vila; o mesmo acontece a todas. Já não há quem tenha algum dissabor, antes cada dia estou mais contente com elas. Asseguro a Vossa Senhoria que das quatro que vieram, três têm alta oração, e ainda vão além. São de tal sorte que pode Vossa Senhoria estar segura: ainda que eu me vá, não faltará um ponto na perfeição, especialmente com os confessores que lhes ficam...1 Deus o tenha muitos anos aqui, pois, com ele, bem descuidada vou de tudo. O Cura beija as mãos de Vossa Senhoria, mas é tão não sei como, que nem recomendações -lhe mandou; mas eu, com a autorização que tenho de Vossa Senhoria, lhas dei de sua parte. É muito o que lhe devemos.

Não posso entender por que razão deixou Vossa Senhoria de enviar logo minha encomenda ao mestre Ávila. Não faça assim, por amor do Senhor; rogo-lhe que sem demora, por um mensageiro, lho envie, pois segundo ouvi dizer é jornada de um dia e não mais; e ficar à espera de Salazar é absurdo, pois, sendo Reitor, não poderá sair nem para visitar a Vossa Senhoria, quanto mais ao Pe. Ávila. Suplico a Vossa Senhoria: se o não remeteu ainda, mande-o logo, que, sinceramente, isto me tem feito sofrer. Parece arte do demônio. Também contra o senhor Licenciado fiquei muito tentada, porque eu lhe havia pedido que o levasse quando fosse; mais, creio, tudo isso é o demônio, a quem pesa de que o veja esse santo. A causa não a alcanço eu... Suplico a Vossa Senhoria, sem mais detença lho remeta, e faça o que supliquei a Vossa Senhoria em Toledo; olhe bem, que importa isto mais do que pensa...

9. A D. Luisa de La Cerda, em Antequera

Toledo, 27 de maio de 1568. Consola D. Luisa em seus trabalhos. Viagem da Santa a Toledo. Deseja fundar em Malagón uma escola onde se ensine a doutrina cristã. Insiste em que seja enviado o manuscrito da Vida ao mestre Ávila. Morte da duquesa de Medinaceli.

Jesus esteja com Vossa Senhoria. Hoje, dia da Ascensão, o Licenciado1 entregou-me a carta de Vossa Senhoria. Mesmo antes de a ler, tive não pouco pesar ao saber que ele tinha voltado, pois logo imaginei o acontecido. Glória seja a Nosso Senhor, que Vossa Senhoria vá bem de saúde, assim como também o senhor D. Juan e todos esses meus senhores.

No demais, não se aflija Vossa Senhoria com o que sucedeu. Quanto a mim, embora lhe aconselhe isto, fiquei contrariada e disse ao Licenciado que procedeu mal. Está bem confuso, ao que me parece, mas o certo é que ele mesmo não se entende. Por uma parte deseja servir a Vossa mercê e diz que lhe quer muito, e assim é; por outra, não se sabe vencer. Também sofre um pouco de melancolia, como Alonso de Cabria. Mas que diferenças nas coisas deste mundo! Este, que podia estar servindo a Vossa Senhoria, não o quer; e eu, que tanto gostaria de fazê-lo, não o posso! Por estes e outros piores casos temos de passar, nós mortais; e ainda não acabamos de entender o mundo, nem queremos saber de deixá-lo.

Não me espanto de que tenha pesar Vossa Senhoria; já eu estava prevendo que havia de sofrer bastante, conhecendo a condição de Vossa Senhoria, que não é para entender-se com qualquer um; mas, pois se trata do serviço do Senhor, passe por isso Vossa Senhoria e entenda-se com Ele, que a não deixará sozinha. Aqui, ninguém há de interpretar mal a ida de Vossa Senhoria; pelo contrário, ficarão com pena. Procure esquecer, e veja bem quanto nos importa a sua saúde. A minha tem sido bastante ruim ultimamente. Não achasse eu nesta casa o presente que Vossa Senhoria me deixou preparado, ainda pior seria; e realmente foi preciso, porque, com o sol do caminho, cresceu de tal sorte a dor que eu tinha quando Vossa Senhoria estava em Malagón, que, apenas cheguei a Toledo, tiveram de sangrar-me duas vezes. Não me podia mexer na cama, com uma dor nas costas que ia até o cérebro; e no outro dia tomei um purgante. Assim me detive aqui oito dias, que se completarão amanhã, pois vim sexta-feira; e parto bem enfraquecida, porque me tiraram muito sangue. Felizmente já estou boa. Não poucas saudades senti por me ver aqui sem minha senhora e amiga; seja em tudo servido o Senhor! Todos foram muito bons para comigo, inclusive Reolín2. Asseguro-lhe que gostei de ver como, estando vossa mercê tão longe, me regalava aqui. Muito a encomendo ao Senhor. Vou pôr-me a caminho já restabelecida, embora ainda fraca.

Quem me leva é o Cura de Malagón; não sei dizer o muito que lhe devo. Quanto a Alonso de Cabria, tão bem se dá com seu Administrador, que não quis saber de ir comigo; disse que o Administrador sentiria demais sua falta. Eu, como vinha em tão boa companhia e ele estava cansado da recente viagem, não insisti. Saiba Vossa Senhoria que o Administrador faz tudo o melhor possível; dizem que é acima de todo elogio. Alonso de Cabria não se cansa de exaltá-lo, como todos, aliás; o senhor D. Hernando também está muito contente com ele3.

Carleval se foi, e não creio que volte...4; se disserem que para o mosteiro de Malagón quis o Senhor que trabalhasse Alonso de Cabria, e o pagasse o hospital, dirão a verdade, porque o irmão de Carleval veio. Eu digo a Vossa Senhoria que venho contentíssima de o deixar lá; a não ser meu Pe. Pablo, não sei eu quem poderia lá ficar de igual merecimento. Foi grande ventura! É de alta oração e grande experiência dela. Está muito satisfeito; somente é mister preparar-lhe uma casinha. Porque deixei tudo isto por escrito a Vossa Senhoria em Malagón, não digo mais. Grandes elogios tenho ouvido aqui deste Padre de que falei.

As Irmãs estão contentíssimas. Deixamos combinado que se traga uma mulher muito teatina, e a casa lhe dê de comer, pois temos de fazer esmola a alguém, seja a ela! Ensinará de graça trabalhos às meninas, e, em troca, as instruirá na doutrina e no modo de servir ao Senhor, o que é de grande proveito. Também mandou Carleval buscar um rapaz, além do outro, por nome Huerna, que os serve a ele e ao Cura; e tomaram à sua conta ensinar a doutrina. Espero em Deus há de resultar grande bem. Verdadeiramente venho contentíssima, e Vossa Senhoria também o esteja na certeza de que não fará falta minha presença à religião desta casa, pois, com a muita que têm as Irmãs, e ficando-lhes com tal confessor e o Cura, que não as olvidará, espero em Deus irão cada dia mais adiante; disto não tenho dúvida.

Ao outro capelão não há quem lhe queira dizer que não continue a celebrar a Missa. Vossa Senhoria mande-lhe um aviso por escrito. Embora Pe. Pablo ande procurando quem lho diga, não quisera eu que ficasse no esquecimento. O Administrador promete colocá-lo tão bem que ficará muito melhor do que está; mas, para não ter de consolá-lo, não lho quer dizer. Suplico a Vossa Senhoria não se descuidar neste ponto. Já deram por conta a terça parte ao Licenciado5; Miranda lha entregou, mas Vossa Senhoria mande escrever quem há de dar a Miranda essas prestações. Não aconteça urdir o demônio algum enredo para virmos a perder um homem como este, pois certamente trabalhará o maligno quanto puder para este fim, sabendo que ele lhe há de fazer guerra. Ponha-se Vossa Senhoria a par de todo o negócio e não o consinta.

Tem sido tanta a ocupação hoje, que não me deixaram fazer o que pretendia; agora é já noite, bem tarde, e estou muito fraca. Levo comigo o silhão que tinha Vossa Senhoria na fortaleza (suplico a Vossa Senhoria o haja por bem), e outro bastante bom que comprei aqui. Não tenho dúvida: Vossa Senhoria folgar-se-á de que me aproveite dele para o caminho, pois estava fora de uso, e assim ao menos irei em coisa sua. Espero no Senhor servir-me dele na volta; e se não, assim que Vossa Senhoria chegar, lho enviarei.

Na carta deixada em Malagón, já escrevi a Vossa Senhoria o que penso: é o demônio quem estorva que esse meu escrito seja visto pelo mestre Ávila; não quisera eu que ele morresse antes de o ver. Seria grande transtorno. Suplico a Vossa Senhoria, pois está tão perto, lho remeta, selado, e em mão própria, e escreva-lhe Vossa Senhoria insistindo muito com ele para que o examine. Vontade não lhe falta, e lerá assim que lhe for possível. Frei Domingo6 acaba de escrever-me, recomendando-me que, ao chegar a Ávila, arranje mensageiro seguro que lho vá entregar. Dá-me pena e não sei o que fazer; pois, como já disse a Vossa Senhoria, será de prejuízo grande para mim, se chegar ao conhecimento das pessoas que Vossa Senhoria sabe. Por amor de Nosso Senhor, trate disso depressa Vossa Senhoria; veja que é serviço de Sua Majestade, e tenha Vossa Senhoria ânimo para andar por essas terras estranhas, lembrando-se de como viajou Nossa Senhora quando foi ao Egito, e também Nosso Pai S. José.

Vou por Escalona, porque aí está a marquesa e mandou buscar-me. Respondi-lhe que Vossa Senhoria é tão generosa para comigo, que não me era necessário auxílio de sua parte, mas passaria por lá. Ficarei só meio dia, não mais, se depender de mim, e isto porque mo mandou pedir encarecidamente Frei García, dizendo que o prometera e que não é fora de mão. O senhor D. Hernando e a senhora D. Ana honraram-me com sua visita; assim como também D. Pedro Niño, a senhora D. Margarita e os demais amigos e conhecidos; alguns muito me cansaram. Os da casa de Vossa Senhoria estão bem recolhidos e recatados. Suplico a Vossa Senhoria escreva à senhora Reitora; veja quanto lhe deve. Mandou-me alguns presentes, porém não estive com ela porque passei de cama a maior parte do tempo. A senhora Priora terei de ir ver amanhã, antes da partida, porque muito o deseja7.

Não quisera eu falar na morte de minha senhora a duquesa de Medinaceli, pelo receio de que Vossa Senhoria o ignore. Pareceu-me depois que, até que esta lhe chegue às mãos, o saberá. Quereria que não se entregasse ao pesar, pois o Senhor usou de misericórdia com todos os que a amavam, e com ela ainda mais, levando-a tão depressa, porque, com o mal que tinha, mil vezes a veríamos morrer. Era Sua Senhoria tal, que viverá para sempre, e Vossa Senhoria e eu juntamente com ela; e esta esperança me faz aceitar a privação de tão grande bem. A meus senhores todos beijo as mãos; e Antonia beija as de Vossa Senhoria. Ao Senhor D. Juan, Vossa Senhoria diga muito em meu nome; com instância o encomendo ao Senhor. Sua Majestade me guarde Vossa Senhoria e a tenha em sua Mão sempre. Já estou muito cansada, e assim não digo mais8.

Indigna serva e súdita de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus, Carmelita.

A nosso padre eterno9 já deram licença. Quanto a mim, pesa-me por uma parte; por outra, vejo que o Senhor quer que assim seja e que Vossa Senhoria passe sozinha seus trabalhos. Ele por certo escreverá a Vossa Senhoria, em havendo mensageiro. Esta carta deixo bem recomendada a D. Francisca. Se tiver possibilidade, procurarei escrever de Ávila. Ia-me esquecendo de falar de uma pretendente da qual me disse Nosso Padre que é muito culta e tem qualidades que a ele contentam. Não traz mais de duzentos ducados, mas ficam tão sozinhas as Irmãs e é tanta a necessidade, que, para mosteiro que se começa, sou de opinião que a recebam. Mais a quero receber eu do que trazer noviças bobas, e se puder encontrar outra como esta, nenhuma trarei de fora. Fique Vossa Senhoria com Deus, minha senhora, que eu não quisera acabar; nem sei como vou para tão longe de pessoa a quem tanto quero e devo10.

10. A D. Luisa de La Cerda, em Antequera

Ávila, 9 de junho de 1568. Anuncia à D. Luisa sua chegada a Ávila. Entrada em religião de D. Teresa de Toledo, filha da marquesa de Velada.

Jesus esteja com Vossa Senhoria. Cheguei aqui a Ávila quarta-feira antes de Pentecostes, bem cansada; porque, como a Vossa Senhoria escrevi, estive tão ruim, que não me achava em condições de pôr-me a caminho, e assim viemos devagar, e o Cura conosco, o que me serviu de grande alívio, pois ele para tudo tem graça. Chegou de jornada um parente meu que, sendo menino, teve pedra, e com a água dessa fonte sarou e nada mais teve. Folguei-me muito de tão boas novas, porque, espero em Nosso Senhor, há de acontecer assim ao senhor D. Juan. Faça-o Sua Majestade, como aqui lhe suplicaremos. Beijo a Sua Mercê as mãos, e muito as de todos esses meus senhores1.

Soube que entrou no Convento para ser monja, D. Teresa, filha da Marquesa de Velada, e está muito contente. Com a marquesa de Villena estive domingo passado. Tratou-me o melhor possível; mas, como não tenho necessidade de mais ninguém que de minha senhora D. Luisa, pouco me alegra. Traga-a o Senhor, como lho rogo, como muita saúde e prosperidade. Acerca daquele meu negócio, torno a suplicar a vossa mercê: não se descuide, pelas causas que lhe escrevi, pois me importa muito. Como em Malagón deixei uma longa carta para Vossa Senhoria, e em Toledo outra, esta é apenas para que saiba Vossa Senhoria que cheguei bem; e portanto nada mais digo2.

É hoje quarta-feira.

Indigna serva e súdita de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus, Carmelita.

11. A D. Luisa de La Cerda, em Antequera

Ávila, 23 de junho de 1568. Próxima viagem da Santa a Valladolid. Pede a D. Luisa lhe envie quanto antes o manuscrito da Vida. Assuntos do Convento de Malagón.

Jesus esteja com Vossa Senhoria. É tanta a pressa do mensageiro, que ainda nem sei como escrevo isto; é que a vontade me fez achar tempo. Ó senhora minha, com que freqüência me lembro de Vossa Senhoria e de seus trabalhos! e com que cuidado a encomendamos a Nosso Senhor! Praza a Sua Majestade ser servido de dar saúde bem depressa a esses senhores; e não me veja eu tão longe de Vossa Senhoria! Se eu ao menos soubesse que está em Toledo, penso que já me daria por contente. Estou boa, glória a Deus! Irei daqui a Valladolid, passada a festa de S. Pedro.

Veja Vossa Senhoria, pois lhe encomendei a minha própria alma1, que ma devolva com segurança, o mais cedo possível, e não venha sem carta da­quele santo homem, para sabermos seu parecer, conforme Vossa Senhoria e eu combinamos. Estou com o coração nas mãos, pelo receio de chegar de repente o Presentado Frei Domingo; pois, se neste verão aparecer por aqui, segundo ouvi dizer, vai descobrir o furto que fiz2. Por amor de Nosso Senhor, quando vir aquele santo, devolva-me Vossa Senhoria o manuscrito, pois não faltará tempo para que o vejamos, Vossa Senhoria e eu, quando eu voltar a Toledo. Quanto a Salazar, se não houver muita oportunidade, não faça questão de que o veja; o que mais importa é recuperá-lo.

No mosteiro de Vossa Senhoria, segundo me escrevem, vão indo muito bem, com grande aproveitamento, e assim o creio. Tiveram todos aqui por tão grande ventura ficar-lhes tal confessor, pois é bem conhecido, que se espantam, e eu também. Nem sei como o guiou para lá o Senhor; deve ser para o bem das almas daquele lugar, segundo o proveito que resultou, como ouvi dizer; e o mesmo tem feito por toda parte onde tem estado. Creia Vossa Senhoria que é um homem de Deus. É tida aqui em grande conta a casa de Malagón, e os Frades estão muito contentes. O Senhor me torne a levar para lá, junto de Vossa Senhoria3.

A estas Irmãs encontrei extremamente aproveitadas. Todas beijam as mãos a Vossa Senhoria, e eu ao senhor D. Juan4 e a essas minhas senhoras. Não me dão tempo para mais. Amanhã é dia de S. João, a quem muito encomendaremos a nossa Patrona e Fundadora e o nosso Fundador.

Indigna serva de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus.

Para aqui venham endereçadas as cartas de Vossa Senhoria e a minha encomenda, se não quiser que passem adiante à Superiora.

12. A Cristóbal Rodrigues de Moya,
em Segura de la Sierra
1 

Ávila, fins de junho de 1568. Sobre a fundação de Descalças em Toledo.

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...ocio. Aí me tinham Vossas Mercês mais perto, pois parti desse lugar para cá em maio. Nosso Senhor, que assim ordenou, deve ter visto ser o melhor. Se pusermos todas as coisas em suas divinas Mãos – os desejos de Vossas Mercês e os meus –, pois não temos outro fim senão sua glória, ordenará Sua Majestade que se ponham por obra como for mais conveniente.

Por este mensageiro escrevo ao senhor Licenciado João Batista, que é Cura de Malagón, que, no tempo que lá passei, sempre usou de bondade para comigo, ajudando-nos no espiritual e no temporal com os talentos que lhe deu para isso Nosso Senhor, suplicando-lhe que procure vossa mercê, entenda bem suas intenções e o informe sobre o nosso modo de vida, pois, tendo sido nosso confessor, está a par de tudo. Assim, em negócio tão im­portante, não andaremos sem luz. Creio que ele não deixará de fazer esta caridade.

Com o senhor Licenciado poderá vossa mercê tratar tudo o que lhe aprouver, como com pessoa bem conhecedora de todos os meus intentos; e assim pode crer como se o dissesse eu o que ele disser e combinar em meu nome. Em tudo ponha Nosso Senhor a mão, e o faça tão servo seu quanto daqui em diante suplicarei a Sua Majestade. A isto me obrigam as notícias que me deu o Padre Guardião dos Franciscanos de Toledo acerca das obras que Nosso Senhor tem feito por meio de vossa mercê. Também fica vossa mercê mais obrigado a encomendar a Nosso Senhor o Padre Guardião...

Feito em Ávila no mosteiro de S. José...

... dias de junho de 1568

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

13. A D. Alvaro de Mendoza, em Olmedo

Medina del Campo, 6 de julho de 1568

Alegria com que esperavam a idade de D. Alvaro a Ávila. Reza do Saltério. García de Toledo, mestre de noviços. Suplica atenda bem a Julián de Avila

…até agora alguma se teve, veja-se especialmente…1

Todas essas irmãs beijam muitas vezes as mãos de vossa senhoria. Há um ano esperávamos que vossa senhoria viesse aqui ver minha senhora D. María, quando D. Bernardino nos deu a notícia, e ficamos muito alegres. Nosso Senhor não o quis. Permita-me Sua Majestade que eu veja vossa senhoria onde nunca mais haja ausência2.

Os saltérios foram rezados neste ano no mesmo dia, e assim se fará sempre, com muito boa vontade3.

Nosso Senhor tenha vossa senhoria sempre em sua mão e o guarde muitos anos para seu serviço.

O senhor frei García vai muito bem, glória a Deus. Sempre nos faz mercê e é cada dia mais servo seu. Aceitou um encargo ordenado pelo provincial: mestre de noviços. É coisa bem pouca para sua autoridade, mas ele não se altera, porque em seu espírito e virtude aproveita a ordem para criar aquelas almas conforme a si. Tomou o encargo com tanta humildade, que muito edificou. Tem muito trabalho. Hoje é o dia 6 de julho4.

Indigna serva de vossa senhoria.

Teresa de Jesus, carmelita.

Faça-me vossa senhoria o favor de me despachar com brevidade esse padre. Pode ser que uma carta de vossa senhoria sirva5.

14. A D. Francisco de Salcedo1, em Ávila

Valladolid, fins de setembro de 1568. Recomenda-lhe S. João da Cruz, que se dirigia a Ávila, de passagem para Duruelo, onde ia dar começo à Reforma dos Religiosos.

Jesus esteja com vossa mercê. Glória a Deus, que, depois de sete ou oito cartas de negócios que não pude escusar, resta-me um pouco de tempo para descansar delas, escrevendo a vossa mercê estas linhas, a fim de que entenda que recebo muito consolo com as suas. E não pense que é tempo perdido escrever-me, pois sinto, por vezes, necessidade das suas cartas; mas há de ser com a condição de não me dizer tanto que está velho, porque me penaliza muito profundamente. Como se na vida dos moços houvesse alguma segurança!... Conserve-o Deus até que eu morra. Depois, para não estar lá sem vossa mercê, hei de procurar que o leve Nosso Senhor bem depressa.

Fale vossa mercê com este Padre2, eu lhe peço, e favoreça-o neste negócio; pois, embora pequeno de estatura, entendo que é grande aos olhos de Deus. Sem dúvida nos vai fazer muita falta, porque é prudente e próprio para nosso modo de vida, e assim, creio, o chamou Nosso Senhor para esta obra. Não há Frade que não diga bem dele, porque tem tido vida de grande penitência, conquanto haja entrado há pouco tempo. Mas parece o tem o Senhor em sua Mão, pois, embora tenha havido aqui algumas ocasiões difíceis por causa dos negócios, e eu – que sou a mesma ocasião – me tenha por vezes contrariado, jamais notamos nele imperfeição alguma. É animoso, mas como está só, tem necessidade do que Nosso Senhor lhe dá... para que tome a fundação tão a peito. Ele dirá a vossa mercê como vamos por aqui.

Não me pareceu pouco o encarecimento dos seis ducados, mas eu poderia ir além e dar muito mais para ver vossa mercê. Verdade é que merece mais apreço, pois, uma pobre monjazinha, quem a há de apreciar? Vossa mercê, que pode dar aloja3 e biscoitos, rabanetes e alfaces – porque tem horta, e sei que para nós se faz até carregador de maçãs –, vale ainda muito mais. Por falar em aloja, dizem que há muito boa por aqui; mas, como me falta Francisco de Salcedo, não sei que gosto tem, nem acho meios de sabê-lo. Mandei Antonia escrever a vossa mercê, pois não me posso alargar mais. Fique-se com Deus. À minha senhora D. Mencía beijo as mãos, e também à senhora Ospedal4.

Praza ao Senhor continue a melhorar de saúde esse cavaleiro recém-casado. Não seja vossa mercê tão incrédulo, que tudo pode a oração; e o ter o mesmo sangue que vossa mercê de muito lhe valerá. Aqui o ajudaremos com o nosso ceitilzinho. Assim o faça o Senhor, pois tudo pode. Asseguro-lhe que tenho por mais incurável a enfermidade da esposa. A tudo pode dar remédio o Senhor. Quando vir Maridíaz e a Flamenga e D. María de Ávila – a quem muito quisera escrever e, esteja certo, não a esqueço –, suplico a vossa mercê dizer-lhes que me encomendem a Deus e rezem por este negócio do mosteiro. Sua Majestade me guarde vossa mercê muitos anos, amém. Estou vendo que este ano vai passar sem eu tornar a ver a vossa mercê, tal a pressa da princesa de Éboli5.

Indigna serva – e verdadeira – de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

Torno a pedir como esmola a vossa mercê que por amor de mim fale a esse Padre, e lhe aconselhe o que julgar melhor para seu modo de vida. Fiquei muito animada ao ver o espírito que lhe deu o Senhor, e sua virtude no meio de tantas ocasiões; penso que levamos bom princípio. Tem muita oração e bom entendimento; leve-o o Senhor sempre adiante na virtude.

15. A D. Luisa de La Cerda, em Toledo

Valladolid, 2 de novembro de 1568. Alegra-se pela volta de D. Luisa      e família a Toledo e por lhe haver devolvido o Livro da Vida com       uma carta do mestre Ávila. Negócios diversos da Reforma.

Jesus esteja com Vossa Senhoria, minha senhora e amiga – pois minha senhora é esta D. Luisa, por onde quer que ande. Mandei Antonia escrever a Vossa Senhoria tudo o que há por aqui, tanto acerca de minha pouca saúde como das demais coisas, pois minha cabeça está de tal jeito que, ainda este pouco, sabe Deus como estou escrevendo; mas foi tanta a minha consolação ao saber da volta de Vossa Senhoria e desses meus senhores, todos com saúde, que não meço esforços. Seja o Senhor bendito por tudo; bastante lhos recomendei. Também me consola muito estar Vossa Senhoria satisfeita com seu mosteiro. E, vejo, tem grande razão, porque sei como ali se serve muito deveras a Nosso Senhor. Praza a Ele possam as Irmãs retribuir a Vossa Senhoria como devem, e guarde-me Nosso Senhor a Vossa Senhoria e me deixe tornar a vê-la, já que não morri desta vez.

Quanto ao livro, tão bem o negociou Vossa Senhoria que não pôde ser melhor, e assim me fez esquecer as raivas passadas. O mestre Ávila escreveu--me longamente, está contente de tudo; só diz que é preciso explicar mais certos assuntos, e em outros mudar as expressões; coisa fácil. Boa obra fez Vossa Senhoria; o Senhor lhe pagará, assim como as demais mercês e benefícios que me tem feito Vossa Senhoria. Muito folguei com parecer tão favorável, porque tem grande importância; bem se vê quem me aconselhou a enviar-lho.

A meu Pe. Pablo Hernández quisera muito escrever, mas de todo não posso; creio será ele mais servido de que não me prejudique com o esforço. Suplico a Vossa Senhoria dizer-lhe o que há por aqui, para que me encomende, com todos estes negócios, ao Senhor, assim como faço eu por Sua Mercê. E tam­bém suplico a Vossa Senhoria envie a carta de Irmã Antonia à Priora de Malagón, no caso de ter Vossa Senhoria mensageiro para lá; do contrário, man­de Vossa Senhoria avisá-la de que não trate mais do negócio de que falei na carta levada por Miguel. Tornou a escrever-me o Geral, e parece que vão indo melhor as coisas. Veja Vossa Senhoria que importa muito dar-lhe este recado1.

Ao senhor D. Juan e a essas minhas senhoras beijo as mãos muitas vezes; sejam Suas Mercês muito bem-vindas, e Vossa Senhoria também. Torno a dizer quanto me alegrei por estarem de volta. Ao senhor D. Hernando e à senhora D. Ana muito me recomende Vossa Senhoria, assim como a Alonso de Cabria e a Alvaro de Lugo. Já sabe Vossa Senhoria que comigo há de descer de sua nobreza e subir na humildade. Praza ao Senhor me deixe ver Vossa Senhoria, como tanto o tenho desejado. Passo melhor de saúde e de tudo aí nessa sua terra, do que por cá2.

Quanto a mudar o Convento, é preciso olhar bem que o lugar seja saudável, porque já vê Vossa Senhoria como por falta disto, andamos agora, apesar de ser a casa tão aprazível.

Gostei de ter dado Vossa Senhoria dote a essa jovem3; em sendo ordem de Vossa Senhoria, haverá sempre vagas, pois tudo é seu. A senhora D. María de Mendoza beija as mãos de Vossa Senhoria muitas vezes; já mo tinha recomendado, antes mesmo de receber os recados de Vossa Senhoria. Agora não está em casa, mas eu lhe direi o que Vossa Senhoria manda, que bem lho deve. A nosso Padre Licenciado Velasco diga Vossa Senhoria em meu nome o que achar conveniente, e fique-se com Deus. Ele a faça tal como a desejo. Amém.

É hoje o dia seguinte ao de Todos os Santos.

Indigna serva de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus, Carmelita.

16. Ao Pe. Pablo Hernández, em Toledo

Valladolid, 7 de dezembro de 1568. Poderes para negociar a fundação

Eu, Teresa de Jesus, priora de São José de Ávila, afirmo: porquanto o reverendíssimo geral, o mestre frei Juan Baustista Rubeo, me tenha concedido bastantes patentes para fundar e admitir mosteiros desta primeira  e sagrada Ordem de Nossa Senhora do Monte Carmelo, fui informada de que na cidade de Toledo, movidos pela graça do Senhor e ajudados pela Santa Virgem Padroeira nossa, querem fazer esmola de uma casa à citada Ordem, com igreja e quatro capelães e tudo o mais que se fizer mister para o serviço da Igreja. Entendendo que Nosso Senhor há de ser servido e louvado com isso, por esta, firmada com meu nome, digo que a admito como obra de tamanha caridade e esmola.

Se for preciso tratar alguns pormenores para esse trâmite, como de costume, digo que se o padre prepósito e o Pe. Pablo Hernández quiserem fazer-me a caridade de levar isso avante, desde agora me obrigo a cumprir tudo o que suas mercês combinarem. Se não o quiserem, quem eles nomearem, para que não se deixe de fazer o negócio enquanto o Senhor não for servido de deixar-me ir a essa terra1.

Sendo esta minha vontade, por esta, firmada com meu nome, afirmo que o cumprirei.

Dada em Valladolid, em 7 de dezembro de 1568.

Teresa de Jesus, priora de São José de Ávila, carmelita.

17. A D. Luisa de La Cerda

Valladolid, 13 de dezembro de 1568. Lamenta estar longe de D. Luisa. Alguns conselhos sobre a fundação de Toledo.

Jesus esteja com Vossa Senhoria. Nem oportunidade nem forças tenho para escrever muito, e a poucas pessoas o faço agora de próprio punho. Não há muito tempo escrevi a Vossa Senhoria. Não tenho passado bem. Perto de Vossa Senhoria e em sua terra melhoro de saúde; conquanto não tenho queixa da gente daqui, glória a Deus. Mas como o coração está aí, assim o quisera estar o corpo.

Que lhe parece a Vossa Senhoria do modo pelo qual vai ordenando as coisas Sua Majestade, tão para meu descanso? Bendito seja seu Nome, que assim o quis dispor por mãos de pessoas tão servas de Deus, que, segundo penso, muito se há de servir Sua Majestade nessa fundação. Vossa Senhoria, por amor de Sua Majestade, vá trabalhando para obter a licença. Acho bom não dizerem ao Governador1 que é para mim, senão para casa destas Descalças; e contem-lhe o proveito que fazem onde estão estabelecidas. Ao menos por nossas monjas de Malagón não perderemos crédito, glória a Deus; e verá Vossa Senhoria que breve terá lá esta sua serva, que parece querer o Senhor não nos apartemos. Praza a Sua Majestade assim o seja na Glória, com todos esses meus senhores, a cujas orações me encomendo muito. Escreva-me Vossa Senhoria como vai de saúde, que muito preguiçosa está em conceder-me este favor. Estas Irmãs daqui beijam as mãos de Vossa Senhoria.

Não imagina as indulgências e os favores espirituais que temos obtido para as fundadoras desta Ordem; são sem número. Esteja o Senhor com Vossa Senhoria.

É hoje dia de S. Luzia.

Indigna serva de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus, Carmelita.

18. A Diego de Ortiz1, em Toledo

Valladolid, 9 de janeiro de 1569. Fundação de Descalças em Toledo. Promete ir à Cidade Imperial assim que terminar em Valladolid.

O Espírito Santo esteja sempre na alma de vossa mercê e lhe dê seu santo amor e temor. Amém. O Pe. Doutor Pablo Hernández escreveu-me dando-me notícia do benefício e esmola que vossa mercê me faz em querer fundar casa desta sagrada Ordem. Creio que por certo Nosso Senhor e sua glo­riosa Mãe, patrona e Senhora minha, moveram o coração de vossa mercê para tão santa obra, na qual, espero, se há de servir muito a Sua Majestade, saindo vossa mercê com grande lucro de bens espirituais. Praza a Deus fazê-lo, como eu e todas estas Irmãs lho suplicamos, e como daqui em diante o fará toda a Or­dem. Foi para mim grandíssima consolação, e assim tenho desejo de conhe­cer a vossa mercê para oferecer-me pessoalmente por sua serva, e como tal desde já me considere vossa mercê.

Foi Nosso Senhor servido de curar-me das febres. Apresso-me o mais possível para deixar tudo aqui a meu gosto, e, penso, com o favor de Nosso Senhor, acabar breve. Prometo a vossa mercê não perder tempo nem fazer caso de meus males; ainda que me voltem as febres, não deixarei de ir logo. É justo que, pois vossa mercê faz tudo, eu de minha parte faça este nada, que é abraçar alguns trabalhos. Não haveríamos de procurar outra coisa, aliás, nós que pretendemos seguir Àquele que tão sem o merecer sempre viveu neles.

Neste negócio não penso ser só uma vantagem, pois, segundo me escreve meu Pe. Pablo Hernández, será muito grande o lucro de conhecer a Vossa Mercê. Tenho sido até aqui sustentada pelas orações que por mim fazem, portanto – peço por amor de Nosso Senhor a vossa mercê – não me esqueça nas suas.

Parece-me, se Sua Majestade não ordenar outra coisa, que o mais tardar estarei aí em Toledo no fim da segunda semana da Quaresma; porque, embora não demore aqui, como irei passando pelos mosteiros que o Senhor foi servido de fundar nestes últimos anos, terei de deter-me neles alguns dias. Será o menos possível, pois vossa mercê assim o quer; e estando eles tão bem organizados e perfeitos, não terei senão que olhar e louvar a Nosso Senhor. Sua Majestade tenha vossa mercê sempre em sua mão, e lhe dê a vida e saúde e aumento de graça que peço em minhas orações. Amém.

É hoje 9 de janeiro.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

19. A Alonso Álvarez Ramírez, em Toledo

Valladolid, 19 de fevereiro de 1569. Fala-lhe da dificuldade de ir a Toledo com a pressa que desejava. Alguns trabalhos passados na fundação de Valladolid são antes muito bom sinal de que se há de servir a Deus naquela casa. Exorta-o a levar com ânimo os que possam surgir na fundação de Toledo.

Jhs

Esteja com vossa mercê o Espírito Santo e lhe pague a consolação que me deu com sua carta. Chegou-me em tempos em que eu andava com muito cuidado buscando mensageiro por quem dar conta a vossa mercê de mim, pois é preciso que não esteja eu em falta com vossa mercê. Pouco mais tar­darei do que disse em minha carta; e asseguro a vossa mercê que não me parece perder uma só hora. Ainda nem passei quinze dias em nosso mosteiro, depois que nos mudamos para a casa nova, o que se fez com procissão muito solene e devota. Por tudo seja bendito o Senhor.

Acho-me desde quarta-feira em casa da senhora D. María de Mendoza, que, tendo estado tão doente não pôde encontrar-se comigo mais cedo, e eu tinha necessidade de tratar com ela algumas coisas. Pensei ficar aqui só um dia, mas tem feito tão mau tempo, com frios e neves e gelos, que parecia impossível pôr-me a caminho, e assim demorei até hoje, sábado. Segunda-     -feira, sem falta, com o favor de Nosso Senhor, partirei para Medina. Aí e em São José de Ávila, por muito que me apresse, terei de deter-me mais de quinze dias, em conseqüência de alguns negócios necessários, e assim, penso, tardarei mais do que havia dito. vossa mercê perdoará, pois, por esta conta que lhe dei, verá que não posso agir de outro modo; não será muita a demora. Suplico a vossa mercê que não se apresse em comprar casa até minha chegada, porque gostaria que fosse adequada para mosteiro, já que vossa mercê e o seu irmão – que esteja na glória! – nos fazem esta esmola.

Quanto às licenças, a do Rei tenho por fácil alcançar, com o favor do Céu. Algum trabalho não faltará, pois tenho experiência: o demônio não suporta essas casas, e sempre nos persegue; mas o Senhor tudo pode, e ele terá de fugir com as mãos na cabeça.

Aqui temos sofrido grandíssima contradição, e de pessoas muito principais, mas tudo se resolveu bem. Não pense vossa mercê que há de dar a Nosso Senhor só o que tenciona agora: dará muito mais. É que Sua Majestade recompensa as boas obras proporcionando ocasião de fazer sempre maiores; e nada é dar só reais, porque isto pouco dói. Quando nos apedrejarem – a vossa mercê, ao senhor seu genro e a todos nós que tratamos dessa fundação –, como quase fizeram em Ávila quando se fundou São José, então irá bem o negócio; e terei fé de que não haverá prejuízo para o mosteiro, nem para os que passarmos o trabalho, senão muito lucro para todos. O Senhor guie tudo como vê ser conveniente. vossa mercê não se preocupe com isso. Tive pesar de não estar aí meu padre1; se for necessário, procuraremos chamá-lo. Enfim, já começa o demônio. Seja Deus bendito, que, se não Lhe faltarmos nós, Ele não nos faltará.

Por certo, desejo não pouco ver já vossa mercê; espero consolar-me muito e então responderei às boas palavras que me diz em sua carta. Praza a Nosso Senhor encontre eu vossa mercê muito bem, assim como a esse cavaleiro seu genro, a cujas orações e às de vossa mercê muito me encomendo. Veja quanto preciso delas para viajar por esses caminhos, com tão má saúde, embora as febres não me tenham voltado. Tenho e terei cuidado do que vossa mercê me recomenda, e o mesmo farão estas Irmãs. Todas pedem as orações de vossa mercê. Tenha-o Nosso Senhor sempre de sua mão. Amém.

Hoje, sábado, 19 de fevereiro. De Valladolid.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

Esta carta mande vossa mercê dar à minha senhora D. Luisa, por caridade, com muitas recomendações minhas. Ao senhor Diego de Ávila não posso escrever; até a carta de minha senhora D. Luisa não vai de minha letra. Diga-lhe vossa mercê como vou de saúde – que isto lho suplico, e espero no Senhor vê-lo breve. Não tenha vossa mercê preocupações com as licenças, porque tenho esperança que tudo se fará muito bem.

20. A D. María de Mendoza, em Valladolid

Toledo, março de 1569. Dá-lhe conta da viagem a Toledo e diz o muito que sente sua ausência. Manifesta os desejos que tem de tomar parte nos trabalhos de D. María. Fama de santa que esta piedosa senhora deixara em Toledo, e o que deve fazer para justificá-la.

Jhs

O Espírito Santo esteja com Vossa Senhoria. Muitas provações realmente tenho tido nesta viagem. Já estava sentida por afastar-me tanto de Valladolid, e agora ainda me escreve o Senhor Bispo que Vossa Senhoria está com uma grande tribulação, sem me dizer do que se trata. Se eu não estivesse nas vés­peras da partida, procuraria não vir com esta penosa incerteza; mas foi bom saber, porque assim muito tenho encomendado o caso a Nosso Senhor. Não sei por que motivo me veio ao pensamento que seria coisa do Administrador contra minha senhora a Abadessa; isto me consolou um tanto, porque, embora tenha ela de sofrer, porventura o permite Deus para que mais se enriqueça na alma. Sua Majestade ponha em tudo as mãos, como Lho suplico1.

Muito contente estava eu, porque me diziam estar Vossa Senhoria com muito mais saúde. Oh! se lhe fosse concedido ter tanto domínio no seu interior como o tem no exterior!, em pouco teria já Vossa Senhoria isto a que damos o nome de trabalhos! Meu receio é o prejuízo que lhe hão de causar à saúde. Suplico a Vossa Senhoria mande escrever-me (que muitos mensageiros haverá para esta terra), contando-me muito particularmente o que aconteceu, pois, asseguro-lhe, ando muito preocupada. Cheguei bem aqui, na vigília de Nossa Senhora. Alegrou-se muito a senhora D. Luisa com a minha vinda. Bastante tempo gastamos em falar de Vossa Senhoria, o que para mim não me é pequeno prazer; e ela, como quer muito a Vossa Senhoria, não se cansa.

Permita-me dizer que por aqui deixou Vossa Senhoria tal fama que, praza ao Senhor, assim o sejam as obras. Só fazem chamar santa a Vossa Senhoria e apregoar seus louvores a cada passo. Seja o Senhor bendito por lhes ter dado Vossa Senhoria tal exemplo. E como o realiza Vossa Senhoria? Com os muitos trabalhos que está padecendo; em atenção aos quais já começa Nosso Senhor a fazer que o fogo do divino amor, que Ele ateia em sua alma, vá abrasando a outros. Portanto, esforce-se Vossa Senhoria; considere o que passou o Senhor neste tempo da Quaresma. Curta é a vida; um momento nos resta de trabalho. Ó Jesus meu, e como Lhe ofereço o sacrifício de estar longe de Vossa Senhoria, sem poder saber de sua saúde como eu quisera!

Os meus fundadores daqui são gente boa e capaz. Já andamos procurando a licença. Quisera dar-me muita pressa, e, se não demorarem com o despacho, creio que tudo irá muito bem. À minha senhora D. Beatriz e às minhas senhoras as condessas quisera dizer muita coisa. Freqüentemente me lembro do meu anjo – D. Leonor; faça-a o Senhor sua serva. Suplico a Vossa Senhoria dê ao Padre Prior de São Paulo minhas recomendações, e também ao Padre Prepósito. O provincial dos dominicanos está pregando aqui; há muita concorrência e com razão. Ainda não pude falar-lhe. Nosso Senhor me tenha a Vossa Senhoria de sua mão e a guarde muitos anos. Amém2.

De vossa Senhoria indigna serva e súdita,

Teresa de Jesus, Carmelita.

21. A D. Juana de Ahumada, em Alba de Tormes

Toledo, 23 de julho de 1569.

…da. A essas senhoras, beijo-lhes as mãos. Foi sorte encontrar lugar para isso. Nada  digo ao senhor Juan de Ovalle, apesar de esta ser também para ele.

Acho que hoje é 23 de julho; ontem foi dia da Madalena.

Estive várias vezes com a princesa de Portugal, alegrando-me de que seja serva de Deus…1

22. A Simon de Ruiz1, em Medina del Campo

Toledo, 18 de outubro de 1569. Entrada de Isabel dos Anjos nas Descalças de Medina, e outros negócios daquela casa.

Jhs

O Espírito Santo esteja sempre com vossa mercê. Amém. Já me escreveu a Madre Priora, além de outras pessoas, contando como correu tudo bem. Seja Nosso Senhor louvado para sempre. Fiquei muito consolada, e, mais que tudo, contentaram-me as boas notícias que a Madre me dá da Irmã Isabel dos Anjos. Praza a Nosso Senhor tê-la de sua mão, assim com a Irmã São Francisco, que ambas estão muito felizes2.

Não me maravilho de ter o fato causado tanto barulho e devoção; pois, por nossos pecados, tal está o mundo, que são raras aquelas que, tendo meios para nele viverem com descanso, segundo imaginam, abraçam a cruz de Nosso Senhor. E todavia terão muito maior cruz permanecendo nele. Ao que tenho visto, também nos hão de aproveitar a nós, penso, essas mesmas notícias que daí nos vieram. Do contentamento de vossa mercê e da senhora D. María3 muito me alegro. Às orações de Sua Mercê me recomendo.

Bem parece ter estado em companhia tão boa Irmã Isabel, pois tão acertadamente entendeu a verdade. No demais, é muito certo que nas coisas do serviço de Nosso Senhor sempre há de provar o demônio seu poder debaixo das melhores aparências. Bastante tem ele manobrado por aqui. Estão dizendo – e de algum modo têm razão – que o povo se retrairia se visse que pessoas abastadas nos ajudam, e, pois nestas casas se há de viver de esmolas, poderíamos vir a passar necessidade. Nos princípios poderia suceder assim; mas com o tempo se virá a entender a verdade. Em todo caso, são negócios graves, e não se podem resolver com precipitação. Glória seja ao Senhor, que tudo se realizou tão bem. Praza a Sua Majestade guardar Vossas Mercês muitos anos, para que o gozem e edifiquem morada a tão grande Rei, que, espero eu em Sua Majestade, a pagará com outra que não terá fim.

Muito boas novas me dão do Pe. Frei Juan de Montalvo; ainda não avis­tei carta sua depois de minha chegada; pensei que andava por aí. Muita é a caridade de vossa mercê por deixar em tão boas mãos o que diz respeito ao Capelão. Se aquele que vossa mercê propõe tem as qualidades convenientes, pouco importa que seja moço. Disponha tudo Nosso Senhor neste negócio, como fez nos demais.

No que vossa mercê diz acerca das pretendentes, tem muita razão, e convém que assim se faça. Agora só podemos receber duas, conforme escrevo à Madre Priora, porque nosso número é de treze, e com essas duas estará completo. Sua Majestade as escolha, e tenha vossa mercê sempre em Sua mão. Amém. Suplico a vossa mercê mande levar logo essas cartas à Madre Priora.

É hoje dia 18 de outubro, e hoje mesmo recebi a carta de vossa mercê.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

23. A D. Juana de Ahumada, em Alba de Tormes

Toledo, 19 de outubro de 1569. Próxima volta à Espanha de
D. Lorenzo de Cepeda. Confiança em Deus.

Jhs

Esteja com vossa mercê o Espírito Santo. Tendo escrito para Ávila, incluí algum dinheiro para que lhe mandem em mão própria estas cartas1, porque não poderão deixar de causar-lhe grande contentamento. O meu foi extremo, e espe­ro no Senhor que a vinda de meu irmão há de dar algum remédio a seus tra­balhos – e até muito –, porque tão santos intentos como ele traz não podem deixar de resultar em muito bem. Prefiro vê-lo com seus filhos, sossegados em sua casa, do que ocupado em cargos importantes nos quais vejo sempre algum senão. Bendito seja o Senhor que assim o faz. Eu lhe digo que, pelo que toca ao senhor Juan de Ovalle e à vossa mercê, foi para mim esta notícia, repito, de particular contentamento. Enfim, para alguma coisa servem as minhas cartas, ainda que as de vossa mercê devam ter ajudado um pouco.

A Gonzalito escrevi por meio do Inquisidor Soto; não sei ainda se lhe foi entregue a carta; não tenho sabido dele. Não estão agora vendo como é Deus que move a Lorenzo de Cepeda? Mais me parece que tem ele em vista os meios de salvação para seus filhos, do que a ambição de acumular muito dinheiro. Ó Jesus! por quantos lados Lhe sou devedora, e quão pouco o sirvo! Não há contentamento para mim que iguale o de ver aqueles a quem tanto quero, como são meus irmãos, terem luz para abraçar o melhor caminho. Não lhes dizia eu que deixassem tudo a Nosso Senhor, e Ele teria cuidado? Assim o repito agora; ponham seus negócios nas mãos de Sua Majestade e tenham certeza de que fará tudo como nos for mais conveniente2.

Não escrevo agora mais largamente porque escrevi hoje muito, e já é tarde. Fico alegre de verdade quando penso no seu contentamento. O Senhor no-lo dê onde não terá fim, pois nesta vida todos são suspeitos. Estou boa e muito apressada em comprar a casa; vai tudo bem encaminhado. A Beatriz recomende-me3.

É hoje 19 de outubro.

De vossa mercê,

Teresa de Jesus.

Abri esta carta de meu irmão para...4 Saiba que a ia ler, mas tive escrúpulo. Se houver nela alguma coisa nova, peço avisar-me.

24. A D. Juana de Ahumada, em Alba de Tormes

Toledo, dezembro de 1569. Alegra-se com a ida de Juan de Ovalle a Toledo. Cumprimenta D. Juana pela festa do Natal, que se aproxima. Adverte-lhe que não a deve procurar para proveitos do mundo, senão somente para que a encomende a Deus.

Jesus esteja com vossa mercê. Seria bobagem privar vossa mercê do contentamento que lhe causaria minha carta, se, para não gastar tempo, não escrevesse por tão bom mensageiro. Bendito seja Nosso Senhor que tudo fez tão bem. Praza a Sua Majestade assim continuar até o fim.

Não estão vendo como, sem o pensarmos, se apresentaram coisas necessárias para vir aqui meu irmão? E talvez tenha de vir outra vez para buscar o dinheiro; contudo poderá haver alguém que se encarregue de levá-lo, então lhe dará notícias de seu filho. Em matéria de contentamentos, tudo vai bem; assim aconteça quanto ao aproveitamento da alma. Confesse-se para o Natal e encomende-me a Deus.

Não vê como, por mais que eu faça, não quer Sua Majestade que eu seja pobre? Digo-lhe sinceramente: em parte tenho muito desgosto; a única vantagem é que me tira o escrúpulo quando tenho de gastar em alguma coisa. Assim, pretendo agora pagar algumas ninharias para levar-lhe, e o resto, talvez a maior parte, será em benefício da Ordem, e terei cuidado de assentar tudo, para não andar com receios de exceder no que possa gastar. Com efeito, se tiver dinheiro na mão, vendo a grande necessidade que há na Encarnação, nada poderei pôr de lado; e, por mais que faça, não me darão cinqüenta ducados para a obra, que, segundo lhe disse, tem de ser feita; e não por meu prazer, mas em vista do maior serviço de Deus. Isto é certo.

Sua Majestade nos tenha de sua mão, e a faça santa e lhe dê Boas Festas.

Estes contratos de que fala meu cunhado não me agradam nada. Será para ele ocasião de andar fora de casa, ter mais despesas do que lucros, ficando vossa mercê sozinha e todos desassossegados. Vamos agora esperar o que determinará o Senhor. Procurem dar-Lhe gosto, que Ele se encarregará desses negócios. Não se esqueçam de que tudo terá fim; nem tenham medo de que venha a faltar o pão a seus filhos, se tiverem cuidado de contentar a Sua Majestade. A Beatriz me recomendo. O Senhor mos guarde, a todos. Amém.

Uma coisa lhe peço, por caridade: não me queira para negócios do mundo, mas sim para que a encomende a Deus; porque no demais (diga o que quiser o senhor Godínez), de nada lhe poderei servir e é muito penoso para mim. Tenho quem governe minha alma, e não me posso guiar pela cabeça de um e de outro. Isto digo para que saiba responder quando lhe tocarem neste assunto; e entenda vossa mercê que, em vista do que vai agora pelo mundo, e do estado em que me pôs o Senhor; quanto menos pensarem que faço por vossa mercê, melhor me ficará; e assim convém para o serviço do Senhor. A verdade é que, embora nada faça, se imaginassem a mínima coisa, diriam de mim o que ouço dizer de outros; e assim, ocupando-me eu agora com essa insignificância, é preciso cautela.

Creia que lhe quero bem, e, em havendo possibilidade, farei alguma coisinha para lhe dar gosto. Mas é preciso, quando lhe falarem a esse respeito, fazer que todos entendam que à Ordem pertenço e com ela hei de gastar tudo quanto tiver. E que têm os do mundo a ver com isto? Creia: quem está tão em evidência quanto eu, mesmo em matéria de virtude, é preciso ver como age. vossa mercê não poderá crer o trabalho que tenho; e, pois o faço para servir a Deus, Sua Majestade em meu lugar cuidará de vossa mercê e de seus interesses.

Ela ma guarde, que me estendi muito, e já tocaram as Matinas. Asseguro-lhe, com toda verdade, que, ao ver uma coisa boa nas noviças que entram aqui, penso logo em vossa mercê e em Beatriz, porém nunca ousei tomar, nada, nem ainda pagando com meu dinheiro.

Sua,

Teresa de Jesus, Carmelita.

25. A D. Lorenzo de Cepeda em Quito

Toledo, 17 de janeiro de 1570. Alegra-se com a próxima viagem de D. Lorenzo à Espanha. Dá-lhe notícias dos Conventos fundados até aquela data. Facilidade que encontrará em Ávila para educação de seus filhos. Agradece o dinheiro chegado em ocasião oportuna. Santa morte da esposa de D. Lorenzo.

Jhs

Esteja sempre o Espírito Santo com vossa mercê. Amém. Por quatro vias escrevi a vossa mercê; em três delas ia também carta para o senhor Jerónimo de Cepeda, e, como é impossível que alguma não lhe tenha chegado, não responderei a tudo o que vossa mercê me pergunta na sua carta. Por isso nada mais direi agora a respeito da boa resolução que Nosso Senhor lhe pôs na alma. Pareceu-me muito acertado e fez-me louvar a Sua Majestade. Em suma, pelas razões que vossa mercê me diz, entendo pouco mais ou menos os outros motivos que pode haver, e, espero em Nosso Senhor, será sua vinda muito para a glória de Deus. Em todos os nossos mosteiros temos feito oração muito particular e contínua neste sentido; e, pois o intento de vossa mercê é servir a Nosso Senhor, Sua Majestade no-lo traga com segurança e disponha o que for mais proveitoso à sua alma e à desses meninos.

Como escrevi a vossa mercê, são seis os Conventos já fundados, além de dois de frades, também Descalços, de Nossa Ordem. Considero isto grande mercê do Senhor, porque vão muito adiante na perfeição, tanto estes como os de monjas, todos com o mesmo espírito de São José de Ávila, que parecem uma só coisa. E muito me anima ver como em todos Nosso senhor é louvado de verdade e com grande pureza de alma.

Presentemente estou em Toledo. Fará um ano, nas vésperas de Nossa Senhora de Março, que cheguei aqui; apenas tive de ir a uma vila de Rui Gómez, que é príncipe de Éboli, onde fundamos um mosteiro de frades e outro de monjas, que vão muito bem. Voltei para terminar o que faltava e deixar esta casa bem organizada, que, segundo vejo, será uma das principais. E tenho passado bem melhor de saúde este inverno, porque o clima desta terra é admirável; e, a não haver outros inconvenientes (porque não conviria estabelecer-se vossa mercê aqui por causa de seus filhos), dá-me vontade algumas vezes de o ver morar aqui em Toledo, por ser tão bom o clima. Mas há lugares em territórios de Ávila onde vossa mercê poderá passar os invernos, como assim fazem alguns. Quanto a meu irmão Jerónimo de Cepeda, penso que estará aqui com mais saúde, quando Deus o trouxer de volta. Tudo é como Sua Majestade quer, pois, creio, de quarenta anos para cá nunca tive tanta saúde, apesar de cumprir a Regra como todas e jamais comer carne, a não ser em grande necessidade.

Há cerca de um ano tive umas febres quartãs, que até me deixaram melhor. Estava na fundação de Valladolid, e só me faltava sucumbir sob o peso dos agrados da senhora D. María de Mendoza, viúva do Secretário Cobos1, que me quer muito. Deste modo, o Senhor, quando vê que é necessário para nosso bem, dá saúde; e quando não, manda enfermidade. Seja por tudo bendito. Tive pena de estar vossa mercê doente dos olhos, pois é coisa penosa. Glória a Deus que tenha melhorado tanto.

Juan de Ovalle já escreveu a vossa mercê, dando-lhe conta de como foi daqui a Sevilla. Um amigo meu encaminhou tão bem o negócio, que no mes­mo dia de sua chegada recebeu a prata e trouxe-a para aqui, onde será tro­cada em moeda corrente até o fim deste mês de janeiro. Em minha presença, fizeram a conta dos impostos a pagar; junto com esta carta lha enviarei. Não pouco trabalho me deu, mas, com estas casas de Deus e da Ordem, fiquei tão sabida e esperta em negócios, que já entendo de tudo, e assim trato dos de vossa mercê como se fossem da Ordem, e folgo de com isto lhe ser útil2.

Antes que me esqueça. Saiba que, depois de minha última carta a vossa mercê, morreu, há pouco, o filho de Cueto3, bem moço. Não há que fiar desta vida; assim me consolo de cada vez que me lembro de como vossa mercê já está bem convencido desta verdade.

Terminando minhas ocupações aqui, é meu desejo voltar a Ávila, porque ainda sou Priora de lá, para não contrariar o Bispo4, a quem devo muito, assim como toda a Ordem. Não sei o que o Senhor fará de mim, talvez tenha de ir a Salamanca, onde me oferecem uma casa. Deveras me canso, mas é tanto o proveito que fazem estes mosteiros nos lugares onde estão fundados, que sou obrigada em consciência a fundar quantos puder. O Senhor me tem favorecido, e com isto me animo.

Esqueci-me de escrever nas outras cartas a boa oportunidade que há em Ávila para educar esses meninos. Os Padres da Companhia têm colégio, onde ensinam gramática, confessam os alunos de oito em oito dias e os criam tão virtuosos que é para louvar a Nosso Senhor. Também há curso de filosofia e depois de teologia em Santo Tomás, de modo que não há necessidade de ir a outra parte para o que diz respeito a virtudes e estudos. Há muita cristandade em todo o povo, e assim as pessoas que vêm de fora se edificam, achando muita prática de oração e de confissões, e pessoas seculares que levam vida de muita perfeição.

O bom Francisco de Salcedo vai bem. Muito me penhorou ter vossa mercê enviado tão valiosa lembrança a Cepeda5. É um santo. Creio não exagerar chamando-o assim; ele não sabe como agradecer-lhe. Pedro del Peso, o Velho, morreu haverá um ano: aproveitou bem da vida. Ana de Cepeda apreciou muito a esmola que vossa mercê lhe mandou; com isto ficará rica, pois outras pessoas também a protegem por ser tão virtuosa. Não lhe faltaria onde estar, mas é de gênio esquisito e não serve para viver com outros. Deus a leva por esse caminho, e por isso nunca me atrevi a recebê--la em algum destes nossos conventos; não por falta de virtude, mas por ver que seu modo de vida é o melhor para ela. Não ficará nem com a senhora D. María6 nem com outra pessoa; sozinha como está, vive muito bem. Parece que nasceu para ermitã, mas sempre com aquela bondade que lhe é própria, vivendo com grande penitência.

O filho da senhora D. María, minha irmã, e de Martin de Guzmán, professou e vai adiante na santidade de seu estado. D. Beatriz e sua filha morreram ambas, como já escrevi a vossa mercê. D. Madalena, que era a mais nova, está num mosteiro, como secular. Muito quisera eu que a chamasse Deus para monja. É muito linda. Há muitos anos não a vejo. Há pouco propuseram-lhe um casamento com um morgado, viúvo; não sei em que vai parar7.

Já escrevi a vossa mercê dizendo como veio em boa hora seu presente à minha irmã. Tenho-me admirado dos trabalhos que, por falta de meios, lhe tem dado o Senhor e tudo sofreu tão bem que agora lhe quer Sua Majestade dar algum alívio. Quanto a mim, nada me falta, antes tenho de sobra; e assim, da esmola que vossa mercê me envia para mim, parte será para minha irmã, e o demais se empregará em boas obras, tudo em intenção de vossa mercê. Por certos escrúpulos que eu tinha, veio-me em boa hora a sua oferta; porque, com estas fundações, apresentam-se alguns casos a resolver, e eu, embora tenha muito cuidado de tudo gastar só com os mosteiros, talvez pudesse não ter sido tão pródiga em remunerar as consultas aos letrados, aos quais sempre recorro nas dúvidas de consciência. Enfim, são ninharias; contudo foi para mim grande alívio o não ter de recorrer a outros e, embora não faltasse a quem, prefiro ter liberdade com esses senhores para lhes poder dizer meu modo de pensar. Está o mundo tão perdido em matéria de interesse, que aborreço totalmente qualquer tipo de propriedade, e, assim, nada guardarei. Dando uma parte à Ordem, ficarei com liberdade de dar o resto, como disse acima, pois tenho ampla licença do Geral e do Provincial, tanto para receber postulantes, como para mudá-las, e para ajudar a uma casa com o que é das outras8.

Não sei como explicar o crédito que tenho com esta gente; é tanta a confiança, ou, por melhor dizer, a cegueira, que chegam a me fiar mil e até dois mil ducados. E assim, tendo eu agora aborrecimento, tanto a dinheiros como a ne­gócios, quer o Senhor que não trate de outra coisa; e não é pequena cruz. Praza à Sua Majestade Lhe preste eu algum serviço, pois tudo algum dia terá fim.

Deveras me parece que, estando vossa mercê aqui, hei de ter alívio; é o que não encontro em quase todas as coisas da terra. Quer porventura Nosso Senhor conceder-me este: que nos juntemos para procurar sua maior honra e glória e algum proveito das almas. Isto é o que muito me faz sofrer: o considerar quantas se perdem, em particular esses índios, que não me custam pouco. O Senhor lhes dê luz. Por aqui como por lá, há muita desventura. Como ando por tantos lugares e muitas pessoas me falam, não sei muitas vezes o que pensar, senão que somos piores que animais, pois não entendemos a grande dignidade de nossa alma, rebaixando-a a coisas tão baixas como são as da terra. O Senhor nos dê luz!

Com o Pe. Frei García de Toledo, que é sobrinho do Vice-rei9 – pessoa que me faz muita falta aqui para minhas consultas –, poderá vossa mercê tratar. E, se tiver necessidade de algum favor do Vice-rei, saiba que é muito cristão, e foi grande felicidade para nós ter ele querido ir às Índias. De todas as vezes em que escrevi a vossa mercê, incluí uma carta para Frei García, e em cada uma enviei relíquias para a viagem de vossa mercê; muito desejo que lhe tenham chegado às mãos.

Não tencionava alongar-me tanto. Desejo que entenda que foi mercê de Deus dar tal morte à senhora D. Juana10. Aqui a temos encomendado a Nosso Senhor, e fizeram-se exéquias em todos os nossos mosteiros. Espero em Sua Majestade que já não terá mais necessidade de sufrágios. Muito procure vossa mercê não se entregar à dor. Veja bem: é próprio de quem não se lembra de que há vida para sempre o sentir tanto a partida dos que na realidade vão viver, saindo de tantas misérias.

A meu irmão o senhor Jerónimo de Cepeda muito me recomendo, pedindo-lhe que tenha por sua esta carta. Muito me alegrou o dizer-me vossa mercê que também ele se prepara com intenção de vir para cá, daqui a alguns anos, se puder. Quisera eu que, se houvesse possibilidade, não deixasse lá seus filhos, a fim de nos reunirmos aqui, e nos ajudarmos mutuamente até um dia estarmos juntos para sempre.

É hoje 17 de janeiro. Ano de 1570.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

Das Missas encomendadas, muitas já foram ditas; as demais também o serão.

Recebi uma noviça sem dote, e até a cama lhe quis dar, oferecendo a Deus esta esmola para que me traga com segurança a vossa mercê e a seus filhos. A eles me recomendo. O mesmo vou oferecer pelo senhor Jerónimo de Cepeda. Muitas recebo assim, desinteressadamente, só fazendo questão de que sejam espirituais; e o Senhor provê mandando outras com cujo dote se vão fazendo as obras.

Em Medina entrou uma jovem que trouxe oito mil ducados11; e outra, que tem nove mil, está querendo entrar aqui. Da minha parte nada peço; e são tantas que é para louvar a Deus. Em começando alguma a ter oração, já não quer outra coisa, a modo de dizer, senão enclausurar-se nestas casas. São apenas treze em cada Convento, porque sem fazer peditório como é de Constituição, e vivendo apenas das esmolas que espontaneamente nos trazem à portaria – e já é ter muita confiança! –, não é admissível serem muitas. Creio que vossa mercê há de gostar de ver estas casas. Ninguém pede conta nem tem que ver com as esmolas que recebemos, a não ser eu, e assim é mais trabalho para mim.

Ao senhor Pedro de Ahumada envie vossa mercê, da minha parte, muitas recomendações; e, porque saberá de mim por vossa mercê, e disponho de tão pouco tempo, não lhe escrevo hoje. Estou muito preocupada com Agostinho de Ahumada, por não saber como vai indo com Nosso Senhor; estes mesmos cuidados ofereço em sua intenção. Ao senhor Hernando de Cepeda me recomendo. Uma filha de sua irmã casou-se agora vantajosamente.

26. A Frei Antonio de Segura, Guardião dos Franciscanos Descalços (Alcantarianos)
de Cadalso de los Vidrios

Toledo, na quaresma de 1570. Queixa-se de que a tenha esquecido           o Padre Guardião. recomenda-lhe Frei Juan de Jesus, seu sobrinho.

Jhs

Esteja com vossa mercê o Espírito Santo, Padre meu. Não sei como encarecer quão pouco se há de ter apoio em coisa que ainda é deste mundo, e contudo não me acabo de convencer. Falo assim porque nunca pensei que vossa mercê se viesse a esquecer tanto de Teresa de Jesus; e, estando tão perto, não se lembre dela. Bem o mostra vossa mercê porque, tendo passado por aqui, não veio lançar a bênção a esta sua casa.

Escreveu-me há pouco o Pe. Julián de Ávila, que está vossa reverência como Guardião aí em Cadalso, de modo que, se vossa reverência tivesse algum interesse de saber de mim, de vez em quando teria minhas notícias. Praza ao Senhor não me esqueça também em suas orações, se eu tiver certeza delas, passarei por cima do resto; quanto a mim, ainda que miserável, não deixo de pedir por vossa reverência.

Escreveu-me igualmente o Pe. Julián que meu sobrinho1 vai para aí, embora só de passagem. Se ainda não partiu, suplico a vossa reverência que lhe man­de escrever-me extensamente contando-me como vai, interior e exteriormen­te, pois, segundo o ocupa em viagens a obediência, ou estará muito aproveitado, ou distraído. Deus lhe dê forças, pois não o tratam como eu esperava que fizessem por ser gente minha. Se for necessário interceder junto de algum Prelado, avise-me vossa mercê, pois, tendo eu a amizade da senhora D. María de Mendoza e de outras pessoas semelhantes, será fácil providenciar para que haja cuidado de deixá-lo sequer por algum tempo sossegar um pouco.

Se, de caminho, vossa reverência tiver de passar por aqui, veja bem que não deixe de visitar esta sua casa. Para o Céu nos encaminhe o Senhor. Eu estou bem e tudo vai correndo a contento, glória a Deus. Por não saber se ele aí está, não escrevo a Frei Juan de Jesús. Sua Majestade lhe dê forças interiores, de que bem necessita, e esteja com vossa mercê.

Indigna serva de vossa reverência e filha,

Teresa de Jesus, Carmelita.

Nosso Padre Fr. Bartolomeu de Santa Ana durante toda esta Quaresma estará com a senhora D. Luisa em Paracuellos2.

27. A Diego de San Pedro de Palma, em Toledo

Toledo, 15 de julho de 1570. Dá-lhe notícia da tomada de hábito de suas duas filhas. Diz-lhe que deve dar graças a Deus por este benefício.

Jhs

Esteja sempre com vossa mercê o Espírito Santo. Sabendo eu que estas nossas Irmãs, filhas de vossa mercê, desejam há tempos o sagrado hábito de Nossa Senhora e que vossa mercê não é contrário ao desejo delas, determinei-me hoje a admiti-las, vendo o espírito e fervor com que mo pediam. Entendo que será para glória de Nosso Senhor1.

Suplico a vossa mercê, por caridade, o haja por bem e considere a graça que lhe faz Sua Majestade em escolher por esposas suas as filhas que lhe deu. Estão cheias de consolação; só as preocupa o pesar de Vossas Mercês. Por amor de Nosso Senhor, não dêem demonstração de algum sentimento que sirva para inquietar estas almas tão próprias para este nosso santo estado. Vossas Mercês as terão aqui para seu consolo, talvez melhor que em outra parte, e a todas as Irmãs desta casa considerar por servas e capelãs.

Esteja Nosso Senhor com a alma de vossa mercê para sempre e o tenha de Sua mão. Amém.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

28. A Diego Ortiz

Toledo, em meados de agosto de 1570. Sobre algumas cláusulas demasiadamente pesadas, com que este cavaleiro onerava a fundação de Descalças, especialmente em relação ao canto.

Jhs

Nosso Senhor dê a vossa mercê sua divina graça. Muito tenho desejado estar com vossa mercê nestes últimos tempos, como lho mandei pedir; mas, visto vossa mercê não me ter feito esta caridade, e aproximando-se minha partida, que penso será amanhã, determinei dizer a vossa mercê o que outro dia começamos a tratar acerca das Missas cantadas nos domingos e festas. Reparei mais tarde que não tinha prestado bastante atenção a este ponto quando falei a vossa mercê, por não julgar necessário entrar em pormenores. Pareceu-me estar claro o fim que eu tinha visado quando se fez esta escritura; mas dizem-me agora que tudo deve ficar bem declarado.

Foi minha intenção que os senhores Capelães tivessem o encargo de cantar Missa nos dias de festa, porque nestes já assim mandam as nossas Constituições, não porém forçando as monjas a cantá-las, pois, por sua Regra, podem ou não fazê-lo, e as Constituições não obrigam sob pena de pecado. Veja agora vossa mercê se lhes posso impor este peso. Por coisa nenhuma o farei; aliás, nem vossa mercê nem outra qualquer pessoa exigiu tal condição: fui eu mesma que assim deixei assentado, para nossa comodidade. Se no que escrevi houve erro, não é razoável exigir delas à força aquilo que são livres de fazer ou não; e, pois todas têm vontade de servir a vossa mercê, e de cantarem de ordinário as Missas, suplico, a vossa mercê que, em algum caso justo, haja por bem deixá-las gozar de sua liberdade. Suplico a vossa mercê perdoe escrever-lhe por mão alheia; deixaram--me enfraquecida as sangrias, e a cabeça não dá para mais nada. Nosso Senhor guarde a vossa mercê.

Muito me contentou o senhor Martin Ramírez. Praza ao Senhor fazê--lo grande servo de Deus, e guarde a vossa mercê para remédio de todos. Grande favor me fará vossa mercê deixando claramente explicado este ponto das Missas; e, já que se cantam quase diariamente sem haver obrigação por parte das Irmãs, razão será que vossa mercê nos livre de qualquer escrúpulo e dê gosto a essas Irmãs e a mim em coisa de tão pouca importância, na certeza de que todas temos desejos de servir a vossa mercê.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

29. A D. Catalina Hurtado1, em Toledo

Ávila, 31 de outubro de 1570. Agradece a manteiga, marmelos e outros presentes enviados ao Convento.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê e a guarde à minha afeição, amém! pagando-lhe ao mesmo tempo o cuidado que tem de agradar--me. A manteiga era ótima, como vinda da mão de vossa mercê, que em tudo me favorece; aceito-a e espero que se lembre de mim quando tiver dessa tão boa, que me faz muito proveito. Estavam também muito bonitos os marmelos; dir-se-ia que não tem vossa mercê outro cuidado senão de me agradar. Maior agrado foi para mim receber a carta de vossa mercê e saber que está bem; eu agora não estou muito bem, pois me deu uma dor de dentes e fiquei com o rosto um pouco inchado. Por este motivo não escrevo do próprio punho. Penso que não terá importância.

Encomende-me vossa mercê a Deus, e não pense que me dá pouco prazer o ter tal filha; assim a tenho considerado até agora e a considerarei sempre, e não me esquecerei de encomendá-la a Deus; as Irmãs fazem o mesmo. Desta casa todas beijam as mãos de vossa mercê, em particular a Madre Subpriora2, que lhe é muito grata. Encomende-a a Deus, que não anda com saúde. O Senhor me guarde a vossa mercê e lhe dê seu santo espírito.

De outubro, no último dia do mês.

Às orações dessas senhoras suas irmãs me recomendo muito. Ao enfermo, praza Deus dar saúde, como lhe suplicarei; e o mesmo peço para vossa mercê, minha filha.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

30. A Alonso Álvarez Ramírez, em Toledo

Alba de Tormes, 5 de fevereiro de 1571. Alegra-se de que a capela das Descalças tenha ficado tão bem provida de Capelães. Sobre a transladação dos restos de Martin Ramírez. Não se esqueça de pôr S. José sobre a porta da capela.

Jesus esteja com vossa mercê. Tivesse eu tanto tempo quanto vossa mercê para escrever, não teria tão pouco cuidado de fazê-lo, pois de encomendar vossa mercê ao Senhor não me descuido. Tenho-me conformado, porque por outras vias me dão notícias de sua saúde. Nosso Senhor lha dê, conforme seu poder e meu desejo, e conserve vossa mercê, o senhor Diego e a senhora Francisca Ramírez, para gozarem de obra tão decorosa como, me dizem, está agora essa igreja com os seus capelães. Seja Deus louvado para sempre!

Alegrei-me por ter nosso Reverendíssimo Geral feito o negócio tão sabiamente. É sábio e santo. Deus o guarde. Sua Majestade vê como de boa vontade me teria demorado mais tempo nessa casa. Desde que parti, asseguro a vossa mercê, não sei se tive algum dia sem muitos trabalhos. Dois mosteiros se fundaram, glória a Deus!, e isto foi o menos. Praza a Sua Majestade contribuam eles de algum modo para seu serviço1.

Não entendo a causa de não transladarem para aí o corpo do senhor Martin Ramírez – que esteja na Glória, como desejo e suplico ao Senhor. Faça-me vossa mercê saber a razão, eu lho rogo, e também se foi adiante o que vossa mercê tinha combinado fazer, segundo me participou há algum tempo. Ó Senhor, quantas vezes, nos contratos que se me oferecem aqui, tenho tido saudades de vossa mercê! Ponho-me a bendizê-lo, juntamente com os seus, porque quando dizem Vossas Mercês alguma coisa, ainda que seja de brincadeira, pode-se ter por certa! Nosso Senhor os guarde muitos anos, e permita-me vê-los para minha consolação, porque os amo deveras no Senhor.

Seria justo que o senhor Diego Ortiz me escrevesse uma vez por outra. Quando vossa mercê não quiser, mande-lhe que o faça em seu lugar. Beijo--lhe muito as mãos, e à senhora Francisca Ramírez, e recomendo-me aos nossos anjinhos2. Guarde-os Nosso Senhor, especialmente o nosso patrono, e tenha a vossa mercê de Sua mão, dando-lhe todos os bens, como lhe suplico. Amém.

É hoje 5 de fevereiro.

Esquecia-me de dizer que Juan de Ovalle e minha irmã beijam as mãos de vossa mercê. Não se cansa Juan de Ovalle de dizer o que a vossa mercê deve. Que direi eu?

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

Da caridade que vossa mercê me faz em regalar tanto a Isabel de São Paulo, nada digo, porque é tanto o que a vossa mercê devo, que ao Senhor confio a gratidão e a paga. Grande esmola é essa; por tudo bendito seja o Senhor. Ao senhor Diego Ortiz peço dizer que suplico a Sua Mercê não se descuide tanto de pôr a meu Senhor S. José na porta da igreja.

31. A Diego Ortiz

Salamanca, 29 de março de 1571. Sobre a fundação de Toledo e a igreja em construção para as Descalças. Piedosas lembranças para a família de Diego Ortiz.

Jhs

O Espírito Santo esteja na alma de vossa mercê e pague-lhe o favor e a caridade que me fez com sua carta. Não seria perder tempo escrever-me vossa mercê com mais freqüência, pois talvez fosse de proveito para nos animar no serviço de Nosso Senhor. Sua Majestade sabe que bem quisera eu estar por essas bandas; por isso me dou muita pressa em comprar casa aqui, mas embora haja muitas e baratas, não é coisa fácil. Espero, em Nosso Senhor, concluir breve, e não me havia de dar pouca pressa, se unicamente atendesse ao meu gosto e ao desejo de ver o senhor Alonso Ramírez. A Sua Mercê e à senhora D. Francisca Ramírez beijo as mãos.

Não é possível que Vossas Mercês não tenham muita consolação com a sua igreja, porque a mim me cabe aqui grande parte, pelas boas notícias que me têm chegado. Permita Nosso Senhor que dela gozem muitos anos, servindo-O tão bem quanto Lho suplico. Entregue tudo vossa mercê a Sua Majestade, e deixe-o fazer; não queira tão depressa ver tudo pronto. Já não é pouco o que nos permitiu realizar nestes dois anos.

Não entendo o que me escrevem sobre o pleito entre os capelães e o cura; este deve ser o de Santa Justa1. Suplico a vossa mercê me informe do que se trata.

Não escrevo ao senhor Alonso Ramírez por não haver motivo para o cansar, tendo-me eu entendido com vossa mercê. A Nosso Senhor suplico (já que não posso retribuir o que devo a Vossas Mercês) que a todos pague e os guarde muitos anos; e a esses anjinhos faça muito santos, em especial ao meu patrono, pois é preciso que o seja; e a vossa mercê tenha sempre em sua Mão. Amém.

É hoje dia 29 de março.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

32. A Diego de Ortiz, em Toledo

27 de maio de 1571. Trata de regular algumas obrigações que tencionava impor às Descalças na fundação de Toledo.

Jhs

A graça do Espírito Santo seja com vossa mercê. Amém. Faz-me vossa mercê tanta caridade e graça com suas cartas, que ainda mesmo no caso de ser muito mais rigorosa a sua última, eu lhe ficaria agradecida e ainda com maior obrigação de o servir. Diz vossa mercê haver-me escrito pelo Pe. Maríano1 para me convencer das razões que lhe assistem no que pede. vossa mercê as sabe dar muito boas e encarecer bem o que quer, e por isso não me iludo: as minhas terão pouca força. Sendo assim, não pretendo defender-me com argumentos, senão, como quem tem um pleito malparado, sujeitá-lo a um árbitro, e pô-lo nas mãos de vossa mercê, lembrando-lhe que está mais obrigado a favorecer sempre as suas filhas, que são órfãs e menores, do que aos Capelães. Pois, em suma, tudo é de vossa mercê, e muito seu; e o mosteiro com as que nele estão mais lhe pertence do que esses, que, segundo vossa mercê refere, vão com vontade de acabar depressa, e alguns deles não têm lá muito espírito.

Muito favor me faz vossa mercê em haver por bem o que lhe escrevi acerca das Vésperas; é um ponto em que eu não o poderia contentar. No demais, já escrevi à Madre Priora2, enviando-lhe juntamente a carta de vossa mercê, para que ela execute o que nela está determinado. Talvez deixando tudo nas suas mãos e nas do senhor Alonso Álvarez, lucraremos mais. Lá o combinem entre si. Beijo a Sua Mercê as mãos muitas vezes. Grande pena tive de saber da dor de lado que teve; aqui a oferecemos ao Senhor, rezando ao mesmo tempo por Vossas Mercês e esses anjos. Deus os faça seus, e os guarde.

Uma coisa me parece notavelmente prejudicial e pesada às Irmãs: é que nos dias em que alguém manda celebrar alguma Missa festiva, seja esta antes da nossa conventual, que é solene; especialmente se houver sermão na primeira, não sei como se há de obedecer ao nosso horário. Para Vossas Mercês não importa muito que nestes dias a Missa da festa seja a principal, e a da capelania seja rezada e um pouco antes; isto, aliás, é raro. Ceda vossa mercê em algum ponto do que tinha em vista e, mesmo que seja em dia festivo, faça-me esse favor, desde que não se trate daquelas que Vossas Mercês mandam celebrar. Vejam que é coisa sem importância; assim farão às Irmãs esmola e benefício, e a mim obrigarão muito.

Depois de ter despachado a carta de Nosso Padre Geral, lembrei-me: não havia necessidade de lhe ter escrito, porque é muito mais firme qualquer coisa que o Padre Visitador1 determinar: é como se o fizesse o Sumo Pontífice, e nenhum Geral, nem mesmo o Capítulo Geral, o pode desmanchar. É muito avisado e letrado o Padre Visitador, e gostará vossa mercê de tratar com ele. Penso que neste verão, sem falta, fará visita canônica; então se poderá assentar com toda firmeza as cláusulas que vossa mercê quiser; e o mesmo lhe suplicarei eu aqui. Enfim, não me apartarei de tudo quanto vossa mercê vir que é melhor para ficar mais firme, e no que estiver em minhas mãos darei gosto a vossa mercê. Lastimo não estar aí para de mais perto lhe mostrar minha boa vontade. Às orações da senhora D. Francisca Ramírez muito me encomendo. Estou já sem febre, glória a Deus.

Bem pode vossa mercê escrever-me o que lhe aprouver, pois, como conheço a intenção com que o diz, só fico pesarosa quando dou pesar a vossa mercê; porque, asseguro-lhe, não quisera que nem eu nem alguma desta casa lhe fosse motivo de desgosto. Aliás não me dei por ofendida, nem me darei jamais por coisa que vossa mercê me diga. Dê-lhe Nosso Senhor tantos bens espirituais quanto suplico a Sua Majestade, e tenha sempre vossa mercê em sua Mão.

É hoje domingo depois da Ascensão.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

33. Ao Senhor García de San Pedro, em Toledo

Medina del Campo, setembro de 1571. Felicita a uma religiosa pela sua tomada de véu. Como deve proceder a porteira nos conventos das Descalças.

... havia de dar os parabéns ...ta parte com vossa mercê, e, assim, tanto me alegrei com uma coisa quanto com a outra. A Irmã que recebeu há pouco o véu visite vossa mercê quando puder, em meu nome; fale bem demoradamente com ela e peça-lhe que me encomende ao Senhor e reze por estes negócios da Ordem. Nosso Senhor atenda às minhas orações e a faça muito santa, e a senhora D. Catalina também... vossa mercê minhas saudações1.

É causa de singular mortificação para mim o ver a fama que corre de nossa pobreza e estarmos muito regaladas, pois, como saberá pelas Irmãs, o estamos deveras enquanto ao comer, e muito v... (e a casa) bem acomodada. Algumas coisinhas..., não de maneira, quisera eu a façam muito...; de tudo nos há de sobrar, que muito... e o enviamos aos Irmãos... Frei Gregório2 que está... aí... dizem... saúde; não era preciso.

Creio que Beatriz há de fazer honra a vossa mercê que tanto se interessa por seu aproveitamento. Muito me consolo por vossa mercê e a Madre Priora dizerem que ela não lhes dá preocupação. Disse-me Sua Reverência, que ela na roda é de poucas palavras. Diga-lhe vossa mercê, pois me esqueci de escrever-lhe, que a deixe assim: é grande virtude para as porteiras destas casas. Aqui tirei a Alberta toda liberdade de falar: só pode ouvir e responder; e quando lhe dizem ou perguntam outra coisa, responde que não tem licença. Com isto se edificam mais os seculares do que com muito falatório3.

Como acabo de escrever extensamente à Madre Priora, porque tive hoje a felicidade de não ter outras cartas e assim o pude fazer, e ela... vossa mercê o que aqui falta, apenas lhe su(plico) não me deixe de escrever alguma vez, que me... muito. Dê o Senhor a vossa mercê o que desejo. Amém.

Indigna serva e filha de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

34. A D. Catalina Balmaseda

Medina del Campo, 5 de outubro de 1571. Anuncia-lhe que foi admitida para receber o hábito nas Descalças de Medina.

Jhs

Filha minha e senhora minha: Mais vale quem Deus ajuda, do que quem cedo madruga. Anuncio a vossa mercê a sua admissão nesta casa, com muito gosto de todas as Irmãs. Quisera eu dar-lhe o hábito antes de minha partida, porém não é possível, porque partirei muito cedinho. Depois nos veremos.

Serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

35. A D. Guiomar Pardo de Tavera, em Paracuellos

Encarnação de Ávila, 22 de outubro de 1571. Consola
D. Guiomar por desgostos de família recentemente ocorridos. Recados a D. Luisa de La Cerda, sua mãe.

Jhs

O Espírito Santo seja com vossa mercê. Não quis o Senhor que fosse completa a minha alegria ao receber a carta de vossa mercê, pois o assunto dela tirou-me o contentamento. Por tudo seja Deus bendito!

Bem se deixa ver que Ele nessa casa é amado, pois de tantas maneiras lhes envia trabalhos para que, pela paciência com que os suportam, possa fazer-lhes maiores mercês. Destas, uma das principais será que vão entendendo o pouco apreço que se há de ter por vida tão perecedora, como a toda hora estamos vendo, e com isto amem e procurem a que nunca há de acabar. Praza a Nosso Senhor dê saúde à minha senhora D. Luisa e ao senhor D. Juan1, segundo aqui Lho suplicamos.

A vossa mercê rogo que, em havendo melhoras, me tire o pesar que me deu agora. Às orações de minhas senhoras D. Isabel e D. Catalina me recomendo. A vossa mercê suplico tenha ânimo a fim de o infundir à minha senhora D. Luisa2. Por certo que permanecer mais tempo nesse lugar seria tentar a Deus.

Sua Majestade tenha a vossa mercê de sua Mão e lhe dê todo o bem que lhe desejo, e ao mesmo Senhor suplico, amém. E à minha senhora D. Catalina igualmente.

É hoje 22 de outubro.

Neste mesmo dia recebi a carta de vossa mercê.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

36. A D. María de Mendoza, em Valladolid

Encarnação de Ávila. Outubro de 1571. Acerca de alguns assuntos de suas fundações. Elogio do Padre Visitador das Descalças. Priorado do Pe. Báñez.

Jesus esteja com Vossa Senhoria. Quando me deram a carta de Vossa Senhoria já lhe tinha eu escrito esta que vai inclusa. Beijo as mãos de Vossa Senhoria muitas vezes pelo cuidado que tem de me honrar com suas notícias; não é coisa nova. Muito pouca saúde tenho tido depois que aqui me acho, mas já estou boa, e como tenho aqui a sua senhoria D. Alvaro, tudo vai bem. Todavia melhor fora se, além desta consolação, tivesse eu a de estar também com Vossa Senhoria, com quem tivera a tratar muitas coisas para meu alívio. Não creio, porém, que o possa fazer com a brevidade que imaginava, e isto por algumas causas.

Pelo que me disseram, Vossa Senhoria tudo poderá tratar com o Padre Visitador, e disto muito me alegro. É muito dedicado a Vossa Senhoria; gostei de ver a afeição com que fala a seu respeito, e assim, creio, em tudo fará quanto Vossa Senhoria mandar. Suplico a Vossa Senhoria lhe mostre muita benevolência e o trate com o favor de que costuma usar com pessoas de tal categoria; porque atualmente o temos por nosso Prelado maior, e sua alma deve merecer muito diante de Nosso Senhor.

No que diz respeito a conservarmos essas noviças, já vejo o benefício que Vossa Senhoria me faz. Como me escreve o Pe. Suárez, da Companhia, que está encarregado de falar com elas e dar-lhes informações sobre a nossa religião, se forem próprias para nossa vida não há por que protelar a entrada: peçam licença ao Padre Provincial, e Vossa Senhoria mande que sejam admitidas. Se julgarem melhor, podem pedi-la ao Padre Visitador, que a dará logo. Com ele me entendo melhor do que com o Padre Provincial1, que não me quer responder, por mais que lhe escreva.

Fiquei pesarosa com o que sofre minha senhora Abadessa. Seja Deus bendito, que, de um ou de outro modo, nunca falta a Vossa Senhoria algum penar. Aqui todas pedimos a Deus, tanto por ela como por Vossa Senhoria; e não tem necessidade de o mandar, havendo despertador tão bom quanto o é amor. Praza a Nosso Senhor que nada seja, e que Vossa Senhoria bem depressa fique boa. Estas Irmãs todas beijam as mãos de Vossa Senhoria muitas vezes.

Tenho sabido que anda Vossa Senhoria muito espiritual; não foi novidade para mim, porém folgaria de estar mais perto, e, se eu não fosse quem sou, teria gos­to de tratar das coisas de Deus com Vossa Senhoria. Este Padre Visitador me dá vida; penso que não se enganará a meu respeito, como fazem os outros, porque aprouve a Deus dar-lhe a entender como sou ruim, e a cada passo me apanha em imperfeições. Isto muito me consola, e até procuro dar--lhas a entender. Grande alívio é andar com clareza perante aquele que está em lugar de Deus; e como tal o considerarei durante todo o tempo em que o tiver por Prelado.

Saberá Vossa Senhoria que levam Frei Domingo como Prior a Trujillo onde foi eleito, e os de Salamanca mandaram emissário ao Padre Provincial com empenhos para que o não remova. Não se sabe ainda em que dará. É terra pouco propícia para sua saúde. Quando Vossa Senhoria vir o Padre Provincial dos Dominicanos, ralhe com ele porque passou tanto tempo em Salamanca e não me visitou. É verdade que não é dos meus maiores amigos. Já me estendi muito e receio cansar Vossa Senhoria. Pois lhe remeto, juntamente com esta, a outra carta, não há necessidade de mais; nem caí na conta disto, tanto me consola falar com Vossa Senhoria.

Indigna serva e súdita de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus, Carmelita.

37. A D. Luisa de La Cerda, em Paracuellos

Encarnação de Ávila, 7 de novembro de 1571. Consola D. Luisa em seus trabalhos. Recolhimento que reina na Encarnação de Ávila. Vaidade das coisas do mundo.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Senhoria. Três vezes escrevi a Vossa Senhoria desde que estou nesta casa da Encarnação, isto é, há pouco mais de três semanas: parece-me que nenhuma chegou às mãos de Vossa Senhoria. É tanta a parte que tomo aqui em seus trabalhos, que, juntando esta pena com os muitos que atualmente me afligem, já não preciso pedir mais a Nosso Senhor. Seja bendito por tudo! Bem se deixa ver que está Vossa Senhoria no número dos que hão de gozar de seu Reino, pois lhe dá a beber de seu cálice, com tantas enfermidades de Vossa Senhoria e dos que lhe são caros.

Li uma vez num livro que o prêmio dos trabalhos é o amor de Deus: por tão precioso ganho, quem não os amará? Assim suplico a Vossa Senhoria que o faça; considere como tudo acaba depressa, e com isto se vá desenganando de todas essas coisas que não hão de durar para sempre.

Já eu sabia quanto Vossa Senhoria estava passando mal, e ainda hoje procu­rei meios para saber de sua saúde. Bendito seja o Senhor, que Vossa Senhoria está melhor. Volte desse lugar, por amor de Deus, pois claramente se vê como para todos é contrário à saúde. Quanto à minha, está boa — seja Ele bendito! — em comparação do que costuma ser; é porque, sendo tantos os trabalhos, impossível seria agüentar os sofrimentos se não houvesse melhora no meu estado habitual. São tantas e tão for­çosas as ocupações de fora e de dentro de casa, que ainda para escrever esta carta tenho bem pouco tempo.

Nosso Senhor pague a Vossa Senhoria o favor e consolo que me proporcionou com a sua, pois lhe asseguro que bem necessidade tenho de algum alívio. Ó senhora! quem se viu no sossego de nossas casas e agora se acha metida nesta barafunda1. Não sei como se pode viver; de todas as maneiras encontro padecimento! Entretanto, glória a Deus! há paz — o que não é pouco, indo-lhes eu aos poucos tirando seus passatempos e liberdade, pois, embora sejam tão boas e por certo haja muita virtude nesta casa, mudar de costume é morte, como dizem. Levam-no bem e mostram-me muito respeito; mas, onde há cento e trinta, bem entenderá Vossa Senhoria o cuidado que será necessário para ordenar todas as coisas segundo a razão. Alguma preocupação me dão nossos mosteiros; mas, como vim para cá forçada pela obediência, espero em Nosso Senhor que não consentirá que eu faça falta, e terá cuidado deles. Parece que não está inquieta minha alma com toda esta Babilônia; e isto tenho por mercê do Senhor. O natural se cansa, mas tudo é pouco para o muito que ofendi a Sua Majestade.

Tive pesar com a notícia da morte da boa D. Juana2. Deus a tenha consigo; e certamente o fará, pois era muito Dele. Por certo, não sei como sentimos a partida dos que vão para terra segura, livrando-os Deus das vicissitudes e perigos deste mundo; é antes amar a nós mesmos do que àqueles que vão gozar do maior bem. A essas minhas senhoras me encomendo muito.

Asseguro a Vossa Senhoria que a trago bem presente; não era preciso fazer-se lembrada com sua carta, antes quisera eu estar um pouco menos atenta para não me ver tão imperfeita em sentir e partilhar as penas de Vossa Senhoria. Nosso Senhor lhe dê o descansar nos contentamentos eternos, já que aos desta vida, há muito tempo disse Vossa Senhoria adeus, conquanto in­timamente ainda não esteja muito convencida de que é boa paga o padecer. Dia virá em que Vossa Senhoria entenderá o lucro, e por nenhuma coisa o qui­sera ter perdido.

Muito consolada me sinto de estar aí meu Padre Duarte3. Já que não posso eu servir a Vossa Senhoria, alegro-me de que tenha quem tão bem a ajude a suportar seus trabalhos. Está o mensageiro esperando, e assim não me posso alargar mais senão para beijar a essas minhas senhoras muitas vezes as mãos.

Nosso Senhor tenha a Vossa Senhoria nas Suas, e a livre depressa dessas febres; Ele lhe conceda fortaleza para contentar em tudo a Sua Majestade, como Lho suplico. Amém.

Da Encarnação de Ávila, a 7 de novembro.

Indigna serva e súdita de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus.

38. A D. Isabel de Jimena, em Segóvia

Encarnação de Ávila, janeiro de 1572. Dá-lhe parabéns por sua resolução de tomar o hábito de Descalça e deixar seus haveres ao Convento onde professar.

Jhs

O Espírito Santo seja sempre com vossa mercê e lhe dê graça para entender o muito que deve ao Senhor, pois em riscos tão perigosos quanto o são a idade pouca, fortuna e liberdade, lhe dá luz para querer evadir-se deles; e o que a outras almas costuma espantar, isto é, penitência e encerramento e pobreza, foi ocasião para vossa mercê entender o valor deste último caminho, e o engano e perda que, de seguir o primeiro, lhe poderia vir. Seja o Senhor por tudo bendito e louvado!

Com isto facilmente me poderia vossa mercê persuadir de que é muito boa e própria para filha de Nossa Senhora, entrando nesta sagrada Ordem que lhe é consagrada. Praza a Deus vá vossa mercê tão adiante em seus santos desejos e obras, que não tenha eu de me queixar do Pe. Juan de León1, de quem recebi informações que me satisfizeram, e não quero outras; e tão consolada estou em pensar que há de ser vossa mercê uma grande santa, que só com a sua pessoa me daria por satisfeita.

Pague o Senhor a esmola que determinou fazer ao convento onde entrar; é bem grande, e pode vossa mercê ter muita consolação, pois cumpre o conselho do Senhor, dando-se a si mesma, e tudo quanto possui, aos pobres, por seu amor. E para o muito que vossa mercê tem recebido, não me parece teria correspondido fazendo menos do que faz; e, pois dá tudo o que pode, não dá pouco, nem será pequena a paga.

Pois vossa mercê já viu nossas Constituições e nossa Regra, não tenho mais a dizer senão que, se persistir vossa mercê nesta determinação, venha quando houver por bem e escolha aquela de nossas casas que lhe aprouver, pois nisto quero servir ao meu Pe. Juan de Léon. Verdade é que por meu gosto tomaria vossa mercê o hábito no Convento onde eu estivesse, pois desejo deveras conhecê-la. Tudo encaminhe Nosso Senhor como for mais para seu serviço e glória sua. Amém.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus Carmelita.

39. A D. Juana de Ahumada, em Galinduste,                   aldeia da jurisdição de Alba de Tormes

Encarnação de Ávila, 4 de fevereiro de 1572. Achaques e ocupações da Santa na Encarnação. Assuntos da família Ovalle em Alba e dos irmãos da Santa na América.

Jesus esteja com vossa mercê. Parece que estão no outro mundo quando se retiram a esse lugar. Deus me livre dele, e também deste onde estou, pois tenho pouca saúde quase desde minha chegada, e para não dar essa notícia a vossa mercê, gostei de não ter tido ocasião de lhe escrever. Antes do Natal deram-me umas febres; passei mal da garganta e por duas vezes fui sangrada e tomei purga. Desde antes de Reis tenho tido febres quartãs; contudo não sinto fastio, nem deixo de andar com a comunidade, nos dias em que não tenho o acesso, e assim vou ao coro e algumas vezes ao refeitório; espero não hão de durar. Como vejo quanto o Senhor tem feito e melhorado nesta casa, esforço-me para não ficar de cama, a não ser quando me dá a febre, a qual dura toda a noite. Os calafrios começam às duas horas da madrugada. mas não são violentos. No mais tudo vai bem, por entre tantas ocupações e trabalhos que não sei como se pode dar conta. O pior são as cartas. Para as Índias escrevi quatro vezes, pois está em vésperas de partir a frota.

Espanta-me ver como se descuida de mim vossa mercê, vendo-me com tantos trabalhos. Tendo sabido que o senhor Juan de Ovalle estava para chegar, esperava-o cada dia, porque, se ele fosse a Madrid, seria boa oportunidade para remeter por seu meio o que meu irmão1 me mandou pedir. Já não há tempo, nem sei o que pensar. Dir-se-ia que tudo lhes há de vir às mãos sem trabalho: por certo que isso a ninguém parece bem.

Disseram-me que o senhor Juan de Ovalle e o senhor Gonzalo de Ovalle se opõem a que se faça ao mosteiro cessão de uma ruelazinha; não o posso crer2. Não quisera eu que começássemos a inventar questões; sendo com mulheres parece mal, mesmo havendo ocasião, e seria de muito desdouro para esses senhores, especialmente tratando-se de religiosas minhas. Não creio, aliás, que elas conscientemente tenham dado motivo de queixa, a não ser que por simplicidade não se tenham sabido exprimir. Avise-me vossa mercê de como vão as coisas, porque, como digo, as Irmãs são novas e poderiam enganar-se. E não se aflija com minhas doenças, pois espero que não será nada; ao menos, pouco me estorvam, embora eu o pague caro.

Muita falta me faz aqui vossa mercê; sinto-me só. Como do Convento só aceito o pão, e mais nada, terei necessidade de alguns reais; procurem enviar-mos. A esses senhores beijo as mãos, e à minha Beatriz. Muito me alegraria se a tivesse aqui. Gonçalo já sei que está bem. Deus os guarde. Agustín de Ahumada está com o Vice-rei, assim me escreveu Frei García. Meu irmão casou duas sobrinhas, e muito vantajosamente; antes de seu regresso as deixará remediadas. Já vai dar meia-noite e estou bem cansada, e assim termino. Foi ontem dia de S. Brás; e anteontem de Nossa Senhora3.

De vossa mercê muito serva,

Teresa de Jesus.

40. A D. María de Mendoza, em Valladolid

Encarnação de Ávila, 7 de março de 1572. Pede desculpas a D. María por não lhe haver escrito antes, devido a seus achaques. Pobreza extrema da Encarnação e edificante recolhimento de suas monjas. Recusa, cortês e engenhosamente, receber nas Descalças duas jovens recomendadas.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa Senhoria. Amém. Muito me tenho lembrado de Vossa Senhoria neste tempo tão rigoroso, com receio de que o frio tenha feito mal a Vossa Senhoria; e penso que o não terá deixado de fazer. Seja Deus bendito, que nos havemos de ver na eternidade, onde não haverá mudanças de tempo. Praza a Sua Majestade passemos esta vida de maneira que possamos gozar de tão grande bem. Quanto a mim, tenho sido provada de tal maneira nesta terra, que não pareço ter nascido nela: creio que só tive mês e meio de saúde, logo ao princípio, por ver o Senhor que sem isto não se podia por então assentar coisa alguma; agora Sua Majestade faz tudo em meu lugar. Não me ocupo senão em regalar-me, especialmente de três semanas para cá, porque, além das quartãs, deu-me uma dor no lado e tive angina. Bastava um desses males para matar, se Deus assim fosse servido; mas não parece que algum haja capaz de fazer-me este benefício. Com três sangrias melhorei. Deixaram-me as quartãs; mas a febre não passa, e, assim, tomarei purgante amanhã. Estou já enfadada de me ver tão imprestável, que, a não ser para a Missa, não saio de meu canto, nem posso. Uma dor de dente, que tenho há cerca de mês e meio, é o que me faz sofrer mais.

Conto a Vossa Senhoria todos esses males para que não me julgue culpada por não ter escrito a Vossa Senhoria, e veja que tudo são mercês que o Senhor me faz, dando-me o que sempre Lhe peço. Certo é que a mim me parecia impossível, logo que aqui cheguei, agüentar tanto trabalho com minha pouca saúde e natureza fraca. Com efeito, há ordinariamente muitos negócios de assuntos que dizem respeito a esses mosteiros, além de outras muitas coisas, que, mesmo sem falar nesta casa, já me traziam cansada. É bem verdade, como diz S. Paulo, que tudo se pode em Deus. Dá-me este Senhor habitualmente pouca saúde, e com isto quer que eu faça tudo; chego a rir-me algumas vezes. Deixa-me sem confessor, e tão sozinha que nas minhas necessidades não tenho com quem tratar de modo a ter alívio; preciso andar com muita circunspecção.

Só para o que diz respeito ao conforto do corpo, não tem faltado quem me proveja, e com muita piedade; e do povo tenho recebido muitas esmolas, de sorte que da casa só aceito pão, e ainda isto o não quisera fazer. Já se está acabando a esmola que nos deu D. Magdalena; com esta, até agora, e com o que nos dão Sua Senhoria e algumas outras pessoas, temos custeado uma refeição para as mais pobres1.

Como já as estou vendo tão boas e sossegadas, tenho pena de presenciar seus sofrimentos, que são bem reais. É para louvar a Nosso Senhor a mudança que operou nelas. As mais duras são agora as mais contentes e muito minhas amigas. Nesta quaresma não se recebe visita nem de homem nem de mulher, ainda que sejam os próprios pais, o que é muito novo para esta casa. A tudo se submetem com inteira paz. Verdadeiramente temos aqui grandes servas de Deus, e quase todas vão melhorando. Minha Priora2 faz estas maravilhas. Para que se entenda que realmente é assim, ordenou Nosso Senhor esteja eu de tal sorte, que, dir-se-ia, só vim para aborrecer a penitência e não tratar de outra coisa senão de meu regalo.

Agora, para que eu de todos os modos padeça, escreve-me a Madre Priora3 dessa casa de Vossa Senhoria, que quer Vossa Senhoria admitir nela uma noviça, e, segundo souberam, está descontente, porque eu a recusei. Pedem-me licença para recebê-la, assim como outra apresentada pelo Pe. Ripalda4. Aí deve haver engano. Pesar teria eu se fosse verdade, pois Vossa Senhoria tem poder para repreender-me e dar-me suas ordens; e não posso crer que esteja desgostosa comigo sem me manifestar seu descontentamento, a não ser que assim proceda para ver-se livre desses Padres da Companhia, empenhados neste caso. Muito consolo teria eu se assim fosse, pois com estes Padres bem me sei entender. Não tomariam eles alguém que não fosse conveniente para sua Ordem, só em atenção a mim. Contudo se Vossa Senhoria absolutamente quer mandar assim, não há para que falar mais nisso; pois está claro que nessa casa e em todas as nossas tem Vossa Senhoria direito de mandar, e eu seria a primeira a obedecer. Mandarei pedir licença ao Padre Visitador, ou ao Padre Geral, já que é contra as nossas Constituições admitir alguma noviça com o defeito que essa tem; e sem recorrer a algum deles não será válido o que eu contra a lei fizer. E elas terão de aprender a ler corretamente o latim, porque está ordenado que não se receba pretendente alguma que não o saiba5.

Por desencargo de minha consciência, porém, não posso deixar de dizer a Vossa Senhoria o que faria eu neste caso, depois de o ter encomendado ao Senhor; não, já se vê, no caso de o querer Vossa Senhoria, repito; pois, só para não a contrariar, a tudo me sujeitaria sem dar mais uma palavra. Só suplico a Vossa Senhoria que o veja bem e seja mais exigente para sua casa6; não aconteça que mais tarde, vendo Vossa Senhoria que as coisas não vão muito bem, venha a ter pesar. Se fosse convento de muitas monjas, melhor se poderia revelar algum defeito; mas onde são tão poucas, pede a razão que sejam bem escolhidas, e sempre vi esta intenção em Vossa Senhoria; tanto que para todos os outros acho monjas que me satisfazem, mas para essa casa jamais ousei enviar alguma, por desejar que fosse tal e tão completa, que jamais a encontrei a meu gosto. E assim, a meu parecer, nenhuma das duas deveria ser recebida, porque nelas nem vejo santidade, nem valor, nem tanto cabedal de juízo e talentos que redundem em proveito da casa. Sendo assim, há de querer Vossa Senhoria que se aceitem, se hão de causar prejuízo? Se é para as amparar, bastantes mosteiros há onde, como digo, por serem muitas, se revelam melhor as falhas; mas aí, nesse convento cada uma que se admitisse deveria ter capacidade para exercer o ofício de Priora e qualquer outro de que fosse incumbida.

Por amor de Nosso Senhor, pense bem Vossa Senhoria e veja que sempre se há de considerar antes o bem comum que o particular; e, pois estão enclausuradas e hão de viver umas com as outras, suportando mutuamente suas faltas, além de outros trabalhos da religião — e este de não acertar nas admissões é o maior —, favoreça-as Vossa Senhoria neste ponto, assim como em tudo nos mostra benevolência. Deixe Vossa Senhoria que eu chame a mim o negócio, se lhe apraz ordenar assim, pois, como digo, com os padres me entenderei. Entretanto, se Vossa Senhoria insiste, será feito o que manda, repito, e a responsabilidade será de Vossa Senhoria se não suceder bem. Essa de que fala o Pe. Ripalda não me parece má para outro convento; mas aí, onde se está principiando, convém ter cuidado, a fim de não resultar desdouro para a casa. Tudo ordene o Senhor como for para sua glória e dê a Vossa Senhoria luz para fazer o que mais convier. Ele no-la guarde muitos anos, como Lhe suplico, que disto não me descuido, por pior que esteja passando.

À minha senhora a duquesa, beijo as mãos de Sua Excelência muitas vezes, assim como à minha senhora D. Beatriz, e às minhas senhoras a condessa e D. Leonor. Escreva-me Vossa Senhoria, ou antes, ordene o que em tudo isto é servida que se faça. Quanto a mim, creio que, deixando a decisão à consciência de Vossa Senhoria, terei segura a minha; e não julgo mostrar-lhe nisto pouca estima, pois em nenhuma de nossas casas se achará monja com tão notável defeito, e eu por nenhum empenho a receberia. Será, a meu ver, causa de contínua mortificação para as demais, por andarem sempre tão juntas; e como se querem tanto, sempre andarão penalizadas. Basta a boa Magdalena, que já têm aí; e prouvera a Deus fossem assim as de Vossa Senhoria!7

É hoje 7 de março.

Indigna serva e súdita de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus, Carmelita.

A Madre Subpriora8 beija as mãos de Vossa Senhoria muitas vezes.        Dou-me bem com ela.

41. A D. María de Mendoza, em Valladolid

Encarnação de Ávila, 8 de março de 1572. Sobre a próxima entrada no convento das Descalças de uma jovem recomendada pela duquesa de Osuna e por D. María. Quer a D. María de Mendoza muito senhora de si mesma.

Jhs

O Espírito Santo esteja sempre com Vossa Senhoria. Amém. Como ontem escrevi a Vossa Senhoria, esta é apenas para comunicar a Vossa Senhoria que me trouxeram hoje cartas da duquesa de Osuna e do Dr. Ayala, pedindo recebermos com urgência uma daquelas jovens; e um Padre da Companhia que as examinou escreveu-me dando boas referências sobre uma delas. A outra parece que se espantou com o rigor, pois não falam mais nela; por este motivo é bom que sempre sejam informadas por quem as saiba esclarecer bem. Respondi que podiam levar sem demora a pretendente, tendo eu já escrito a Vossa Senhoria sobre o que se havia de fazer para logo lhe darem o hábito; e avisasse a Vossa Senhoria assim que chegassem a Valladolid1.

Já escrevi a nosso Padre Visitador dizendo a vontade que tem Vossa Senhoria de recebê-la e suplicando a Sua Paternidade que remeta a licença junto com esta minha carta. Espero que o fará; no caso contrário, torne Vossa Senhoria a escrever logo a Sua Paternidade, e o ordene de tal modo que não imaginem que houve nisto engano; porque, tanto quanto posso entender, não deixará o Padre Visitador de contentar Vossa Senhoria naquilo que puder. Dê-nos Nosso Senhor o contentamento que há de durar para sempre, e a Vossa Senhoria tenha constantemente em sua Mão e a guarde para nosso bem2.

Hoje me mandou dizer o senhor Bispo que estava melhor e viria cá: portanto não se preocupe Vossa Senhoria. Quando me será dado ver Vossa Senhoria mais livre? Assim o faça Nosso Senhor. A verdade é que precisamos fazer de nossa parte. Praza a Deus, quando nos virmos, encontre eu a Vossa Senhoria mais senhora de si, pois tem ânimo e disposição para o conseguir. Creio que faria proveito a Vossa Senhoria o ter-me junto de si, como faz a mim o estar junto do Padre Visitador; porque ele, como Prelado, me diz as verdades; e eu, como atrevida e acostumada à benevolência de Vossa Senhoria, que sempre me sofre, faria o mesmo. Às orações de minha senhora a duquesa me encomendo. Estas Irmãs, nas suas preces, muito se lembram de Vossa Senhoria3.

Indigna serva e súdita de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus, Carmelita.

Nunca me diz Vossa Senhoria como vai com o Padre Frei João Gutiérrez; algum dia lho direi eu. Dê-lhe Vossa Senhoria minhas recomendações. Não soube se a sobrinha dele professou. O Padre Visitador dará licença para as que houverem de emitir seus votos. Mande Vossa Senhoria avisar disto à Madre Priora, pois me esqueci4.

42. A D. Juana de Ahumada, em Alba de Tormes

Encarnação de Ávila, março de 1572. Exorta D. Juana a levar com paciência os trabalhos e a confessar-se freqüentemente. Pede-lhe uns perus para a Encarnação.

Jhs

Esteja o Senhor com vossa mercê. Este almocreve ... a carta quando se quer. (Assim) não tenho tempo de me estender ... Pense bem vossa mercê, senhora minha, que, de um ou de outro modo, os que se hão de salvar padecem trabalhos, e não os deixa Deus à Nossa escolha; e, quem sabe? a vossa mercê, como mais fraca, os dá mais pequenos. Melhor os conheço eu do que vossa mercê os sabe ou pode referir quando me escreve; e assim a encomendo a Deus com muito cuidado. Parece-me querer-lhe agora mais do que antes, embora sempre lhe tenha querido muito.

Vai receber ainda outra carta minha. Creio que não tem piorado, conquanto assim lhe pareça. Que se confesse sempre: eis o que lhe peço por amor de Deus e de mim. Ele esteja em sua companhia. Amém. O demais lhe dirá o senhor Juan de Ovalle, que tão depressa se foi. Venham os perus, já que os tem tantos.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

43. À Madre María Bautista, em Valladolid

Encarnação de Ávila, em meados de junho de 1572.                     Morte edificante de D. Leonor de Cepeda, irmã de María Bautista.

Na véspera de sua morte entendi quão ditoso seria seu fim, e creio que não entrou no purgatório.

44. A D. Juana de Ahumada

Encarnação de Ávila, 27 de agosto de 1572. Trata da saúde de Juan de Ovalle e dá notícias de como está. Cartas das Índias.

Jesus esteja com vossa mercê. Estou boa, mas tão ocupada que nem quisera escrever-lhe isto agora. Bendito seja Deus, que está com saúde o senhor Juan de Ovalle. De nenhum modo lhe consinta vossa mercê vir cá; seria temerário. Pela mesma via por onde seguiram as encomendas foram mais seguramente as cartas para as Índias; as de vossa mercê até agora nunca chegavam lá. À senhora D. Magdalena diga, por favor, quanto me alegro de que esteja melhor; e a esses meus meninos me encomendo...1

Está aqui Frei Diego, mas pouco o tenho visto; se ele puder, irá também aí. A Madre Priora está boa, assim como a minha companheira; e eu tão melhor que me espantarei se continuar assim. Faça o Senhor o que for de seu agrado, e esteja com vossa mercê2.

Hoje é véspera de Sto. Agostinho. Grande erro será empreender o senhor Juan de Ovalle qualquer viagem.

Na Encarnação...

De vossa mercê,

Teresa de Jesus.

45. A D. Juana de Ahumada, em Alba

Encarnação de Ávila, 27 de setembro de 1572.
Sobre assuntos de família e das Descalças de Alba de Tormes.

Jesus esteja com vossa mercê. Bendito seja Deus de ter dado saúde ao Senhor Juan de Ovalle; a fraqueza lhe há de passar. Essas terçãs têm sido gerais; aqui não se vê outra coisa, embora a mim me tenham deixado. Tudo vai indo cada dia melhor, glória a Deus. Tenho passado bem este verão; não sei como será o inverno, que já me começa a fazer um pouco de mal; mas não havendo febre, tudo se agüenta.

Acerca da compra da casa, quisera saber em que ficou. De Oropesa escreveram-me que, embora não haja muita certeza, consta que a frota está em Sanlúcar; não soube mais. Se tiver alguma notícia de meu irmão, avisarei a vossa mercê. Para recebê-lo conto com a casa de Perálvarez1.

Desgostam-me esses jejuns da Priora. Diga-lhe isto e que por esta razão não lhe quero escrever, nem ter negócios com ela. Deus me livre de quem antes quer fazer a sua vontade do que obedecer. No que eu puder servir à senhora D. Ana, em atenção ao senhor D. Cristóbal, fá-lo-ei de boa vontade; havíamos combinado que ela ficaria na casa onde morava D. Sancha, mas está de tal jeito que não é possível. Aqui, a não ser na portaria, ninguém pode entrar, nem pode sair da clausura servente alguma; e duas irmãs dela, embora quisessem ajudá-la, penso que pouco poderão fazer, pois como do Convento há cinco anos só recebem pão, estão desprovidas, e D. Inésquase sempre enferma. Muito sentem ambas a pouca possibilidade que têm para tudo, e, estando elas tão atadas com preceitos, que posso eu fazer?2

À Subpriora recomende-me muito; não me dão tempo para escrever-lhe nem para me estender mais. Isabel Suárez é a que veio de Malagón, e de muito má vontade, segundo confessa; mas, como algumas vezes mostrou desejo de vir, enviou-a a Priora, e também esta algum dia, creio, há de voltar para cá. Tenho não pouca preocupação; Deus nos dê remédio. Ao senhor Juan de Ovalle minhas recomendações, e aos meus meninos. Não me contou de que esteve Beatriz tão doente. Deus esteja aí com todos3.

É 27 de setembro.

Sua

Teresa de Jesus.

Grande bem está fazendo este Descalço que é confessor aqui; chama-se Frei João da Cruz.

46. A D. Inés Nieto1 

Encarnação de Ávila, dezembro de 1572. Consola em seus trabalhos a essa senhora. Sentimento pela morte da marquesa de Velada.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê. Uma carta de vossa mercê recebi, e também me veio falar o Capelão que a trouxe. Pague Nosso Senhor a vossa mercê o muito que sempre faz por mim. Cabe-me tanta parte dos trabalhos de vossa mercê, que se com isto os pudesse remediar, já estariam acabados. Mas, como sou tão ruim, mereço pouco diante de Nosso Senhor. Por tudo seja Ele louvado, e, pois assim o permite, devem ser convenientes, para que vossa mercê tenha mais glória. Ó minha senhora, quão grandes são os juízos deste nosso grande Deus! Virá tempo em que preze vossa mercê mais esses trabalhos do que todos os descansos que teve nesta vida. Agora nos dói o presente; mas se considerássemos o caminho que neste mundo trilhou Sua Majestade e todos aqueles que sabemos gozarem de seu Reino, não haveria coisa que mais nos alegrasse do que o padecer; assim como não deve haver meio mais seguro para nos certificarmos de que vamos bem no serviço de Deus.

Estes pensamentos agora me consolaram na morte, que senti muito ternamente, dessa santa senhora, minha senhora a marquesa de Velada, cuja vida na maior parte foi só cruz; de modo que, espero em Deus, já está gozando, naquela eternidade que não tem fim. Anime-se vossa mercê, pois, passados estes trabalhos — e será depressa, com o favor de Deus —, folgará vossa mercê, juntamente com o senhor Albornoz, de os haver sofrido, e sentirão o proveito resultante para suas almas. A Sua Mercê beijo as mãos. Muito quisera eu achar vossa mercê aqui, pois de todos os modos haveria vantagem. Faça Nosso Senhor a vossa mercê muitas graças, como Ele pode e eu Lhe suplico.

É hoje 7 de dezembro de 1572.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

47. A Martin Davila Maldonado, em Salamanca

Encarnação de Ávila, 1º de fevereiro de 1573. Agradece-lhe umas aves que enviara Francisco de Salcedo para as enfermas do Convento de Encarnação.

Sobrescrito: Ao Muito Magnífico Senhor Maldonado Bocalán, meu senhor.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com vossa mercê, e pague-lhe a caridade e desvelo com que nos enviou a esmola feita pelo senhor D. Francisco. Praza a Nosso Senhor guardar a Sua Senhoria muitos anos e confirmar a melhora que já começa a ter.

Por não ter sabido para onde endereçar a carta, não pedi mais cedo a vossa mercê que me remetesse as aves. É tanta a necessidade desta casa, sobretudo das enfermas, que vieram em boa hora. Tenho estado doente várias vezes, mas já estou boa. Consolei-me muito com mais esta esmola que agora nos chegou. Por tudo seja Deus bendito. Quem as trou­xe deu muito boa conta de si.

Por estas linhas declaro que recebi hoje, véspera de Nossa Senhora da Purificação, ano de 1573, sessenta e duas aves. E, porque assim é verdade, o firmo com meu nome. Tenha sempre Nosso Senhor vossa mercê em sua mão, e dê-lhe Sua Majestade tantos bens quanto está em seu poder. Amém.

Serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Priora.

Já escrevi ao senhor D. Francisco1 contando-lhe a solicitude de vossa mercê e como chegaram bem as aves.

48. Ao Pe. Gaspar de Salazar1, em Cuenca

Encarnação de Ávila, 13 de fevereiro de 1573. Obediência e recolhimento das monjas da Encarnação. Edificação do Padre Visitador. Ofícios exercidos pelos Descalços nos mosteiros dos Calçados de Ávila. Fala da entrada em religião de uma jovem.

Jhs

Ao meu magnífico e reverendo senhor Gaspar de Salazar, reitor da casa da Companhia de Jesus em Cuenca, meu senhor e pai.

A graça do Espírito Santo esteja sempre com vossa mercê. Amém. Gostei de de que se me ofereça ocasião para fazer saber a vossa mercê notícias minhas, já que vossa mercê tanto se desvela em dar-me as suas. Praza a Nosso Senhor esteja com a saúde que lhe desejo e a Deus suplico.

Há muitos dias, e até meses, recebi uma carta de vossa mercê cheia de bons conselhos e avisos. Veio em tempo em que me animou bastante, conquanto mais me devam ter aproveitado as orações de vossa mercê; porque lhe faço saber que nesta casa tem feito o Senhor tantos favores e graças, que verdadeiramente lhe digo: coisa que me dê pesar em matéria de resistir à obediência ou faltar ao recolhimento, não encontro aqui mais do que em São José havia. Parece que vai o Senhor fazendo tantas mercês a todas estas almas, que fico espantada; e o mesmo aconteceu ao Padre Visitador, que, fazendo a Visita, haverá um mês, nada achou a emendar. Dê vossa mercê a Nosso Senhor graças por tudo isto. No mosteiro dos Calçados do Carmo desta cidade, nomeou ele Prior, Subprior, porteiro e sacristão descalços, e já há algum tempo pôs como confessor aqui um deles, muito santo. Tem feito grande bem, e todos os outros me satisfazem muito2.

Grande coisa foi esta; e se ficasse completamente entregue a eles esta casa, como espero no Senhor, não teria eu necessidade de continuar aqui. Peça-o vossa mercê, porque daria remédio a tudo. Trabalhos grandes, até agora, e ocupações não me têm faltado, além de pouquíssima saúde em cada inverno, por ser contrária a meus males esta casa. Dou tudo por bem empregado, depois que vejo as mercês que me tem feito Sua Majestade. Desejava muito que tivesse vossa mercê estas notícias, e se me fosse dado vê-lo, ficaria muito consolada. (Passe vossa mercê para a outra página porque o papel não presta). Faça o Senhor em tudo o que for servido.

Aqui o senhor Corregedor, a quem muito desejo contentar, veio uma e outra vez instar comigo para que alcance de vossa mercê a admissão, como religiosa, de uma filha de João de Buedo e de Leonor de Hermosa num mosteiro daí, se não me engano, de Descalças; em suma, é um onde vossa mercê tem muita autoridade. Dizem que a jovem e os pais têm todas as qualidades requeridas. Informe-se vossa mercê se realmente assim é, e, por amor de Deus, rogo-lhe que a favoreça, é do serviço de Deus, e com isto me fará grande benefício, pois não posso admiti-la em nenhum dos nossos mosteiros, por algumas razões.

Tudo vai muito bem em Malagón; Brianda de San José já lá está por priora, e a outra voltou para aqui, pois é sua casa. Porque tenho certeza de que me favorecerá vossa mercê em tudo que puder, nada mais acrescento. Estou agora com mais saúde que de costume. Não me esqueça vossa mercê em suas orações, que o mesmo faço eu, embora miserável. Confesso-me atualmente com o Pe. Lárez3.

É hoje 13 de fevereiro, ano de 1573.

De vossa mercê serva e filha,

Teresa de Jesus.

49. A Madre Inésde Jesus, em Medina

Encarnação de Ávila, março de 1573. Envia S. João da Cruz para que examine o espírito de uma religiosa.

Minha filha, causa-me pesar a enfermidade da Irmã Isabel de S. Jerónimo. Aí lhes envio o santo Frei João da Cruz, a quem fez Deus mercê de dar-lhe gra­ça para expulsar os demônios das pessoas possessas. Agora mesmo aqui em Ávila acaba de tirar de uma pessoa três legiões de demônios, e a cada um mandou em virtude de Deus declarar seu nome, e no mesmo momento obedeceram...

50. A D. Juana de Ahumada, em Alba

Encarnação de Ávila, 9 de março de 1573. Próxima viagem de D. Lorenzo de Cepeda à Espanha. Vários encargos que, antes de partir das Índias, dá à sua irmã.

Jesus esteja com vossa mercê. Não pretendia escrever por este mensageiro, mas gostei de saber que ainda não partiu para lhe enviar esta carta de meu irmão, que me entregaram à hora de Vésperas. Glória a Deus, está com saúde e já podemos ter por certa a sua vinda, como verá vossa mercê. Praza a Sua Majestade esteja passando bem o senhor Juan de Ovalle. Teria sido bom se, aproveitando este mensageiro tão certo, me tivessem escrito algumas linhas para me dar notícias dele. Quanto a mim, estou boa, e penso que tudo vai indo bem, glória seja dada a Deus! É justo que empreguem logo toda diligência para haverem à mão o que lhes é destinado, de modo a assegurarem a posse.

Essa cidade de que fala meu irmão não sei onde é, nem se é muito longe. Lá o saberá meu cunhado, e buscará meios de agir com brevidade. Como aí, “a cada credo”, segundo se costuma dizer, há correio para Madrid de... buscando ativamente esse senhor, que deve andar ocupado em demandas, depressa se conseguirá tudo. Em todo esse negócio, ponha o Senhor sua Mão, e a vossa mercê faça muito santa.

Parece-me que esta outra carta é de um cunhado do filho de nosso tio Ruy Sánchez. Por meio dele procurarei escrever-lhe, que é portador seguro. vossa mercê, de seu lado, trate de o fazer por lá1.

É hoje 9 de março.

A meus meninos muito me encomendo.

De vossa reverência2,

Teresa de Jesus.

51. Ao rei Filipe II

Encarnação de Ávila, 11 de junho de 1573. Diz como em suas orações encomenda todos os dias Sua Majestade. pede-lhe proteção para a Reforma.
À sacra católica cesárea real majestade do rei nosso senhor.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa Majestade. Amém. Bem creio tem Vossa Majestade entendido o ordinário cuidado com que encomendo Vossa Majestade a Nosso Senhor em minhas pobres orações. E ainda que isto, por ser eu tão miserável, seja pequeno serviço, presto outro maior estimulando para que assim façam estas Irmãs dos mosteiros de Descalças de Nossa Ordem, porque sei quanto servem a Nosso Senhor. Nesta casa em que estou agora, faz-se o mesmo; e juntamente pedimos pela rainha nossa senhora e o Príncipe, a quem Deus dê vida muito longa. No dia em que Sua Alteza foi jurado herdeiro, fizemos particular oração1.

Isto se fará sempre, e, por conseguinte, quanto mais adiante for esta Ordem, maior ganho será para Vossa Majestade.

E por esta razão atrevo-me a suplicar a Vossa Majestade nos favoreça em certos negócios de que lhe falará o Licenciado João de Padilla, que faz as minhas vezes. Vossa Majestade digne-se dar-lhe crédito. Por ver seu bom zelo, resolvi confiar a ele esse negócio; porque, a ser divulgado, haveria prejuízo; e o que nele se pretende é unicamente a glória e honra de Nosso Senhor. Sua Divina Majestade o guarde tantos anos quantos necessários para o bem da cristandade. Grandíssimo alívio é que para os trabalhos e perseguições que nela se vêem, haja Deus Nosso Senhor suscitado tão grande defensor e amparo de sua Igreja quanto o é Vossa Majestade.

Desta casa da Encarnação de Ávila, 11 de junho de 1573.

Indigna serva e súdita de Vossa Majestade,

Teresa de Jesus, Carmelita.

Carta 46

52. Ao Pe. Juan Ordóñez, del Campo em Medina

Encarnação de Ávila, 27 de julho de 1573. Continua a fazer-lhe mal à saúde a estada no Convento da Encarnação. Comenta o projeto de fundação em Medina de um colégio para meninas, dirigido pelas Descalças. Fala da entrada de D. Jerónima de Quiroga no Convento de Medina.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê. Quisera ter bastante tempo e saúde para me estender sobre algumas coisas, importantes a meu parecer. Mas desde a partida do moço, tenho passado tão mal, sem comparação, pior que antes, que já é muito conseguir escrever isto; e sou tão prolixa, que, embora muito queira encurtar o assunto, serei longa. Está bem provado que esta casa da Encarnação me faz grande mal. Praza a Deus seja com merecimento.

Como este nosso negócio parece já estar perto de concluir-se, fiquei muito mais preocupada, especialmente depois de ver hoje a carta do Padre Visitador, na qual entrega a decisão de tudo ao Pe. Mestre Frei Domingo e a mim. A este último escreveu que neste caso nos encarrega de fazer as suas vezes, e sempre me sinto tímida quando tenho de dar algum voto, parecendo--me logo que hei de errar tudo. Verdade é que antes o encomendei ao Senhor, e o mesmo fizeram aqui1.

Parece-me, Padre meu, que temos necessidade de considerar muito todos os inconvenientes, porque, se não der certo, a vossa mercê e a mim hão de lançar a culpa, tanto Deus como o mundo; disto não tenha dúvida. Portanto não faça questão vossa mercê de que se demore mais uns quinze dias. Gostei de vossa mercê ter dito em sua carta que a Priora só se tem de envolver nos dois pontos mencionados; pois, creia, que é muito preciso organizar tudo de maneira que, para fazer uma boa obra, não se prejudique a outra, como diz vossa mercê.

Quanto a serem tantas as alunas, como vossa mercê queria, sempre fui contrária; porque, entendo: há tanta diferença entre ensinar e manter em ordem muitas mulheres juntas, e ensinar rapazes, como entre o preto e o branco. E para fazer alguma coisa boa há tantos inconvenientes em serem muitas, que eu nem os posso dizer agora; digo somente que convém fixar o número. Mais de quarenta seria demasiado, viraria uma confusão, estorvando-se umas às outras para nada se fazer de bom. Em Toledo, informei-me: são trinta e cinco, e não podem exceder este número. Repito a vossa mercê que de nenhuma maneira convém que haja tantas moças e tanto ruído. Se alguns por esta razão não quiserem dar esmola, vá indo vossa mercê pouco a pouco, não há pressa; faça que sua Congregação seja santa, e Deus ajudará; mas por causa de esmola não havemos de ceder em pontos de substância.

Será também mister que, para escolher as educandas e ver se convém aceitá-las, sejam necessários, além do voto da Priora, mais dois, e estes de pessoas muito capazes. Se o Prior de San Andrés quisesse aceitar este encargo, não seria mau, juntamente com algum Regedor, ou, dois Regedores; e tomarão conta dos gastos, pois nisto não se há de meter a Priora, nem o há de ver ou ouvir, como ficou assentado desde o princípio. Será mister examinar as qualidades que hão de ter as que quiserem entrar, e quantos anos hão de permanecer. Sobre este ponto lá se entenderá vossa mercê com o Padre Mestre, e tudo o que se referir a isto há de ser antes consultado com o Padre Provincial da Companhia, e com o Padre Baltazar Álvarez2.

Muitas outras coisas serão necessárias. Aí já tratamos de algumas, especialmente de não haver saídas; porém as que me parecem de maior importância são as duas primeiras, porque tenho experiência do que são muitas mulheres juntas. Deus nos livre!

No que diz vossa mercê — e, segundo me parece, o mesmo escreve a Priora — de se não remir agora o censo, entenda vossa mercê que a não ser assim, não pode entrar a senhora D. Jerónima, nem tenho eu licença para admiti-la, a menos que a senhora D. Helena o tome sob sua responsabilidade, nada gastando o Convento e ficando livre de pagar réditos. Estou certa de que se o Padre Provincial deu a licença foi só sob esta condição, e o contrário seria, a meu ver, usar de fraude. Em suma, não o posso fazer. Bem vejo que tudo junto ficará muito pesado para a senhora D. Helena, mas arranje-se algum meio: ou adiar as obras da igreja, ou não entrar tão depressa a senhora D. Jerónima; e é o melhor, pois entrará com mais idade3.

Tive um pensamento: não seja isto porventura edificar demais sobre alicerce que venha a cair, pois não sabemos se essa senhora há de perseverar. vossa reverência pondere tudo com muito cuidado. Mais vale fundar no espaço de alguns anos uma obra duradoura, do que fazer coisa de que venham a rir; e pouco importaria isto se não fosse de desdouro para a virtude.

Ainda cumpre advertir: se a Comunidade agora admite esse meio, é preciso ficar determinado com quem se há de contar, porque no momento não parece haver segurança, e perguntará o Padre Visitador: que... vimos nós para passar escrituras? Tudo isto ficaria eu livre de considerar se o Padre Visitador o tomasse para si; agora terei de mostrar-me competente, sem o ser.

Rogo a vossa mercê dê muitas recomendações minhas ao Senhor Asensio Galiano4, e faça que leia esta carta. Sempre me favorece ele em tudo, e gostei muito de saber que minhas cartas lhe chegaram às mãos com segurança. Esta minha pouca saúde me faz cair em numerosas faltas. Ana de S. Pedro não estima tão pouco suas filhas que as leve para aí; nem lhe passa isto pelo pensamento. Partirei depois de amanhã se não tiver nova crise de enfermidade; mas há de ser grande para o estorvar. Já levaram todas as cartas a S. Gil; ainda não trouxeram resposta; amanhã, terça-feira, mandarei buscá-la.

Indigna serva e filha de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

Às orações de meu Padre Reitor, me encomendo muito.

Sobrescrito: Ao mui Magnífico e Reverendo Senhor o Pe. Ordóñez, da Companhia de Jesus, meu senhor.

53. A D. Pedro de La Banda, em Tozas (Salamanca)1 

Salamanca, 2 de agosto de 1573. Pede-lhe que volte a Salamanca para lavrar o contrato da casa que desejava comprar a esse cavaleiro.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com vossa mercê. Amém. Vim a este lugar com desejo de realizar logo meu intento de deixar essas Irmãs em boa casa. Disponho de pouco tempo, e assim, por este motivo e porque vai passar a época mais própria para fazer paredes, tive pesar de não ter achado aqui vossa mercê. Trouxeram a cédula do Rei, e convém fazer logo a verificação.

Suplico a vossa mercê faça-me o favor de vir quanto antes, pois é negócio de tanta importância, e espero em Deus que vossa mercê não se dará mal comigo. Encaminhe tudo o Senhor, como for mais de seu serviço, e a vossa mercê tenha sempre em sua Mão.

Parece-me boa a casa, conquanto seja preciso despender mais de quinhentos ducados para adaptá-la. Contudo estou contente e espero em Nosso Senhor que também assim ficará vossa mercê ao ver tão bem empregada sua propriedade. Guarde o Senhor a vossa mercê muitos anos. Considere vossa mercê que é de grande lucro começar as obras com bom tempo, e os dias vão passando.

Por amor de Deus, favoreça-nos vossa mercê vindo sem demora; e, se tardar, rogo que tenha por bem começarmos a fazer as divisões de taipa, que são necessárias mais de duzentas, e isto nenhum prejuízo faz à casa; ainda que depois de feitas falhe o contrato, o prejuízo será nosso, mas espero em Deus que tudo se concluirá brevemente.

A vinda de vossa mercê trará remédio a tudo. Dê a vossa mercê Sua Majestade muito larga vida, a fim de ir sempre ganhando para a eterna.

É hoje 2 de agosto.

Indigna serva de vossa mercê, que lhe beija as mãos,

Indigna,

Teresa de Jesus.

54. A Pedro de La Banda, em Salamanca

Salamanca, 8 de outubro de 1573. Dificuldades que opunha este cavaleiro à fundação das Descalças na casa que a Santa desejava comprar-lhe.

Tudo o que vossa mercê diz no seu memorial é tomado em consideração. Segundo dizem todos, até que chegue a autorização, não sou obrigada a tanto, mas o fato de já estarmos na casa muito me move a fazer o que vossa mercê manda; e praza a Deus consigamos com tudo isso contentar a vossa mercê.

Dê Nosso Senhor a vossa mercê sossego, para que O possa servir melhor, e tenha sempre a vossa mercê de sua Mão.

É hoje 8 de outubro.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

Sobrescrito: Ao Ilustre senhor Pedro de La Banda, meu senhor.

55. A D. Juana de Ahumada, em Alba de Tormes

Salamanca, 14 de novembro de 1573. Dá conta a D. Juana de sua saúde e dos negócios do convento de Salamanca.

Jhs

Esteja com vossa mercê a graça do Espírito Santo. Louvei a Nosso Senhor por estar melhor o senhor Juan de Ovalle, apesar deste tempo úmido. Praza a Sua Majestade vá sempre melhorando. As minhas quartãs continuam, e o pior é que tem voltado a dor que tive nestes últimos invernos; a noite passada dormi bem pouco, devido a isto. Creio que me vão sangrar de novo. Deus assim o deve dispor, para que não pareça que era tudo causado por minha permanência na Encarnação; verdade é que ali se originou esta doença, e desde então nunca fiquei sem algum vestígio dela. Quiçá aí nesse lugar1 passasse eu melhor; mesmo aqui a dor, até agora, está muito longe de ser tão forte quanto lá; e ainda que o fosse, seria mais fácil de suportar, não havendo tanto trabalho.

Os negócios de Pedro de La Banda andam bem encaminhados; contudo, receio que demore algum tempo, porque lhe é forçoso ir a Madrid. Terminada a averiguação, terei de tratar com os operários, que ainda não acabaram, e Deus, ao que parece, me quer aqui, porque entre as Irmãs não há quem entenda de obras nem de negócios.

Ontem demos o hábito a uma moça de muito boas qualidades, e, creio, traz alguma coisa, e até muito, com que nos poderá ajudar. É talhada para nós, glória a Deus! Filha de Martin de Ávila Maldonado e tem por mãe D. Guiomar de Ledesma. Foi uma sorte para nós. Está muito contente conosco, e nós com ela2.

Ao senhor Juan de Ovalle rogo que tenha esta carta por sua; dê muitas recomendações a ele e às minhas filhas. D. Antónia se recomenda; já está boa, sem quartãs; o mesmo faz a Priora, e eu a essas Irmãs e à caçula, pois não tenho esperança de poder escrever, nem me resta a dizer agora senão que me recomendem a Deus. Sua Majestade ma faça santa3.

Sua serva,

Teresa de Jesus.

O Senhor pague a vossa mercê o favor que me faz, pois muita razão tem vossa mercê de dizer que assim convém. Muito me alegrei de saber que está melhor o senhor Juan de Ovalle, e vossa mercê e esses anjos têm saúde.

56. Ao Pe. Domingo Báñez em Valladolid

Salamanca, janeiro de 1574. Sente não ouvir os sermões do Padre. A princesa de Éboli em Pastrana; os desgostos que dá às Descalças. Trato com o Pe. Medina.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê e em minh’alma. Não sei como não lhe chegou às mãos uma carta bem longa que lhe escrevi estando adoentada, e enviei por via de Medina. Nela dava boas e más notícias a meu respeito. Agora também quisera alongar-me, mas tenho de escrever muitas cartas e sinto alguns calafrios, por ser dia de quartã. Tinham-me as febres deixado durante dois dias, mais ou menos; mas como não me voltou a dor que sentia antes, tudo parece nada.

Louvo a Nosso Senhor pelas notícias que me têm chegado de seus sermões; estou com muita inveja, e dá-me grande desejo de estar aí agora, por ser vossa reverência Prelado dessa casa. Aliás —, quando o deixou de ser meu? O vê-lo nesse cargo, parece-me, seria para mim novo contentamento; mas, como tal não mereço, louvo a quem me dá sempre cruz.

Deu-me gosto essa troca de cartas entre o Padre Visitador e meu Padre; realmente não só é santo aquele seu amigo, mas sabe mostrar que o é; e, quando não estão em desacordo suas palavras e suas obras, age com muita prudência. Mas, embora seja verdade o que ele diz, não deixará de admiti--la porque de senhores a senhores há muita diferença.

A princesa de Éboli1 transformada em monja era de fazer chorar. Quanto a esse anjo2 pode causar grande proveito a outras almas, e quanto mais barulho fizerem os mundanos, melhor; não vejo inconveniente. Todo o mal que pode suceder é que ela tenha de sair do convento; ainda nesse caso terá o Senhor feito resultar outros bens, como digo, e porventura moverá alguma alma, que, se não fora por esse meio, talvez se condenaria. Grandes são os juízos de Deus, e quem o ama tão deveras vivendo entre tanto perigo como anda toda essa gente ilustre, não há razão para nos negarmos a admiti-la, nem para nos deixarmos de expor a algum trabalho e desassossego a troco de tão grande bem. Meios humanos e cumprimentos com o mundo se me afigura o detê-la e atormentá-la por mais tempo; pois está claro que, em trinta dias, ainda que se arrependesse, não o haveria de dizer. Mas se, com essa demora em retê-la no mundo, se hão de aplacar os parentes e reconhecer a justiça de sua causa e do procedimento de vossa mercê, repito: será apenas adiar alguns dias. Deus estará com ela, pois não é possível que, tendo deixado muito, não lhe dê muito o Senhor, que tanto dá a nós que nada deixamos.

Muito me consola que esteja vossa mercê aí para confortar a Priora3 a fim de que em tudo acerte. Bendito seja Ele, por assim haver ordenado os acontecimentos. Espero em Sua Majestade que tudo terminará bem. Este negócio de Pedro de la Banda é um não acabar; penso que antes de concluí--lo terei de ir a Alba, para não perder tempo, porque há perigo na transação, pelo fato de estarem em desacordo ele e sua mulher.

Sinto grande lástima das monjas de Pastrana; embora a Princesa tenha regressado à sua casa, estão como cativas; a tal ponto que há pouco tempo passou por lá o Prior de Atocha4, e nem ousou ir visitá-las. Já está também de mal com os frades, e não acho motivo para que se sofra aquela escravidão. Com o Pe. Medina vou indo bem: creio que se me fosse dado falar-lhe mais, depressa se aplacaria. Está tão ocupado, que o não vejo quase... Dizia-me D. María Cosneza que não quisesse tanto bem a ele quanto a vossa mercê...

D. Beatriz está boa. Na sexta-feira passada ofereceu-me muito seus serviços; mas, glória a Deus, já não tenho necessidade de seu auxílio. Contou-me quanto recebeu de vossa mercê. Muito suporta o amor de Deus, pois se houvesse a­l­guma coisa que não procedesse dele, já tudo estaria acabado. Dir-se-ia que a di­ficuldade que vossa mercê tem em ser extenso, tenho eu em ser concisa. Con­tudo, é muito o que faz por mim vossa mercê, livrando-me da tristeza de receber cartas e não ver letra sua. Deus o guarde; não parece que esta carta vá ter... Praza a Deus que lá não se mitigue meu gosto com o silêncio de vossa mercê5.

De vossa mercê serva e filha,

Teresa de Jesus.

Sobrescrito: Para meu Padre e meu senhor o Mestre Frei Domingo Báñez.

57. À Madre Ana da Encarnação, em Salamanca

Alba de Tormes, janeiro de 1574. Encontra-se contente em Alba, gozando das vistas do rio. História de uma truta. Interesse pela saúde de algumas monjas.

Jesus esteja com vossa reverência. Faça-me saber como está, e como vão todas, e dê-lhes minhas recomendações. Bem quisera eu poder gozar da companhia das de lá e das de cá ao mesmo tempo. Creio que hei de achar aqui me­nos embaraços; tenho uma ermida de onde se vê o rio, e onde também durmo; até da cama posso gozar da vista, e é muita recreação para mim. Hoje me tenho achado melhor que de costume. D. Quitéria continua com sua febre; diz que tem saudades daí. Saiba que levaram daqui um médico para a senhora D. Jerónima, que ainda está mal. Encomendem-na a Deus aí, que o mesmo fazemos por cá; estou preocupada. Tenha Deus a vossa reverência de sua Mão1.

Esta truta, mandou-me hoje a Duquesa; parece-me tão boa, que arranjei este mensageiro para enviá-la ao meu Padre o Mestre Frei Bartolomeu de Medina. Se chegar antes do jantar, vossa reverência lha mande levar logo por Miguel, juntamente com esta carta; e se mais tarde, nem por isso deixe de enviar-lha, para ver se ele quer responder-me algumas linhas2.

vossa reverência não se esqueça de me escrever como está, e não deixe de comer carne estes dias. Informem de sua fraqueza ao Doutor, e dêem-lhe muitas recomendações minhas. Em todo caso, esteja sempre Deus com vossa reverência. Amém.

Ao meu Pe. Osma muito me recomende e diga-lhe que grande falta sentirei dele aqui; e a Juana de Jesus, que me faça saber como está, porque estava com uma cara muito murcha no dia em que vim.

É hoje quarta-feira, depois da meia-noite, e eu de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Como estão a Condessa e a esposa do Corregedor? Mande de minha parte indagar de ambas e faça-mo saber. Escreverei a vossa reverência sobre o estado de sua irmã; não quis despachar Navarro antes de ter notícias dela, para enviar-lhe também alguma coisa. Levará este portador os dezesseis reais, se amanhã me lembrar, porque hoje me esqueci. Se Lezcano pedir algum dinheiro, dê-lho, e eu pagarei, pois disse-lhe que, se tivesse alguma necessidade, recorresse a vossa reverência. Penso que nada pedirá3.

58. A D. Alvaro de Mendoza, Bispo de Ávila

Alba de Tormes, fevereiro de 1574. Tem freqüentes notícias de D. Alvaro pela Priora de Valladolid. Fala à duquesa de Alba de um assunto que interessa ao senhor Bispo. Queixa-se a D. Alvaro de a ter tão esquecida.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa Senhoria. Deus seja bendito por estar Vossa Senhoria com saúde. Praza a Sua Majestade continue sempre assim, como Lhe suplico.

Fora consolação para mim dispor de tempo para me alargar nesta carta; mas tenho tão pouco que nem sei como a começo. María Bautista dará conta a Vossa Senhoria de como estou passando, já que não posso fazê-lo por mim mesma. Ela me fala de Vossa Senhoria quando me escreve, dando notícias tais como eu desejo, glória a Deus! Com isto agüento passar tanto tempo sem ver letra de Vossa Senhoria. Algumas cartas lhe tenho escrito: uma já soube que, por certa causa, não foi entregue a Vossa Senhoria; as demais não sei que fim levaram. Só uma recebi de Vossa Senhoria depois que aqui cheguei; ou antes: recebi em Salamanca.

Já disse à Duquesa o que Vossa Senhoria me mandou falar. Contou-me ela o negócio, afirmando-me que nunca imaginou que Vossa Senhoria estivesse envolvido no caso; por certo merece ela que não se perca sua amizade. À minha senhora D. María também não posso escrever. Beijo a Sua Senhoria as mãos muitas vezes, mas fazendo-lhe ver que Nossa Senhora parece defender melhor suas filhas do que ela a suas súditas, pois, segundo me disseram, conservou-se calado Sua Senhoria em todos esses negócios. O Senhor ajude aquele anjinho! Coisa bem nova é agora no mundo o que Nosso Senhor faz por ela. Penso que para melhor o dar a entender, permite que a deixem, sem defesa, no meio de tais combates. Muito me faz louvar a Sua Majestade1.

Já, senhor, como Vossa Senhoria tem muitas santas, vai entendendo as que o não são, e assim se esquece de mim; contudo creio que no Céu há de ver Vossa Senhoria que deve mais a esta pecadora do que a elas. De melhor vontade daria à minha senhora D. María e à minha senhora a Condessa parabéns por outro motivo, que não o desposório; contudo fiquei consolada de se haver realizado tão depressa2.

Praza a Nosso Senhor seja para seu serviço, e o gozem Vossa Senhoria e minha Senhora D. María por muitos anos. À minha senhora D. Beatriz e à minha senhora a Duquesa beijo as mãos muitas vezes. Nas Suas tenha sempre Nosso Senhor a Vossa Senhoria3.

Indigna serva e súdita de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus.

Suplico a Vossa Senhoria me mande avisar se conseguiu do Padre Visitador licença para eu passar em S. José alguns dias; a Priora me transmitirá a resposta4.

59. A Madre María Bautista, em Valladolid

Segóvia, 14 de maio de 1574. Assuntos do Convento de Valladolid. Favorável acolhimento feito em Andaluzia aos Padres Gracián e Maríano. Pouca importância que dá a Santa aos desdéns do Pe. Medina.

Jesus esteja com vossa reverência, filha minha. Tem tão boas pernas esse seu criado, que pensei só amanhã chegasse de Madrid, aonde o enviei por não saber de quem me fiar nesses negócios; e eis que chega hoje, quinta-feira. Juntamente com esta, terei de responder a algumas cartas de Ávila, e assim não poderei despachá-lo até amanhã ao meio-dia, porque meus olhos e minha cabeça não estão dando para nada; e ainda praza a Deus possa ele ir amanhã. Quisera escrever-lhe bem longamente, e também à senhora D. María. Já estou quase boa, porque o xarope, como escrevo a nosso Padre, me tirou aquele tormento de melancolia, e penso que até a febre, inteiramente1.

Como eu já estava sem esses padecimentos, fez-me rir algum tanto a carta do Pe. Frei Domingo, de próprio punho; mas não lho diga, porque vou escrever-lhe uma carta muito engraçada, e talvez ele lha mostre. Asseguro--lhe que me alegrei muito com a dele e com a de vossa reverência; e até muitíssimo com esta última, por saber que já descansou aquela santa, e teve tal morte. Espanto-me de que possa alguém ter pesar de seu grande bem; é antes motivo de ter-lhe inveja. Pena sinto eu do grande trabalho que vossa reverência, filha minha, terá tido, e ainda tem com esses negócios tão grandes e tantos; bem sei no que isso dá; mas creio que não teria mais saúde — e talvez menos! — se estivesse no sossego que deseja. Isto tenho por muito certo porque conheço seu temperamento, e assim tolero que trabalhe tanto, pois de um modo ou de outro há de ser santa, e mais bem lhe faz desejar soledade do que viver nela2.

Oh! se visse que barafunda anda por cá, embora secretamente, em favor dos descalços! É coisa para louvar ao Senhor; e tudo isto devido aos dois Padres que foram à Andaluzia: Gracián e Maríano. Diminui não pouco o meu prazer, o pensamento de pena que há de isto causar a nosso Padre Geral, a quem tanto quero; por outra parte, vejo que a não ser assim, estaríamos perdidos. Encomendem o caso a Deus. O Padre Frei Domingo lhe dirá o que se passa, e lhe entregará uns papéis que lhe envio. O que me escrever, não o remeta senão por pessoa segura, de absoluta confiança, pois é coisa importantíssima, ainda que seja preciso demorar alguns dias. Muita falta nos faz o Padre Visitador, estando tão longe; em certos negócios, ainda que o estivesse mais, terei de mandar-lhe, creio, mensageiro, pois aqui o Prelado não tem autoridade bastante para aquilo de que se trata. Praza a Deus seja ele muitos anos nosso Superior3.

A respeito do Pe. Medina, ainda que venha a fazer muito mais, não tenha medo que eu me incomode, antes me tem feito rir; mais sentira eu meia palavra de Frei Domingo; porque o outro nada me deve, nem faço muita questão de que me estime. Ele nunca tratou com estes mosteiros, e não sabe o que há; nem poderia igualar-se sua amizade com a que nos tem Frei Domingo, o qual os considera como coisa própria sua, e verdadeiramente os tem sustentado. Bastantes aborrecimentos têm havido aí com esses negócios, mas também qualquer Priora os aceitaria para a sua casa.

Dê um grande recado a D. María de Samago por mim, e diga-lhe que assim é este mundo: só mesmo em Deus podemos confiar. Creio tudo o que vossa reverência escreve acerca dela e de sua irmã. Foi bom não se ter feito mais, pois devemos ser agradecidos, e seria grande ingratidão, ainda em relação ao Bispo. Com o correr dos tempos, ordenará o Senhor as coisas de outra maneira, e então se poderá fazer alguma coisa para consolo dessas senhoras, pois bem vi não seria do gosto da senhora D. María. Pensei em escrever a ela, mas creio que não poderei. Saiba que D. María Cibrián é falecida; encomende-a a Deus. Envie um recado meu muito carinhoso à Priora da Madre de Deus, porque por seu meio aqui nos fazem muita caridade; como eu não estou passando bem e os olhos não estão bons, perdoe-me ela se não lhe escrevo. vossa reverência olhe por sua saúde; com todo esse trabalho e noites em claro como tem tido, não quisera eu que o viesse a pagar4.

Oh! que desejo tenho de poder chegar até aí algum dia, pois não estamos longe! Mas não vejo meios. Se a vossa reverência parecer bem, insista com minha Casilda para que leia esta carta de sua tia, a quem enviei a que ela me escreveu. Tenho muito boas relações com essa senhora, desde algum tempo, e nela confiaria para qualquer negócio. Devo ter esquecido alguma coisa necessária. Deus esteja com vossa reverência e ma guarde, pois sabe ter extremos de amizade; não sei eu como sofro que tenha tanta com meu Padre. Por aqui verá como me traz enganada, e como a tenho em conta de muito serva de Deus. Santa a faça Ele!5

É hoje 14 de maio.

A minha boa María da Cruz muito desejo tenho de ver; diga-lhe muito de minha parte, e a Estefanía. Pablo Hernández veio espantado com ela, e tem razão6.

Sua,

Teresa de Jesus.

Soube agora dos conselhos que lhe dá Isabel de S. Paulo7; não pude deixar de rir com seus mosteiros. Fez-me reviver nesta enfermidade, porque me alegrou com sua jovialidade e contentamento, e, para ajudar-me a rezar o Ofício, deu-me vida. Eu lhe asseguro que será também assim de muito valor para tudo, e, a ter saúde, bem se lhe podia confiar o governo de uma casa.

60. A Frei Domingo Báñez em Valladolid

Segóvia, maio de 1574. Elogio de uma postulante enviada pelo Pe. Báñez às Descalças de Segóvia e de Frei Melchior Cano, sobrinho do célebre teólogo do mesmo nome.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê e com minha alma. Não é de espantar que muito se faça por amor de Deus, pois tanto poder tem o de Frei Domingo, que se uma coisa lhe parece bem, logo a mim parece; e aquilo que quer, eu também quero; e não sei em que há de parar esta espécie de fascinação.

Estamos satisfeitas com a sua Parda1. Está tão fora de si de contentamento depois que entrou, que nos faz louvar a Deus. Creio que não terei coração para deixá-la ser conversa, vendo o quanto vossa mercê fez por ela; estou determinada a mandar ensinar-lhe a ler, e, conforme o seu aproveitamento, veremos o que se fará.

Bem entendeu meu espírito o dela, embora não lhe tenha eu falado; e até há monja que não sabe como distrair-se desde que ela entrou, tanta é a oração que nos causa a sua vista. Creia, Padre meu: é um deleite para mim, cada vez que recebo alguma pretendente que nada traz e é aceita só por amor de Deus, ao ver que não tem dote e deixaria de ser monja por falta de meios. Vejo que me faz Deus particular mercê tomando-me por instrumento para remediá-la. Pudesse eu receber todas assim, e teria grande alegria; aliás não me recordo de ter deixado de receber por não ter dote alguma que me contentasse.

Tem sido para mim particular contentamento o ver como faz Deus a vossa mercê tão grandes favores, empregando-o em semelhantes obras; e ver como vossa mercê encaminhou esta vocação. Está feito pai dos que não têm recursos; e a caridade que o Senhor lhe infunde neste ponto me traz tão alegre, que tudo farei para ajudá-lo nessas obras, quando estiver ao meu poder. Era de ver o choro da que a veio acompanhando! pensei que não acabasse. Não sei para que a mandou aqui.

O Padre Visitador já deu licença para uma fundação, e com isto abre porta para autorizar outras mais, com o favor de Deus; então poderei quiçá receber essa “choramingas”2, se contenta a vossa mercê, pois para Segóvia já tenho gente demais.

Bom pai achou a Parda em vossa mercê. Diz que ainda lhe parece mentira estar aqui. É para louvar a Deus seu contentamento. Igualmente O louvei por ver aqui o sobrinhozinho de vossa mercê, na companhia de D. Beatriz, e gostei de conhecê-lo; por que não me avisou antes?

Também fiquei contente por saber que esta Irmã conviveu com aquela minha santa amiga. Muito mais me parece querer-lhe agora, do que lhe queria quando viva. Escreveu-me sua irmã oferecendo-se muito a ajudar-me. Asseguro-lhe que me enterneceu. Já terá sabido que teve vossa mercê um voto para Prior em S. Estêvão; todos os outros recaíram sobre o que foi eleito para este cargo; fez-me devoção vê-los tão conformes.

Estive ontem com um Padre de sua Ordem, chamado Frei Melchior Cano. Eu lhe disse que, a haver na Ordem muitos espíritos como o dele, poderiam fazer mosteiro de contemplativos.

Escrevi para Ávila, animando os que o pretendiam fundar, para que não se entibiem se não acharem facilidade aqui; desejo muito que se dê começo. Por que não me conta o que tem feito? Deus o faça tão santo como desejo. Vontade tenho de falar-lhe algum dia sobre esses temores com que anda; só servem para fazer perder tempo, e, de pouco humilde, não me quer dar crédito. Melhor faz o Pe. Frei Melchior, de quem lhe falei; diz que só de uma vez que tratei com ele em Ávila, tirou proveito, e parece-lhe que a toda hora me traz presente. Oh! que espírito e que alma tem Deus ali! Consolou-me sumamente. Dir-se-ia que não tenho outra coisa a fazer senão falar-lhe dos espíritos alheios.

Fique-se com Deus, e peça-Lhe que me dê a mim graça para não me apartar de coisa alguma que seja de sua Vontade. Estou escrevendo domingo à noite.

De vossa mercê filha e serva,

Teresa de Jesus.

Sobrescrito: Ao Reverendíssimo Senhor e Padre meu, o Mestre Frei Domingo Báñez, meu senhor.

61. A Madre Ana da Encarnação, em Salamanca

Segóvia, 30 de maio de 1574. Suplica-lhe que encomende a Deus os negócios de D. Fadrique1, duque de Huéscar. Viagem dos irmãos da Santa.

…encomendar a Deus seus negócios e os de D. Fadrique. De meus irmãos não tenho notícia. Muita caridade me faz em ter tanto cuidado com eles; a esta hora devem estar vindo por mar. Isabel de Jesus dirá alguma coisa que faltar, e assim não escrevo mais.

É hoje dia da Santíssima Trindade, e eu de vossa reverência,

Teresa de Jesus, Carmelita.

62. A Madre María Bautista, em Valladolid

Segóvia, junho de 1574. Morte exemplar de Isabel de los Ángeles. Desapego e liberdade de espírito. Recomenda D. Guiomar.

Jhs

Esteja com vossa reverência, minha filha, o Espírito Santo. Com pesar estaria eu pensando que vossa reverência não me escreve há tanto tempo por falta de saúde, se não soubesse que está boa, por uma carta da Priora de Medina. Seja Deus bendito, que muitíssimo lhe desejo saúde. Se Deus é servido de que essas outras estejam doentes, seja como Ele quer; assim terão em que merecer.

Saiba que Isabel de los Ángeles — aquela que foi objeto de tantas contendas em Medina, — levou-a o Senhor consigo. Foi tal sua morte, que poderia ser tido por santo quem assim morresse. Certamente foi-se com Deus, e eu aqui fiquei, como uma criatura sem proveito. Durante três semanas tive um resfriado terrível, acompanhado de muitas indisposições. Embora ainda não tenha passado de todo, já estou melhor, e bem alegre com as notícias que escrevo ao Pe. Frei Domingo; dêem graças a Nosso Senhor, que assim o temos feito cá. Por tudo seja Ele bendito.

Esta carta mande à Priora da Madre de Deus1, juntamente com o remédio que aí vai; parece ter-me feito bem. Muita pena me dá sua doença, como quem tanto sofreu do mesmo nestes últimos anos: é impiedosa essa dor. Não sei para que teve o trabalho de enviar-me escorcioneira2! Quase não a comi, porque fiquei com terrível fastio de coisas doces; mas estou muito grata pelo seu cuidado e por tudo o que mandou às Irmãs, especialmente a Isabel. Esta já parece gente; é sensata, amorosa, uma moça perfeita.

Que bobagem é a sua, com tantas satisfações que me dá sobre o lavor de mãos e outras coisas! Até que nos vejamos não ouso dizer-lhe minha intenção a esse respeito. Saiba que cada dia estou com mais liberdade. O principal é que essa pessoa esteja segura de não ofender a Deus; não são outros meus temores, porque tenho visto grandes quedas e perigos em casos semelhantes. Quero muito a essa alma (parece que o próprio Deus me infundiu esse cuidado) e quanto mais é simples, mais temo por ela. Por esta razão muito estimo que goste de estar em lugar seguro, conquanto, absolutamente certo não o haja nesta vida; nem é bom nos julgarmos em segurança, pois estamos em tempo de guerra e rodeados de muitos inimigos.

Olhe, minha filha, quando estou sem aquele tão grave mal que tive aqui, o mínimo primeiro movimento3, em qualquer coisa que seja, me assusta muito. Isto seja só para vossa reverência, pois a quem nunca chega a entender-me, é mister levar conforme seu temperamento. E é verdade que se alguém aí nessa casa me faz experimentar este pouquinho, é aquela a quem o escrevo; mas, ainda esse pouquinho, muito faz sofrer uma alma livre. Porventura quer Deus que o sinta, para que Lhe fique assegurada a parte necessária a seu divino serviço. Ó filha minha, estamos em um mundo de tal natureza, que, mesmo se vossa reverência tivesse meus anos, não o acabaria de entender! Não sei para que escrevo isso sem ter pessoa certa que lhe leve a carta. Pagarei bem o mensageiro.

Tudo o que fizer por D. Guiomar será bem feito, pois é mais santa do que pensam, e cheia de trabalhos. Grande coisa foi para nós ter saído tão em paz esta outra noviça. Praza a Deus que melhor nos suceda com a que recebemos, — não sem bastante receio de minha parte; porque estas que foram donas de suas casas nunca se acham bem de todo nas nossas; contudo por enquanto parece não ir mal. Isabel lho escreverá melhor.

Tinha escrito até aqui, sem achar mensageiro; agora acabam de dizer-me que há um, e que preciso entregar logo as cartas...

63. A Antonio Gaytán1, em Alba

Segóvia, junho de 1574. Dá a esse cavaleiro alguns conselhos acerca da oração. Compra de uma casa para as Descalças de Segóvia.

Jhs

Esteja com vossa mercê o Espírito Santo, filho meu. Não tenho a dita de dispor de tempo para lhe escrever longamente; mas asseguro-lhe que a vontade é grande, e também o contentamento que me dão suas cartas, por saber as mercês, cada dia maiores, que lhe faz o Senhor. Assim lhe paga o que tem trabalhado aqui.

vossa mercê não se canse em querer pensar muito, nem faça questão de meditar. Se não está esquecido, muitas vezes lhe tenho dito como há de proceder, e como é maior mercê do Senhor essa, de perseverar sempre em seu louvor; e querer que todos o façam é grandíssimo efeito, próprio das almas ocupadas com Sua Majestade. Praza ao Senhor que o saiba servir vossa mercê, e eu também, para pagarmos um pouquinho do que Lhe devemos, e nos dê muito em que padecer, nem que sejam pulgas e duendes e caminhos trabalhosos.

Antonio Sánchez nos vinha já ceder a casa, sem mais falatórios, mas não sei onde vossa mercê e o Pe. Julián de Ávila tinham os olhos, quando quiseram comprar tal coisa. Foi uma sorte não ter ele querido vendê-la. Agora estamos querendo comprar uma perto de S. Francisco, na rua Real, no melhor ponto do bairro, junto ao mercado. É muito boa. Encomendaremos a Deus este negócio.

Todas se recomendam muito a vossa mercê. Estou melhor; quase ia dizendo que estou boa, pois quando tenho apenas os males ordinários, considero-me com muita saúde. O Senhor a dê a vossa mercê, e no-lo guarde.

De vossa mercê serva,

Teresa de Jesus.

64. A D. Teutônio de Bragança1, em Salamanca

Segóvia, junho de 1574. Felicita-o por sua volta a Salamanca. Elogio da Priora de Segóvia. Morte do Rei de França. Oportunidade de uma fundação de Descalços em Salamanca. Lastima a pouca saúde do Padre Reitor da Companhia.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Senhoria; e seja muito bem vindo. Foi para mim de muito contentamento saber que está com saúde, ainda que, após tão larga viagem, curta me tenha parecido a carta; nem ao menos me diz nela Vossa Senhoria se conseguiu o que Vossa Senhoria ia fazer. Que esteja descontente de si, não é coisa nova; nem se perturbe Vossa Senhoria se, em conseqüência do trabalho do caminho e de não poder ter o tempo tão bem ordenado, sentir alguma tibieza. Assim que Vossa Senhoria tornar a seu sossego, também o tornará a gozar a alma.

Tenho agora alguma saúde, em comparação de como estive. Soubera eu tão bem queixar-me com Vossa Senhoria, nada lhe pareceriam suas penas. Foi extremo o grande mal que tive durante dois meses, e era de sorte que redundava no interior, pondo-me como uma criatura incapaz. Quanto ao que toca ao interior, já estou boa; no exterior, com os males ordinários, e bem regalada com o presente de Vossa Senhoria.

Nosso Senhor lho pague. Foi suficiente para mim e para outras enfermas, algumas vindas bem doentes de Pastrana, porque a casa de lá era bastante úmida. Estão melhor e são muito boas almas; Vossa Senhoria gostaria de tratar com elas, especialmente com a Priora2.

Já eu sabia da morte do Rei da França3. Grande pena me dá ver tantos trabalhos, e quantas almas vai ganhando o demônio. Deus acuda com o remédio, pois, se fossem de proveito nossas orações, asseguro-lhe que não há descuido em pedi-lo a Sua Majestade, a quem suplico igualmente pague a Vossa Senhoria o cuidado que tem de fazer mercês e favores a esta Ordem.

O Padre Provincial tem andado tão longe (digo: o Visitador), que, ainda por cartas, não pude tratar deste negócio. O que sugeriu Vossa Senhoria, de fazer aí casa destes Descalços4, seria muito bom, se, justamente porque assim é, o demônio não o estorvar. A benevolência que nos mostra Vossa Senhoria é grande vantagem, e agora há facilidade, porque os Visitadores foram confirmados nos seus cargos, e não por tempo limitado. Creio que têm mais autoridade em vários pontos do que antes, e podem permitir fundações de novos mosteiros. Sendo assim, espero no Senhor que há de ser aprovado nosso projeto. Vossa Senhoria não desista, por amor de Deus.

Brevemente, penso, estará perto o Padre Visitador, e eu lhe escreverei. Ouvi dizer que irá aí. Vossa Senhoria me fará a mercê de falar-lhe, dizendo--lhe em tudo seu parecer. Pode usar de toda confiança, que é muito bom e merece que se trate assim com ele; e, em atenção a Vossa Senhoria, talvez se determine a fazê-lo. Até ver isto realizado, suplico a Vossa Senhoria não abandone o projeto.

A Madre Priora se encomenda às orações de Vossa Senhoria. Todas têm tido cuidado, e de encomendá-lo a Nosso Senhor, e o mesmo farão em Medina, e em qualquer outra parte onde me quiserem causar prazer. Dá-me pena a pouca saúde com que anda nosso Padre Reitor. Nosso Senhor lha dê melhoras, e a Vossa Senhoria tanta santidade como a Ele suplico. Amém.

Mande Vossa Senhoria dizer ao Padre Reitor5, que estamos empenhadas em pedir ao Senhor sua saúde, e que me vou dando bem com o Pe. Santander6. O mesmo não me acontece com os Frades Franciscanos; íamos comprar uma casa muito acomodada para nós, e por ser um tanto perto deles, puseram-nos demanda: não sei em que irá parar.

Indigna serva e súdita de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus, Carmelita.

65. A D. Teutônio de Bragança, em Salamanca

Segóvia, 3 de julho de 1574. Queixa-se do tratamento de Ilustríssima que lhe dá D. Teutônio. Compra casa em Segóvia. Conselhos sobre a oração e a melancolia. Próxima chegada do Padre Visitador.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Senhoria. Eu lhe digo, e é muito certo: se outra vez me sobrescritar do mesmo modo sua carta1, não responderei. Não sei por que me quer dar desgosto, — que de cada vez o é para mim, — e eu ainda não tinha caído na conta: só hoje o percebi. Indague Vossa Senhoria do Padre Reitor como ele costuma fazer, e saiba que não há de pôr outro título, pois é muito fora de minha Religião aquele tratamento. Alegrei-me de que esteja ele com saúde, pois me fez andar cuidadosa. Suplico a Vossa Senhoria lhe dê minhas recomendações.

Impróprio me parece agora o tempo para Vossa Senhoria tentar a sua cura. Praza ao Senhor tenha bom resultado, como eu Lho suplicarei. Sua Majestade dê boa viagem à comitiva de Vossa Senhoria; isto já Lho tenho suplicado, mas quisera que Vossa Senhoria não se afligisse tanto: de que servirá tanta aflição para sua saúde? Oh! se entendêssemos estas verdades, quão poucas coisas nos afligiriam na terra!

Enviei logo a carta, e escrevi ao Padre Reitor2 dizendo-lhe quanto tomo a peito que se faça isto com diligência; devo-lhe muito. Ele tratou da compra de uma casa para nós, e já é nossa, glória a Deus! E muito boa, junto da que agora ocupamos; ficam bem situadas. Conte-o Vossa Senhoria ao Padre Reitor. Era de um cavaleiro chamado Diego de Porras. O Pe. Acosta3 dirá que tal é. Também suplico a Vossa Senhoria que lhe dê minhas recomendações; diga--lhe que suas noviças estão cada dia mais contentes, e nós com elas. Recomendam-se às orações de Vossa Senhoria, assim como todas. Mas quão malcriada estou em rogar a Vossa Senhoria que transmita estes recados! A verdade é que, por ser tão humilde, sofre tudo.

Disso que Vossa Senhoria tem de querer deixar pelo meio a oração, não faça caso; antes louve ao Senhor pelo desejo que habitualmente nutre de fazê--la, e creia que sua vontade o quer e gosta de estar com Deus. É a melancolia que o aflige, com a impressão de que o hão de obrigar à força. Procure Vossa Senhoria algumas vezes, quando se vir nesses apertos, ir a algum lugar de onde veja o céu, e andar passeando, que nem por isso deixará de fazer oração; e é mister levar esta nossa fraqueza de modo a não afligir por demais o natural. Tudo será buscar a Deus, pois é por Ele que andamos à procura desses meios, e é preciso levar a alma com suavidade. Para isto e para tudo, melhor entenderá meu Padre Reitor o que lhe convém.

Estão à espera do Padre Visitador, que já vem próximo. Deus pague a Vossa Senhoria o cuidado que tem de sempre nos fazer benefícios. Escreverei ao Padre Visitador assim que souber onde está; o mais importante é que Vossa Senhoria lhe fale, quando ele aí for. Já fiquei boa; praza ao Senhor, também o esteja Vossa Senhoria, e tire muito proveito do tratamento que vai empreender.

É hoje dia 3 de julho.

Indigna serva de Vossa Senhoria e súdita,

Teresa de Jesus, Carmelita.

Sobrescrito: Ao Muito Ilustre Senhor D. Teotônio de Bragança,           meu senhor, em Salamanca.

66. A Madre María Bautista

Segóvia, 16 de julho de 1574. Responde a certas queixas da Madre María Bautista. Diz que deve ser fixo o número de Irmãs leigas em cada Convento. Achaques da Santa. Assuntos das Descalças de Valladolid e de Segóvia.

Jesus esteja com vossa reverência, filha minha. Achei graça nos seus enfados; pois eu lhe digo que não é por falta de vontade que deixarei de vê--la; pelo contrário, desejo-o tanto, que me pareceu não seria perfeição tratar eu disso, não vendo necessidade que o exija. Com efeito: onde está o Padre Mestre1, que falta posso eu fazer? Por conseguinte, se mo mandarem irei, e se não, não tocarei nesse ponto. Bem me parece que algum proveito se tira nas casas aonde vou, embora aparentemente nada haja a fazer; mas, como vossa reverência é tão prudente, pode ser que eu aí nada tenha a fazer senão folgar-me: aliás já não devo servir para outra coisa.

Nesse caso da Irmã leiga não vale a pena falar, pois é fato consumado; mas confesso que é coisa bem errada para meia dúzia de monjas, como se costuma dizer, ter tantas Irmãs leigas; é muito sem cabimento. Julgo necessário procurar que o Padre Visitador determine o número fixo para elas, como para as monjas. Não sei dizer quanto fico triste por não me contar vossa reverência como está doente, dá-me muita pena. É grande bobagem andar com escrúpulos sobre perfeições no que toca ao seu tratamento, pois vê quanto nos importa a sua saúde. Não sei que faz esse meu Padre... Olhe que me zangarei muito se não obedecer a María da Cruz neste ponto.

Quanto a mim, estou muito moderada em semelhantes matérias. A falar verdade, sempre tive nisto pouca perfeição, e agora parece-me haver mais motivo, pois tão velha e cansada estou que se espantaria de ver-me. Tenho andado estes dias com o estômago relaxado e em boa ocasião vieram as nozes, embora ainda restem das que me tinham enviado para cá; estão ótimas. Coma vossa reverência as que aí ficaram, por amor de mim, e dê um grande recado de minha parte à Condessa de Osorno2. Só uma carta, segundo me parece, recebi de Sua Senhoria, e escrevi outra; tornarei a escrever-lhe, mas quando puder, pois hoje me chegaram três pacotes de cartas, e não poucas ontem; além disto meu confessor está na grade, e, como preciso despachar depressa este moço, não me poderei alargar.

Oh! quão melancólica vem a carta de meu Padre! Indague logo vossa reverência se há documentos que provem as faculdades do Padre Visitador, pois me cansam estes Cônegos3, e agora pedem licença do Prelado para sermos obrigadas a pagar o censo. Se meu padre tal autorização pode dar, é preciso que a dê por escrito e perante tabelião que verifique os poderes que ele tem; e, se assim for, mande-me logo o papel, por caridade, se não quer que eu apodreça. Já estaríamos na casa se não fosse a questão desses miseráveis três mil maravedis que faltam; e talvez me sobrasse tempo para me mandarem ir a Sevilha. Ainda que só fosse para ver que tal é essa sua monja, eu gostaria. Diga a María de la Cruz que folguei com sua carta, e o regalo que dela quero agora é que regale a vossa reverência.

Não deixe de tratar com o Reitor dos Teatinos, pois eu lhe digo, talvez seja ele mais seu amigo que nenhum outro; e, enfim, é proveitoso o trato com esses Padres. O Reitor daqui fez a compra da casa, e concluiu o negócio com o Cabido, e tudo muito bem feito. Boa faça Deus a vossa reverência, filha minha, e não se aborreça comigo, pois já lhe expliquei o que me impede de ir aí. Seria mentira dizer que não quero. Muito me hei de cansar, se aí for, no meio de tanta gente fidalga e tanta barafunda; mas tudo sofrerei a troco de vê-la.

Escrevi ontem à noite a vossa reverência algumas linhas, e já é muito o que lhe escrevo agora, tanta é a minha pressa. Todas as Irmãs se lhe recomendam. Deus ma faça santa. Muito engraçadas são as respostas que põe vossa reverência na carta de meu Padre; não sei a qual dos dois dê crédito. Não se canse em exortá-lo a escrever-me; contanto que vossa reverência me diga como vai ele de saúde, muito bem sofrerei seu silêncio.

Diga-me qual é sua terra4, porque se é Medina, muito mal fará em não passar por aqui. Este moço chegou hoje, 16 de julho, às dez horas. Despachei-o às quatro do mesmo dia. Por que não me informa dos negócios da senhora D. María? Dê-lhe muitos recados de minha parte. Deus me guarde a vossa reverência.

Sua,

Teresa de Jesus.

Sobrescrito: Para minha filha a Madre María Bautista, Priora da Conceição.

67. A Mateo de las Peñuelas1, em Ávila

Segóvia, ano de 1574. Sobre a pobreza das monjas da Encarnação de Ávila. Compadece-se da enfermidade de Francisco de Salcedo.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê. Asseguro-lhe que causou muito prazer a sua carta, que, aliás, não tinha outro fim senão dar-me gosto. Deus pague a vossa mercê, pela honra que me fez por meio dela e por tudo o que me escreveu. No demais, há dias em que nem me lembro de mim: quanto mais de comida. Se tenho algum tempo livre, para pensar, posso dizer a vossa mercê que me preocupo mais com esse Convento da Encarnação do que nos tempos em que aí estava. Não sei como me diz que eu lhe infundia ânimo; era antes vossa mercê quem no-lo dava, a todas nós; e assim lhe suplico que o mesmo faça agora.

Tenho muito pesar de que se comece a gastar do trigo. Era minha intenção pagar as fianças com o resultado de sua venda, pois não posso contar com outra coisa, e tenho receio de que se perca por uma parte o que se ganha pela outra. Já mandei dizer que comprem o necessário para fazer o pão; convém que seja pago com o que se vender do nosso trigo. Ando por aqui a ver se consigo alguns auxílios, para levar comigo quando for. Enfim, espero no Senhor que não nos faltará; por isso, continue vossa mercê a favorecer--nos como é seu costume. Eu lho retribuirei recomendando-o ao Senhor; o mesmo faça por mim. Estou boa, e com tantas cartas a escrever, que não posso dizer mais.

De vossa mercê,

Teresa de Jesus.

Por caridade visite em meu nome o senhor Francisco de Salcedo e diga--lhe quanto me deu pesar sua doença, e quanto me alegrei ao saber por este moço que ele não está dando importância à demanda. Depois de minha última carta, tinham-me contado que andava contrariado, e isto me causou pesar. Provavelmente não a recebeu. É preciso ter muito cuidado com as cartas para a aldeias; veja que assim convém.

68. À Madre María Bautista, em Valladolid

Segóvia, 11 de setembro de 1574. Participa-lhe que não pode ir a Valladolid. Não é possível ir à Encarnação com as mãos vazias, e não possui um ceitil. Duas jovens abastadas desejam entrar nas Descalças de Segóvia. Assuntos do Pe. Báñez e da Ordem Dominicana.

Jhs

Esteja com vossa reverência o Espírito Santo, filha minha. Pela carta que escrevi ao Pe. Mestre Frei Domingo verá o que sucedeu, e como ordenou o Senhor as coisas de maneira que não a posso ir ver. Asseguro-lhe que me dá muito, muito pesar, porque é uma das coisas que neste momen­to me dariam gosto e consolação. Mas viria também a passar, como passam todas as coisas da vida; e quando disto me lembro, qualquer dissabor é fácil de levar.

À minha querida Casilda muito me recomende (o não poder vê-la também me faz pesar), e a María de la Cruz. De outra vez ordenará o Senhor que eu fique aí mais demoradamente do que agora poderia ser. Trate de sua saúde (já vê o quanto é importante e a pena que me dá qualquer notícia de que não a tem), e igualmente de ser muito santa; que eu lhe asseguro: de tudo isto precisa para levar o trabalho que aí tem. Já me passaram as quartãs. Quando o Senhor quer empregar-me em alguma coisa, logo me dá mais saúde.

Partirei daqui no fim deste mês, e estou com receio de que não hei de deixar ainda as Irmãs em sua casa; porque nos comprometemos com o Cabido que entraríamos logo com seiscentos ducados, mas, embora tenhamos um censo muito bom de uma Irmã, no valor de seiscentos e trinta, não achamos quem o queira por caução, nem o tome, nem nos empreste quantia alguma. Encomende isto a Deus, pois muito folgaria de as deixar em casa própria. Se a senhora D. María tivesse dado o dinheiro, muito bem lhes ficaria tomarem aí o censo, pois é muito bom e seguro. Avise-me se lhe é possível fazer este negócio, ou se sabe quem o queira, ou quem no-lo empreste; daremos boa caução no valor de mais de mil ducados; e encomende-me a Deus, pois vou empreender tão longa caminhada em tempo de inverno.

No fim deste mês, ao mais tardar, irei à Encarnação. Se até lá quiser mandar-me alguma coisa, escreva-me, e não se entristeça por não me ter aí. Talvez sofresse mais se me visse tão velha e cansada. A todas dê minhas recomendações. Bem quisera ver Isabel de S. Pablo. A todas nos mortificaram estes Cônegos. Deus lhes perdoe.

Veja se tem por lá quem me empreste alguns reais; não os quero dados, é só enquanto não me pagam os que meu irmão me enviou. Até ouvi dizer que já foram cobrados. É porque estou completamente sem dinheiro; e ir assim à Encarnação, não é admissível. Aqui não há possibilidade agora, por ser pre­ciso acomodar a casa: portanto pouco ou muito, procure arranjar-me algum.

Propuseram-nos agora duas pretendentes muito vantajosas, que desejam entrar aqui e trazem mais de dois mil ducados; com isto se poderá pagar a casa, que custou quatro mil, além desses seiscentos, e ainda sobrará. Para que louve ao Senhor lhe conto isto, pois foi uma grande graça, e também por serem tão boas as que vamos receber. Nada tenho sabido acerca dos negócios da senhora D. María; dê-me notícias. Mande-lhe um recado de minha parte, para ver se me envia alguma coisa.

Glória seja a Deus, que chegou com saúde meu Pe. Frei Domingo. Se por acaso o Pe. Mestre Medina passar aí, mande entregar-lhe a minha carta, pois, segundo me disse o Padre Provincial, imagina que estou aborrecida com ele por uma que me escreveu e antes achei nela motivo para lhe ser grata do que para me zangar. Deve estar pensando também que eu sei o que ele falou àquela pessoa, embora eu nada lhe tenha dito. Nosso Padre Visitador me disse que ela já é noviça, e só levou mil ducados de dote. Escreva-me contando como vai ela e o que diz Nosso Padre a esse respeito. Enfim, como é em sua Ordem, terá paciência.

Há pouco escrevi a vossa reverência uma carta; não sei se lha entregaram. Faz mal de passar tanto tempo sem me escrever, pois sabe quanto gosto me dão as suas cartas. Esteja Deus com vossa reverência. Sinto uma pena extraordinária de não poder ir vê-la, pois ainda tinha alguma esperança.

É hoje dia 11 de setembro.

De vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Sobrescrito: Para a Madre Priora María Bautista.

69. A D. Teutônio de Bragança, em Salamanca

Segóvia, 15 de setembro de 1574. Sobre diversos                   assuntos de particulares e da Reforma.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa Senhoria. Muito grande consolo me deu saber que está com saúde Vossa Senhoria. Praza a Nosso Senhor vá sempre melhor. Pague-me agora o muito que encomendei Vossa Senhoria a Sua Majestade fazendo outro tanto por mim, que tenho bastante necessidade para as longas caminhadas que tenho de andar.

Ao Padre Reitor escrevo o que deixou ordenado o Padre Visitador a meu respeito; Vossa Senhoria lho pergunte. Mandou-me igualmente escrever a Vossa Senhoria contando-lhe como deixou determinado que permanecesse eu em S. José. Também me disse que o Padre Prior de Atocha lhe tinha escrito contando que o Núncio prometera dar licença para o mosteiro, no caso de estar de acordo Sua Paternidade. Não me mandou escrever isto a Vossa Senhoria; provavelmente por pensar que já o tinha sabido pelo próprio Núncio. Conheci que tem desejo de dar a Vossa Senhoria contentamento em tudo, o que muito me alegrou; e assim gostarei de que fique esse clérigo a serviço de Vossa Senhoria, se dele se agradar.

O Pe. Gómez1 tem estado aqui várias vezes; parece-me muito boa pessoa. Disse-me que desejava saber se Vossa Senhoria tinha ficado com aquele outro que foi daqui, pois soube que está aí nessa cidade. Insisti muito com ele que recomendasse Vossa Senhoria a Deus, pois estava doente, e ele o tomou a seu cargo. O mesmo faremos no negócio pelo qual Vossa Senhoria nos manda rezar, pedindo que determine Nosso Senhor aquilo que for mais para seu divino serviço. Faça-o Sua Majestade como pode, e tenha a Vossa Senhoria de sua Mão. Não tive hoje tempo bastante para escrever, e assim não me alargo mais.

É hoje 15 de setembro.

Indigna serva de Vossa Senhoria e súdita,

Teresa de Jesus, Carmelita.

70. À Madre María Bautista, em Valladolid

Segóvia, setembro de 1574. Terminada a fundação de Segóvia, dispõe-se a regressar a Ávila. Próxima fundação de Beas de Segura. Propõe Ana de Jesus para Priora desta fundação.

Jhs

Esteja com vossa reverência, filha minha, o Espírito Santo. Parece-me que me consolou, no pesar que me dá o ter de partir sem ir vê-la, saber que vossa reverência sente o mesmo. Mas, afinal, pode o Senhor muito em breve arranjar as coisas de algum modo que agora não entendemos, para me demorar eu mais tempo aí. Enquanto aqui estive, é certo que isto não seria possível, e o ver-nos tão pouquinho é grande cansaço; todo tempo se vai em visitas e em perder sono para falar, e, como é tanta a vontade, não faltará alguma palavra ociosa. Entretanto há muitas coisas que gostaria de dizer a vossa reverência, e não o posso fazer por carta: uma delas é que não quero desagradar ao Mestre Medina. Creia que não me faltam motivos, e com este modo de agir já tenho visto algum proveito; por isso, não deixe de enviar-lhe a carta, nem se aflija de que ele não seja muito amigo, pois nem tem muita obrigação, nem tem importância o que disser de mim; e por que vossa reverência não me conta tudo?

Saiba que eu disse ao Padre Provincial que haviam negociado bem para tirar-nos a jovem Samanó. Sabe o que estou vendo? É que Deus as quer pobres honradas, e assim lhes deu Casilda que o é e vale mais que todos os dinheiros. Parece que o Padre Visitador reconheceu isto, e quis dar-me satisfações; ao menos desculpou muito ao Pe. Orellana1, e, assim, creio que ela mesma o quis. Já estou cansada de falar nessa bendita.

Escrevi a vossa reverência uma carta que foi por um Teatino, ou não sei por quem, depois daquela à qual já me respondeu. Foi pelo mensageiro que costuma levá-las à Priora da Madre de Deus. Nessa carta lhe contava como havíamos conseguido o dinheiro e como tudo está acabado, glória a Deus. Estou apressando os preparativos para fazer a mudança antes da minha partida; não sei se entregarão a casa. Há pouco que fazer, por ser junto da nossa. Com isto não se aflija. Deus lhe pague os conselhos. Creio ter entendido o que está riscado na carta. Saiba que Beas não é em Andaluzia, é cinco léguas antes e já sei que não posso fundar na província andaluza2.

Está em minhas mãos o livro3; recebi-o dois ou três dias, se não me engano, após a partida do Bispo para a Corte; devia remeter-lho para lá, mas não soube onde está hospedado. Remeto-o a vossa reverência para que lho entregue em mão própria, assim como está, quando ele partir, mas antes de tudo dê-lhe esta carta que vai endereçada a Sua Senhoria e não sofre demora. Nela incluo um recado para a senhora D. María.

Levo para a Priora Ana de Jesus, que é uma de Placência, que tomamos em S. José, e tem estado, e ainda está em Salamanca. Não vejo agora outra que convenha para ali. E saiba que dizem maravilhas da santidade e humildade de uma daquelas duas senhoras fundadoras4, ambas, aliás, são boas, e é mister não levar quem lhe pegue imperfeições, pois está aquela casa em lugar onde há de ser princípio para muito bem, segundo esperamos. Digo isto por causa daquela sua monja.

Muito breve, com o favor de Deus, fundaremos outra; mas quem não se dá bem com vossa reverência será mau elemento para principiar uma fundação; bem quisera eu tirá-la daí. Das de Pastrana hão de ir quatro, e ainda acho poucas; pois, com duas que entrarão brevemente, completaremos o número de vinte e duas. A dos mil e quinhentos ducados entra sábado e tem admirado a todos com seu fervor; não sei até onde irá; as que estão aqui, asseguro-lhe, são extremamente boas. Indo seis, com a Priora, que não é daqui, e a Subpriora, fica um número razoável. Temos quatro Irmãs leigas que verdadeiramente são ótimas. Forçosamente havemos de tirar daqui outras monjas, porque acho que vão entrar muito boas pretendentes. Veja se era possível deixar agora de lado a fundação de Beas; até precisamos ainda de outro mosteiro.

Pensava vossa reverência, minha filha, fazer-me grande honra dizendo-me que eu não fosse. Terei de ir este inverno, porque assim Deus determinou; não sei como poderei passá-lo nessas terras frias, que me fazem tanto mal. Sem terem em nenhuma conta o que tenho passado aqui. Poderá ser que assim como...

71. Ao Pe. Domingo Báñez, em Valladolid

Ávila, 3 de dezembro de 1574. Sofrimentos interiores              da Santa. Assuntos de suas Descalças.

... Eu lhe digo, meu Padre, que já meus prazeres, ao que me parece, não são deste mundo; pois o que quero não o tenho, o que tenho não o quero. E o pior é que a consolação que costumava ter com os confessores já não encontro; preciso de quem seja mais do que confessor. Coisa que seja menos que contato de alma, não satisfaz seu desejo. Asseguro-lhe entretanto que em lhe escrever esta, achei alívio. O mesmo conceda sempre Deus a vossa mercê em amá-lo.

Diga a essa sua freirinha, tão preocupada em pensar se as Irmãs lhe vão dar, ou não, os votos, que é adiantar-se demais e ter pouca humildade; deixe por conta de vossa mercê e dos que olhamos o bem dessa casa, o ver a monja mais conveniente para o cargo, pois isso mais nos interessa a nós do que a elas. É mister dar-lhes a entender estas e outras coisas semelhantes. Quando vir a senhora D. María, recomende-me muito a ela, que há bastante tempo não lhe escrevo. Não é pouco o estar passando melhor, com tanto gelo. Creio que é dia 3 de dezembro, e eu filha e serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

72. A Antonio Gaytán em Salamanca

Valladolid, dezembro de 1574. Dá conselhos                        sobre a oração e contemplação.

Jesus esteja com Vossa Mercê e lhe pague a esmola do livro, que está muito a meu gosto. Para responder ao que vossa mercê pergunta, precisaria eu ter mais tempo (refiro-me ao que diz respeito à oração); mas em substância digo-lhe que, para as almas que chegaram à contemplação, é muito ordinário esse modo de proceder. Tenho-o dito a vossa mercê muitas vezes, mas vejo que se esquece. Saiba que, assim como neste mundo há variedade de tempos, o mesmo acontece no interior, e não pode deixar de ser; por isso, não se aflija, não é por sua culpa.

No demais, não tenho voto, porque sou parte interessada; e também, por inclinação natural, prefiro sempre o estado de soledade — embora não tenha merecido gozar dele —, e, sendo isto o que se professa em nossa Ordem, poderia aconselhar vossa mercê sob o meu ponto de vista e não segundo o que lhe convém. Trate-o claramente com o Padre Reitor1, e sua Mercê verá o que for melhor; e por outro lado vá considerando qual o pendor de seu espírito. Deus o guarde. Escrevo tantas cartas, que nem sei como lhe pude dizer isto, e o portador está à espera.

Sobre minha ida, por enquanto nada sei, nem vejo como seja possível este ano; mas Deus tudo pode. Encomende-me muito vossa mercê a Sua Majestade, que o mesmo lhe prometo eu; e faça-me sempre saber de si.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

Sobrescrito: Ao Muito Magnífico Senhor Antonio Gaytán, meu senhor.

73. A D. Ana Enríquez, em Toro

Valladolid, 23 de dezembro de 1574. Sentimento por não estar D. Ana em Valladolid. Elogio do Pe. Baltazar Álvarez e de algumas Descalças desta casa. Um sermão do Pe. Báñez.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com vossa mercê. Muito consolo fora para mim achar a vossa mercê neste lugar; por bem empregado dera o caminho para gozar de vossa mercê mais de assento que em Salamanca. Não mereci de Nosso Senhor esta graça. Seja Ele para sempre bendito. Esta Priora gozou tudo; aliás, é melhor que eu, e grande servidora de vossa mercê.

Muito me alegrei de que tenha vossa mercê aproveitado de meu Pe. Baltazar Álvarez alguns dias, achando nele alívio para seus muitos trabalhos. Bendito seja o Senhor, que dá a vossa mercê mais saúde que de costume. A minha está agora muito melhor do que em todos estes outros anos passados, o que é muito de admirar com este tempo. Encontrei nesta casa tais almas, que me fazem louvar a Nosso Senhor. E ainda que, a meu parecer, Estefanía certamente é santa, não menos me satisfez o ver o talento de Casilda, e as mercês que Deus lhe faz, desde que ela tomou o hábito. Sua Majestade o leve adiante; são muito de prezar essas almas que ele tão cedo toma para si.

A simplicidade de Estefânia para tudo, exceto para Deus, é coisa que me espanta, quando vejo a sabedoria com que, a seu modo, fala da verdade.

Visitou o Padre Provincial1 esta casa, e presidiu à eleição. Escolheram a mesma Priora que tinham2. Para Subpriora trouxemos uma de S. José de Ávila, que foi eleita e se chama Antonia do Espírito Santo3. A senhora D. Guiomar a conhece; é de muito bom espírito.

A fundação de Zamora parou por enquanto, e vou tornar à longa jornada que pretendia fazer4. Já eu havia pensado em procurar meu contentamento passando por essa cidade a fim de beijar as mãos de vossa mercê. Há muito não recebo carta de meu Pe. Baltazar Álvarez, nem lhe escrevo; e não, por cer­to, com o fim de me mortificar, que neste ponto nunca faço progresso, e até, penso, posso dizer o mesmo em todos os outros; mas vivo tão atormenta­da com estas cartas, que, em sendo alguma só para minha consolação, sempre me falta tempo. Bendito seja Deus, que havemos de gozar d’Ele com segurança eternamente; mas cá na terra, com tantas ausências e variedades a toda hora, pouco apreço podemos fazer de todas as coisas. Com este esperar o fim, vou passando a vida; dizem que com trabalhos, mas a mim não me parece.

A Madre Priora aqui me tem falado do meu “guarda”5, não está menos encantada com seus encantos do que eu. Nosso Senhor o faça muito santo. Suplico a vossa mercê lhe dê minhas recomendações. Eu o entrego a Nosso Senhor muitas vezes, assim como também ao senhor D. Juan Antonio. Vossa mercê não me esqueça, por amor do Senhor, que sempre vivo necessitada. Da senhora D. Guiomar já nos podemos descuidar, segundo diz vossa mercê, e ela o confirma. Muito gostarei de ter alguma pequena notícia por onde possa atinar qual o sucesso de que se trata, a fim de me alegrar, partilhando o contentamento de vossa mercê. Nosso Senhor lhe dê a vossa mercê tão grande alegria de alma, neste Natal, como lho suplicarei.

Neste dia de S. Tomé6 fez aqui o Pe. Frei Domingo um sermão, onde elevou tanto o valor dos trabalhos, que muitos quisera eu ter tido, e que ainda o Senhor mos dê no porvir. Extremamente me têm contentado seus sermões. Elegeram-no por Prior. Não se sabe se será confirmado. Anda tão ocupado que muito pouco me foi dado gozar dele, mas, se outro tanto pudera eu ver a vossa mercê, já me daria por contente. Assim o ordene o Senhor, e dê a vossa mercê tanto descanso e saúde como lhe for necessário para ganhar aquele que não tem fim. Amanhã é vigília de Natal.

Indigna serva e súdita de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

74. A uma senhora

Dezembro de 1574. Diz quando poderá recebê-la                       e falar-lhe de assuntos espirituais.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com vossa mercê. Não foi preciso ver a vossa mercê para me considerar muito favorecida em querer vossa mercê proporcionar-me o prazer de beijar-lhe as mãos; porque desde que entendi como vossa mercê compreende bem tudo o que é bom, teria eu mesma procurado este contentamento, se me fosse possível. E assim, suplico a vossa mercê: tenha por certo que me fará grande honra quando vier cá; e tanto maior quanto a hora lhe permitir demorar bastante. Dispunha eu de tão pouco tempo no dia de S. Tomé, que gostei de aparecer um motivo para vossa mercê deixar sua vinda para outro dia.

A respeito do que diz vossa mercê, antes fora acrescentar contentamento que impedi-lo; porque não havia ensejo para tratar das coisas da alma, e todos os outros assuntos dariam em muita perda de tempo. Assim o deve vossa mercê fazer no serviço de Nosso Senhor, pois goza de tão boa doutrina. Bem parece que o mereceu vossa mercê. Praza a Nosso Senhor não se prejudique com esta serva tão ruim que quer tomar. Veja pois vossa mercê o que faz, porque, uma que me receba por tal, está obrigada a si mesma a não me despedir. Em todas as coisas é de grande proveito olhar bem os princípios, para que os fins sejam bons. Para mim não o pode deixar de ser; e assim, no dia em que vossa mercê mandar e à hora que lhe aprouver, será muito favor para mim a sua visita.

Seja sempre Nosso Senhor luz e guia de vossa mercê.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

75. A D. Inés Nieto

Valladolid, 28 de dezembro de 1574. Dificuldades que tem a Santa para admitir sem dote uma jovem recomendada por D. Inês.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê. Embora não lhe tenha podido escrever mais cedo, pode vossa mercê estar certa: não a esqueço diante de Nosso Senhor em minhas pobres orações, e muito me alegrei com o contentamento de vossa mercê. Praza a Nosso Senhor assim o goze muitos anos em seu serviço. Espero em Sua Majestade que nada servirá de impedimento a vossa mercê, embora não lhe faltem estorvos. São deste número todos os chamados bens desta vida miserável; e assim, de muito aproveitará a vossa mercê o ter vivido empregada em Deus nos anos passados, para dar a cada coisa o justo valor estimando-a como merece o que tão breve há de acabar.

A senhora Isabel de Córdova, há já muito tempo, trata com a Priora desta casa, que a tem na conta de muito serva de Deus, e por esta razão procurei falar-lhe. Soube que é parenta próxima do senhor Albornoz, o que me fez desejar sua entrada aqui. Todavia, como está ainda por fazer esta casa, da qual é fundadora a senhora D. María de Mendoza, é preciso, para a recebermos, que contribua com alguma esmola. Contou-me ela que o senhor Albornoz lhe prometera ajudá-la para fazer-se monja, e eu lhe disse que, segundo me parece, de melhor vontade o fará Sua Mercê quando souber que é para o ser neste mosteiro. Realmente, ainda que eu quisesse recebê-la de outro modo não o poderia fazer, tanto por causa da senhora D. María como em atenção às monjas, pois, estando elas necessitadas, sendo tão limitado o número e havendo tantas pretendentes, não seria justo privá-las de receber quem as possa ajudar. D. Isabel tem uma propriedade, segundo me disse, mas é de tal natureza, que não sei se poderá ser vendida. Se houver alguma solução — ainda que seja trazer menos do que outras poderiam trazer, — farei o que estiver em minhas mãos, pois, pode estar certa, desejo servir, como é de meu dever, a vossa mercê e ao senhor Albornoz, a cujas orações me recomendo; e eu nas minhas, embora miserável, farei o que manda Sua Mercê.

Pague-lhe Nosso Senhor a imagem; reconheço que a mereci. Suplico a vossa mercê que a deixe aí bem guardada, até que eu lha peça, o que será quando eu estiver mais de assento em algum mosteiro, do que estou agora, a fim de a poder gozar. Faça-me vossa mercê a graça de não me olvidar em suas orações. Dê Nosso Senhor a vossa mercê todo o bem espiritual que Lhe suplico. Amém. É hoje dia dos Santos Inocentes.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

76. A D. Teutônio de Bragança em Salamanca

Valladolid, 2 de janeiro de 1575. Congratula-se com D. Teutônio por sua boa saúde e pelos seus trabalhos em benefício da Descalcez. Zamora e outras fundações de Descalças. Elogio da Irmã Estefânia. Fundação de Madrid. Mais fundações. A casa de Salamanca.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa Senhoria e lhe dê tantos e tão bons princípios de ano, com muita santidade, como eu desejo e suplico. Estava ansiosa por ver letra de Vossa Senhoria e saber se já estava em Salamanca, pois não sabia para onde escrever a Vossa Senhoria; e agora não sei se dará o tempo para poder alongar-me, como desejo, por aproveitar um mensageiro muito certo, que vai levar esta carta. Louvo a Nosso Senhor por estar Vossa Senhoria passando bem. Quanto a mim, estou com saúde e geralmente a tenho tido, o que é de admirar nesta estação.

Sua Majestade pague a Vossa Senhoria o bom desempenho que deu a tudo que lhe supliquei; parece-me verdadeiramente que tomou a Vossa Senhoria a Virgem Nossa Senhora por valedor de sua Ordem. Consola-me pensar que Ela lho pagará melhor do que eu saberei pedir, embora sempre o faça.

O mosteiro de Zamora por enquanto está de lado; de uma parte por não haver tempo, pois agora mais convém fundar em terras de muito calor; de outra parte, porque a pessoa que nos dava a casa parece não estar muito disposta e foi para fora, conquanto não tenha desistido de todo. Aliás, tenho também considerado que, para mosteiro de pobreza, é ocasião de muitos dissabores ser fundador quem não pode ajudar suficientemente, sobretudo se exigir o padroado. Melhor será, ao que me parece, fundar de outro modo, comprando nós a casa; mas para isso precisaremos de mais tempo. O Senhor proverá quando for servido de que se faça a fundação.

Muita mercê me fez Vossa Senhoria de ter trabalhado tanto para obter a licença. Quando se oferecer mensageiro, poderá mandá-la, mas não há necessidade de despachar um próprio só para isso.

A respeito de Torrijos1, não se incomode Vossa Senhoria, pois, asseguro--lho, o lugar não é nada de meu gosto. Só aceitaria por obediência a Vossa Senhoria; pois receber pessoas de cujos bens tenhamos tanta necessidade, que se não servirem para a Ordem não as possamos despedir logo, é condição que nestas casas não se pode admitir.

Tenho pesar de que não tenha logrado inteiramente Vossa Senhoria o fruto de seus intentos; contudo, espero no Senhor que não deixarão de ter proveito as palavras de Vossa Senhoria, ainda que não se veja logo o resultado. Praza ao Senhor se resolva bem o negócio de Roma. Muito Lho suplico, se há de reverter em seu serviço; e assim espero que será, se o Senhor o determinar, pois tanto Lho temos pedido.

Acerca do mosteiro da Condessa, não sei que dizer, porque, embora há muito tempo se fale nisso, confesso a Vossa Senhoria: antes quisera fundar, desde o começo, quatro dos nossos de monjas, porque em quinze dias fica assentado nosso modo de viver, e as que entram não fazem mais do que seguir o quem vêem nas que já estão. É mais fácil do que adaptar essas benditas, por santas que sejam, à nossa maneira de proceder. Falei a duas em Toledo; vejo que são boas, e, no seu gênero de vida, vão indo bem; além disso, asseguro, não sei como me atreveria a tomá-las a meu cargo, porque me parece vão mais por via de aspereza e penitências que por mortificação e oração, ao menos em geral; contudo, se aprouver ao Senhor, colherei mais informações, pois Vossa Senhoria assim o julga conveniente.

Muito grande coisa foi ter Vossa Senhoria tão a seu favor o Marquês; é de suma importância. Praza a Deus venha bom despacho, pois, nos negócios de cá, estando Vossa Senhoria interessado, espero no Senhor que tudo se fará bem. Poderei dispensar-me de escrever cartas que prejudiquem ao Pe. Olea2, já que é a Vossa Senhoria que agora se deve escrever. Tive pesar, pelo que se lhe deve; mas, a meu parecer, foram as minhas cartas parar em outras mãos. Deve ter havido descuido por parte da Priora de Segóvia, por não julgar que fossem tão importantes. Gosto de saber para onde hei de escrever quando for necessário; e prouvera a Deus que em algumas destas minhas saídas se me oferecesse ocasião de falar a Vossa Senhoria. Por certo, são das coisas que mais me cansam na vida e das que maior trabalho são para mim; e vejo que, ainda por cima, o levam a mal! Muitas vezes tenho pensado quanto melhor seria para mim ficar no meu sossego, se não fosse ter preceito do Geral; por outro lado, quando vejo como é servido o Senhor nestas casas, tudo me parece pouco. Sua Majestade me encaminhe a fazer sua vontade.

Digo a Vossa Senhoria que neste convento há almas que me têm despertado a louvores de Deus quase de contínuo, ou pelo menos muito ordinariamente. Ainda que Estefania é grande coisa e, a meu parecer, santa, asseguro--lhe que a Irmã Casilda de la Concepción é tal, tanto no exterior como no interior, que me causa espanto. Se Deus a guardar assim, há de ser grande santa, porque se vê claramente a ação divina em sua alma. Tem muito talento (para sua idade, parece incrível) e muita oração, tendo-a o Senhor favorecido desde a tomada de hábito. Grandes são o seu contentamento e a sua humildade; é coisa fora do comum. Ambas prometem encomendar muito particularmente Vossa Senhoria a Nosso Senhor.

Não quis deixar Casilda escrever a Vossa Senhoria: primeiro, porque andamos com cuidado para não transparecer que se faz caso dela, embora certamente não haja perigo; pois é muito singela: em certas coisas é um Frei Junípero. Segundo, porque não quero que Vossa Senhoria dê importância ao que nós outras, mulherezinhas, lhe dissermos, tendo Vossa Senhoria tão bom pai que o estimula e ensina e tão bom Deus que lhe tem amor.

No que se refere a Madrid, não lho sei explicar: apesar de ver que convém a estas casas ter uma ali, sinto estranha repugnância; deve ser tentação. Ainda não vi carta do Prior Covarrubias3. Dificultoso seria fazer essa fundação sem licença do Ordinário, porque assim o mandam, tanto a patente que tenho, como o Concílio; mas se não houver outro obstáculo, creio que conseguiremos. O Senhor o encaminhe.

Partirei daqui, após o dia de Reis. Vou a Ávila, passando por Medina, onde, penso, não me deterei mais de um a dois dias; nem tão pouco demorarei em Ávila, pois irei logo a Toledo. Quisera pôr de lado este negócio de Beas. Por onde quer que eu vá, escreverei a Vossa Senhoria sempre que ache mensageiro. Por caridade, encomende-me a Nosso Senhor.

Sua Majestade pague a Vossa Senhoria o cuidado que tem com essas Irmãs; é bem grande caridade, pois não lhes faltam trabalhos. Muito gostaria eu de me achar aí, mas, como não é caminho para a fundação, ser-me-ia penoso; e, a não ser que assim me ordenem, não o farei, nem hei de fazer mais do que os letrados declararem ser lícito. Creio que se derem mais ao proprietário, ele se contentará; e vale a pena, porque o lugar é muito bom, pode-se aumentar o terreno, e é bonita a igreja. Quanto ao que Vossa Senhoria propõe, acho-o fora de mão. Enfim, o local é o que mais importa, do resto não faço questão, mesmo que se tivesse de perder o que já está feito. Vossa Senhoria olhe tudo isso, junto com o Padre Reitor, como coisa de Nossa Senhora; e conforme o que decidirem, faremos. Até que eu volte de Beas, de um ou de outro modo, gostaria que esperassem, para não surgir alguma novidade. Se me for possível virei por todo o mês de abril.

Das imperfeições de Vossa Senhoria não me espanto, que muitas vejo eu em mim, conquanto aqui tenha eu tido muito mais ocasião de estar só do que de muito tempo para cá, — o que foi para mim grande consolação. A mesma dê Nosso Senhor à alma de Vossa Senhoria, como eu Lho suplico. Amém. Dos exageros de que me fala Vossa Senhoria, já tinha entendido alguma coisa, e também outros pontos, mas sou tão agradecida por natureza e é tão grande o zelo daquela pessoa, que me vejo obrigada a passar pelo que está bem longe de ser verdade. Contudo fico de sobreaviso. A Priora se encomenda muito às orações de Vossa Senhoria, e, agora que o conhece, sente pesar de não ter entendido bastante a mercê que lhe fazia Deus com a visita de Vossa Senhoria.

É hoje dia 2 de janeiro.

Serva indigna de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus.

77. A D. Alvaro de Mendoza, em Ávila

Beas, 11 de maio de 1575. Elogio do Pe. Gracián. Fundação           de Sevilha. Bons serviços de Julián de Ávila.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa Senhoria. Cada dia entendo mais a mercê que me faz Nosso Senhor por me ter convencido do bem que há no padecer, para levar com ânimo tranqüilo o contentamento tão escasso que há nas coisas desta vida, pois são de tão pouca duração.

Saiba Vossa Senhoria que me dei muita pressa para ter um bom verão este ano, aí em Ávila ou Valladolid; mas veio aqui o Pe. Gracián1, Provincial de Andaluzia, por comissão do Núncio, o qual o enviou para cá depois de o Contrabreve...2 ...boas3, e é tal, que eu me folgaria muito se ele lhe fosse beijar as mãos, para ver Vossa Senhoria se me engano. Muito o deseja ele, porque lhe relatei a benevolência que sempre mostra Vossa Senhoria à Ordem. Ver nela um homem tão capaz, muito me tem consolado.

Finalmente, partiremos para Sevilha na segunda-feira da semana que vem. A distância é de cinqüenta léguas. Bem creio que o Prelado não me obrigaria a ir, mas vi nele tanta vontade, que se eu o não fizesse, ficaria com muito escrúpulo de não cumprir a obediência, como sempre desejo. De minha parte tive pesar, e até não gostei muito de ir com este fogo passar o verão em Sevilha. Praza ao Senhor seja para seu serviço; o resto pouco importa. Suplico a Vossa Senhoria me lance a sua bênção e não se esqueça de me encomendar a Nosso Senhor.

Conforme ouvi dizer, acharei lá mensageiros — o que neste lugar faltam por ser muito retirado, — e escreverei a Vossa Senhoria. Praza a Nosso Senhor dar-lhe saúde, como sempre Lho suplico. O mesmo faz o Pe. Julián de Ávila; ajuda-me muito bem. Beijo as mãos de Vossa Senhoria muitas vezes. Sempre temos a Vossa Senhoria presente, e a … e penso no descanso que eu encontraria aí. De tudo seja o Senhor servido, e guarde-me a Vossa Senhoria muito mais do que a mim.

É hoje véspera da Ascensão.

Indigna serva e súdita de Vossa Senhoria,

Teresa de Jesus.

Tenho tido saúde aqui, e até muito mais que de costume, glória a Deus.

78. À Madre Inés de Jesus Medina

Beas, 12 de maio de 1575. Grata impressão recebida da visita do Pe. Gracián em Beas. Elogios deste Padre. Fundações de Sevilha e Caravaca.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa reverência, filha minha. Bendito seja Deus! Chegaram aqui suas cartas, que eu não pouco desejava. Sempre me parecem curtas, e nisto vejo que lhe quero mais que a outras parentas muito próximas. Fiquei muito consolada por saber que está com saúde; o Senhor lha dê, como suplico. Sinto muita pena por vê-la sempre com esse tormento, como se não fossem poucos os que o ofício da Priora traz consigo; e está sendo tão ordinária agora, que há necessidade de tomar muito remédio. O Senhor faça acertar com o que lhe convier.

Ó Madre minha, como desejei tê-la comigo nestes últimos dias! Saiba que, a meu parecer, foram os melhores de minha vida, sem encarecimento. Passou aqui mais de vinte dias o Pe. Mestre Gracián. Eu lhe asseguro que, embora tenha tratado tanto com ele, ainda não entendi todo o valor deste homem. A meus olhos é perfeito, melhor do que o saberíamos pedir a Deus para nós. O que agora há de fazer vossa reverência, e todas, é suplicar a Sua Majestade que no-lo dê por Prelado. Se assim for, posso descansar do governo destas casas, pois tanta perfeição com tanta suavidade, nunca vi. Deus o tenha de sua Mão, e o guarde; por nenhuma coisa do mundo quisera eu deixar de o ter visto e tratado com ele.

Ficou à espera de Maríano; e nós muito contentes de que este tardasse tanto. Julián de Ávila está perdido por ele, e o mesmo acontece a todos. Prega admiravelmente. Creio que tem progredido muito desde o tempo em que vossa reverência o viu; os grandes trabalhos que passou lhe foram de grande proveito. Tantas voltas deu o Senhor, que parto na próxima segunda-feira, com o favor de Deus, para Sevilha. Ao Pe. Frei Diego escrevo, explicando mais particularmente as razões.

No fim de contas descobriu-se que está esta casa em Andaluzia, onde é Provincial o Pe. Mestre Gracián, de modo que, sem mesmo o entender, eis--me feita sua súdita, e como a tal teve autoridade para me mandar. Além disso já estávamos com intenção de ir a Caravaca, tendo dado o Conselho de Ordens a licença; mas veio esta em tais termos, que nada adiantou, e assim ficou determinado fazermos logo a fundação de Sevilha. Muito me consolaria de levar vossa reverência comigo; mas vejo que tirá-la daí agora seria a ruína dessa casa, sem falar em outros inconvenientes.

Penso que o Pe. Mestre1 irá vê-la antes de voltar para cá, porque o mandou chamar o Núncio; estará em Madrid quando vossa reverência receber esta minha carta. Estou com muito mais saúde que de costume, e assim sempre tenho estado aqui. Como passaria eu melhor o verão junto de vossa reverência que no fogaréu de Sevilha! Encomende-nos ao Senhor, e diga-o a todas as Irmãs, dando-lhes minhas recomendações.

Em Sevilha haverá mais mensageiros e poderemos ter correspondência mais a miúdo; e assim nada mais acrescento do que pedir-lhe que me recomende muito ao Padre Reitor e ao Licenciado; conte-lhes o que se passa e diga-lhes que me encomendem a Deus. A todas as Irmãs, minhas lembranças. O Senhor a faça muito santa.

É hoje dia da Ascensão.

San Jerónimo2 se recomenda a vossa reverência. Vai para Sevilha com outras cinco de muito bons talentos; e a que será Priora é muito própria para o cargo.

De vossa reverência serva,

Teresa de Jesus.

Não sei para que tanta pressa em fazer professar Juana Bautista. Deixe-a esperar um pouco mais, que é muito mocinha; se lhe parece outra coisa, e se está contente com ela, faça-o; mas não me pareceria mal o prolongar-lhe a provação, pois me pareceu enferma.

79. A uma pessoa de Ávila

Sevilha, 4 de junho de 1575. Pede entregar a Julián de Ávila o dinheiro que ele gastara no seu regresso de Sevilha.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com vossa mercê. Grande coisa é ter tão bom depositário para o tempo da necessidade. Agora é grande a que tenho, e por isso suplico a vossa mercê, desse dinheiro que tem em sua mão, dê ao senhor Julián de Ávila o que vossa mercê puder; é para pagar as despesas da viagem, porque o tomou emprestado. Por este papel, firmado de meu nome, o dou por recebido; e encomende-me a Nosso Senhor, que eu, embora tão ruim, lho pago; o mesmo dia ao Pe. Mestre e à minha boa irmã, a senhora Catarina Daza3.

Muitas saudades meu causa o estar tão longe de uma pessoa a quem quero tanto bem; assim se há de passar esta vida. Se eu já não estivesse determinada a jamais viver sem cruz, seria custoso. Dê Nosso Senhor a vossa mercê o descanso que lhe desejo, com muita santidade.

Em data de 4 de junho, ano de 1575.

Desta casa de S. José de Sevilha.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

80. Ao Revmo. Pe. Frei João Bautista Rubeo,
Geral do Carmo em Roma

Sevilha, 18 de junho de 1575. Carinho filial da Santa para com o Pe. Geral. Dá-lhe conta de algumas fundações. Desculpa os Padres Gracián e Ambrósio Maríano contra os quais estava indisposto o Pe. Geral. Vida exemplar dos Descalços primitivos.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa Senhoria. A semana passada escrevi a Vossa Senhoria longamente, por duas vias, sobre o mesmo assunto, porque desejo que lhe chegue às mãos a carta. Ontem, 17 de junho, entregaram-me duas de Vossa Senhoria, as quais muito desejava: uma com data de outubro e a outra de janeiro. Ainda que não eram tão recentes como eu quisera, consolei-me muitíssimo com elas, sobretudo por saber que está Vossa Senhoria com saúde. Dê-lha Nosso Senhor, como todas nós, suas filhas, suplicamos, que é muito contínuo este cuidado nestas casas de Vossa Senhoria. Todos os dias fazemos particular oração no coro para este fim, e, além disto, todas se desvelam, pois, como sabem quanto amo a Vossa Senhoria e não conhecem a outro por Pai, consagram a Vossa Senhoria grande amor; e não é muito, pois não temos outro bem na terra. Como todas vivem muito contentes, não sabem como agradecer a Vossa Senhoria o ter-lhes dado princípio.

Escrevi a Vossa Senhoria contando a fundação de Beas e como, em Caravaca, haviam pedido outra, mas deram licença com tal inconveniente que não a quis admitir. Já tornaram a dá-la nas mesmas condições da de Beas, que é estarem sujeitas a Vossa Senhoria; e assim faremos para todas, se o Senhor for servido. Escrevi também a Vossa Senhoria as causas pelas quais vim fundar o mosteiro de Sevilha. Praza a Nosso Senhor consiga eu explicar o caso destes Descalços a Vossa Senhoria, para que isto não lhe seja motivo de contrariedade. Deus me faça a mercê de ver tudo aplanado. Saiba Vossa Senhoria que tomei muitas informações antes de minha vinda a Beas, com o fim de me certificar de que não era Andaluzia, onde eu de nenhum modo pensei em vir, pois não desejava viver entre esta gente. Acontece, porém, que Beas, embora não seja terra andaluza, está situada na província de Andaluzia. Só o vim a saber quando havia mais de um mês estava fundado o mosteiro. Como já me achava ali com outras monjas, pareceu-me não dever abandonar a fundação; e daí se originou também minha vinda para Sevilha. Meu principal desejo, entretanto, é, como escrevi acima a Vossa Senhoria, deslindar os negócios tão complicados destes Padres. Embora eles justifiquem sua causa — e posso assegurar que os tenho em conta de filhos verdadeiros de Vossa Senhoria, desejosos de não lhe causar desgosto, — não posso deixar de culpá-los. Parece que já vão entendendo como fora melhor outro caminho, a fim de não contrariarem a Vossa Senhoria. Muito temos discutido, especialmente Maríano e eu, pois é muito arrebatado. Quanto a Gracián, é como um anjo; se fosse só por ele, tudo se teria feito de outra sorte; e veio para cá por ordem de Frei Baltasar, que era então Prior da Pastrana. Posso dizer a Vossa Senhoria que, se o conhecesse, gostaria de o ter por filho, e verdadeiramente entendo que o é, como, aliás, o próprio Maríano.

Este Maríano é homem virtuoso e penitente, notado de todos pelo seu engenho, e creia Vossa Senhoria que, certamente, só agiu movido pelo zelo de Deus e o bem da Ordem; mas, como já disse, foi exagerado e indiscreto. Ambição não entendo que haja nele; é o demônio, como Vossa Senhoria diz, que arma esses enredos, e o move a dizer muitas coisas sem refletir. Tem--me feito sofrer bastante algumas vezes, mas, como vejo que é virtuoso, vou passando por cima. Se Vossa Senhoria ouvisse como eles se justificam, não deixaria de aplacar-se. Disse-me hoje mesmo que, enquanto não se lançar aos pés de Vossa Senhoria, não terá descanso. Já escrevi a Vossa Senhoria como ambos me rogaram que escrevesse a Vossa Senhoria, apresentando-lhe suas desculpas, pois não ousam fazê-lo; e assim não direi aqui senão aquilo a que me parece estar obrigada, pois já escrevi a Vossa Senhoria sobre este assunto.

Em primeiro lugar, entenda Vossa Senhoria, por amor de Nosso Senhor, que todos os Descalços juntos nada são para mim, em comparação da mínima coisa que atinja as vestes de Vossa Senhoria. Isto é a pura verdade; dar a Vossa Senhoria algum desgosto é ferir-me na menina dos olhos. Eles não viram, nem hão de ver estas cartas; apenas disse a Maríano que, tenho certeza, desde que eles sejam obedientes, Vossa Senhoria usará de misericórdia. Gracián não está aqui; foi chamado pelo Núncio, como a Vossa Senhoria escrevi; e, creia Vossa Senhoria: se eu os achasse desobedientes, não os quisera mais ver nem ouvir; porém não posso ser mais filha de Vossa Senhoria do que eles se mostram.

Direi agora meu parecer e, se for bobagem, perdoe-me Vossa Senhoria. A respeito da excomunhão, o que Gracián escreveu da Corte a Maríano, é o seguinte: o Padre Provincial Frei Ángel declarou não poder tê-lo no convento por estar excomungado, de modo que teve de ir para a casa de seu pai. Soube-o o Núncio e, mandando chamar ao Pe. Frei Ángel, repreendeu-o muito, dizendo que se sentia afrontado, pois, estando aqui esses Padres por sua ordem, os chamam excomungados; e, portanto, quem tal disser será castigado. Logo voltou Gracián ao mosteiro, e aí está, e prega na Corte.

Pai e senhor meu, não estão agora os tempos para estas coisas. Este Gracián tem um irmão que está sempre com o Rei; é seu secretário, e muito querido dele; e o Rei, segundo tenho sabido, não está longe de intervir em favor da Reforma. Os próprios Calçados dizem que não sabem como Vossa Senhoria trata assim a homens tão virtuosos; gostariam de conviver com os contemplativos por verem sua virtude, e Vossa Senhoria com esta excomunhão os privou desse bem. A Vossa Senhoria dizem uma coisa e por aqui dizem outra. Vão ao Arcebispo e alegam que não ousem castigá-los por temor de que logo recorram a Vossa Senhoria. É uma gente esquisita. Eu, senhor, tenho-os diante dos olhos, tanto a uns como a outros — sabe Nosso Senhor que digo a verdade, — e creio que os mais obedientes são, e hão de ser os Descalços. De lá não vê Vossa Senhoria o que se passa aqui; eu o vejo e relato as coisas como são, porque bem conheço a santidade de Vossa Senhoria e quanto é amigo da virtude. E como, por nossos pecados, as coisas da Ordem chegaram por aqui a tal ponto, parecem-me agora muito bons os frades de Castela, depois que vejo os de cá. Ainda depois de minha chegada aqui, aconteceu uma coisa muito desagradável: no meio do dia achou a Justiça dois frades numa casa mal freqüentada; e publicamente foram levados presos. Foi isto muito mal feito; quisera eu que se tivesse mais cuidado em não lhes tirar a honra; quanto a fraquezas humanas, não me espantam. Isto aconteceu depois que escrevi a Vossa Senhoria. Contudo, dizem que fizeram bem em prendê-los.

Alguns vieram visitar-me. Fiquei bem impressionada; especialmente o Prior é muito boa pessoa. Veio requerer que lhe mostrasse eu as patentes com que havia fundado. Queria levar cópia. Respondi-lhe que não intentasse pleito, pois bem via como tenho faculdade para fundar. De fato, a última patente, redigida em latim, que me enviou Vossa Senhoria, depois que vieram os Visitadores, dá ampla licença para que eu possa fundar em qualquer lugar. Assim o entendem os Letrados: já que não assinala Vossa Senhoria coisa alguma, nem reino, nem províncias, estende a licença a todas as partes. E até vem com preceito, e foi isto o que me tem feito esforçar-me além da minha possibilidade, velha e cansada como estou. Até mesmo o cansaço que sofri na Encarnação, tudo me parece nada. Nunca tenho saúde, nem mesmo vontade de a ter; minhas grandes ânsias são de sair já deste desterro; isto, sim, tenho, embora cada dia me faça Deus maiores mercês. Por tudo seja Ele bendito.

Sobre esses Frades que receberam, já falei a Maríano. Diz ele que esse Piñuela usou de astúcia para tomar o hábito: foi a Pastrana e declarou que o havia recebido das mãos de Vargas, que é o Visitador aqui; e, vindo a saber-se a verdade, ele mesmo o vestiu. Já há tempo estão querendo mandá-lo embora, e assim o farão; o outro já não está com eles. Os mosteiros foram feitos por mandado do Visitador Vargas, com a autoridade apostólica que tinha, pois as fundações de casas de Descalços aqui são tidas em conta de principal meio de reforma. E assim, quando o Núncio mandou como reformador a Frei Antonio de Jesus, deu-lhe licença para fazer as visitas e fundar mosteiros; mas ele procedeu melhor, nada fazendo sem pedir a Vossa Senhoria. E se aqui estivera Teresa de Jesus, porventura teriam olhado mais o que faziam; porque nunca se tratou de fazer casa sem licença de Vossa Senhoria, que eu não me pusesse muito brava. Neste ponto procedeu muito bem Frei Pedro Fernández, Visitador de Castela, e sou-lhe muito devedora porque era sempre solícito em não desgostar a Vossa Senhoria. O Visitador aqui tem dado tantas licenças e faculdades a estes Padres, rogando-lhe que usem delas, que se Vossa Senhoria as vir entenderá que não são tão culpados. Dizem até que jamais quiseram admitir a Frei Gaspar nem ter amizade com ele, por mais que lhes pedisse, e o mesmo fizeram com outros; e o convento que tinham tomado aos Calçados, logo o restituíram. Estas e muitas outras coisas dizem para se justificar, por onde vejo que não agiram com malícia; e, quando considero os grandes trabalhos que passaram e a penitência que fazem, realmente entendo que são servos de Deus e tenho pesar de transparecer que Vossa Senhoria não os favorece.

Os mosteiros foram feitos pelo Visitador, que os mandou para lá com grandes preceitos de não saírem; e o Núncio deu patentes de reformador a Gracián, encarregando-o de cuidar das casas dos Descalços. Por ordem de Vossa Senhoria, devem estes observar o que mandam os Visitadores; e o mesmo, como Vossa Senhoria sabe, manda o Papa no Breve, livrando-o de qualquer intervenção. Como agora se há de desfazer, não entendo. Além de tudo, segundo ouvi dizer, mandam as nossas Constituições, que se estão imprimindo, haver em cada província casas de frades reformados. Se toda a Ordem já o está, não sei, mas aqui não o julgam assim; enquanto a estes, são tidos em conta de santos, todos eles, e verdadeiramente vão bem, com grande recolhimento e vida de oração. Há entre eles pessoas principais, e mais de vinte fizeram cursos, ou não sei como se diz: uns de direito canônico, outros de teologia, e há muito bons talentos. E, entre esta casa, a de Granada e a Peñuela, parece-me ter ouvido que há mais de setenta. Não compreendo o que se haveria de fazer de todos estes, nem o que pensaria agora o mundo, pois os tem em tão boa opinião. Talvez viéssemos todos nós a pagá-lo caro; porque junto ao Rei têm crédito, e o Arcebispo aqui diz que só eles merecem o nome de Frades. Saírem agora da Reforma — se Vossa Senhoria os não quer, — creia-me: ainda que Vossa Senhoria tivesse toda a razão do mundo, a ninguém pareceria justo. Privá-los Vossa Senhoria de seu amparo, nem eles o querem, nem é razão que Vossa Senhoria o faça, nem Nosso Senhor ficará contente. Encomende-o Vossa Senhoria a Sua Majestade, e, como verdadeiro pai, olvide o passado. Veja Vossa Senhoria que é servo da Virgem, e que Ela não levará a bem que Vossa Senhoria desampare aos que, com seus suores, querem aumentar a sua Ordem. Estão já as coisas de sorte, que é mister muita consideração...1

81. A D. Inés Nieto, em Madrid

Sevilha, 19 de junho de 1575. Agradece uma imagem que D. Inéslhe ofereceu. Recorda-lhe o negócio da postulante de Valladolid de que lhe falou em outra carta.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com vossa mercê.

Não tenho esquecido o favor que me fez vossa mercê em dar-me a imagem de Nossa Senhora, que certamente é muito bonita, pois contentou ao Senhor Albornoz, e assim rogo a vossa mercê a mande entregar a quem for buscá-la a mandado do Pe. Mestre Gracián, pois Sua Reverência se encarregará de remetê-la para mim com segurança.

Terei cuidado de pedir à mesma Senhora que faça a vossa mercê muito sua, assim como também ao senhor Albornoz. Como vim para tão longe, não soube se se continuou a tratar do negócio sobre o qual vossa mercê me escreveu quando eu estava em Valladolid. Tenho tido saúde, glória a Deus, e sinto-me bem nesta terra para onde me trouxe a obediência. Muito desejo que vossa mercê também esteja com saúde e vá progredindo no bom caminho que começou a trilhar no serviço de Nosso Senhor.

Praza a Sua Majestade fazê-la ir muito adiante e tirá-la da barafunda da corte, conquanto a quem deveras ama a Deus, nada sirva de estorvo.

É hoje 19 de junho. Desta casa do glorioso S. José de Sevilha.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

82. A Antonio Gaytán, em Alba

Sevilha, 10 de julho de 1575. Boa disposição do Arcebispo para ajudar as Descalças. Fundação de Caravaca. Recomendações a várias pessoas de Alba.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê, meu bom fundador. Até ontem não tinha chegado o almocreve. Praza a Deus tenha o Licenciado remetido com segurança a encomenda, como tanto me prometeu. Eu tornarei a dar-lhe aviso, pois ando bem cuidadosa. No invólucro mando uma moeda de dois dobrões para a Priora, dizendo-lhe que pague o que faltar. Já estamos rica e, para falar a verdade, nunca nos faltou dinheiro, exceto quando eu mais o quisera, que foi quando vossa mercê partiu daqui.

O Arcebispo veio cá, e em tudo fez minha vontade. Tem-nos dado trigo e algumas esmolas, com muita benevolência. Oferecem-nos a casa de Belém1, com sua igreja; não sei o que faremos. Está bem encaminhado; não se preo­cupem. Diga-o às nossas monjas e à minha irmã, à qual não tenciono escrever até que tenha alguma boa notícia de nossos irmãos a enviar-lhe. vossa mercê não deixe de escrever-nos, pois sabe quanto consolo me dão suas cartas. Estou passando bem, assim como também a Priora e todas as Irmãs. Está um calorzinho bem forte, contudo mais suportável que o sol da venda de Albino2. Temos um toldo no pátio, o que é grande coisa. Já lhe escrevi contando como a licença de Caravaca está dada nos mesmos termos que a de Beas; por conseguinte, já que vossa mercê empenhou sua palavra, arranje meios.

Asseguro-lhe que se os fundadores não trouxerem de Segóvia as monjas, nada se fará. Até ver em que param os negócios da corte, não podemos agir. Muito hábil e dedicado tem sido nosso bom amigo D. Teutônio; e, ao que parece, o resultado será satisfatório. Peça a Deus por ele e por mim. À Madre Priora, a Tomasina e a S. Francisco dê minhas recomendações.

Escreva-me que tal achou sua casa, e se não estava caída; e como encontrou a nossa “bichinha”3, e também a sua ama. A quem julgar conveniente, dê recomendações minhas; e fique-se com Deus; confesso-lhe que já estou desejosa de vê-lo, ainda que me custasse outros tantos trabalhos. Faça-o Sua Majestade tão santo como peço em minhas orações. Amém.

É hoje 10 de julho.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

83. A Filipe II

Sevilha, 19 de julho de 1575. Pede-lhe seu amparo para ser a Descalcez constituída em província independente dos Calçados. Recomenda o Pe. Gracián para Superior. Dá graças a Sua Majestade pela licença de fundar em Caravaca.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa Majestade. Estando eu a encomendar muito aflita a Nosso Senhor os negócios desta sagrada Ordem de Nossa Senhora, e considerando a grande necessidade que tem de não virem a decair estes princípios que Deus nela realizou, ocorreu-me que o melhor meio para nosso remédio é entender Vossa Majestade qual o modo de assentar definitivamente este edifício, remediando, com seu aumento, também os Calçados.

Há quarenta anos vivo entre eles, e, consideradas todas as coisas, vejo cla­ramente que se não se fizer com brevidade província dos Descalços autônoma, será grande o mal, e tenho por impossível poderem ir adiante. Como tudo está nas mãos de Vossa Majestade — e vejo que a Virgem Nossa Senhora o quis tomar por amparo e remédio de sua Ordem, — atrevo-me a escrever para suplicar a Vossa Majestade, por amor de Nosso Senhor e de sua gloriosa Mãe, ordene Vossa Majestade que assim se faça; porque o demônio está tão interessado em estorvá-lo, que não deixará de opor muitos inconvenientes, quando na verdade nenhum existe, senão muito bem, sob todos os pontos de vista.

Seria de muito proveito para nós se, nestes primeiros tempos, se entregasse o governo a um Padre Descalço chamado Gracián, o qual conheci há pouco. Embora moço, muito me tem feito louvar a Nosso Senhor pelos dons que depositou naquela alma, e as grandes obras realizadas por seu meio, em benefício de muitos; e assim, creio o escolheu para grande bem desta Ordem. Encaminhe Nosso Senhor as coisas de sorte que Vossa Majestade queira prestar-nos este serviço, ordenando o que acabo de sugerir.

Pela mercê que Vossa Majestade me fez, concedendo licença para fundar mosteiro em Caravaca, beijo a Vossa Majestade muitas vezes as mãos. Por amor de Deus, suplico a Vossa Majestade me perdoe, pois bem vejo sou muito atrevida; mas, considerando como o Senhor ouve os pobres, e vendo que Vossa Majestade está em seu lugar, não penso ter sido importuna.

Conceda Deus a Vossa Majestade tanto descanso e tantos anos de vida como de contínuo Lhe suplico e é necessário à cristandade.

É hoje dia 19 de julho.

Indigna serva e súdita de Vossa Majestade,

Teresa de Jesus, Carmelita.

84. A D. Juana de Ahumada, em Alba

Sevilha, 12 de agosto de 1575. Chegam os irmãos e sobrinhos da Santa a Sanlúcar de Barrameda. Morte de D. Jerónimo de Cepeda em Nome-de-Deus. Sobre a viagem de Juan de Ovalle a Sevilha. Lembranças a seus amigos de Alba.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê, amiga minha, e a deixe gozar de seus irmãos, que, glória ao Senhor, estão já em Sanlúcar. Hoje escreveram para cá, ao Cônego Cueva y Castilla, para ele nos avisar — ao senhor Juan de Ovalle em Alba e a mim, — em Ávila, onde pensam que estou. Creio que se hão de alegrar muito quando me acharem aqui; mas os contentamentos desta vida são todos mesclados de trabalhos, para que não nos embebamos neles.

Saiba que em Nome de Deus1 morreu o bom Jerónimo de Cepeda como um santo. Chegou também Pedro de Ahumada, que, segundo me disseram, perdeu sua esposa2. Não há de que ter pena, porque sei como ela vivia: há muito tempo se entregava à oração, e foi tal sua morte, que deixou admirados a todos. Assim contou quem me trouxe a notícia. Também morreu outro menino; trazia três, e mais a Teresita. Chegaram com saúde, glória a Deus; vou escrever-lhes hoje, e enviar-lhes algumas coisinhas.

Dizem-me que dentro de dois a três dias estarão aqui. Alegro-me em pensar no contentamento que terão de me acharem tão perto. Admiro os caminhos de Deus, trazendo agora aqui os que eu julgava tão distantes. Escrevi hoje a nosso Pe. Gracián em Madrid, e pela mesma via, por ser muito certa, remeto esta carta; assim Vossas Mercês saberão logo a notícia. Não chorem pelo que está no Céu; dêem antes graças ao Senhor, que trouxe os outros.

Não me parece conveniente que o senhor Juan de Ovalle se ponha a caminho até que eu fale a meu irmão, tanto por estar o tempo muito quente, como porque preciso saber se ele pretende deter-se aqui para tratar de seus negócios. Se a demora for muita, talvez queira que venha vossa mercê com seu esposo, para voltarem todos juntos. Escreverei de novo a meu irmão, o mais depressa possível, dizendo-lhe como lhes aconselhei a não virem até ficar mais temperado o calor. Dê vossa mercê os parabéns de minha parte ao senhor Juan de Ovalle e peça-lhe que tenha por sua esta carta.

Saiba também que deram poder ao Pe. Gracián sobre todos os Descalços e Descalças, tanto de Andaluzia como de Castela. Não nos podia suceder coisa melhor. Creia que é uma pessoa de raros predicados, como lhe terá contado o senhor Antonio Gaytán. A este diga de minha parte muitas coisas boas, e que tenha esta por sua, pois não posso escrever mais; e à Madre Priora3 me encomende muito, assim como a todas. Visite de minha parte a senhora Marquesa4, e diga a Sua Senhoria que estou bem; à senhora D. Mayor5 dê os parabéns pela vinda do senhor Pedro de Ahumada, que, se bem me lembro, lhe era muito dedicado; e a todas dê muitas recomendações. À Madre Priora de Salamanca6 mande estas notícias, e diga-lhe que o Senhor levou outra irmã sua.

Sua Majestade me guarde a vossa mercê, senhora minha. Prometo tornar a escrever-lhe extensamente. Há bem razões para estarem sossegados e alegres.

É hoje 12 de agosto.

Na carta que escrevi agora para ser enviada por vossa mercê, pus a data de dez, e parece-me que é doze, dia de S. Clara. Se passar por aí o Pe. Gracián, tudo quanto vossa mercê lhe fizer em regalos e carinhos, será fazê-los, e muito grandes, a mim.

Serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

85. À Madre María Bautista, Priora em Valladolid

Sevilha, 28 de agosto de 1575. Chegam das Índias os irmãos da Santa. Virtude de D. Lorenzo de Cepeda. Assuntos do Convento de Medina e de algumas Descalças. “Desgosta-me que lhes pareça não haver quem olhe pelas coisas tão bem como vossa reverência.” Apreço em que tem o Pe. Gracián. Sobre o “Caminho de Perfeição”. Conselhos espirituais em uns caderninhos.

Jesus esteja com vossa reverência, filha minha. Coisa estranha é que quase todas as cartas me cansam, a não ser as suas (isto não se entende dos confessores), e responder a elas ainda muito mais; e uma e outra coisa me servem de alívio quando se trata de vossa reverência, sobretudo agora, pois diz que está melhor. Seja Deus bendito por tudo.

Já terá sabido como vieram meus irmãos nesta frota. Lorenzo de Cepeda é a quem mais quero; e, posso dizer-lhe: ainda que não fosse meu irmão, por ser tão virtuoso e servo de Deus é muito digno de ser amado. Que bela alma a sua! Vai recuperando a saúde, pois chegou muito fraco. Foi providência de Deus achar-me eu aqui; de modo que não acaba de alegrar-se com isto. Por muitas coisas lhe tem sido...1 Enfim, sofro isto melhor. A Teresa2 terá uns oito... muito gentil e formosa.

Ele quer passar aqui este inverno, para não se separar de mim. Providenciei para que venham encontrar-se com ele minha irmã e seu marido, e ficarão em sua casa quando ele for à corte, pois forçosamente há de ir. Trouxe meios suficientes para passar, e está bem desenganado de tudo. Seu contentamento seria viver na solidão. Faz-lhe Deus muitas mercês. Peçam lá que lhe dê o Senhor um lugar para se estabelecer onde melhor O sirva... que me... Quero ir respondendo à sua carta, pois eu... tenho a responder muitas que me chegaram; especialmente preciso escrever a Medina.

É esta a casa que sempre me atormenta; agora andam pedindo a Asensio que tome a si a capela-mor, para que D. Elena possa construir a igreja; e é tanto o que a ele devemos, e, por outro lado, têm as monjas tão grande necessidade de sair daquele coro, que não sei o que dizer, nem por que há tanto quem se meta em negócios alheios.

Por mais presumida que vossa reverência esteja com a sua noviça3, faço-lhe saber que, se tiver compromisso com a outra de quem tanto fala, não poderá deixar de tomá-la, porque muito mais importa o que já está feito; e não seja vossa reverência tão astuta. Basta que se ocupe de sua casa; poderia ter causado muito prejuízo o protelar tanto essa entrada.

Creia que onde se tem em vista o proveito de muitas almas, pouca importância se dá a essas considerações, — pois, só com o fato de mandar a noviça para onde não a conheçam, ficará tudo acabado. Não pense que em todos os mosteiros se encontre tudo o que vossa reverência deseja: em alguns não haveria monjas se houvesse tanta exigência; e, para os começos e negócios, alguma concessão se há de fazer, como aconteceu em S. José de Ávila, e aliás em todas as partes; e mesmo aí terão de fazer assim sob pena de ficarem sem noviças... Se eu o tivesse entendido ao princípio, não a teria admitido, mas já não havia remédio; e vossa reverência não deveria sem me ter consultado perturbar as monjas, sabendo que a noviça já estava aceita por mim. Claro é que eu havia de saber se o número estava, ou não, completo. Não tenha medo de que falte casa para onde a levarmos.

Não é direito pensar que sabe tudo. E diz que é humilde! vossa reverência só tem em vista a sua casinha; não olha o que é essencial para todas. É começo para introduzir desassossegos, até darmos com tudo no chão. Não era essa a pretendente que eu queria mandar para aí, e sim uma parenta do próprio Olea4, mas desistiu. Será possível que, havendo de realizar-se um negócio, venha a falhar por ser vossa reverência tão intransigente, como nenhuma Priora se mostrou jamais comigo, nem tampouco as que o não são? Se assim fosse, asseguro-lhe, seria quebrar a amizade.

Fique sabendo: desgosta-me que aí lhes pareça não haver quem olhe pelas coisas como vossa reverência; e é, como digo, porque não se preocupa senão com essa casa, e não vê o que importa para muitas outras. E não lhe basta ser independente, e quer ensinar o mesmo às demais? Talvez venha a ser essa noviça a mais santa de todas. Não sei como conciliar tanto espírito com tanta vaidade. Se visse o que se passa neste Convento: como fazem os ofícios, ganham com os trabalhos de suas mãos e se têm em baixa conta, ficaria espantada. É bom ponderar as coisas, mas não as tomar tanto a peito; isso ninguém me convencerá de que nasça de humildade; e põe toda a culpa sobre mim, por não me ter informado dele mesmo, para saber ao certo quem era. Como ele me tinha enviado outra extremamente boa, pensei que essa também o fosse. Tudo foi bem empregado, porque é certo, lhe devemos muito.

No que toca à amizade que com ele5 tenho, ficaria espantada do que se passa. Não pude agir de outro modo, nem estou arrependida. Se nele achar faltas, será porque as tem vossa reverência e porque o conhece pouco. Posso afirmar-lhe que é santo e longe de ser imprudente, é muito circunspecto. Já disto tenho experiência, e podemos deixar em seu poder não só livros, senão qualquer outra coisa. Diz vossa reverência que depois que o tenho, não me recordo de meu Frei Domingo6. Será talvez por ser um tão diferente do outro, que me tem..., amizade que a nenhuma coisa se apega, a não ser à alma. É como tratar com um anjo, que assim o é e o tem sido sempre7. E ainda que o outro também o seja, — não sei que tentação é esta! — acho uma diferença enorme. Dê-lhe minhas recomendações. Bendito seja Deus, que está melhor.

Oh! que vida lhe estará dando aí essa de quem me diz vossa reverência que é pior do que eu8! Mas bem vejo que, afinal, tudo em mim se reduz a te­mores; principalmente temor de que venha vossa reverência a perder sua liberdade santa. Estivesse eu tranqüila a este respeito, e, a não ser a ingratidão de sua parte, sei que absolutamente nada me preocuparia, assim como não me preocupa essa tal que agora aí está. Saiba que depois de minha estada em Valladolid, mais do que nunca vim convencida de que vossa reverência não é ingrata, e isto me causou proveito, assim como também o ver que, a cada dia que passa, vossa reverência...9 dor. Quanto à outra amizade de que falei10, antes infunde liberdade. É coisa diferentíssima; e a sujeição não vem da vontade própria, senão da certeza de estar fazendo a de Deus, como já lhe disse.

Por que não me contou se aquela pessoa11 que deu por aprovado o livro grande12, achou bom o livro pequeno? Faça que ele assinale o que devo tirar, pois muito me alegrei de que não o tenham queimado, e ficaria muito contente... o grande ficasse para quando... sabendo o que sei... aproveitar a muitas almas, pois, a mim, que outra coisa pode interessar? A glória de meu Senhor quero, e que haja muitos que o louvem; e gostaria, certamente, que conhecessem minha miséria.

E uma das coisas que me faz aqui estar contente e far-me-á demorar mais, é não haver vestígio dessa farsa de santidade que havia por lá. Isto me deixa viver e andar sem medo de que essa torre de vento um dia caia sobre mim...

Também disso teria pesar, se fosse por outra coisa pior. Diga-lhe13 muito de minha parte. Asseguro-lhe que me custa bastante não lhe escrever. Não tenha medo de que alguém tire de mim essa amizade, que tem custado tanto.

No que se refere a Catalina de Jesus, já terá estado aí o Pe. Gracián, a quem escrevi que a examinasse bem; e vossa reverência também lhe terá falado. Estou consoladíssima de que seja ele o encarregado de... vossa reverência.

No demais, digo que é dia de Santo Agostinho. Para que não tenha que buscar a data, torno a pô-la.

Está querendo entrar uma pretendente rica e boa. Se for recebida, logo trataremos de procurar casa. Saiba que muitas destas Irmãs bordam, e a que entrou tem mãos primorosas.

De vossa reverência,

Teresa de Jesus, Carmelita.

Esses cadernos guardem muito. Em alguns há coisas boas para antes da profissão, e também sobre o modo de proceder quando sobrevêm tentações. Faça que o leia minha Casilda, e depois em... Enviem com segurança essa carta a D. Guiomar; não faço senão escrever-lhe, e as cartas se perdem e ela logo se queixa... com. À Subpriora... da Cruz quereria escrever... acudido tantas car... estou cansada. Diga..., que há de sabê-lo mie... uma maneira ou outra procurarei saia, ainda que não me posso persuadir...

Sobrescrito: Para a Madre Priora María Bautista.

86. Ao Pe. Jerónimo Gracián

Sevilha, 27 de setembro de 1575. Boa disposição que aparentaram os Calçados de Andaluzia em relação à Visita do Pe. Gracián. Dá o hábito à sua sobrinha Teresita de Cepeda. Recomenda a S. João da Cruz para o cargo de Vigário da Encarnação. Sente a Santa a ausência do Pe. Gracián.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Paternidade, Padre meu. Como certamente estará já Vossa Paternidade em caminho para cá, e não o achará já esta carta em Madrid, não me alargarei. Ontem esteve aqui o Padre Provincial dos Calçados, com um Padre Mestre, e logo veio o Prior e depois outro Mestre. O dia anterior tinha estado aqui Frei Gaspar Nieto. Achei a todos determinados a obedecer a Vossa Paternidade e a ajudá-lo em tudo que seja eliminar qualquer pecado, esperando que não exija demasiado sobre outros pontos. Pelo conhecimento que tenho de Vossa Paternidade, assegurei--lhes que tudo fará com doçura; e, conforme lhes disse, assim me parece.

Não me descontentou a resposta que deram acerca do Motu1. Espero em Nosso Senhor que tudo se há de fazer muito bem. Pe. Elias2 está mais calmo e animado. Digo a Vossa Paternidade que, se começar sem ruído e com suavidade, creio que seu trabalho será muito frutuoso; mas não imagine que num só dia se há de conseguir tudo. Verdadeiramente pareceu-me que entre eles há gente sensata; prouvera a Deus houvera o mesmo por lá! Saiba que Macário3 está tão terrível, segundo me dizem, que fiquei muito penalizada, por ser coisa que toca à sua alma. Escreveram-me que tencionava agora ir a Toledo. Passou-me pela idéia que seu intento será porventura voltar à sua guarida, por já estar visitada, e desse modo não se encontrar com meu Eliseu4. Se assim fosse, não o acharia mau, até que fique mais acomodado. Realmente faz-me temor ver almas boas tão enganadas.

Chamamos para resolver o caso da Teresita o Dr. Enríquez, que é dos melhores letrados da Companhia. Diz ele que, entre outras determinações do Concílio, que recebeu, há a decisão de uma junta que fizeram de Cardeais sobre este ponto, e foi esta: não se pode receber o hábito com menos de doze anos; mas criar-se no mosteiro, sim. O mesmo disse Frei Baltasar, dominicano. Já ela está aqui com seu hábito, que parece um duende dentro de casa; seu pai não cabe em si de contente, e todas gostam muito dela; tem uns modinhos de anjo, e sabe entreter bem as Irmãs nas recreações, contando histórias dos índios e do mar, melhor do que eu seria capaz. Alegro-me vendo que não lhes será pesada. Já estou desejando que Vossa Paternidade a conheça. Foi grande mercê de Deus para ela, e bem o pode agradecer a Vossa Paternidade. Penso que será do divino agrado não se criar esta alma no meio das coisas do mundo. Compreendo bem a graça que Vossa Paternidade me fez; foi grande, e tornou-se maior por ser de maneira a não me causar escrúpulo.

Tem-me parecido agora que possuo alguma caridade, porque, sendo-me tão penosa a ausência de Vossa Paternidade, gostaria que se detivesse mais um mês, a troco de se remediarem as necessidades da Encarnação; e até mesmo que fosse encarregado do governo daquela casa. Penso que só oito dias seriam suficientes se deixasse ali a Frei João5 por Vigário; sei o pé em que estão as coisas, e, se virem cabeça, depressa se renderão, embora a princípio gritem muito. Causam-me grande lástima; se o Núncio quer fazer uma grande obra, deveria agir deste modo. Acuda-lhes Deus com o remédio, pois só ele o pode fazer.

Nos confessores, Lorencia6 não consegue achar o mesmo que costumava achar outrora; e como era esse o único alívio que tinha, já não tem mais consolo algum. Como sabe Nosso Senhor mortificar delicadamente! Até o confessor que Ele mesmo lhe deu7 tem tantos afazeres, que ela receia gozar pouco dele.

Aqui está fazendo tanto calor como aí em junho, e ainda mais. Bem fez Vossa Paternidade de protelar sua vinda. Ao bom Padilla escrevi sobre o negócio da Encarnação. Suplico a Vossa Paternidade que o conte ao meu Pe. Olea e lhe dê um grande recado meu. A ele escrevi três cartas; indague Vossa Paternidade se as recebeu. Ó Jesus, e como se poderiam remediar tantas almas com pouco trabalho! Estou admirada de ter agora este desejo, sendo que antes uma das coisas que mais me contrariava era ver a Vossa Paternidade metido em casos tão difíceis. Agora acho tudo mais fácil. Deus o tome à sua conta e guarde a Vossa Paternidade.

É hoje dia 27 de setembro.

Indigna serva e súdita de Vossa Paternidade,

Teresa de Jesus.

87. Ao Pe. Jerónimo Gracián

Sevilha, outubro de 1575. Sobre alguns assuntos do governo das Descalças.

Para a organização da casa, melhor é, a meu ver, pôr qualquer uma, do que trazê-la de fora... Em se tratando da saúde da alma, convém passar por cima de tudo; mas para a do corpo, há grandes desvantagens em abrir precedentes; e são tantos, que respondi há pouco citando os muitos que no momento se me apresentaram à memória.

88. Ao Pe. Jerónimo Gracián

Sevilha, outubro de 1575. Assuntos de Malagón e Toledo. Não convém mudar monjas de um convento para outro. S. João da Cruz acha em Gracián excelentes condições para Prelado. Pouca destreza de Gracián para andar a cavalo.

1... se ela quisesse, faria Vossa Paternidade muito bem à casa se a deixasse ali; se não, mande-a para cá; poderia vir na companhia das monjas até Malagón. Por certo que nunca me fará Vossa Paternidade este prazer. Não há casa mais necessitada de pessoas de talento que a de Toledo. Aquela Priora breve acabará o triênio; mas não creio que haja outra melhor para ali; na verdade está muito mal de saúde, mas é cuidadosa e, embora amiga dos gatos2, tem muitas virtudes. Se Vossa Paternidade achar bom, ela poderá renunciar, e fazer-se eleição; pois todos sabem que o clima quente quase a faz morrer. Mas não entendo quem possa substituí-la no priorado, pois na quase totalidade lhe querem tanto, que não se ajeitariam com outra, penso eu. Contudo nunca faltará alguma tentada, e é certo que há.

Vossa Paternidade, Padre meu, preste atenção; creia que entendo melhor as variações das mulheres do que Vossa Paternidade. De nenhum modo convém, nem às Prioras nem às súditas, dar Vossa Paternidade a entender que é possível mudar a alguma de casa, a não ser por motivo da fundação. E a verdade é que, ainda mesmo neste caso, vejo resultar tanto prejuízo de haver esta esperança, que muitas vezes chego a desejar que tenham fim as fundações, para que todas acabem de ficar de assento em seus mosteiros. Creia de mim esta verdade (e se eu morrer, não se esqueça): de monjas tão encerradas não quer o demônio mais do que lhes meter na cabeça que alguma coisa é possível. Muito teria eu a dizer a este respeito; e, embora tenha licença de Nosso Pe. Geral, pedida por mim, para quando alguma se der mal numa terra, poder mandá-la para outra, tenho visto depois tantos inconvenientes, que, a não ser em algum caso para proveito da Ordem, não me parece tolerável. Melhor é que morram umas, do que ficarem todas prejudicadas.

Em nenhum mosteiro dos nossos está completo o número; em alguns há muitas vagas; em Segóvia, creio, três ou quatro, pois a meu parecer, tenho tido muito cuidado neste ponto. Em Malagón dei não sei quantas licenças à Priora para receber noviças, porque trouxemos de lá algumas e ficaram poucas, mas recomendei-lhe muito que o fizesse com grande circunspecção. Peço que lhe tire essas licenças, pois mais vale recorrerem a Vossa Paternidade, e creia-me, Padre meu — agora que não estou tentada, — como vejo o cuidado com que Vossa Paternidade olha por nós, grande consolo será para mim se me tirar essa responsabilidade. Agora, no ponto em que estão as casas, poderá haver mais rigor, mas quem precisou de uns e de outros para fundá-las do nada, forçosamente teve necessidade de contentar algumas vezes os benfeitores.

Sêneca3 está contentíssimo; diz que achou em seu Prelado mais do que teria podido desejar. Dá muitas graças a Deus; quanto a mim, não quisera fazer outra coisa. Sua Majestade nos guarde Vossa Paternidade por muitos anos.

Quero dizer-lhe que me dão aborrecimento essas suas quedas; seria bom que o amarrassem ao animal, para não poder cair. Não sei que qualidade de burrico é esse, nem para que há de andar Vossa Paternidade dez léguas num dia, e numa albarda: é para acabar com a vida! Estou preocupada: quem sabe se se lembrou de agasalhar-se mais? O tempo está frio. Praza ao Senhor não lhe tenha feito mal. Olhe, pois é tão amigo do proveito das almas, o prejuízo que a muitas resultaria de sua falta de saúde e, por amor de Deus, tome cuidado consigo.

Elias4 já está mais sem medo. O Reitor5 e Rodrigo Álvarez têm grande esperança de que tudo se há de fazer do melhor modo. Da minha parte, todo o medo que tinha antes desapareceu, e não posso mais tê-lo, ainda mesmo que o queira. Mal de saúde passei uns dias atrás; graças a um purgativo estou boa, o que não me acontecia há quatro meses ou mais; já não podia agüentar.

Indigna filha de Vossa Paternidade,

Teresa de Jesus.

89. A um seu confessor, em Salamanca1

Sevilha, 9 de outubro de 1575. Compra de uma                      casa para as Descalças de Salamanca.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê, Padre e senhor meu. O Pe. Julián de Ávila, e também o senhor Padre Mestre2 escreveram-me que está à venda a casa de João de Ávila da Veiga. Quadra-nos muito bem, quer pelo preço — pois me diz o Pe. Julián de Ávila que será pouco mais de mil ducados — quer pelo local ótimo para nosso fim. Basta estar perto de vossa mercê.

Bem creio que, sendo tão velhas as ditas casas, será preciso fazer obras quanto antes, mas isto pouco importa, desde que tenham bastante terreno e poço. Suplico a vossa mercê que se trate logo disto, mas sem dar mostras de gostar muito, para não acontecer aumentarem o preço.

Meu irmão3 vai a Madrid, e ali poderá vossa mercê avisá-lo para que mande a vossa mercê a autorização. O Senhor o encaminhe; grande vantagem seria passar para casa própria. Porque tenho muitas cartas a escrever, não me posso alargar. Deus me guarde a vossa mercê muitos anos, concedendo-me a graça de ainda o ver.

Parece-me haver tanto mais a fazer aqui do que por lá, que penso hei de demorar bastante. Estou boa; meu irmão beija as mãos de vossa mercê muitas vezes.

É hoje dia 9 de outubro.

Indigna serva e verdadeira amiga de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

90. A uma parenta, em Ávila1

Sevilha, 24 de outubro de 1575. Chegada a Sevilha de D. Juana de Ahumada e seu marido. Estadia de Beatriz de Jesus em Malagón. Lembranças a seus parentes de Ávila.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê. Chegaram hoje minha irmã, com seu marido e filhos, para verem a meu irmão Lorenzo; mas já tinha partido para a corte, embora deixando aqui seus filhos. Foi com intenção de voltar a fim de passar em Sevilha este inverno; logo depois irá diretamente a Ávila. Veio bem fraco e adoentado, porém já está melhor. Muito temos falado em vossa mercê. Agostinho ficou por lá.

A Irmã Beatriz de Jesus cobrou tal amor à Priora de Malagón, que me pediu muito não a tirar dali, embora não tenha tido saúde. Praza ao Senhor conceder-lha; muito contentes estão todas com ela e com seu bom gênio. Eu é que não o estou muito com o senhor Luís de Cepeda; pois seria bom que alguma vez me fizesse saber de si. De Isabel de S. Pablo recebi carta hoje. Deus as faça suas servas, e a vossa mercê guarde por muitos anos. Tenho aqui mais saúde que por lá. A todas essas senhoras me encomendo muito.

É hoje dia 24 de outubro.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

91. A D. Inés Nieto, em Madrid

Sevilha, 31 de outubro de 1575. Recomenda seu sobrinho Gonzalo de Ovalle para o lugar de pajem do Duque de Alba.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê. Tendo escrito há alguns dias a vossa mercê, escrevo de novo para rogar ao senhor Albornoz que em tudo o que puder favoreça a Gonzalo, meu sobrinho, como se o fizesse a mim. Espero que será ele protegido em atenção a esta serva de Vossas Mercês; e assim torno a suplicar que me ajude muito neste negócio.

É que escrevo à minha senhora a Duquesa1, suplicando a Sua Excelência que o admita como pajem; e, embora me pareça já muito crescido, sei que o senhor Albornoz poderá fazer não pouco em seu favor. Como andam esses rapazes uns com os outros, receio muito que lhe digam que é grande demais para pajem, e com isso ele vá por este mundo afora. E, se eu entendesse que seria ocasião de servir ao Senhor, não ficaria preocupada, mas as coisas pela Itália andam perigosas. Sua Majestade o guarde, como pode, e a vossa mercê dê um parto feliz.

Gostei de receber, por minha irmã, mais particulares notícias de vossa mercê e desse anjo2 que tem. Deus no-lo guarde e dê a Vossas Mercês o que Lhe suplico. Quanto mais olho a imagem, mais me parece linda, e a coroa muito graciosa. Tenciono levá-la comigo, se voltar para Castela.

É hoje o último dia de outubro.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

92. Ao Pe. Jerónimo Gracián em Sevilha

Sevilha, meados de novembro de 1575. Está escrupulosa a Santa e pede um confessor Descalço. Assuntos das Descalças de Castela. Sobre a obediência ao Visitador dos Calçados de Andaluzia.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê, Padre meu. Oh! se visse quão atrapalhada e escrupulosa estou hoje! Asseguro-lhe que sou bem ruim, e o pior é que nunca me emendo. Disse hoje ao Bispo1 o que fez Frei Ángel em Alba, mas não ligou importância, e perguntou-me: que mal nos havia de vir de governar ele estes mosteiros? Que poderia fazer contra nós? Contei-lhe também algumas coisas sobre o de Medina parecendo-me não cometer falta; pois já que eles não fazem segredo, convinha informá-lo de certos fatos, porque, a meu ver, não está a par do mais importante. Apesar disto, fiquei tão escrupulosa, que, se não vier amanhã alguém daí confessar--me, não comungarei. Olhe que acréscimo para os muitos cuidados que agora tenho com vossa reverência.

Falei também ao Bispo sobre o outro caso, e ele pensou que Padilla mo havia escrito. Eu deixei passar. É de opinião que: — venha quanto Prelado houver, e até mesmo o Arcebispo de Granada de quem são muitos amigos, — ninguém os fará obedecer, se não tiver jurisdição sobre eles2. Quando ao Bispo contam alguma coisa, é para ver se o dobram a seu parecer, pois nenhum caso fazem do que lhes diz; portanto não está obrigado ele a intervir para os fazer obedecer e se não quiser tratar disso, a ninguém faz agravo. E por que haveriam de fazer caso dele? A sua intervenção não resolveria o negócio; para isto outros meios seriam precisos.

Pareceu-me, por uma coisa que ele me disse, que se os ameaçarem com censuras, obedecerão. Não mo disse claramente, nem se deve isto levar em conta, pois talvez eu me tenha equivocado. Muito recomendamos a Deus este negócio; e, bem recomendado, melhor seria que obedecessem, para impedir o escândalo na cidade, pois devem ter muita gente a seu favor. Deus os esclareça!

Não seja fácil Vossa Paternidade em fulminar sentenças de excomunhão, ainda que não obedeçam; é bom dar-lhes tempo para pensarem. Assim me parece. Aí o saberão fazer melhor do que digo; mas quisera eu que não fosse como se os afogassem com um xeque-mate.

Disse-me ainda o Bispo que o Frade enviado à corte seguiu para Roma, sem falar ao Núncio. Já devem ter compreendido que não terão ganho de causa.

Diga-me vossa reverência como está; bem vejo que não lhe faltam dissabores, nem a mim tampouco, com esses Padres; e a ajuda que Vossa Paternidade tem em mim é ser tão ruim como está vendo. Deus me faça melhor e guarde Vossa Paternidade para meu bem.

Contudo, acerca do Frei Ángel — pois ao outro caso não deu muita importância, — falou livremente, aconselhando-me que informasse ao Núncio, já que se trata de um Superior maior. Quanto mais penso, melhor me parece Vossa Paternidade escreva ao Geral, com a maior reverência que puder; e creio que a ninguém parecerá mal. Já basta estarem fazendo as coisas contra a sua vontade, sem ao menos lhe dirigirem uma boa palavra, dando-lhe mostras de apreço à sua autoridade. Olhe, meu Padre, que a ele prometemos obediência: procedendo deste modo nada haverá a perder.

Filha indigna de Vossa Paternidade,

Teresa de Jesus.

Esta carta que lhe remeto foi trazida por meu irmão. Diga-me vossa reverência como está o seu, que nunca se lembra de me dar notícias; e faça que amanhã venha alguém que me confesse. Há muitos anos não tenho tanto trabalho como depois que começaram estas reformas3; e aqui e ali sempre digo mais do que quisera, e nem tudo o que desejaria dizer.

Sobrescrito: Para Nosso Padre Visitador.

93. A Diego Ortiz, em Toledo

Sevilha, 26 de dezembro de 1575. Assuntos particulares           da família dos fundadores das Descalças de Toledo.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê. Amém. Seja Deus Bendito, que a vossa mercê, e a todos de sua casa, tem dado saúde. O mesmo muitíssimo desejo ao senhor Alonso Álvarez, pois asseguro-lhe que o amo ternamente no Senhor e o recomendo a Deus, assim como a vossa mercê; e insisto com estas Irmãs para que também o façam.

A Sua Mercê beijo as mãos, pedindo que tenha por sua esta carta, e saiba que, onde quer que eu esteja, tem em mim uma verdadeira serva. À senhora D. Francisca Ramírez, rogo a vossa mercê dizer o mesmo. Como sei notícias de todos pela Madre Priora, não tenho achado necessário escrever; e, verdadeiramente, não o consigo, tantas e tão freqüentes são as minhas ocupações. Aqui tenho passado bem de saúde, glória a Deus! No demais, melhor me dou com a gente da sua terra; com a daqui não me entendo muito.

A Nosso Padre Provincial1 falei sobre o negócio que vossa mercê recomenda. Disse-me que seria necessária a sua presença; e, como vossa mercê agora há muitos dias está com um irmão muito mal de cama, não se pode fazer nada. Tratei do negócio por cá; acham duvidoso realizá-lo, portanto, se pode contar aí com a Justiça e se há prejuízo na demora, não se descuide vossa mercê, pois em matéria de interesse tenho pouca influência na corte; contudo faremos o que estiver em nossas mãos. Praza ao Senhor levá-lo a termo, Ele que conhece a nossa necessidade, pois já vejo quanto é importante para nós. É muito trabalho esse que lhes sobrevém agora, além dos muitos que já têm Vossas Mercês nesse negócio. Sua Majestade guarde a vossa mercê e o tenha de sua Mão, amém, assim como também ao senhor Alonso Álvarez.

É hoje dia 26.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

94. À Madre María Bautista em Valladolid

Sevilha, 30 de dezembro de 1575. Elogia os conselhos dados       pela Priora de Valladolid. Comunica-lhe que, por ordem do Reverendíssimo, vai recolher-se a um mosteiro de Castela.         Os irmãos da Santa em Sevilha. Fala de um protegido do          Pe. Báñez para servir de pajem aos filhos de D. Lorenzo. Perigos da Reforma. Não se sente disposta a fazer coplas.

Jesus esteja em sua alma, filha minha, e lhe dê tantos e tão bons anos como Lhe suplico. Deixe-me dizer-lhe que me faz rir, quando escreve que de outra vez me dará seu parecer sobre algumas coisas: já sei que tem conselhos a dar. No último dia das festas do Natal entregaram-me sua carta que veio por Medina, e, antes desta, outra com a de meu Padre1; não tive por quem responder. Gostei muito desta última, por trazer notícias da senhora D. María; tinha sabido pelo Bispo que ela estava com febre e fiquei muito cuidadosa. Todas a temos encomendado muito a Deus. Diga-lhe isto, com um grande recado de minha parte. Seja Ele bendito, por lhe haver restituído saúde, e também à sua filha. Recomende-me a todas as Irmãs.

A tal carta foi escrita mais por afeição e devotamento que por dever. Prouvera a Deus não sentissem tanto, e fossem meros cumprimentos algumas coisas que lhe digo. É coisa estranha: a amizade que tenho a Nosso Padre2 não influiu sobre meu modo de julgar; é como se ele não fosse parte interessada. Ele agora não está bem a par do que lhe escrevo. Tem gozado de boa saúde. Oh! quantos trabalhos passamos com estas suas reformas! delas me tem cabido muito mais pesares que contentamentos, desde que ele veio para cá; muito melhor me sentia antes.

Se me fosse permitido, já estaria eu com vossa reverência, porque me notificaram o mandamento do Reverendíssimo Geral, no qual me ordena não mais fundar e escolher uma casa onde resida sempre3, pois, de acordo com o Concílio4, não posso sair. Bem se vê que é descontentamento de minha vinda para cá5. Imaginam fazer-me muito mal; e é tanto bem para mim, que até penso que o não hei de ver realizado. Quisera escolher esse mosteiro por algumas razões que não são para carta, a não ser esta: que é ter aí a meu Padre6 e a vossa reverência. Não me deixou o Padre Visitador7 sair daqui; e por enquanto a sua autoridade é maior que a de nosso Reverendíssimo Geral; não sei em que irá parar.

Para mim muito bom fora não estar agora cercada destas barafundas de reformas; mas não quer o Senhor livrar-me destes trabalhos que tanto me desgostam. Diz Nosso Padre que no verão me deixará partir. Pelo que toca a esta casa, no que se refere à fundação, nenhuma falta farei. Para minha saúde é claro ser mais favorável esta terra, e em parte até para meu descanso por não haver aqui nem rasto do vão apreço que aí fazem de mim; mas há outras causas que me fazem crer que melhor será ficar por lá, e uma delas é por estar mais perto dos nossos mosteiros. O Senhor tudo encaminhe. Minha intenção é não dar parecer: onde quer que me mandarem, ficarei contente.

Meu irmão chegou, e muito enfermo, mas já lhe passou a febre. Nada conseguiu, porém com o que possuía aqui já está seguro, tem bastante com que passar. Voltará no verão; agora o tempo não é próprio. Está contentíssimo com minha irmã e Juan de Ovalle e eles ainda mais! Não sabem o que hão de inventar para o regalar e satisfazer. Veio aqui só um instante, e assim não lhe falei sobre o desejo de vossa reverência; mas penso que bastará dizer--lhe uma palavra para que ele aceite o tal pajem8, embora eu ache desnecessário para esses meninos.

Se o aceitar, diz minha irmã que pode a mãe dele ficar segura como se o conservasse em sua companhia; e, no caso de se dar bem e ser virtuoso, estudará com eles em S. Gil ficando assim melhor que em qualquer outra parte. E Juan de Ovalle, como lhe contei que era do agrado de vossa reverência, prometeu tomar o negócio muito a peito; o que me fez rir, porque basta meu irmão imaginar que eu quero uma coisa, para logo ter gosto em fazê-la. Aproveitei-me disto para estreitar tanto a amizade entre eles, que, espero em Deus, D. Juana e seu marido hão de ganhar muito; e ele nada perde, porque descansará sobre os dois.

Juan de Ovalle tem sido extremamente bom para com meu irmão; meus sobrinhos não se cansam de louvá-lo. Digo assim porque de todos só terá que aprender virtudes esse menino, se acaso vier para cá, ou antes, para Ávila, — se lá estiverem no mês de abril. Se eu pudesse remediar tudo, muito me alegraria, por livrar a meu Padre desse cuidado, pois, dado o seu temperamento, admiro-me de que tenha tomado isso tão a peito, e deve ser obra de Deus, já que não há outra solução. Muito me pesará se ele for para Toledo. Não sei como gosta mais de estar ali que em Madrid; receio que tudo venha a dar em nada. Deus ordene o que for mais para seu serviço, que é o essencial. Pelo que toca a vossa reverência, terei pesar, e até em parte perco a vontade de residir nesse seu mosteiro. Bem creio, como disse, que me darão ordem para estar onde houver mais necessidade.

A respeito da irmã do pajem, não vale a pena falar, até que vá aí o Nosso Padre. E, asseguro-lhe, tenho receio de que nós, querendo poupar-lhes trabalho, lhes demos outros maiores; pois, tendo sido ela criada toda a sua vida em lugar tão diferente, não sei como se há de acostumar aqui, e, segundo ouvi dizer, parece que não se dá bem com suas irmãs. Penso que se guia um tanto por sua cabeça. Permita Deus não seja santidade de melancolia! Em suma, Nosso Padre se informará de tudo, e até então não há que falar no assunto.

Já lhe terão dado uma carta minha em que lhe contava como enviei daqui uma Irmã para ser Priora em Caravaca. Ela admitiu com muita alegria a sua pretendente, e esta, segundo me escreve a Priora de Malagón onde se hospedaram, está contente. Parece-me que deve ser uma boa alma; escreveu-me desejosa de saber suas notícias; encarece muito o que lhe deve, e com muito amor fala em vossa reverência. Penso que a casa estará fundada até antes do Natal; não tenho sabido de mais nada.

Creio que será bom não dar resposta a meu Padre acerca do menino, até que eu fale a meu irmão. Escreva-me dizendo que idade tem, e se sabe ler e escrever, porque é conveniente que vá à escola com os meus sobrinhos. À minha María de la Cruz, e a todas recomende-me muito, assim como à Dorotéia. E por que não me diz que tal é o capelão? Conservem-no, que é bom homem. Conte-me se deu certo o quarto planejado e se nele, tanto no inverno como no verão, ficam bem. Para lhe falar verdade, apesar do que me diz da Subpriora, não creio que vossa reverência lhe esteja mais submissa. Ó Jesus, como não nos conhecemos! Sua Majestade nos dê luz, e a guarde à minha afeição.

Sobre os negócios da Encarnação, pode escrever a Isabel de la Cruz, que eu aqui muito mais posso fazer por elas do que estando lá; e assim o faço, e espero em Deus, que, se der vida um ou dois anos ao Papa, ao Rei e ao Núncio e a Nosso Padre, estará tudo muito remediado. Qualquer deles que falte, ficamos perdidos, por se achar tão indisposto contra nós Nosso Padre Reverendíssimo; mas Deus o remediaria por outra parte. Agora pretendo escrever-lhe e ser-lhe mais dedicada do que antes, pois é muito o que lhe quero e lhe devo. Tenho grande pesar de ver como procede, em conseqüência de más informações.

Todas se recomendam muito a vossa reverência. Não estamos agora para coplas. Pensa que se pode tratar disso agora? Encomendem muito Nosso Padre a Deus, que hoje disse uma pessoa grave ao Arcebispo que há perigo de o ma­tarem; estão que é uma lástima! Se visse as grandes ofensas de Deus cometidas neste lugar por monjas e frades! Sua Majestade dê remédio a tudo e me livre, a mim, de o ofender, pois aí não sei...9 visitar Nosso Padre, que é lástima ... or seria na Encarnação; mas de Deus de algum modo se há de servir disso, pouco seria dar minha vida: antes quisera ter muitas. É amanhã véspera de ano-novo.

De vossa reverência,

Teresa de Jesus.

A idéia que meu irmão teve de ser frade não foi adiante, nem irá.

95. Ao P. Jerónimo Gracián

Sevilha, dezembro de 1575. Dificuldade de encontrar postulantes com o dote e as demais condições para Descalças.

Não pense Vossa Paternidade, como de outras vezes lhe tenho escrito, que seja fácil achar dinheiro e juntamente todas as outras qualidades requeridas. Não me tivesse eu acomodado às circunstâncias, asseguro-lhe que não teria Vossa Paternidade agora monjas para este mosteiro nem para enviar a outro, tão poucas são as pretendentes.

96. A Frei Luís de Granada, em Lisboa

Sevilha, dezembro de 1575. Elogio dos escritos do Padre.        Desejo de conhecê-lo. Encomenda-se às suas orações.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa Paternidade. Amém. Sou uma das muitas pessoas que no Senhor amam a Vossa Paternidade por ter escrito tão santa e proveitosa doutrina, e dão graças a Sua Majestade que nos concedeu Vossa Paternidade para tão grande e universal bem das almas. E julgo poder afirmar: por receio de nenhum trabalho me privaria de ir ver aquele cujas palavras dão tanto consolo, a quem as ouve, se assim fosse possível ao meu estado e à minha condição de mulher. Além disto, tenho tido motivos de buscar pessoas semelhantes a Vossa Paternidade, para me assegurarem acerca dos temores em que minha alma tem vivido de alguns anos para cá. E, já que não mereci a graça de falar a Vossa Paternidade, consola-me escrever-lhe esta carta a mandado do senhor D. Teutônio, pois por mim não teria tal atrevimento. Fiada, porém, na obediência, espero em Nosso Senhor que será para meu proveito, e servirá para Vossa Paternidade recordar-se de encomendar-me alguma vez ao mesmo Senhor. Disto tenho grande necessidade, por andar com pouca provisão de virtude, posta diante dos olhos do mundo, e sem merecimento algum para tornar verdadeiras algumas coisas que imaginam de mim.

Se Vossa Paternidade entendesse quão grande é este trabalho para quem tem vivido tão mal como eu, seria o bastante para fazer-me esta mercê e esmola, pois tão bem conhece o que vai pelo mundo. Apesar de tão ruim, tenho-me atrevido a pedir a Nosso Senhor que muito longa seja a vida de Vossa Paternidade. Praza a Sua Majestade conceder-me esta mercê, e que vá sempre Vossa Paternidade crescendo na santidade e no divino amor. Amém.

Indigna serva e súdita de Vossa Paternidade,

Teresa de Jesus, Carmelita.

O senhor D. Teutônio, creio, é um dos que estão enganados a meu res­peito. Tem-me dito que quer muito a Vossa Paternidade. Em paga disto, está Vossa Paternidade obrigado a visitar a Sua Senhoria: não pense que sejam inúteis tais visitas.

97. A Madre María Bautista, em Valladolid

Sevilha, princípios de 1576. Obediência da Santa. Achaques do Pe. Domingo Báñez e conselhos para os remediar. Boas qualidades de uma postulante de véu branco.

Jesus esteja com vossa reverência, filha minha. Quisera eu estar mais folgada para escrever-lhe; mas é tanto o que tenho lido e escrito, que me espanta de como pude agüentar, e por isso estou determinada a ser breve. Praza a Deus que o consiga.

A respeito de minha ida para aí: onde estavam com a cabeça quando imaginaram que havia eu de escolher algum lugar, em vez de ir para onde quer que me mandassem? É certo que se falou em assinalarem para mim esse mosteiro. Nosso Padre assim queria por certas causas que presentemente já não existem, mas nunca foi sua intenção, segundo creio, que eu aí ficasse para sempre; eu sim, pensei nisso. E eis que me manda dizer agora o Núncio que não deixe de fundar como antes. Parece que Nosso Padre lhe disse as coisas de tal maneira que Sua Senhoria deu mostras de concordar, e depois de assim informado, está nas disposições que lhe digo. Quanto a mim, acho-me bem determinada a não fundar a não ser por sua ordem expressa. Basta o que está feito... que agora é tempo de começar Nosso Padre, sem demora, a Visita dos Frades, que ainda não começou.

Meus irmãos estão movendo mundos e fundos para eu ir com eles; especialmente Lorenzo, que diz esperará aqui a decisão de Nosso Padre; o qual parece estar um tanto abrandado. Por mim, não faço senão calar e rogar ao Senhor lhe ponha no coração aquilo que for melhor para seu serviço e me dê ocasião de fazer o que for de seu agrado, pois só isto me dará contentamento. O mesmo façam aí, por caridade. Diga isto a essas minhas filhas, e também que Deus lhes pague o seu regozijo. Contudo, creiam-me: nunca ponham seu contentamento em coisas que passam, pois ficarão logradas. À minha Casilda dê o mesmo recado, pois não lhe posso escrever.

Por Medina, numa carta que a Priora lhe deve ter enviado, dizia a vossa reverência como recebi suas cartas e o porte; agora não me mande mais dinheiro até que eu lho diga...1 Agostina... aqui até que eu escreva, e o direi... digo falar-lhes. A quantia é muito pouca, e se dela tirarem o dote que lhe deram e as despesas para a alimentação, nada sobrará. E assim me tornou a escrever a mãe dela, certificando-me não ser esse o motivo, e sim o desejo da menina. Levo também em conta esse desejo, e talvez convenha assim. Se for de Deus, Ele nos dará luz.

Não sei como deixei para só no fim dizer-lhe a pena que me causou a doença de meu Padre2; receio que ele tenha feito alguma penitência das suas no Advento, como deitar-se no chão, pois não costuma ter essa enfermidade. Faça que ele agasalhe os pés. Verdade é que não é forte essa dor, mas quando se torna habitual é coisa muito incômoda, e dura muito tempo. Veja se ele tem agasalho suficiente. Bendito seja Deus por já estar melhor! Não há coisa que me faça tanta pena como ver alguém com uma dor violenta, ainda meus inimigos... eu sentira se a houvesse quanto mais numa pessoa a quem tanto quero. Dê-lhe minhas recomendações e um grande recado.

O pajenzinho é pequeno demais, se tem apenas onze anos; melhor fora que tivesse doze. Gostaria que aprendesse a escrever antes de vir, a fim de ir com estes meus sobrinhos ao Colégio de S. Gil e iniciar, também ele, seus es­tudos. Diz meu irmão que, sendo recomendado do Pe. Frei Domingo, ainda mesmo sem necessidade o tomará, porque lhe contei quanto devo a este Padre. A bondade de es... respondesse que não há lugar para essa pretendente.

A pretendente leiga bem quisera eu que fosse recebida aí, mas não vejo meio: porque o bom Asensio nos rogou que tomássemos uma sua criada, e sou obrigada a tirar uma de Medina para que haja vaga. Tão santa é como Estefania (e ainda antes de receber o hábito!); se quiser, pergunte a Alberta se não é assim. Se aceitar aí essa santa, eu cobraria nova vida. Sem dúvida, se soubesse a senhora D. María quem ela é, havia de pedi-la para seu mosteiro. Poderia vossa reverência tomá-la em lugar de D. Maríana, e eu arranjaria lugar para essa recomendada de Nosso Padre.

Estranho que não me tenha dito sua opinião, e deve ser por não ter percebido que eu a estava aguardando... que não era para isso. Ponha muito empenho em ver que tal é; e se for boa, ainda que não haja vaga havemos de tomá-la. Aqui temos lugar para uma, e bem quisera eu que nos viesse daí, mas é tão longe que não vejo possibilidade. Saiba que Nosso Padre3 tem grande número de irmãs e muito pobres, e, pois a Virgem o tomou a seus pais, que o tinham por seu amparo, justo é que as amparemos nós.

98. Ao Pe. Juan Bautista Rubeo,
Geral dos Carmelitas em Roma

Sevilha, fevereiro de 1576. Dá-lhe conta da fundação de Descalças        em Beas, Caravaca e Sevilha. Suplica ao Geral tenha os Descalços        na conta de filhos bons e obedientes. Pede-lhe benevolência para com        o Pe. Gracián. Acata a decisão do Capítulo que lhe ordena retirar-se        a um convento de Castela. Procedimento do Pe. Ángel de Salazar. Inquietação das monjas da Encarnação.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa Senhoria. Amém. Depois que cheguei aqui a Sevilha, escrevi a Vossa Senhoria três ou quatro vezes; e não escrevi mais, porque, de volta do Capítulo, me disseram estes Padres que andava Vossa Senhoria a visitar os Mantuanos1 e não estava em Roma. Bendito seja Deus, que se acabou este negócio. Nas mesmas cartas dava a Vossa Senhoria conta dos mosteiros que se fundaram este ano, que são três: em Beas, em Caravaca e aqui. Tem neles Vossa Senhoria súditas que são grandes servas de Deus. Os dois primeiros se fundaram com rendas; o desta cidade é de pobreza. Ainda não temos casa própria, mas espero no Senhor se há de fazer. Porque tenho certeza de que algumas destas cartas terão chegado às mãos de Vossa Senhoria, não lhe dou aqui mais particular conta de tudo.

Nelas dizia que diferença há entre falar a estes Padres Descalços, e ouvir o que por lá se conta deles. Refiro-me ao Pe. Mestre Gracián e a Maríano, porque, não há dúvida, são filhos verdadeiros de Vossa Senhoria, e, no substancial, ousarei afirmar: nenhum dos que muito presumem de o ser, lhes faz vantagem. Como eles me puseram por medianeira para alcançar de Vossa Senhoria que lhes restitua as suas boas graças, pois já não ousavam escrever--lhe, suplicava eu a Vossa Senhoria nessas cartas, com todo o encarecimento possível, o mesmo que agora lhe suplico. Por amor de Nosso Senhor, faça--me Vossa Senhoria esta mercê, e dê-me algum crédito, pois não tenho motivo para falar senão toda a verdade. Teria, aliás, por ofensa de Deus não agir assim, e, ainda que não fora ir contra Ele, consideraria grande traição e maldade proceder de outro modo com o Pai a quem eu tanto quero.

Quando estivermos, um dia, ambos diante de Deus, verá Vossa Senhoria o que deve à sua verdadeira filha Teresa de Jesus. Só isto me consola nestes transes porque, bem sei, deve haver quem diga o contrário. Faço tudo por Vossa Senhoria quando está em minhas mãos, como entendem — e quanto eu viver entenderão sempre — todos os que julgam desapaixonadamente, pois só a estes me refiro.

Já escrevi a Vossa Senhoria acerca da comissão que Pe. Gracián recebeu do Núncio, e como este agora o tinha mandado chamar. Já terá sabido Vossa Senhoria que de novo lha tornaram a dar, para visitar a Descalços e Descalças e a província de Andaluzia. Sei com muita certeza que este último encargo recusou ele o mais que pôde, embora não o digam assim. Esta é a verdade, e seu irmão, o Secretário2, também o não queria, porque o resultado é só grande trabalho.

Mas, pois estava feito, se me tivessem dado crédito estes Padres3 tudo se teria executado sem publicidade e muito como entre irmãos. Fiz tudo o que foi possível de minha parte para este fim, porque, além de ser conforme à razão, eles desde que aqui estamos nos têm socorrido em tudo; e, como a Vossa Senhoria já escrevi, acho entre eles pessoas de bom talento e letras. Bem quisera eu os houvesse semelhantes em nossa província de Castela.

Sou sempre amiga de fazer da necessidade virtude, como dizem; e assim quisera que, em vez de resistir, vissem primeiro se poderiam sair com a vitória. Por outra parte, não me espanto de que estejam cansados de tantas visitas e novidades como por nossos pecados têm havido nestes últimos anos. Praza ao Senhor nos saibamos aproveitar de tudo, pois é bem certo que muito nos sacode Sua Majestade. Agora, porém, como são do mesmo hábito, não parece ser tão em desdouro da Ordem; e espero em Deus se Vossa Senhoria favorecer este Padre de maneira a entender ele que recuperou as boas graças de Vossa Senhoria, de tudo há de resultar muito bem. Escreve ele a Vossa Senhoria, e tem grande desejo, repito, de não lhe dar qualquer desgosto, porque se preza de ser filho obediente de Vossa Senhoria.

O que torno agora a suplicar a Vossa Senhoria, por amor de Nosso Senhor e de sua gloriosa Mãe (a quem Vossa Senhoria tanto ama, assim como também a ama este Padre, que por lhe ser muito devoto entrou nesta sua Ordem), é que Vossa Senhoria lhe responda, com brandura, deixando em esquecimento as coisas passadas, embora tenha havido alguma culpa, e recebendo-o generosamente por filho e súdito, pois na verdade o é; e o mesmo digo do pobre Maríano, conquanto algumas vezes não avalie bem as coisas. E não me espanto de que tenha escrito a Vossa Senhoria de modo tão diferente do que ele na realidade quer. Não terá sabido exprimir-se, pois declara que jamais teve a intenção de contrariar a Vossa Senhoria, nem por palavras nem por obras. Como o demônio ganha tanto com esses mal-entendidos e os faz servir a seus fins, deve ter ajudado para que, involuntariamente, esses Padres tenham faltado de tino nesses negócios.

Mas olhe Vossa Senhoria, dos filhos é próprio o errar, e dos pais o perdoar e não se deter nas faltas. Por amor de Nosso Senhor, suplico a Vossa Senhoria: faça-me esta mercê. Veja que assim convém por muitos motivos, que talvez aí Vossa Senhoria não os entenda, como eu aqui; e, ainda que nós mulheres não prestemos para dar conselho, alguma vez acertamos. Não entendo que prejuízo possa vir de Vossa Senhoria proceder assim, e, como digo, proveitos pode haver muitos. Que mal pode resultar de acolher Vossa Senhoria estes filhos que de muito boa vontade se lançariam a seus pés, se estivessem em sua presença, pois Deus não deixa de perdoar? Convém que todos entendam como é do agrado de Vossa Senhoria ser a Reforma promovida por um súdito e filho seu, e como, a troco disto, se sente feliz de perdoar.

Se houvera muitos a quem encomendar tal obra! mas já que, tanto quanto se pode julgar, nenhum há com os talentos deste Padre — e tenho por certo, se Vossa Senhoria o visse diria o mesmo, — por que não há de mostrar Vossa Senhoria que se alegra em ter tal súdito, de modo a entenderem todos que esta reforma, se se levar a bom termo, procede de Vossa Senhoria e de seus conselhos e avisos? E, se virem que Vossa Senhoria é favorável, todos se aplacarão. Muitas outras coisas quisera eu dizer sobre este caso; parece-me, porém, mais eficaz suplicar a Nosso Senhor dê a entender a Vossa Senhoria o que será mais conveniente, porque, de tempos para cá, não faz Vossa Senhoria caso de minhas palavras. Bem segura estou que, se nelas há algum erro, não erra minha vontade.

O Pe. Frei Antonio de Jesus está aqui; não pôde deixar de vir, embora também tenha procurado escusar-se, como esses outros Padres. Escreveu a Vossa Senhoria; quiçá terá mais sorte do que eu, encontrando crédito em Vossa Senhoria acerca de tudo que sugeri como sendo conveniente. Faça-o Nosso Senhor como pode e vê que é necessário.

Tive conhecimento da ata vinda do Capítulo Geral, determinando que fique eu numa casa sem mais dela sair. Mandou-a para cá o Padre Provincial, Frei Ángel, ao Pe. Ulloa, encarregando-o de ma notificar. Pensou que me causaria muita pena, pois a intenção desses Padres foi de magoar-me, e por isso a tinha guardado. Deve haver pouco mais de um mês, procurei que me chegasse às mãos, porque o soube por outra parte.

Asseguro a Vossa Senhoria: certamente, tanto quanto posso entender de mim, ser-me-ia de grande regalo e contento se Vossa Senhoria mo tivesse escrito pessoalmente, e eu visse que, por compaixão dos muitos trabalhos, (grandes ao menos para mim, pois não sou capaz de muito padecer) que nestas fundações tenho passado, e em prêmio deles, me mandava Vossa Senhoria descansar. E, ainda mesmo entendendo de onde procede a ordem, tem-me dado muito consolo o poder estar em meu sossego.

Como tenho tão grande amor a Vossa Senhoria, não deixei de sentir, na qualidade de filha outrora tão amada, esta ordem, porque veio como dirigida a pessoa muito desobediente, em tais termos que o Pe. Frei Ángel pode publicá--lo na corte antes de chegar a meu conhecimento. Pensava ele que era fazer-me muita violência, e assim me escreveu que eu podia apelar para a Câmara do Papa. Como se não fosse um grande descanso! Por certo, ainda no caso de não ser gozo para mim o fazer o que Vossa Senhoria manda, senão grandíssimo trabalho, não me passaria pelo pensamento deixar de obedecer; nem permita Deus jamais que eu procure contentamento contra a vontade de Vossa Senhoria. Posso dizer com verdade, e isto sabe N. Senhor, que, se algum alívio tinha nos trabalhos e desassossegos e aflições e murmurações que passei, era por entender que fazia a vontade de Vossa Senhoria, e lhe dava gosto. O mesmo terei agora em fazer o que Vossa Senhoria me manda.

Quis obedecer imediatamente, mas vinha próximo o Natal, e, como é tão longo o caminho, não me deixaram, entendendo não ser da vontade de Vossa Senhoria que eu aventurasse a saúde. Por esta razão ainda estou aqui, não com intento de ficar sempre nesta casa, mas só até passar o inverno; porque não me entendo com a gente de Andaluzia. E o que suplico muito a Vossa Senhoria é que não me deixe de escrever aonde quer que eu esteja, porque não havendo já ocasião de tratar de negócios (e isto certamente me dará grande contentamento), receio que Vossa Senhoria se esqueça de mim. De minha parte não darei a Vossa Senhoria possibilidade de esquecer-me, e ainda que se canse, não deixarei de lhe escrever para minha consolação.

Por aqui nunca se entendeu, nem se entende, que o Concílio4 — nem tam­pouco o Motu proprio — tire aos Prelados o direito de mandar as monjas de uma a outra casa, para o proveito e os interesses da Ordem, que muitas vezes se podem oferecer. Não digo isto em relação a mim, que já não presto para nada, nem por ter de ficar numa só casa, pois é tão bom ter algum sossego e descanso; e mesmo num cárcere, sabendo que Vossa Senhoria se satisfaz com isso, estarei de boa vontade toda a vida. Digo-o para que não tenha Vossa Senhoria escrúpulo do passado. Embora estivesse eu munida de patentes, jamais saí para fundar em parte alguma, — pois para os demais, claro está que não podia — sem ordem por escrito, ou licença do Prelado. Com a do Pe. Frei Ángel, fui para Beas e Caravacas, e com a do Pe. Gracián vim para Sevilha, porque naquele tempo tinha este a mesma comissão que recebeu agora do Núncio, embora não usasse dela. Entretanto disse o Pe. Frei Ángel que vim para cá como apóstata e estava excomungada. Deus lho perdoe! Vossa Senhoria é testemunha de como sempre procurei que estivesse Vossa Senhoria bem com ele, e lhe fizesse a vontade (quando não importava em desagradar a Deus); e contudo nunca se decide a ficar bem comigo.

Prouvera a Deus tomasse ele a mesma atitude com Valdemoro5! Este, como é Prior de Ávila, tirou da Encarnação os Descalços, com não pouco escândalo do povo; e, estando antes a casa que era para louvar a Deus, de tal modo tratou aquelas monjas, que é lástima vê-las em tão grande desassossego. Elas me têm escrito que para o desculparem a ele lançam sobre si a culpa! Já voltaram para lá os Descalços, e, segundo me escreveram, mandou o Núncio que não as confesse nenhum outro Padre do Carmo.

Muito me tem penalizado a aflição daquelas monjas; por alimento só recebem pão, e de outro lado tantas inquietações sofrem, que me causam grande lástima. Deus dê remédio a tudo; e a Vossa Paternidade nos guarde muitos anos. Disseram-me hoje que vem cá o Geral dos Dominicanos. Ah! se me fizesse Deus mercê de acontecer vir também Vossa Senhoria! Contudo, por outra parte, sentiria eu o trabalho de tão longa viagem, e assim terá de ficar meu descanso para aquela eternidade que não tem fim, onde verá Vossa Senhoria o que me deve.

Praza ao Senhor, por sua misericórdia, que assim o mereça eu. A esses meus Reverendos Padres, assessores de Vossa Senhoria, muito me recomendo, pedindo as orações de Suas Paternidades. Estas súditas e filhas de Vossa Paternidade suplicam que lhes dê sua bênção, e eu o mesmo peço para mim.

99. A D. Rodrigo de Moya1, em Caravaca

Sevilha, 19 de fevereiro de 1576. Gratidão da Santa a D. Rodrigo. Pequenas dificuldades da fundação de Caravaca.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê. Grande consolo me deu a carta de vossa mercê, bem diferente do que se dizia por aqui. Seja Deus em tudo bendito, pois eu muito me espantava da Madre Priora2, e ficaria descontente se ela fizesse alguma coisa contra a vontade de vossa mercê. Pouco mais ou menos entendo o que devia mover essa pessoa que lhe falou, pensando dizer a verdade. Quanto a mim, custei a crer tal coisa, e por isso mandei perguntar a vossa mercê o que viu; porque a Madre Priora sempre me diz quanto lhe deve e quanto se consola com vossa mercê, pois a favorece em tudo.

Com o preço da casa não estou descontente, nem vossa mercê o esteja; porque, a troco de fundar em bom local, jamais faço questão de dar a terça parte mais do valor, e até me tem acontecido dar a metade a mais; porque é tão importante para um mosteiro estar bem situado, que seria erro fazer caso de minudências. Só em consideração da água e das vistas que essa tem, tomaria eu casa em qualquer parte, pagando muito mais e de muito boa vontade. Glória a Deus, que assim nos deu tão bom acerto.

Em relação ao Provisor3, não tenha vossa mercê a menor inquietação, pois, como vossa mercê diz muito bem, não é a primeira autoridade. O mosteiro está fundado com licença do Conselho das Ordens e a mandado do Rei. Se o não mandara Sua Majestade, — que nisto me testemunha muita benevolência pela estima que tem desses mosteiros, — seria difícil, pois doze anos andou a fundadora do Convento de Beas4 procurando obter licença para fazê-lo de outra Ordem (que ainda não tinha chegado à sua notícia a existência desta nossa), sem nada conseguir. E não se desfaz tão facilmente um mosteiro, depois de fundado; neste ponto não há que temer. Creio que agora levarão todos os despachos, exceto um, como explico na carta ao senhor Miguel Caja5; mas breve o enviarei. Se assim não fizer, é que o Bispo, como me assegura numa sua carta que hoje recebi, irá aí pessoalmente e está com tão boas disposições, que admitirá logo o mosteiro, porque é muito fidalgo e tem parentes e outras pessoas que nos farão toda sorte de favores. Portanto sobre este ponto não há dúvida.

O erro foi não mo dizerem logo; e eu, como tinha escrito tantas vezes que não o fundaria sem licença do Ordinário, estava certa de que já a tinham, pois de outro modo não me teria descuidado. Será necessário obtê-la; porque eu aqui havia dito que, segundo me informou a Madre Priora, contam com setecentos ducados de renda. Assim o haviam escrito ao Bispo e verifiquei ser verdade; e, se ainda faltar alguma coisa, com alguma noviça que se rece­ba, mesmo com dote pequeno, ficará completa a soma. Tudo se fará bem; não se aflija vossa mercê, pois quer N. Senhor que padeçamos um pouquinho. Até andava receosa com esta fundação, por se ter realizado tão em paz. Com efeito, em todas as casas em que Nosso Senhor há de ser muito bem servido, sempre há alguma tribulação, porque desagrada ao demônio. Muito me folguei por estar melhor nossa Irmã e senhora6. Praza a Deus que assim se conserve por muitos anos, e guarde a vossa mercê e à senhora D. Constanza. Beijo muitas vezes as mãos de Suas Mercês.

É hoje domingo da Septuagésima.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

100. À Madre María Bautista, em Valladolid

Sevilha, 29 de abril de 1576. Transladação à nova casa em Sevilha. Bons serviços de D. Lorenzo de Cepeda. Trabalhos do Pe. Gracián e das Descalças. Elogio de María de S. José, Priora de Sevilha. Sobre o título de Dom em relação aos sobrinhos da Santa. Assuntos do convento de Valladolid.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa reverência, filha minha. Amanhã parte o correio, e eu não tencionava escrever-lhe por não ter coisa boa a contar. Esta noite, pouco antes de fecharmos a porta, mandaram-me dizer que o inquilino da casa consente em passarmos para lá amanhã, dia de S. Filipe e S. Tiago; por onde entendo que já vai o Senhor querendo mitigar nossos trabalhos.

Envie esta carta, logo que puder, à Madre Priora de Medina, que deve estar aflita com uma que lhe escrevi; e contudo, longe de encarecer nela os nossos trabalhos, ainda lhe disse pouco. Saiba que, sem falar na fundação de S. José1, tudo tem sido nada em comparação dos que tenho passado aqui. Quando os souberem, hão de ver que tenho razão. Só por misericórdia de Deus sairemos bem deles; e já se pode dizer que assim será. É coisa espantosa as injustiças que abundam nesta terra, a falta de verdade, e os fingimentos. Posso dizer-lhe que é com razão a fama que tem. Bendito seja o Senhor que tira bem de tudo; e eu, no meio de tantos males juntos, tenho sentido um contentamento estranho. Se aqui não estivera meu irmão, absolutamente nenhuma coisa se poderia fazer.

Ele tem padecido não pouco, e é generoso em gastar e arrostar tudo. Faz--nos louvar a Deus. Com muita razão lhe querem bem estas Irmãs, pois nenhuma ajuda tiveram fora dele, antes acharam quem lhes desse mais trabalho. Agora, por nossa causa, teve de ocultar-se, e foi grande felicidade não o terem metido no cárcere, que é aqui semelhante a um inferno; e tudo contra a justiça, por nos pedirem o que não devemos, e ser ele o nosso fiador. Isto acabará indo dar na corte; é coisa sem pés nem cabeça, e ele gostou de o sofrer por Deus.

Está no Carmo com Nosso Padre; caem sobre ele tantos trabalhos, que parece chuva de pedras. Enfim, vejo obrigada a disfarçar os nossos, porque são os que mais o atormentam, e com razão.

Para lhes dar a entender alguma coisa, saibam que as falsidades que levantou aquela noviça2 quando saiu, segundo lhes escrevi, nada foram em comparação das acusações que nos fez depois. Imaginem! Vinha fora de hora, sem motivo algum, repetindo seus ditos a um e outro. Pela própria pessoa que foi chamada, soubemos claramente com que intenção assim procedia. De minha parte, confesso-lhe que me fez Deus mercê de estar em tudo como num deleite. A lembrança do grande prejuízo, que a todas estas casas podia resultar, não bastava para diminuir em mim o excessivo contentamento. Grande coisa é ter segurança de consciência e sentir-se livre.

A outra ingressou em outro mosteiro. Ontem me certificaram de que está fora de seu juízo, e não por outra causa, senão por ter saído daqui. Veja como são grandes os juízos de Deus, e como acode em defesa da verdade! Agora se entenderá que tudo não passava de desatinos. E tais eram os que espalhavam por aí, que chegavam a acusar-nos de atar de pés e mãos às monjas e açoitá-las; e prouvera a Deus fora só isto! Sobre este negócio tão grave, acrescentaram outras mil coisas; vi claramente que o Senhor queria apertar--nos tanto para fazer acabar tudo bem; e assim foi. Por isso fiquem sem nenhuma pena. Espero no Senhor que até poderemos partir brevemente, depois da mudança para a nova casa; porque não apareceram mais os Franciscanos, e, mesmo que venham, uma vez tomada a posse, o mais não importa.

Grandes almas são as deste mosteiro. Esta Priora tem tal ânimo, que me espanta; muito mais do que eu. Parece-me que contribui para isto o me terem aqui, porque sobre mim se descarregam os golpes. Ela tem muito bom entendimento. Posso dizer-lhe que foi feita para a Andaluzia, a meu parecer. E como foi conveniente tê-las trazido tão escolhidas! Agora estou passando bem; antes nem por isso. Este xarope me dá vida. Nosso Padre anda achacado, mas sem febre. Não sabe que lhe estou escrevendo. Recomende-o a Deus, e peça que nos faça sair bem de todos estes negócios. Creio, sim, que o fará. Oh! que ano este que passei aqui!

Venhamos a seus conselhos. Quanto ao primeiro, acerca do título de Dom, assim chamam nas Índias a todos os que têm vassalos. Contudo, apenas chegaram os meninos, pedi eu ao pai que não usassem tal tratamento, dando-lhe minhas razões. Concordou, e ficaram quietos e sossegados; mas Juan de Ovalle e minha irmã3, quando chegaram, não me atenderam, — quiçá para salvaguardar o Dom do filho deles. Como meu irmão não estava aqui e demorou muito tempo, e eu não os seguia de perto, encheram-lhe tanto os ouvidos quando chegou, que nada mais consegui. A verdade é que já em Ávila não se usa outra coisa; é uma vergonha. E, asseguro-lhe, fico vexada, por se tratar deles; pois de mim, penso poder dizer com verdade, nunca me lembrei, nem se preocupe comigo, porque nada é em comparação de outras coisas que dizem a meu respeito. Tornarei a falar ao pai, por amor de vossa reverência; mas creio que não haverá remédio por causa dos tios e por já estarem tão acostumados ao título. Fico muito contrariada cada vez que o ouço.

Quanto a escrever Teresa a Padilla, não creio que o tenha feito; só escreveu à Priora de Medina e a vossa reverência, para contentá-las, e a mais ninguém. A ele, se não me engano, escreveu uma vez duas ou três palavras. vossa reverência se convenceu de que eu estou por demais encantada com ela e com meu irmão, e não há quem lho tire da cabeça; e eles são tais, que assim deveria ser, se eu fora outra; mas olhe: apesar do muitíssimo que a ele devo, tenho gostado de que esteja foragido, para não vir tanto aqui. Na verdade atrapalha-me um pouco; embora, dizendo-lhe eu que se retire apenas chega Nosso Padre ou outra pessoa, obedeça como um anjo. Não é que eu deixe de lhe querer muito; quero sim, mas desejaria ver-me só. É a pura verdade; pensem lá o que quiserem: pouco importa.

O ter dito Padilla que era Visitador, certamente foi gracejando. Já o conheço. Apesar de ser assim, ele nos ajuda bastante, e é muito o que lhe devemos. Ninguém há sem falta. Que quer vossa reverência? Gostei muito de saber que a senhora D. María4 está contente com essa licença. Assegu­re-a de minha grande amizade e diga-lhe que por ser muito tarde não lhe escrevo, e, embora com pesar da partida da senhora Duquesa5, vejo ser vontade do Senhor que ela só em Deus encontre companhia e consolação.

De Ávila sei apenas o que vossa reverência me escreve em sua carta. Deus esteja com vossa reverência. Recomendo-me a Casilda e a todas, e a meu Pe. Frei Domingo muitíssimo. Bem quisera que ele deixasse para        ir a Ávila quando eu aí estivesse; mas, se é preciso que tudo para mim seja cruz, assim seja! Não deixe de escrever-me. Essa noviça que vossa reverência me diz ser tão boa, não a despeça. Oh! quem me dera quisesse vir para cá! Bem desejaria eu trazer algumas daí, se fosse possível. Vejam que, a meu parecer, agora não há mais motivo de preocupação, pois creio se há de fazer tudo bem.

Não se esqueça de enviar esta carta à Madre Priora de Medina, recomendando-lhe que a remeta à de Salamanca; e todas três a tenham por sua. Deus as faça santas para minha consolação. Confesso que esta gente daqui não combina comigo, e desejo ver-me quanto antes na Terra da Promissão6, se assim Deus for servido; contudo se eu entendesse que melhor O serviria ficando aqui, sei que o faria de boa vontade, conquanto os abomináveis pecados que há por estas bandas sejam muito de lamentar. Ficariam espantadas. O Senhor ponha termo a isto.

É hoje Dominica in Albis.

De vossa reverência,

Teresa de Jesus.

À minha María de la Cruz e à Subpriora muitas recomendações. À minha María de la Cruz leia vossa reverência esta carta. Todas nos encomendem a Deus.

101. Ao Pe. Ambrósio Maríano em Madrid1 

Sevilha, 9 de maio de 1576. Esquecimentos do Pe. Maríano. Excelentes condições da nova casa das Descalças. Questões com os Padres Calçados. Torna a Castela o Pe. Gracián.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa reverência. Oh! valha-me Deus! Que gênio esse seu, próprio para exercitar os outros! Eu lhe digo: muita deve ser minha virtude, para lhe estar escrevendo como faço; e meu maior receio é que pegue esse seu modo a meu Padre, o senhor Licenciado Padilla, pois também ele não me escreve, nem me manda lembranças, — tal qual como vossa reverência. Deus lhes perdoe, a ambos; mas é tanto o que devo ao senhor Licenciado Padilla, que, por mais que se descuide de mim, não poderei eu descuidar-me de Sua Mercê, a quem suplico tenha como sua esta carta.

Quando considero em que negócios emaranhados me deixou vossa reverência, e como está tão descuidado de tudo, não sei o que pensar, a não ser: maldito o homem etc2. Mas, como se deve pagar o mal com o bem, quis escrever a vossa reverência para comunicar-lhe que no dia de S. Tiago foi a tomada de posse da nova casa, e os Frades ficaram calados3, como mortos. Nosso Padre falou a Navarro, e penso ter sido este que lhes impôs silêncio.

A casa é tão boa que não acabam as Irmãs de dar graças a Deus. Por tudo seja Ele bendito. Dizem todos que foi de graça, e certificam que não o compraríamos agora nem com vinte mil ducados. O local, segundo ouvi dizer, é dos melhores de Sevilha. O bom Prior de las Cuevas está contentíssimo; veio cá duas vezes, e Frei Bartolomé de Aguilar4 uma, antes de partir, pois ia para o Capítulo como já escrevi a vossa reverência. Foi uma fortuna muito grande acharmos tal casa. Temos tido grande contenda a respeito da alcabala. Enfim, creio que acabaremos por pagar tudo, emprestando-nos meu irmão o dinheiro. Ele anda dirigindo a obra, e poupa-nos muito trabalho. O erro acerca da alcabala foi por causa do escrivão. Nosso Padre está contentíssimo com a casa, e geralmente todos. O Pe. Soto5 tem conceitos muito elevados; esteve aqui agora e diz que não lhe há de escrever porque vossa reverência não me escreve a mim. A Igreja será feita no portal; ficará muito bonita. tudo vem a calhar. Até aqui, o que se refere à casa.

Quanto à questão do Tostado6, acaba de chegar um Frade conventual daqui, e diz que em março o deixou em Barcelona; traz uma patente dada por ele na qualidade de Vigário Geral de toda a Espanha. Cota7 veio ontem. Está escondido em casa de D. Jerónimo à espera de Frei Agostino Suárez8, que, segundo dizem, chega hoje. Estas duas primeiras notícias são verdadeiras, pois vi a patente e sei também que esse outro está aqui. Igualmente dão por certo o que se diz do Provincial, isto é, que vem reassumir seu ofício e traz um Motu do Papa, tão favorável aos Calçados que eles nada mais terão a pedir. Assim consta; e até o próprio Prior me assegurou hoje que o sabe com certeza por meio de pessoa de sua confiança.

Pareceu bem a Sua ilustríssima Senhoria, nosso bom Arcebispo, assim como também ao Assistente e ao Fiscal, que Nosso Padre, antes que lhe fizessem alguma notificação, lhes furtasse o corpo, até saber do Ilustríssimo Núncio o que lhe ordena. Por muitas razões julgaram ser assim conveniente, de modo que ele vai para aí, por caminho diferente e não para visitar os conventos. Disto não há agora possibilidade, porque estão alvoroçatíssimos. Deus perdoe a quem impede tanto bem; contudo tenho por certo que é graça do Senhor para maior glória Sua. Praza a Sua Majestade mereçam eles remédio; quanto a deixarem de ir muito adiante os Descalços, nenhum temor tenho, antes penso que tudo ordena o Senhor para maior proveito. Deixou Nosso Padre por Vigário Provincial o Pe. Evangelista9, Prior do Carmo, que está a cada hora esperando o golpe; mas, pode estar certo, como não é cabeça, não será notificado. Bom ânimo tem ele, e o Assistente está muito disposto a socorrê-lo se houver algum perigo.

Amanhã o Prior e o Subprior dos Remédios vão a Umbrete, a chamado do Arcebispo, que lá está. Se os Calçados não conseguirem anular os atos do Padre Visitador — e penso que o não conseguem — muito teremos ganho. O Senhor tudo encaminhe para seu serviço, e a vossa reverência livre do canto da sereia assim como a meu Padre e o Licenciado Padilla, a quem meu irmão beija as mãos muitas vezes, e também as de vossa reverência. Quisera sumamente ter a vossa reverência aqui, porque, penso, gostaria muito de ver como fomos bem-sucedidas.

Viemos três dias antes de partirem o Tenente e sua mulher, e ficamos grandes amigos. Todos nos deram de comer, com largueza, e nos mostraram muito agrado. Diz o Tenente que em Sevilha não há melhor casa que a nossa, nem em melhor situação. Parece-me que nela não se há de sentir calor. O pátio dir-se-ia feito de açúcar confeitado. Atualmente todos penetram nele, e podem ver todo o mosteiro, porque, até que se faça a igreja, a Missa é celebrada numa sala. No interior, dando para o pátio de serviço há bons aposentos, onde estamos melhor que na outra casa. O jardim é muito gracioso; há vistas lindas. Custou-nos muito trabalho; mas dou tudo por bem empregado, porque nunca pensei obtermos coisa tão boa. A Madre Priora e todas as Irmãs muito se recomendam às orações de vossa reverência e de meu Pe. Padilla, e eu às do Padre Provincial Frei Ángel; fiquei espantada de saber como chegou este tão depressa aí. Praza a Deus seja para sua glória o Capítulo; e assim será se se fizer como vossa reverência diz. Deus o guarde, com todas as suas faltas, e o faça muito santo.

É hoje dia 9 de maio.

Mande Vossa Paternidade avisar-me do que houver, pois vê que não está aqui Nosso Padre e portanto não terei meios de saber notícias. Não quereria eu que saísse vossa reverência daí, até ver em que param estas coisas. Asseguro-lhe que sinto muita falta de vossa reverência, que em tudo é entendido. Agora andaremos todos aqui com muita atenção e cuidado. Ao Pe. Frei Vicente minhas recomendações, e parabéns por já estar professo.

Indigna serva de vossa reverência,

Teresa de Jesus, Carmelita.

Oh! quantas mentiras circulam por cá! É de entontecer. Agora mesmo acabam de dizer-me que está em Carmona o Visitador (que assim chamam) dos Calçados, e em muitos Conventos lhe prestaram obediência. Contudo tenho medo desses negócios de Roma, à lembrança do que aconteceu no passado; mas não receio que resulte mal para nós, senão, pelo contrário, tudo ficará melhor. Eles devem ter alguma coisa em seu favor; de outro modo não seriam tão néscios de vir para aqui, pensando encontrar Nosso Padre, pois ignoram sua partida. Temos recebido grandes parabéns; há muito regozijo entre o povo. Quisera ver concluídos os negócios de nossos Descalços, pois, afinal de contas, não há de sofrer sempre o Senhor estes abusos, e hão de ter fim tantas desventuras.

102. Ao Pe. Jerónimo Gracián

Malagón, 15 de junho de 1576. Sobre a fundação de Descalças em Paracuellos. Chega, após feliz viagem, a Malagón, e muito se entretém com sua sobrinha Teresita. História de uma lagartixa. A Priora de Malagón muito alinhada. Nos locutórios não se deve dar de comer, nem tampouco tolerar extensas conversações.

A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Paternidade, meu Padre. Muito me alegrei de ter encontrado hoje este arrieiro, pois é alívio para mim o poder escrever-lhe por mensageiro tão seguro. Creia: o pensamento de que Vossa Paternidade já está em Sevilha, pela pressa com que o tornaram a enviar para lá, não pouco me aflige; e vejo que o melhor meio para me tranqüilizar seria estar eu aí presente. Quando penso que só de longe em longe hei de saber de Vossa Paternidade, não sei como poderei agüentar. Deus nos dê remédio e me faça a grande mercê de ver a Vossa Paternidade livre dessa gente.

Não sei com que intento querem a Vossa Paternidade e a todos tão aperreados aí. Como se já não bastasse terem excomungado o Pe. Maríano e o Padre Prior1. Nenhum outro alívio acho senão em ver que tem Vossa Paternidade a seu lado o senhor Doutor Arganda2. Dê-lhe muitas recomendações minhas. Bem quisera eu tornar a vê-lo; e não se esqueça de suplicar-lhe, da minha parte, que não tenha tanta confiança nessa gente, pois não deixarão de fazer tudo para recuperar a liberdade, mesmo à custa das vidas alheias. Assim, dizem eles, hão de fazer se Vossa Paternidade voltar para lá; e, ainda no caso de não chegarem a tanto, sempre é bom andar prevenido para o que der e vier, estando no meio de gente tão cega pela paixão.

Saiba, meu Padre, que senti grande contentamento no dia em que o vi, e nunca lamentarei o fato de não ter Vossa Paternidade presenciado os disparates que por aqui tem havido. Sim, eles não teriam sido mais comedidos em sua presença, e seria desacato à autoridade de seu ofício e de sua pessoa.

Muito desejo saber se Vossa Paternidade está bem, depois de andar de novo tão largo caminho. Procure Vossa Paternidade, por amor de Nosso Senhor, escrever-me sem tardança, enviando suas cartas por diversas vias. Eis outra aflição para mim: ver a pouca facilidade que há em Ávila para saber notícias de Vossa Paternidade, a não ser muito de longe em longe, porque a correspondência tem de ir por Madrid, Segóvia e, alguma vez, por Toledo. Veja que rodeio para as necessidades em que andamos atualmente, quando até esperar algumas horas para saber de Vossa Paternidade parece longo! Pois Vossa Paternidade isto sabe, muita crueldade será descuidar-se; se não me puder escrever largamente, ao menos ponha-me a par de sua saúde. Esta lhe dê Nosso Senhor, conforme a necessidade da Ordem.

Faça-me saber como estão os negócios e diga-me se gostou Vossa Paternidade de ver a casa de S. José3 já acabada, e tão conhecida do povo em conseqüência da festa que se fez na inauguração. Já eu sabia que havendo comodidade para gozar de algum descanso, não me havia o Senhor de deixar aí. Bendito seja para sempre! Aqui as Irmãs estão mal acomodadas, e, como eu vinha de tão boa casa, pareceu-me esta ainda pior.

A Madre Priora tem melhorado, embora não esteja de todo boa; muita pena me dá sua doença, e maior teria se me faltasse a esperança de que há de sarar, por ser perigoso o mal. Perderíamos nela a melhor Priora que tem a Ordem. Das faltas que tinha, está já tão escarmentada, segundo me diz, que não há de dar mais um passo sem refletir bem. Muito lhe quero, e fico mais cativa dela por ver quanto quer a Vossa Paternidade, e o cuidado que tem de sua saúde. Não se esqueça de encomendá-la muito a Deus; se ela faltasse, ficaria, por assim dizer, perdida esta casa.

Mandei logo mensageiro a D. Luisa, e, enquanto espero, se ela não providenciar satisfatoriamente, determinada estou a procurar que passem as monjas à casa que ela tem em Paracuellos, até ficar pronta a daqui. É um lugar a três léguas de Madrid e duas de Alcalá, ao que me parece, e lugar inteiramente sadio. Desejei muito que se fizesse aí o mosteiro, e D. Luisa não quis. Agora, já estando ele aqui, preferiria não sair, pois é lugar de trânsito; mas, se não é possível, praza a Deus que ela concorde; e Vossa Paternidade o tenha por bem. Não aguardarei outra licença, porque penso que a dará e, aliás, não há outro remédio, pois suprimir o mosteiro, como o de Pastrana, de nenhum modo convém. Em suma, se ela agora não responder favoravelmente, irei a Toledo para mover algumas pessoas a lhe falarem em nosso favor, e de lá não sairei até que, de um ou de outro modo, fique tudo resolvido. Não se preocupe Vossa Paternidade.

Cheguei com saúde e bem regalada por meu irmão; foi mais acertado vir com ele que em carros cobertos, por caminharmos às horas que nos convinham. Ele muitas vezes beija a Vossa Paternidade as mãos. Chegou bem e ainda o está; é muito bom homem. Prouvera a Deus quisesse ele deixar-me em Toledo, e retirar-se até ficar tudo aí sossegado! Assim teria eu mais notícias de Vossa Paternidade; mas não há jeito de consegui-lo. Teresa nos divertiu por todo o caminho e não foi pesada a ninguém.

Ó meu Padre! que desastre me aconteceu! estávamos bem satisfeitos sentados sobre uns feixes de trigo, junto a uma venda, por não se poder estar nela, eis senão quando entra-me uma grande salamandra ou lagartixa pelo braço acima, entre a túnica e a carne. E foi misericórdia de Deus não ser em outra parte, pois creio, morreria, tal foi o que senti, apesar de meu irmão a ter logo pegado e atirado longe, dando com ela na boca a Antonio Ruiz. Este nos serviu muito bem durante a viagem, e Diego não ficou atrás; por isso dei--lhe já o hábito: é um anjinho. Penso ter sido ele quem nos trouxe uma noviça, a qual muito mais quisera eu levar daqui do que a Catalina, como era minha intenção; porque esta embora tenha melhorado, ao que parece, é doente e, com a ânsia de mudar de casa está com a cabeça inteiramente perdida. Bem pode Vossa Paternidade estar certo de que já estava assim quando fez aquela proeza. E gaba-se de o ter feito para honrar mais a Ordem!

A Madre Priora se encomenda muito a Vossa Paternidade. Diz que não escreve para poupar-lhe o cansaço. Está de pé, e, como é tão alinhada e amiga de não faltar aos atos de comunidade, creio que isto lhe servirá de impedimento para sarar depressa. Quando Vossa Paternidade for à nossa casa, faça muita festa por mim a S. Gabriel, que ficou muito saudosa; é um anjo de singeleza e ótimo espírito. Devo-lhe muito.

Mande Vossa Paternidade que a ninguém se dê de comer no locutório por motivo algum, porque é muita inquietação para as Irmãs; e, a não ser com Vossa Paternidade (que não há de entrar nesta conta, quando é preciso), fazem-no de muito má vontade. Pior ainda a tenho eu, e assim deixei recomendado que o não façam. Há muitos inconvenientes. E basta dizer que não terão com que sustentar-se se o fizerem; porque as esmolas são poucas, e, embora calem, ficarão sem ter de comer. Isto é o menos. Quando eu lá estava, via que não lhes faltasse o necessário, e não deixava gastar do dinheiro do Convento. Todas as coisas vêm do modo pelo qual principiaram, e é esse um princípio de que pode provir muito mal; por isso entenda Vossa Paternidade que importa muito e que a elas dará grande consolo saber que Vossa Paternidade quer que se guardem as atas feitas e confirmadas pelo Pe. Frei Pedro Hernández. Todas são moças, e creia-me, Padre meu: o mais seguro é que não tratem com Frades. Nestes mosteiros, de nenhuma outra coisa tenho tanto medo como disso; porque, ainda que agora é tudo santo, não sei no que virá a parar, se não for logo atalhado; por isso sou tão rigorosa neste ponto. Perdoe-me, Padre meu, e fique-se com Deus. Sua Majestade mo guarde e me dê paciência para ficar tanto tempo sem ver letra sua.

No segundo dia de Páscoa cheguei aqui, e estamos na sexta-feira seguinte. Vim por Almodóvar; fez-me muita festa Frei Ambrosio4. Estou contrariada com a ida do Pe. Frei Baltasar5 a Toledo; não sei como o Pe. Maríano o torna a meter em ocasião de perigo, que mesmo de longe não falta... Praza a Deus suceda bem aquela ca...6 sar creio há de ser muito boa...

Tinha chegado a este ponto quando veio a resposta de D. Luisa. Diz que enviará um oficial muito competente esta semana. Deu-me pesar.

Esquecia-me de dizer que estando eu aí falou-me o Pe. Subprior, Frei Alonso, sobre uma dor que está sofrendo no rosto; tencionava pedir a Vossa Paternidade que o transferisse a outro lugar. É bom homem; será conveniente atendê-lo. Em Almodóvar, penso que passaria bem, pois terá boa alimentação; e, como está ausente o Prior, seria bom nomear algum Vigário. Frei Gregório poderia substituí-lo, e, penso, andaria tudo muito bem. Quanto mais trato com este Padre, melhor me parece. Aí verão se não é assim.

O que mais suplico a Vossa Paternidade é que se trate bem, por amor de mim; não quisera que se descuidasse tanto de sua saúde, para não virmos a dar com tudo no chão. Tenho certeza: o que for preciso, aí o fará a Madre Priora, que é filha desta casa, provendo-o de tudo; e a mim também não me faltará a quem recorrer. Digo assim porque enviaremos agora dinheiro à priora para que Vossa Paternidade quando precisar lho peça, e o mesmo faremos com qualquer outra coisa que lhe for necessária. Não sei quantos reais deixei nas mãos de S. Gabriel: o que havia restado, era muito pouco. E olhe que não é minha intenção estender a mesma licença a estes outros Frades. Não estranhe isto Vossa Paternidade, porque é evidente a necessidade que tem; e até mesmo estou com bastante receio de vê-lo passar aí este verão. E estas diligências de prover de cá às suas despesas não é porque não o façam aí com a máxima boa vontade a Priora, a Subpriora, e todas as outras; senão porque talvez disponham de poucas esmolas, e Vossa Paternidade, à vista disso, ficará receoso de pedir.

Praza a Deus lhe dar saúde e no-lo guardar. Toda ausência aceitaremos, embora nos custe.

Indigna serva de Vossa Paternidade e súdita,

Teresa de Jesus.

103. À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Malagón, 15 de junho de 1576. Assuntos diversos do Convento de Sevilha. Recomenda à Irmã S. Francisco exatidão histórica nas crônicas. Tristezas de Teresita.

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A graça do Espírito Santo esteja com vossa reverência, filha minha. Oh! como quisera escrever-lhe bem longamente! Mas, tendo outras cartas, não é possível. Ao Pe. Frei Gregorio recomendei que lhe escrevesse extensamente sobre toda a nossa viagem. A falar verdade, não há muito a contar. Viemos otimamente, e não com muito calor; e chegamos todos bons, glória a Deus, no segundo dia da páscoa de Pentecostes. Achei melhor a Madre Priora1, embora não esteja de todo restabelecida; sejam muito cuidadosas de encomendá-la a Deus. Tenho gostado não pouco de estar com ela. Sempre me tenho lembrado dos compromissos com que aí ficaram. Praza a Deus não tenha havido falta.

Por caridade peço-lhe que me escreva por todas as vias que puder, para que eu saiba sempre como estão. Não deixe de escrever por Toledo; avisarei à Priora que me envie as cartas prontamente. Terei talvez de deter-me aqui algum tempo, pois receio que não me hão de faltar trabalhos até concluir este negócio com D. Luisa. Encomendem-no aí a Deus. À Madre Subpriora e a todas as Irmãs dê muitas lembranças minhas. Tenha cuidado de regalar por mim a S. Gabriel2, que ficou muito boba com a minha partida. Recomende-me muito a Garcia Álvarez e dê-nos notícias do pleito e de tudo, e ainda mais de Nosso Padre, se já chegou. Escrevi a ele insistindo muito para que não consinta a pessoa alguma tomar aí refeição. Olhe que não abra precedentes, a não ser para ele que tem tanta necessidade e a quem poderá fazê-lo sem dar a entender; e, ainda que o venham a saber, há muita diferença de Prelado a súdito, e tão importante é para nós sua saúde que tudo o que pudermos fazer será pouco. A Madre Priora mandará pelo Pe. Gregorio algum dinheiro para este fim e para outras necessidades que se apresentem; verdadeiramente ela muito o estima e assim faz de boa vontade. E é bom que ele entenda isto: porque, repito, aí recebem poucas esmolas, e se derem de comer a outros, poderão ficar sem ter para si. Desejo extremamente que não haja inquietações em nenhum ponto, para que muito sirvam a Nosso Senhor. Praza a Sua Majestade assim seja, como não deixarei de suplicar-lhe.

Diga à Irmã S. Francisco que seja fiel cronista dos acontecimentos dos Frades. Como vim dessa casa tão boa, ainda achei esta pior. Muito trabalho têm aqui estas Irmãs. Teresa, especialmente no primeiro dia, veio bem tristezinha, dizendo que era por ter deixado as Irmãs. Mas, em aqui chegando, foi como se toda sua vida tivesse estado com estas; de tão contente, quase não ceou na noite de nossa chegada. Alegrei-me com isto, porque vejo que é muito enraizada sua afeição por todas. Pelo Pe. Frei Gregorio tornarei a escrever. Por enquanto nada acrescento; só peço ao Senhor que a guarde e a faça santa, a fim de que todas o sejam. Amém.

É hoje sexta-feira de Pentecostes.

Entregue esta carta em mão a Nosso Padre, e se ele não estiver aí, não a envie senão por pessoa muito segura, pois é importante.

De vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Teresa não lhe escreve porque está muito ocupada. Diz ela que é Priora, e muito se recomenda.

Sobrescrito: Para a Madre María de S. José, Priora de Sevilha.

104. À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Malagón, 18 de junho de 1576. Solicitude da                      Santa pela comunidade de Sevilha. Uma postulante.             Teresita não se esquece de suas monjas.

Jesus esteja com vossa reverência, filha minha. Asseguro-lhes que se lhes causa saudades a minha ausência, são bem pagas. Seja o Senhor servido de aceitar tantos trabalhos e penas que sinto por deixar filhas tão queridas, e permita que vossa reverência e todas tenham passado bem. Quanto a mim, estou boa, glória a Deus.

Já devem ter recebido as cartas que foram pelo arrieiro; esta será bem curta, porque tencionava demorar-me aqui, mas domingo é dia de S. João, e por isso abreviei minha partida e disponho de pouco tempo. Como o Pe. Frei Gregório será o mensageiro, não tem muita importância.

Ando com cuidado de que vossa reverência se veja em dificuldades para pagar os censos deste ano, pois no ano próximo já o Senhor terá trazido quem os pague. A Santángel1 deste Convento, além de uma Irmã que é noviça aqui, tem outra muitíssimo louvada pela Madre Priora, que a considera a melhor de todas. Diz ela que do dote da nossa, que completa em agosto seu ano de noviciado, dará trezentos ducados para ajudar a vossa reverência. A mesma quantia levará a mais nova para aí, e com o total poderão pagar os censos deste ano. É bem pouco, mas se é verdade o que dizem, até sem dote é boa. Por ser ela daqui, tratem da admissão com Nosso Padre, e se não puderem lançar mão de outro recurso, usem deste. Só há um mal, é que ela não tem mais de quatorze anos, e por este motivo digo que só a tomem se não houver outro remédio; aí julgarão.

Seria bom, parece-me, se Nosso Padre ordenasse que Beatriz fizesse logo profissão, por muitas causas, e uma delas é para acabar com suas tentações. Recomendem-me a ela e à sua mãe, à Madre Subpriora e a todas as Irmãs, especialmente à minha enfermeira, e em geral a todos e todas que vossa reverência vir. Deus a guarde para mim, filha minha, e a faça muito santa. Amém.

Meu irmão lhes escreveu há poucos dias, recomendando-se muito às orações da comunidade. Mais cordato é ele que Teresa: a esta não há quem faça querer mais bem a outras monjas do que às de Sevilha. Porque a Madre Priora, com quem muito me consolei, pode crer, vai escrever-lhe, e Frei Gregório contará o resto, não vou adiante. Tenciono ficar algum tempo em Toledo; escrevam-me para lá.

Ontem foi dia da Santíssima Trindade.

Procure enviar-me carta de Nosso Padre e notícias pormenorizadas, pois nada tenho sabido dele. Deus as faça santas.

De vossa reverência,

Teresa de Jesus.

A respeito da pretendente, informe-me melhor, por enquanto não se trate disso.

105. Ao Pe. Jerónimo Gracián, em Sevilha

Toledo, fins de junho de 1576. Sobre alguns negócios dos Calçados de Andaluzia.

1...to que está Vossa Paternidade nesse lugar. Por aqui passou hoje o Prior de Carmona com outro Presentado; o Pe. Frei Gregorio contar-lhe-á algumas coisas das que nos sucederam. Disse-me que Cota somente se havia retirado ao Carmo, e o Fiscal do Concelho Real tinha tomado a seu cargo o pleito, o qual está sendo agora julgado pelo Concelho. Medida é esta muito branda, a meu parecer, em vista dos disparates cometidos. Bem entende este Padre que agiram mal, e diz que os admoestou muitas vezes. Tenciona ir pedir ao Núncio que só castigue os culpados, e não o paguem todos, e nomeie o Visitador que lhe aprouver, não, porém, Vossa Paternidade, porque ninguém lhe obedecerá.

Pensei comigo que seria bom Vossa Paternidade, de sua parte, pedir o mesmo ao Núncio e ao Rei, contando como estão obstinados e com tanta inimizade, que pouco proveito lhes poderá fazer Vossa Paternidade. A eles parecerá... bem, e seria dar satisfação a todo mundo; e, mesmo no caso de não aceitarem suas razões, ao menos ficaria eu consolada por ter Vossa Paternidade feito o que está em suas mãos para deixar o cargo. É morte para mim o pensar que hão de voltar à obediência de Vossa Paternidade, e que tudo vai recomeçar. Pense bem nisto, meu Padre; e, se não puder desvencilhar-se do cargo, indo já fortalecido pela obediência, o Senhor tomará conta.

Dizem eles: fiquem-se lá com seu Provincial! que nós temos o Tostado2! O Senhor nos acuda, e, pois vossa reverência já deixa tudo encaminhado, seria bom tomar alguma medida séria com essa gente tão desesperada. Ó Jesus! como custa estar longe para todas estas coisas! Asseguro-lhe que é grande cruz para mim.

Estou de partida para Toledo e tenciono não sair de lá até D. Luisa dar alguma providência sobre esta casa. Agora promete enviar um oficial, a quem... mas não mostra muita vontade. Boa estou...

106. À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 2 de julho de 1576. Amor mútuo entre a Santa e María de S. José. Assuntos do Convento de Sevilha, e alegria que lhe causam as cartas que de lá recebe.

Jesus esteja com vossa reverência. Asseguro-lhe que lhe pago bem as saudades que diz ter de mim. Depois de escrita a carta que vai com esta, recebi as suas. Alegrei-me tanto, que fiquei enternecida e achei graça nos perdões que me pede. Contanto que me queira tanto como eu lhe quero, perdôo-lhe o que fez e o que possa fazer. Até agora a maior queixa que tenho de vossa reverência é que gostava pouco de estar comigo; mas bem vejo — e assim o disse à Madre priora de Malagón — não ser sua a culpa, e sim determinação do Senhor que, tendo querido dar-me aí tantos trabalhos, houve por bem tirar-me o alívio que eu encontraria em vossa reverência. Por certo que, a troco de terem ficado vossa reverência e essas irmãs com algum descanso, dou tudo por bem empregado, ainda que fosse muito mais. E creia-me que lhe quero muito, e, se vir correspondência de sua parte, o demais é ninharia, não há que fazer caso; contudo, quando eu aí estava, como aos outros trabalhos se ajuntou esse, e eu a tratava como a filha para mim muito querida, custou-me bastante não receber de sua parte a mesma franqueza e amor. Mas com esta sua carta já esqueci tudo, pode estar certa, e a amizade permanece; e o pior é não ter eu agora essa defesa para não se tornar demasiada a afeição.

Sumamente me alegrei de que tudo se tenha feito tão bem. Não deixe de fechar o contrato, embora não ofereça muita segurança para o futuro; porque é desagradável andar com demandas, especialmente no princípio de uma fundação. Procuraremos pagar quanto antes a meu irmão; refiro-me ao dinhei­ro da alcabala, pois tenho muita preocupação com essa casa, mais do que tinha aí, ou, pelo menos, tanto. Oh! como ele1 se alegrou com suas cartas! Não se cansa de falar na sua prudência. Achei-as boas, somente acontece que vossa reverência quando quer melhorar a letra, a faz pior. Como meu irmão e Teresa lhe escrevem, nada digo sobre eles. Tinha escrito a meu Padre, Prior de las Cuevas, e hoje tenho de escrever a Malagón acerca de negócios, e a Nosso Padre; e assim dificilmente poderei responder às Irmãs. Além disso não –œ‡°± ·;˛ˇ             ‑˛ˇˇˇ˛ˇˇˇ  ÄÒzÛ|˝~ˇhÒz       Û t˝~ˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇˇvitá-la, e concluir de outro modo; muito pesar com isto tem Nosso Padre. Está bom, e ao Núncio pareceu bem que não volte para aí.

Não pode dizer que não lhe escrevo com freqüência. Faça o mesmo, que me alegro muito com suas cartas. Nada sabia do que se estava passando por aí; Nosso Padre escreve-me muito pouco, certamente por não poder fazer mais. Deus esteja com vossa reverência e a faça muito santa. Soube que não está passando bem, por carta de Gabriela, mas só a li depois de ter escrito a maior parte desta; diz que vossa reverência tem tido dor de estômago. Praza a Deus não vá adiante. Não me recordo a quem encomendei o velar sobre sua saúde. Fique sendo a Subpriora; olhe que não deixe de obedecer-lhe, e tenha cuidado consigo, por amor de mim, que terei infinito pesar se a souber doente. Praza ao Senhor dar-lhe saúde, como Lhe suplico. À mãe de Beatriz e a Delgado muito me recomendo; e a Priora daqui, a vossa reverência. Todas se alegraram de saber como aí vão bem. Assim continue sempre.

Creio já ter dito que é dia da Visitação.

O clérigo chegou durante a Missa e, depois de ter também celebrado, partiu. Falei com ele; se houvesse permanecido mais tempo, ter-lhe-ia feito algum agrado, mas disse-me que vinha com outros e por isso precisava partir.

De vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Escreve-me também Gabriela que traz vossa reverência a casa muito alinhada. Bem quisera vê-la agora. Até este momento não pude ainda verificar de quem eram as cartas. Alegrei-me com a do nosso bom Padre Garciálvarez. De boa vontade vou escrever-lhe; quanto a essas minhas filhas, que me perdoem, pois preciso retribuir a quem lhes faz bem.

107. À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 11 de julho de 1576. A Santa fica em Toledo. D. Lorenzo e sua filha a caminho de Ávila. Assuntos das Descalças de Sevilha e da Reforma.

Jesus esteja com vossa reverência. Não poderá dizer que não lhe escrevo a miúdo; talvez lhe chegue esta primeiro que outra que lhe escrevi, há três ou quatro dias, se não me engano. Saiba que por ora fico aqui, e que anteontem partiu meu irmão. Fiz que levasse Teresa, porque não sei se me mandarão fazer algum rodeio, e não quero menina nas minhas costas. Estou boa e fiquei descansada, livre de tanto ruído, pois, embora queira muito a meu irmão, dava-me cuidado vê-lo fora de sua casa. Não sei até quando ficarei aqui, porque ainda estou pensando qual será o melhor modo de fazer as obras de Malagón.

Deu-me pesar sua enfermidade, e o ter-se purgado fora de tempo não me pareceu bem. Avise-me de sua saúde, e dê-lha Nosso Senhor, como eu desejo a vossa reverência e a essas minhas filhas. A todas me recomendo muito. Causaram-me grande prazer com suas cartas. A algumas já respondi; vou escrever agora à minha Gabriela e a S. Francisco, que sabem ambas encarecer bem as coisas. Praza a Deus não haja alguma mentira! Para outra vez, quando uma me contar um fato, não o repita outra; digo-o porque todas três me contaram a oitava do Santíssimo Sacramento, quero dizer, a festa. Contudo não me enfadei, antes me alegrei muito de que tudo tenha corrido tão bem. Deus o pague a Nosso Padre Garciálvarez. Beije-lhe as mãos por mim; escrevi-lhe outro dia.

De que se tenha concluído o acordo sobre o alcabala, muito nos alegramos, meu irmão e eu; é fora do comum o bem que lhes quer, e pegou-o em mim. Também fiquei contente com os livros que ele lhes enviou, e com os benefícios que aí recebem de meu santo Prior. Deus o recompense.

Muito quisera me contasse bem por miúdo que tais andam esses pobres Frades, isto é, se há esperança de apaziguá-los; e como se portam os Franciscanos. A Nosso Padre encomendem a Deus, que tem muitos trabalhos. Praza ao Senhor tenham sido acertadas tantas medidas de rigor com esses Padres! Ao Pe. Frei Antonio de Jesus e ao Pe. Maríano dê minhas recomendações; diga-lhes que já quero imitar a perfeição que eles têm de não me escreverem; e ao Padre Maríano, que estamos muito amigos, o Pe. Baltazar e eu.

Ontem passou aqui Juan Díaz1, vindo de Madrid. Nem se pensa em fazer mosteiro aqui2, porque Juan Díaz volta para a corte. Mandou o Rei a Nosso Padre que para estes negócios da Ordem se dirija ao Presidente do Concelho Real e a Quiroga. Praza a Deus dê certo! Acredite no que lhe digo: é preciso muita oração. Também encomendem a Deus Nosso Padre Geral3, que caiu de uma mula e quebrou a perna; e fiquei bem pesarosa, por ser já velho. A todos os meus amigos e amigas, muitos recados meus. Façam o que determino neste papel incluso.

Oh! como me sinto bem com as túnicas que fiz do lençol! Por aqui dizem que parece linho. Deus as faça santas para minha consolação, e a vossa reverência dê saúde.

Tome muito cuidado consigo; mais vale regalar-se do que ficar doente.

É hoje dia 11 de julho.

De vossa reverência serva,

Teresa de Jesus.

108. A D. Lorenzo de Cepeda em Ávila

Toledo, 24 de julho de 1576. “O mestre de cerimônias.”          Linda cela a de Toledo. Zelos de Juan de Ovalle. Os manuscritos das “Fundações”. Uma cópia da “Vida”. Marmelos e marmelada. A educação dos filhos de D. Lorenzo.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com vossa mercê. Oh! quão longos me parecem estes quinze dias! Bendito seja Deus, que vossa mercê está com saúde. Foi grande consolo para mim. Sobre o que me contou de sua casa e criadagem não me parece haver demasia. Fez-me rir gostosamente o mestre de cerimônias1; asseguro que achei muita graça. Bem pode confiar nela, que é muito boa e muito sensata. Quando vossa mercê a vir, dê-lhe minhas recomendações, que muito lhe devo, assim como a Francisco de Salcedo.

Fico triste com a sua indisposição. Já começa o frio a fazer-lhe mal. Estou melhor do que de uns anos para cá, a meu parecer, e tenho uma cela muito linda, completamente isolada, com uma janela que dá para um jardim. Visitas muito raras. Se não fossem tantas as cartas e me deixassem sossegar, tão bem estaria, que não fora possível durar muito, pois assim costuma acontecer quando estou bem. Tivera eu vossa mercê aqui, e nada me faltaria; mas, se Deus me fizer a graça de lhe conceder saúde, o resto não custa passar. Deus lhe pague o cuidado que tem com a minha, consolei-me da sua ausência, vendo que vossa mercê também sofre por estar eu aqui. Espero em Deus não ficarei tanto tempo que me deixe de alcançar o frio de Ávila. Ao menos, pelo mal que me havia de fazer não deixaria de ir; nem me deterei um dia mais; pois, quando Deus quer, em qualquer parte dá saúde. Oh! para meu contentamento, quanto mais desejo a de vossa mercê! Deus lha dê, como está em suas Mãos.

Juan de Ovalle escreveu-me uma carta muito longa, encarecendo a amizade que tem a vossa mercê e quanto está pronto a servi-lo. Toda a sua tentação foi o parecer-lhe que Cimbrón2 lhe era preferido, mandando e desmandando no que a vossa mercê toca e sendo causa de que não viesse minha irmã. Todo o seu sentimento não é mais que ciúme; e é fora de dúvida, creio, porque é ciumento de natureza, e não foi pouco o que passei com ele por sermos amigas D. Guiomar3 e eu. Todas as suas queixas são contra Cimbrón. Em certas coisas é muito criança, mas portou-se bem com vossa mercê em Sevilha e tem-lhe grande afeição; portanto, por amor de Deus, vossa mercê revele essas coisas.

Respondi-lhe dizendo meu parecer. Assegurei-lhe que vejo quanto vossa mercê lhe quer e que, portanto, antes se deve ele alegrar de que Cimbrón trate dos interesses de vossa mercê. Insisti muito, aconselhando-o a contentar vossa mercê e a enviar-lhe, assim que lho pedisse, o dinheiro. Acrescentei que melhor estava cada um em sua casa, e talvez Deus o tivesse ordenado assim. Em suma, lancei a culpa sobre ele e desculpei a Perálvarez. O pior é que estou prevendo sua vinda, e de nada valerá tudo quanto fiz para impedi--la. Certamente tenho muita pena de minha irmã e por amor dela havemos de sofrê-lo assim; quanto à sua vontade de contentar a vossa mercê e servi-lo, posso jurar que é muita. Deus não o favoreceu com maiores dons. Por outro lado, fez a outros bem acondicionados, para que sofram os que têm desses gênios. É o que deverá fazer vossa mercê.

Acho que o Agnus Dei4, se não estiver no baú, junto com os anéis, está na arquinha. Já disse à Subpriora que envie esta a vossa mercê, para que de dentro tire os manuscritos das “Fundações”, e lhos devolva, envoltos num papel, e selados. Ela os remeterá a mim, junto com não sei que objeto de minha companheira, e um manto meu, que fomos precipitadas em mandar para aí antes de tempo. Não sei que outros papéis estarão na arquinha, e não quisera que alguém os visse; e nem tampouco as “Fundações”, por isso lhe faço este pedido. Quanto a vossa mercê não me importa que os veja.

Quebrou-se a chave da arquinha; abra-a vossa mercê e, depois de ter tirado a fechadura, guarde-a em alguma arca, até que seja substituída. Dentro dela achará a chave de um porta-cartas que por minha ordem vão enviar a vossa mercê, no qual estão também alguns papéis, se não me engano, de coisas de oração. Bem os pode ler, e tirar umas folhas com algumas notas sobre a fundação de Alba. Remeta-me vossa mercê tudo junto, porque me mandou o Padre Visitador terminar as “Fundações”, e tenho necessidade desses apontamentos para ver o que já ficou dito e escrever a fundação de Alba. é muito penoso para mim, porque o tempo que me sobra das cartas, preferia passar na solidão e descansar. Não parece que assim o queira Deus. Praza a Ele seja para seu serviço.

Saiba vossa mercê que me escreveu a Priora de Valladolid contando como D. María de Mendoza mandou tirar uma cópia do livro5 que estava nas mãos do Bispo, e ele agora lha tomou. Pelo que toca a vossa mercê, fiquei contente; assim quando eu estiver aí, poderei pedi-lo para que o veja. Não o conte a ninguém. Se acontecesse ir aí o Bispo, bem lho poderia vossa mercê pedir.

Escreverei para Sevilha dando seu recado, pois não sei se as cartas lá chegaram. Por que fazer caso de quatro reais? Eles não pagaram o porte porque se o mensageiro entendesse que ia alguma coisa dentro, não as teria entregue. Muito bem está passando a Priora daqui, em comparação do que estava antes; ela e todas beijam as mãos de vossa mercê. Muito o temos encomendado a Deus, pedindo que lhe dê saúde. Envio-lhe uns marmelos para sua criada fazer uma compota que lhe sirva de sobremesa; e duas caixas de marmelada, sendo uma para a Subpriora de S. José, a qual ouvi dizer que anda muito fraca. Diga-lhe que a coma, e a vossa mercê suplico que da sua não reparta: coma-a toda por amor de mim. Avise-me quando acabar, pois aqui são baratos os marmelos, e não é dinheiro do Convento. De fato, mandou-me o Pe. Gracián, por obediência, fazer o que costumava, pois o que tinha não era para mim, e sim para a Ordem. Por um lado tive pesar, mas, por outro, gostei; porque surgem tantas necessidades aqui onde estou — ainda só falando em portes para cartas, — que me dá pena o gastar tanto, e são muitas as ocasiões que se apresentam...

MEMORIAL SOBRE A EDUCAÇÃO DOS                                FILHOS DE DOM LOURENÇO

Quero que vossa mercê não o esqueça, e por isso o ponho aqui. Tenho grande receio de que, se desde já não tiver grande cautela com esses meninos, bem depressa poderão juntar-se aos mais presunçosos de Ávila; e é preciso quanto antes mandá-los vossa mercê ao Colégio da Companhia. Neste sentido escrevo ao Reitor, como aí verá; e, se ao bom Francisco de Salcedo e ao Mestre Daza parecer bem, usem bonés. A filha de Rodrigo teve seis filhos, dos quais só um foi homem, e — feliz dele! — sempre o aplicaram aos estudos, e ainda agora está em Salamanca; e tanto este como o filho de D. Diego del Aguila, andavam assim. Em suma, lá combinarão o que for mais acertado. Praza a Deus não criem meus irmãos com muitas vaidades os seus filhos.

Não poderá vossa mercê ver com muita freqüência a Francisco Salcedo, nem ao Mestre se não for pessoalmente às suas casas, porque moram longe de Perálvarez, e essas conversas espirituais se devem fazer em particular. Não se esqueça vossa mercê de não tomar, por enquanto, confessor certo, e em sua casa tenha o menor número de criados que puder ser; é preferível tomar outros, mais tarde, a despedir os que já tem. Vou escrever a Valladolid para que venha o pajem. Ainda que saiam sem ele alguns dias, não importa, pois são dois e podem andar juntos; vou escrever que venha quanto antes.

vossa mercê é inclinado a muito fausto, e até se acostumou a ele. É mister mortificar-se neste ponto e não dar ouvido a todos. Tome o parecer destes dois amigos em tudo, e também o do Pe. Muñoz da Companhia, se achar bom. Para as coisas mais graves, porém, bastam os dois, e siga o que aconselharem. Veja que nos começos não se entende logo o mal que resultará de certas coisas; e vossa mercê ganhará mais, aos olhos de Deus e até aos do mundo, e ganharão também seus filhos, se tiver mais para fazer esmolas. Por ora acho melhor não comprar mula; basta-lhe um cavalo ordinário, que sirva para montaria e para carga. Não vejo motivo agora para não passearem a pé esses meninos; deixe-os estudar.

109. Às Descalças de Beas

Toledo, julho de 1576. Confiança em Deus para                      suportar a pobreza do Convento.

Parece-me falta de confiança em Nosso Senhor pensar que nos há de faltar o necessário, pois Sua Majestade tem cuidado até do mínimo bichinho, provendo-o de sustento. Filhas minhas, ponham sua solicitude e diligência em nosso bom Jesus e procurem servi-lo, que eu lhes asseguro que não nos há de faltar nem retirará de nós o seu amparo.

Também, havendo tão pouco tempo que se fundou essa casa, não parecerá bem tirá-la daí; aguardem alguns anos, e se Nosso Senhor não der remédio, será sinal de ser sua vontade que se mudem, e então se poderá fazer, conforme parecer aos Prelados.

110. Ao Pe. Jerónimo Gracián

Toledo, agosto de 1576. Pobreza de espírito nos Conventos. Confiança em Deus. Assuntos da Reforma.

... Os seculares, em se tratando de seus interesses, pouco atendem à razão. Essa Madre Priora1 não sofre penúria, mas, como se acostumou a ter de sobra em Pastrana, ficou-lhe pouca pobreza de espírito, e isto me causava pena, e ainda causará de cada vez que o perceba. Estas casas, glória a Deus! só com a confiança posta n’Ele se fundaram; e assim temo que, se começarmos a confiar em meios humanos, venham-nos a escassear os divinos, ao menos em parte. Isto não o digo em relação a esse negócio; mas sei que não poria esse senhor aí a sua filha, se não fora nestas condições; mas a ele se deve tão pouco, que Deus deve querer que assim se faça. O modo de visitar as Descalças está saindo como ensinado por Deus. Seja Ele por tudo bendito!

Não é preciso Vossa Paternidade mandar-me positivamente; dou a ordem por recebida e obedecerei2. E verdadeiramente far-me-á prazer, livrando-me deste cansaço; só tenho medo de haver em algumas casas mais cobiça do que eu quisera; e praza a Deus não enganem a Vossa Paternidade mais facilmente que a mim. Com isto fiquei mais sentida, a meu parecer, do que com tudo mais. E, tanto quanto posso entender, era minha determinação, não receber noviça sem dar parte a Vossa Paternidade, mesmo que não fosse Prelado, quando estivesse perto, e até creio, estando longe. É impossível acertar em tudo. O tempo o mostrará; e se andarmos atrás de dotes, pior para nós.

Esta é a informação que recebi da Priora. Se desejo muitas informações é para bem das casas e dos negócios delas. Não sei como o podem levar a mal. Deus o aceite e dê luz para que daqui em diante se acerte melhor. Mas quanta desculpa estou dando! O pior é que estou tentadíssima com a pessoa de quem falei...

111. Ao Pe. Jerónimo Gracián

Toledo, 5 de setembro de 1576. Escolhe por confessor o Doutor Velásquez. Consulta o Pe. Salazar. Ninguém como Paulo1 para confessor.

... Agora quero dizer a Vossa Paternidade uma coisa, pois o mensageiro é de confiança. Já sabe como Ángela tomou por confessor ao Prior da La Sisla2, porque, pode crer, para muitas coisas não convém estar sem ter quem dê conselho: nem eu acertaria, nem teria sossego. O dito Prior costumava muitas vezes ir vê-la, mas desde que começou a confessá-la, quase nunca aparecia. Não podíamos entender a causa, nem a Priora nem eu. Estando a pobre Ángela a falar uma vez com José, ouvi dele: que o detinha por ser melhor para ela o Doutor Velásquez, Cônego muito douto e grandíssimo letrado daqui; com este teria algum alívio. Ele faria que a ouvisse e entendesse (porque havia a dúvida de ser muito ocupado). E por ser José pessoa tão grave, como Vossa Paternidade sabe, e quando lhe aconselha coisas semelhantes sempre resultar bem, não sabia ela o que fazer, por estar já tratando com o outro, e dever-lhe tanto; por outra parte, temia contrariar a José.

Nisto passou alguns dias; custava-lhe não poder tomar o parecer de Vossa Paternidade; e também tinha receio de desassossegar-se e de tratar com tantos. Acontecendo vir aqui o Pe. Salazar, determinou-se a fazer o que ele dissesse, conquanto não lhe sorrisse a mudança. Quase se queixava de José por não a ter avisado antes. Relatou, pois, ao Pe. Salazar tudo o que se passava; e note-se que, de outra vez que havia estado aqui, ele mesmo lhe havia sugerido o Prior de La Sisla. É o Pe. Salazar, como Vossa Paternidade sabe, uma pessoa com quem se pode falar abertamente, porque já está informado de tudo. Respondeu que fizesse como José havia dito; assim se fez, e ao pé da letra se vão cumprindo as palavras de José. Com efeito, tendo vindo cá o Prior e perguntando-lhe a Madre como fazia assim com ela, respondeu que o não sabia explicar, pois, não havendo coisa que mais desejasse, e vendo que muito o havia de chorar mais tarde, não era senhor de si neste ponto, nem podia reagir, e ficava muito espantado de não conseguir dominar-se.

Quanto ao outro3, não se fez esperar nem um dia; disse logo que, por maiores ocupações que tivesse, viria cada semana, tão grande é sua bondade. Tal contentamento mostrou como se lhe dessem o Arcebispado de Toledo, e até, penso, o não apreciaria tanto. Frei Fernando de Medina4 contará a Vossa Paternidade de quem se trata; não deixe de perguntar-lho. Para que veja Vossa Paternidade como o toma a peito o Doutor Ve­lásquez, envio-lhe um bilhete que me escreveu, tendo-o eu chamado para consultar sobre algumas dúvidas. Por serem coisas longas, não repito; aliás não eram de oração.

Assim pois, meu Padre, confessou-se Ângela com ele e está muito contente; e o melhor é que, depois de ter conhecido a Pablo5, em ninguém achava alívio nem contentamento para sua alma, e agora, embora não seja tanto como com ele, tem sossego e satisfação e sente a vontade inclinada a obedecer-lhe. É isto grandíssimo alívio para ela, que, pelo costume de toda vida estar sujeita, em se vendo sem Pablo, não se sente satisfeita em nada que faz; nunca lhe parecia estar acertando, e, por outro lado, queria sujeitar-se a outro e não podia. Creia: o mesmo Senhor que tolheu a um, moveu a outro. Tão espantada ficou ela com a novidade, como o Prior por sentir-se atado, sem fazer o que queria.

Asseguro a Vossa Paternidade que pode alegrar-se muito, se deseja dar algum alívio a Ángela. Já não é pouco o não ser tanto — refiro-me ao contentamento — como sentia com Paulo, mas ao menos não anda sem arrimo a alma. O Dr. Velásquez não ignorava a amizade que há entre ela e José; já tinha ouvido falar muito e não se espanta porque, sendo tão letrado, confirma-o com a autoridade da Sagrada Escritura. É grandíssimo alívio para a pobre, que de todas as maneiras a mantém o Senhor desterrada de tudo aquilo que ama. Seja bendito para sempre!

Resta agora não nos indispormos com o primeiro, nada lhe dando a entender. Pensará que por vir raramente, algumas vezes será feita a confissão com o outro. Ordene Vossa Paternidade que ela faça o que este lhe disser, como se Vossa Paternidade mesmo lho tivesse dito, para que ande sua alma com merecimento; pois, creia-me, são tão grandes os desejos que tem esta mulher e seus ímpetos de servir a Deus de algum modo, que, não podendo fazer coisas grandes, sente necessidade de buscar ocasiões para mais contentá--lo naquilo que está em suas mãos.

Indigna serva e filha de Vossa Paternidade,

Teresa de Jesus, Carmelita.

112. Ao Pe. Jerónimo Gracián

Toledo, 5 de setembro de 1576. O Pe. Tostado em Portugal. Necessidade de clareza nos negócios dos Descalços em Roma. Instrução acerca das cartas endereçadas a Madrid.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Paternidade. Remeti hoje umas cartas a Vossa Paternidade pelo correio-mor. É preciso não se esquecer de dizer-me se as recebeu, mas penso que foram com muita segurança daqui a Sevilha, por ser ele irmão de uma nossa monja.

Contava a Vossa Paternidade como o Tostado1 partiu para Portugal no mesmo dia em que Vossa Paternidade chegou aqui; assim soube porque o Infante2 e outro pregador de Andaluzia, que o estavam esperando, mandaram um mensageiro a Madrid, que lhes trouxe esta notícia. Bendito seja o Senhor que assim houve por bem ordená-lo!

Saiba que os do Concelho dizem que se a licença depender do processo, não será dada, porque é preciso mais documentação de nossa parte; mas se virem uma letra do Núncio declarando que a dá, logo a concederão sem mais demanda. A este respeito D. Pedro González3 recebeu aviso de um Ouvidor de sua amizade. Escreva-me Vossa Paternidade pelos Padres que voltarem do Capítulo4, dizendo o meio a tomar; e se conviria recorrer a algumas pessoas da corte, como o Duque5 ou outros.

Vem-me a suspeita de que por meio de cartas vindas de Roma impedem o Núncio de dar estas licenças, pois ao Pe. Frei Antonio6 as deu facilmente, se não me engano. Tenho pensado também que, se apresentarem ao Papa essas informações não verdadeiras sem que haja lá quem nos defenda, alcançarão quantos Breves quiserem contra nós. É, pois, importante e urgente que alguns dos nossos estejam lá, porque, vendo seu modo de vida, logo se conhecerá a paixão dos acusadores, e penso que sem isto nada se fará; na volta, trariam licença para fundar algumas casas. Creia que é grande coisa estarmos apercebidos para o que der e vier.

Escrevo às pressas; apenas digo que todas se recomendam às orações de Vossa Paternidade, e eu às de todos esses meus Padres, especialmente o Padre Prior dos Remédios, embora esteja eu zangada com ele7. Desejo saber se já chegou o Pe. Maríano. Deus guarde a Vossa Paternidade e o tenha de sua Mão. Amém.

Muito me alegra ver como faz bom tempo para viajar. Estou à espera de Antonio8. Não esqueça Vossa Paternidade de escrever-me como se chama aquele criado de seu pai a quem devo remeter as cartas para Madrid. Olhe não se esqueça, e diga-me como hei de pôr o sobrescrito, e se é pessoa a quem se podem dar os portes.

É hoje 5 de setembro.

Estamos boas, e parece que vou cobrando algum alívio por ver que terei aqui meio seguro para escrever a Vossa Paternidade.

Indigna filha e súdita de Vossa Paternidade,

Teresa de Jesus.

Olhe, meu Padre, não perca o papel que lhe dei; disse-lhe que o guardasse na pasta, e não o fez. Gostaria que tivesse outra cópia dele na arquinha, pois causaria muito embaraço se viesse a perdê-lo.

113. Ao Pe. Frei Jerónimo Gracián

Toledo, 6 de setembro de 1576. Os Calçados andaluzos. O Núncio a favor da Descalcez. Enfermidade da Priora de Malagón e dificuldade de substituí-la no cargo.

Jesus esteja com Vossa Paternidade. Acaba de chegar agora o mensageiro que leva esta carta, e, como disponho de bem pouco tempo, não me estenderei. Louvo ao Senhor por ter Vossa Paternidade chegado bem. Por duas vias já lhe escrevi que Peralta1 partiu para Portugal na mesma quinta--feira em que Vossa Paternidade aqui chegou. Santelmo2 escreveu-me hoje (e remeto inclusa a sua carta) dizendo que nada temos a temer, pois é fora de dúvida que Matusalém3 está muito resolvido a cumprir nosso desejo de separar as águias4; já viu que assim convém.

De Sevilha escreveram-me hoje contando o barulho e regozijo que há por lá com a publicação das patentes de Peralta; apregoam por todo o povo que hão de sujeitar as mariposas5. Por certo, foi conveniente o que fez o Senhor. Bendito seja para sempre! Infante veio falar-me; queria carta para Paulo. Respondi-lhe que por mim nada conseguiria, e ele mesmo lhe falasse; acha que em nada teve culpa. Penso que se houvesse esperança da volta de Peralta, não estaria tão submisso.

Acerca do que diz Vossa Paternidade da Priora de Malagón, já escrevi a Vossa Paternidade sobre o assunto. Mas coisa tão grave não a deve descarregar Vossa Paternidade sobre mim; não tem cabimento, nem eu consciência para estorvá-lo, vendo que Vossa Paternidade o quer. Suplico-lhe portanto: faça o que lhe parecer melhor, e veja quem servirá, pois para aí há de ser mais do que simples Subpriora. Não vejo outra senão a Priora de Salamanca. A que Vossa Paternidade propõe, não a conheço, e é muito nova; mesmo a outra preencherá bem mal o lugar de Priora. Estou muito preocupada. Vossa Paternidade o encomende a Deus, e deixe ordenado debaixo de preceito o que houver por bem. Muito imprópria ocasião é para levar e trazer monjas. O Senhor o encaminhe, que a necessidade não tem lei.

É hoje 6 de setembro, quinta-feira.

Não tenho tempo para escrever a meu Pe. Frei Antonio, nem para dizer mais.

Serva e filha de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

114. À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 7 de setembro de 1576. O Tostado e os Descalços. Sobre a segurança das cartas. Teresita em S. José de Ávila. Desapego dos parentes. Dotes e outros assuntos das Descalças de Sevilha. A Priora de Malagón e várias pessoas conhecidas da Santa.

Jesus esteja com vossa reverência. Asseguro-lhe que folgo tanto com suas cartas, que chego a desejá-las. Não sei o motivo desse particular amor que tenho a essa casa e às que nela estão; talvez porque aí passei tantos trabalhos. Já estou boa, glória a Deus; as febres foram dar num grande defluxo.

Bem via o trabalho que teriam com esses ditos e feitos desses Padres1; por aqui também não nos tem faltado. Mas, assim como nos livrou Deus do Tostado2, espero em Sua Majestade, que em tudo nos há de favorecer. Por certo que a ele não levantaram falso, pois deu boas mostras de como vinha mal intencionado contra os Descalços e contra mim. Precisamos sempre de muita oração, a fim de que Deus livre desses homens a Nosso Padre, e lhes dê luz, de modo a ficarem bem assentadas todas estas coisas, pois enquanto o Reverendíssimo Geral estiver assim desgostado, creia-me: teremos bem ocasião de merecer.

Como por Nosso Padre saberá tudo, nada lhe direi agora sobre este assunto; só lhe rogo, por caridade, que tenha muito cuidado de me pôr a par dos acontecimentos, quando Nosso Padre não puder, e que lhe entregue minhas cartas e se encarregue das dele. Bem sabe o que passei, com sobressaltos, ainda estando eu aí; que será de tão longe? O correio-mor aqui é primo de uma das nossas monjas de Segóvia. Veio ver-me e diz que, em atenção a ela, fará maravilhas. Chama-se Figueredo. É, repito, o correio-mor da cidade. Ficamos combinados; promete que, se vossa reverência tiver cuidado de entregar as cartas ao correio-mor daí, em oito dias, pouco mais ou menos, poderei receber suas notícias. Veja que grande coisa seria! Assegura que, se puserem sobre o pacote das cartas um papel dizendo que são para Figueredo, correio-mor de Toledo, mesmo que sejam muito importantes, nenhuma se há de perder. Tudo é trabalho para vossa reverência; mas sei que outros maiores tomaria por mim, assim como eu também os tomaria por todas essas minhas filhas.

Saiba que me dão às vezes tantos desejos de vê-la, que pareço não ter outro pensamento; é a pura verdade. Lá se informe, se ao correio-mor hei de dar o título de Magnífico, ou qual outro. Ele está muito bem colocado. Por esta razão gostei de ficar-me aqui por enquanto, pois em Ávila há falta de comodidade para correspondência, e mesmo para outras coisas. Só tenho pesar por estar longe de meu irmão, que o sente muito. vossa reverência faz mal de não lhe escrever de vez em quando. Por esta carta dele verá como está mal da saúde; contudo louvo a Deus por não ter febre.

Nunca me lembro de guardar as cartas em que me falam de Teresa3. Escreveram-me que todas se sentem confusas por ver sua perfeição e gosto para os ofícios baixos. Diz que ninguém pense que por ser sobrinha da fundadora hão de fazer mais caso dela, senão menos. Querem-lhe muito e tecem-lhe grandes elogios. Louvem a Deus, pois lhe deram a ganhar tanto bem, e por esta razão lho estou contando. Muito me alegro de que a encomendem a Sua Majestade. Quero extremamente a ela e a seu pai; mas creio e posso dizer-lhe com verdade que me sinto aliviada por estarem longe. Eu mesma não entendo a causa; só pode ser porque os contentamentos da vida já são cansaço para mim. Deve ser pelo medo que tenho de me apegar a coisa da terra; e, assim, o melhor é fugir da ocasião. Contudo, neste momento, para não ser desagradecida a meu irmão pelo que tem feito por nós, quisera estar junto dele, porque está à minha espera para assentar algumas coisas.

Não deixem de avisá-lo acerca da alcabala; e a mim também, de acordo com o papel que lhes envio. Bem vejo que lhes há de faltar dinheiro, e por isso tenho tratado da candidata apresentada por Nicolau, para ver se lhes dão quanto antes os quatrocentos ducados. Já eu a tinha despedido, por ouvir dizer que tem não sei que sinal, mas escreveu-me Nicolau outra vez esta carta, que lhe remeto. Nosso Padre diz que não nos convém. Contudo, não tornei a rejeitá-la, porque sendo tal a necessidade do convento, podem ver se dará certo fazer a experiência. Talvez seja boa. Trate-o lá com Nosso Padre, se estiverem apertadas, e informem-se das faltas que ela tem, que eu pouco lhe falei sobre este assunto. Vejo que aí não contam com muitos recursos. Com efeito, admirei-me de que a mãe de Beatriz não tenha dado mais de mil e quinhentos ducados; mas é tão boa, que até de graça seria grande lucro recebê-la. Gostei de saber das meias e dos trabalhos que fazem para vender: ajuda-te, e Deus te ajudará.

Em resposta ao que me propõe de remir os censos mediante a venda desses outros, claro está que seria grandíssimo bem ir aos poucos diminuindo a carga que pesa sobre o convento. Se a eles ajuntasse o dote de Bernarda — refiro-me à filha de Pablo —, e o total completasse três mil ducados, não deveria deixar de assim fazer. Consulte primeiro algumas pessoas de autoridade. Quando impuseram essa condição, disse-me o Pe. Maríano que não havia importância e ainda assim se havia de aceitar, porque seria contra a justiça agir de outro modo. Informe-se de tudo; antes de remir o censo, é preciso estar com o dinheiro em casa. O Pe. Garcia Álvarez fale com uns e com outros, e tratem-no com Nosso Padre, que, estando ele aí, não vejo para que acudir a mim com negócios, senão a ele. Praza a Deus não diminuam o dote de Leonor; digam-me como anda e se, de sua parte, se esforça, que eu não estou nada satisfeita de seu entendimento.

Sobre a pretendente de Fanegas, é muito arriscado receber neste momento alguma postulante sem dote; só poderá ser se a recebermos unicamente por amor de Deus, pois aí nunca se tomou alguma por esmola. Ele nos ajudará, e talvez tra­ga outras, para que no futuro possamos ainda fazer isto por Ele; bem entendi­do quando importunarem muito a Nosso Padre e ele assim mandar a vossa reverência. De sua parte não diga uma palavra; e cuide muitíssimo, amiga, em não ser precipitada no receber noviças: importa tanto quanto a vida entender se servem para nós. Essa de Nicolau não deve ter mais do que ser gentil.

A sobrinha ou prima de Garciálvarez é tal qual eu lhe falei, se não me engano. O mesmo me assegurou Callabar. Não creio que seja D. Clemencia, e sim a outra. Pode contar francamente a Garciálvarez como ouviu dizer que ela já esteve atacada de grande melancolia. A mim disseram claramente que esteve louca; por isso, não falei mais nela, ao que me parece, e creio não me enganar. As outras têm pai vivo, e, antes que recebam alguma coisa, não faltará trabalho. Ainda que assim não fora, é preciso atualmente não sobrecarregar a casa, a não ser para nos livrar logo da dívida. Esperemos um pouco; com tantos enredos desses Padres, não me espanto de não entrar noviça alguma.

Tudo o que gastar em portes ponha por escrito, para descontar dos quarenta ducados que lhe enviaram de S. José de Ávila; e olhe bem! não faça outra coisa, pois não seria generosidade, senão tolice. Não é à toa que lhe digo isto. Como tem a presunção de já me estar enviando dinheiro! Achei graça, por estar eu aqui com tanto cuidado, pensando como se poderão remediar. Contudo veio em boa hora e servirá também para pagamento de portes. Deus lhe pague, e também a água de flor de laranja, que chegou muito bem; e a Juana de la Cruz, o véu. Entretanto, de outra vez não se adiantem a fazer tais coisas, pois quando eu tiver alguma necessidade as avisarei, podem estar certas, e, segundo me parece, com mais franqueza e amizade, ou pelo menos tanta, como àquelas em quem mais confio, na certeza de que vossa reverência e todas me servirão de boa vontade.

A tal de boa voz nunca mais apareceu. Tenho muita preocupação de ver se acho alguma que lhes convenha.

Oh! que desejo tenho de que a cidade lhes dê água! É tanto que nem ouso esperá-lo. Alguma confiança me dá o pensar que poderá o Pe. Maríano, ou Nosso Padre, ter alguma influência sobre Frei Buenaventura, que é agora Guardião dos Franciscanos. Deus o permita, pois grande descanso seria para nós. Agora acreditarão, estando aí Nosso Padre, que mais quisera eu ver-me lá do que aqui, ainda mesmo que tivesse de passar maus bocados com o Bispo. Até me espanta o contentamento que me dá a idéia de ir para aí, mas Deus viu que assim é melhor. Por tudo seja bendito, e guarde-me Ele a vossa reverência muitos anos.

Para não lhe causar pena, não quisera falar-lhe no que sofro com a nossa Priora de Malagón; mas curá-la é o menos, para Deus que a criou. Sem falará no bem que lhe quero, é terrível a falta que faz numa ocasião como esta. Quis trazê-la; mas disse-me este doutor que trata de nós que, se lá houvesse de viver um ano, não viveria aqui nem um mês. O Senhor nos acuda com o remédio. Encomendem-na muito a Sua Majestade. Está completamente desenganada pelos médicos; dizem que é tísica. Guardem-se de beber água de salsaparrilha, embora tire dor de...4 A priora e as Irmãs recomendam-se a vossa reverência.

Muito pesar tem me dado a doença de meu santo Prior5; já o encomendamos a Deus. Faça-me saber dele, e Delgado, que fim levou? Conte-me se a mãe de Beatriz deixou a ele e a sua irmã alguma coisa e se reverte em benefício da casa. Dê minhas lembranças a quem julgar conveniente, e a todos em geral; e fique-se com Deus, que muito me alonguei. Gostei de saber que estão boas, especialmente vossa reverência, pois vivo assustada com estas Prioras, pelo que tem havido. Deus a guarde para mim, filha minha.

De Caravaca e Beas recebo cartas algumas vezes. Trabalhos não faltam em Caravaca, mas espero em Deus que a tudo dará remédio.

é hoje 7 de setembro.

De vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Agora nos escreveremos mais vezes. Olhe que não se descuide, e não deixe de regalar, uma vez por outra, a Nosso Padre. Ele pensa inteiramente como nós: não convém obsequiar Frades aí. Já insistimos tanto sobre este ponto, que receio algum exagero6, pois vossa reverência bem vê a necessidade que ele tem e quanto nos importa sua saúde.

Como não me dá notícias de Frei Gregorio? Recomende-me muito a ele, e diga-me como vão esses Padres, pois se vossa reverência não me informar de tudo, ninguém o fará. E como vai vossa reverência com o Pe. Frei Antonio de Jesus?

Não responderei a Nicolau até que vossa reverência me avise. Meio real há de dar de porte, quando não forem senão três ou quatro cartas, aumentando-o quando forem mais.

Como sei o que é ver-se em necessidade e como é difícil achar dinheiro aí, não me atrevi a desenganar de todo a Nicolau. É mister informar bem a Nosso Padre de cada coisa em particular quando lhe pedir parecer, pois, como anda tão ocupado, não pode atender a tudo.

Carta 108

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 9 de setembro de 1576. Prazer que lhe causam as cartas da Priora de Sevilha. Sobre algumas postulantes e noviças e outros assuntos desta casa. Teresita se lembra de Sevilha. Atum, tolas e marmelos. Saias de estamenha.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa reverência, filha minha. Eu lhe digo de verdade que me dão tanto consolo suas cartas, que, tendo lido uma e pensando não haver mais, ao deparar com a outra senti tanto gosto como se nenhuma tivesse recebido; de maneira que me espantei de mim mesma. Por isso entenda que sempre me servirão de alegria suas cartas. Envie-me sempre em um papel à parte os pontos aos quais preciso responder, para não ficar esquecida alguma resposta.

Quanto ao referente às monjas, acho que Nosso Padre já deixou ordenado que entre a mãe de Beatriz, com o que folguei muito; portanto faz bem em recebê-la, e pode dar-lhe o hábito em muito boa hora. Para mim é particular contentamento; diga-lhe que eu gostaria de estar na mesma casa que ela. Quanto a Beatriz, pode fazê-la professar, como lhe escrevi, e eu falarei a Nosso Padre. Encomende-me muito a ela; e diga-lhe que, no dia, não se esqueça de mim.

Acerca das primas de Garciálvarez, não sei se está lembrada de como me disseram que uma andou extremamente melancólica, chegando a perder o juízo. Não creio que seja D. Constança. Trate esse negócio com clareza. Da sobrinha nada sei; qualquer parenta sua é vantajosa, se for própria para nossa vida. Informe-se bem e, quando estiver inteirada de tudo, mande pedir licença a Nosso Padre, que deve estar em Almodóvar, pois já terá sabido vossa reverência como lá se reuniram em Capítulo os Descalços, o que é grande bem para nós. Por que não me fala da doença do Pe. Frei Gregório? Fiquei verdadeiramente penalizada.

Voltando às noviças: uma de boa voz, segundo lhe escrevi, nunca mais voltou. Trata-se agora da admissão da outra, bem recomendada por Nicolau1, e deste último diz o Pe. Maríano que há de fazer muito por esta casa. Além do enxoval, levará pouco mais de quatrocentos ducados de dote; mas serão entregues já, e isto é o que nos convém, para que aí possam pagar os juros, e não andem preocupadas; e talvez mesmo o alcabala, conforme combinamos. Foi pena não ficar o negócio concluído antes de morrer aquela pessoa; mas talvez tenha sido em vista de maior bem.

Sempre esteja certa de que melhor será entrar em acordo; não se esqueça disto, porquanto, segundo me escreveu Nosso Padre, um grande letrado da corte foi de parecer que a justiça não está do nosso lado; e ainda que estivesse, não se esqueça: é detestável andar com demandas.

Asseguram-me que a tal noviça é muito boa. Recomendei com instância a João Díaz que a examine, e se bastar para desfigurá-la um certo sinal, que, ouvi dizer, tem no rosto, não a recebam. Pôs-me água na boca esse dinheiro pago à vista no momento em que quisermos, porque prefiro que não toquem no da mãe de Beatriz e nem no de Pablo, deixando estes para o pagamento principal. Se o forem diminuindo com outras despesas, ficarão com uma dí­vida pesadíssima, e por certo, é coisa terrível; por isso quisera eu que por este modo se remediassem. Vou informar-me bem desta moça; muitos a elogiam, e, afinal, é das bandas de cá. Procurarei vê-la.

Alegrou-me extremamente que o Bispo esteja com saúde. Nessas ocasiões a que vossa reverência alude, faça o que lhe dizem; mas depois é pre­ciso cortar e guardar nossas obrigações, por mais que se aborreçam conosco.

Torno a dizer-lhe: não quisera que fossem vendendo os censos trazidos por essa Irmã; busquem outra solução, pois ficaríamos muito sobrecarregadas. Será uma salvação pagar tudo por junto com o dinheiro dela e o de Pablo, e ficarão muito aliviadas.

Oh! como veio a meu gosto a carta de minhas filhas! Confesso-lhe que me pareceu ótima. Encomende-me muito a elas; não lhes respondo para escrever a nosso bom Garciálvarez. Agrada-me ter ele esse gênio. Contudo andem recatadas, pois é tão perfeito que talvez venha a escandalizar-se do que a nosso ver lhe causa devoção. Não é terra essa em que se possa usar de muita simplicidade.

Alegrei-me extremamente com as boas notícias do Bispo e tenho dado graças ao Senhor. Diga-lho quando o vir; e, ainda que não receba muitas vezes sua visita, não se importe. Desta vez estavam muito boas as cartas: cada uma me dava conta de uma coisa. Causaram-me grande prazer.

Teresa vai indo muito bem. É para louvar a Deus a perfeição que mostrou por todo o caminho: causou espanto. Nem uma noite quis dormir fora do mosteiro. Posso dizer-lhe: se tiveram trabalho com ela, agora as está honrando. Nunca poderei agradecer-lhes bastante a boa educação que lhe deram, e nem seu pai tampouco. Está bom. Rasguei uma carta que dela recebi e que nos fez rir. Sempre a encomendem a Deus, por caridade; especialmente o peço à sua Mestra. Escreveram-me que Teresa ainda tem saudades de Sevilha, e sempre as louva muito. Pretendo enviar umas cartas para o Assistente, junto com estas. Se não forem agora, irão depois.

Hoje escrevi ao Conde de Olivares em Madrid, pedindo-lhe que escreva para aí. Se o fizer, será grande auxílio para nós. Deus o mova! Farei o que puder da minha parte, praza a Deus consiga eu alguma coisa. Consola-me muito saber que essa casa é fresca; a troco disto, aceito de bom grado o calor que faz aqui. Não me enviem mais presente algum, por caridade, pois se paga mais de frete do que vale. Alguns poucos marmelos chegaram perfeitos; as tolas, boas. O atum ficou em Malagón, em boa hora! Como vão escrever-lhe, não preciso falar nos trabalhos que há por lá e na pouca saúde da Priora, embora, Deus louvado, lhe tenham cessado as hemoptises. Ele as guarde para minha consolação, minhas filhas, e as faça santas. Amém.

Não me parece que se atrevam a dar resposta à sua carta. Contudo, digo que, pois trazem túnicas de estamenha, sem nenhuma imperfeição podem trazer dela também as saias. Mais as quisera eu assim que de bom pano.

É hoje 9 de setembro.

Eu de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Carta 109

Ao Pe. Jerónimo Gracián

Toledo, 9 de setembro de 1576. Queixas contra um Provincial. Quiroga sente-se feliz por ter uma sobrinha na Descalcez.          D. Juana Dantisco, sua filha, nas Descalças.

Jhs

O Espírito Santo guie a vossa mercê e lhe dê luz, e sua Virgem o acompanhe.

Quero dizer-lhe, a meu ver, será preciso Vossa Paternidade lançar mão dos menos culpados entre esses Padres1 para que executem suas ordenações. Esse Provincial, se não tivesse dado tantos passos errados, não seria mau para verdugo2. Sinto muito mais ânimo agora que da outra vez.

Saiba que está aqui meu bom amigo Salazar3. Apenas lhe escrevi que tinha necessidade de falar com ele, veio, apesar de lhe ser preciso rodear muitas léguas; é amigo deveras. Muito me alegrei de estar com ele; contou-me que o Anjo Maior4 está muito ufano de ter uma sobrinha entre as mariposas e as considera muito. Por sua vez, lhe falou Salazar sobre as águias; não se cansa de louvá-las.

A Priora e estas Irmãs mandam muitos recados a Vossa Paternidade e sempre o recomendam a Deus. A minha Isabel está muito bonita. Leia esta carta, que incluo, de minha senhora D. Juana5; muita consolação nos dará ela com sua visita, embora seja terrível mortificação para mim não ter nesta casa acomodação para executar o que Vossa Paternidade manda. Mas como não avisou a esse Roque6 a respeito de minhas cartas? Vejo que é este o nome que eu queria saber. Perdoe o comprimento desta carta: serviu-me de descanso. Deus acompanhe a Vossa Paternidade.

Ontem foi dia de Nossa Senhora.

Hoje chegou Antonio1.

Indigna filha,

Teresa de Jesus.

Escreveu-me Rodrigo Álvarez2 falando muito de Vossa Paternidade. Rogo--lhe, por caridade, não deixe de manter relações com esses Padres, como tem feito sempre.

Sobrescrito: Para Nosso Padre Frei Jerónimo Gracián, Comissário Apostólico da Ordem do Carmo.

Carta 110

A D. Francisco de Salcedo, em Ávila

Toledo, 13 de setembro de 1576. Consola D. Francisco em suas necessidades materiais. agradece as esmolas que, apesar de tudo, faz às monjas de S. José. Deus é bom pagador.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com vossa mercê. Parece-me que trata Nosso Senhor a vossa mercê como a varão forte, ... tirando-lhe a renda... por tudo seja bendito, Ele que assim enriquece aqueles que ama, exercitando-os no padecer.

Logo que o soube, fiquei penalizada...3 Contei-o a Nosso Padre Visitador, que já o tinha ouvido do Ilustríssimo Presidente do Concelho Real. Depois pensei ser isto o melhor, porque não é possível que... vossa mercê, vendo que não tem com que viver. Nosso Senhor encaminhe o que há... para que vossa mercê mais o sirva; só isto havemos de querer, todos nós que o amamos no Senhor, pois é o que mais lhe convém. Muito suplico a Deus, e estas Irmãs fazem o mesmo, e as de lá não se descuidarão, e é impossível... o que for mais conveniente a vossa mercê, por isso esteja confiado e alegre.

Eu assim também estou; disseram-me... de vossa mercê que... um ano... a par... muito bem... os achaques que... que a Madre Priora ainda não me escreveu. Seja (Deus bendito) e pague a vossa mercê a caridade que sempre faz às Irmãs como verdadeiro pai... pois vossa mercê é incansável.

Sua Majestade, não há dúvida, é muito bom pagador. Não faço..., e assim não foi consagrado o cálice. Dizem que não tardará a chegar; procurarei, assim que vier, mandar-lho; conserte-o por lá. No mais, suplico a vossa mercê: não se esqueça de encomendar-me no Santo Sacrifício da Missa a Deus, o qual o guarde muitos anos com a santidade que a vossa mercê desejo. Amém.

É hoje 13 de setembro.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus, Carmelita.

Carta 111

Ao Padre Jerónimo Gracián em Sevilha

Toledo, 20 de setembro de 1576. Excelentes qualidades de D. Juana Dantisco e amizade que contraiu com a Santa. Entrada no Carmelo de algumas filhas de D. Juana. Pleito de amor entre D. Juana e a “a pobre Lourença”. O Capítulo de Almodóvar e os assuntos dos Descalços. A Priora de Malagón e sua sucessora. Isabelita Gracián, linda e gordinha.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Paternidade. Não pense, meu Padre, aperfeiçoar as coisas de um só golpe. Que fruto poderá fazer Vossa Paternidade nos dois ou três dias que passa nesses conventinhos, que outro tanto não faça o Pe. Frei Antonio? Com efeito, ainda bem não saiu o Visitador, quando tornam a ficar como estavam; e é expor-se a mil perigos.

A senhora D. Juana está muito convencida de que Vossa Paternidade faz sempre o que lhe peço. Praza a Deus neste caso que seja assim! Três dias passou aqui Sua Mercê, mas não gozei dela tanto quanto quisera, porque teve muitas visitas, especialmente do Cônego; ficaram grandes amigos. Posso afirmar a Vossa Paternidade: os dotes que ela recebeu de Deus são dos mais raros; talento e amenidade como poucas vezes vi semelhantes em minha vida, e até, creio, nunca; suma franqueza e simplicidade, — coisa pela qual sou perdida. Muitas vantagens faz a seu filho neste ponto. Grandissimamente me consolaria de estar em algum lugar onde pudesse tratar muitas vezes com ela e suas filhas. Estávamos tão amigas, como se toda a vida houvéssemos estado juntas.

Diz que muito gostou daqui. Permitiu Deus que se achasse perto um aposento em casa de uma senhora viúva que mora só com as suas criadas. Ficou muito a seu gosto e aqui pertinho, o que lhe pareceu grande felicidade. De cá iam preparadas as suas refeições; cobrei vida com o que Vossa Paternidade me ordenou de poder dispor de algum dinheiro, para não estar dependendo do convento; do contrário seria para mim muito penoso. Apesar de quase nada, fiz tudo mais a meu gosto.

Achei graça de me dizer Vossa Paternidade que abrisse a ela a cortina; dir--se-ia que não me conhece. As entranhas quisera eu abrir-lhe! Até o último dia esteve com a senhora D. Juana sua filha do mesmo nome, que me pareceu muito bonita. Causa-me grande lástima vê-la ir para o colégio de jovens, porque, segundo disse, e de fato é verdade, mais trabalho tem lá do que acharia aqui. De boa vontade lhe daria eu o hábito, assim como a esse meu anjinho, sua irmã que está tão bonita e gordinha, a ponto de não se poder desejar mais. A senhora D. Juana não cabia em si de espanto ao vê-la e Periquito1, seu irmão, que veio cá, afirmava seriamente que não a reconheceria. É toda a minha recreação aqui. Aconselhei muito a senhora D. Juana1, já no último dia; pareceu um pouco abalada, segundo me disse Ana de Zurita a quem ela contou ter passado nessas disposições aquela noite e não estar muito longe de atender ao que lhe disse, mais ia pensar mais. Deus a mova! Reze nesta intenção, pois, como se parece tanto com Vossa Paternidade, muito a quisera eu comigo.

Viu a senhora D. Juana, sua mãe, o contentamento e modo de tratar de todas, e vai determinada a procurar com brevidade que seja recebida a senhora D. María3 em Valladolid; e até, penso, estava arrependida de haver encaminhado a outra parte a senhora D. Adriana4. Muito contente partiu, ao que me parece, e, creio, absolutamente não é fingida.

Ontem recebi de Sua Mercê uma carta com mil carinhos, dizendo-me que no tempo que passou aqui esqueceu suas penas e tristezas. Rasgaram-me juntamente com outras pois cheguei a ficar atordoada, nestes últimos dois dias, com as cartas sem conta que recebi. Estou muito pesarosa, porque tencionava mandá-la a Vossa Paternidade. Contou-me que, no dia em que ela partiu daqui, ficou livre das terçãs o senhor Lucas Gracián, e já está curado. Oh! que encantadora criatura é Tomaz de Gracián! Contenta-me plenamente; também veio cá. Escrevi hoje a Sua Mercê dando-lhe notícias de Vossa Paternidade. Estava bom.

Andei pensando a qual das duas quereria mais bem Vossa Paternidade, e pareceu-me o seguinte: a senhora D. Juana tem o amor de seu marido e de seus outros filhos, e a pobre Lourença não tem outra coisa na terra, senão esse Pai. Praza a Deus guardar-lho, amém; quanto a mim, muito a consolo. Disse-me ela que José tornou a sossegá-la, e com isto vai passando a vida, embora com trabalhos e sem alívio neles.

Tratemos agora do Capítulo. Os Padres vieram contentíssimos1, e eu o estou não menos com o bom resultado que se alcançou, glória seja a Deus! Por certo que desta vez não escapa Vossa Paternidade de grandes louvores. É tudo obra sua, conquanto as orações, como Vossa Paternidade diz, tenham talvez contribuído muito. Gostei extremamente haver quem zele sobre as casas: é ótima medida, muito proveitosa. Insisti para que se exija muito o trabalho de mãos, que é de suma importância. Respondeu-me que escreveria sobre este ponto a Vossa Paternidade, pois não se tratara dele no Capítulo. Fiz-lhe então ver que já está nas Constituições e Regra, e qual o fim do Capítulo senão fazê-las guardar? Outra coisa que também me contentou tanto, que nem ousava crê-lo, foi o haverem despedido da Ordem aqueles que mereciam ser expulsos. Terem podido fazê-lo, foi grande coisa.

Outro motivo de satisfação para mim foi o alvitre de procurarem fazer Província à parte por via de Nosso Padre Geral, usando de todos os modos possíveis; porque andar desavindos com o Prelado é guerra intolerável. Se, para o conseguir, houver necessidade de dinheiro, Deus proverá para os dois que vão a Roma; e, por amor de Deus, use Vossa Paternidade de diligência para que partam quanto antes. Não considere coisa acessória, pois é o principal; e se esse Prior da Peñuela conhece tanto o Padre Geral, seria bom companheiro para o Pe. Maríano. Se nada puderem conseguir, recorram ao Papa; porém muito melhor seria o primeiro alvitre, e agora é ótima ocasião. E visto Matusalém2 estar tão bem disposto, não sei o que aguardamos; seria ficarmos sem nada aqui, e na hora mais necessária ver-nos perdidos.

Saiba que um clérigo, amigo meu, trata comigo das coisas de sua alma e hoje me disse: tem toda a certeza de que Gilberto morrerá muito breve, e até, segundo me afirmou, este ano. De outras vezes tendo entendido o mesmo acerca de algumas pessoas, nunca saiu errado. Embora não se deva fazer caso de pressentimentos, pode acontecer, e é bom admitir essa possibilidade, por dizer respeito a nossos negócios. Traga-a sempre diante dos olhos, Vossa Paternidade e trate da visita como de coisa que há de durar pouco. Frei Pedro Hernández para tudo o que determinou executar na Encarnação tomou por instrumento Frei Ângelo, ficando ele sempre de longe, e nem por isso deixava de ser Visitador e de fazer seu ofício. Sempre me recordo de que fez esse Provincial3 em favor de vossa reverência quando o teve com os outros Padres em sua casa; e quisera eu, se fosse possível, não se mostrasse desagradecido. Queixam-se de que Vossa Paternidade se deixa reger pelo Padre Evangelista; também neste ponto convém ir com advertência, pois não somos tão perfeitos que nos escusemos de ter prevenção contra alguns e afeição a outros, e é preciso ter cuidado em tudo.

A Priora de Malagón está um pouco melhor, glória a Deus; contudo não se deve fazer muito caso de tais melhoras, segundo dizem os médicos. Muito me espantei de que Vossa Paternidade quisesse deixar-me livre sobre a minha ida a Malagón, sem decidir positivamente; e isto por muitas causas. Uma delas é que não vejo motivo, pois nem tenho bastante saúde para tratar de enfermas, nem bastante caridade. Pela casa, ou antes, pelas obras, muito mais faço aqui; pois, estando ali Antonio Ruiz, as monjas nada terão a fazer; e, ainda que houvesse grande motivo, o tempo não é favorável como Vossa Paternidade vê.

Outra coisa interessante: diz-me Vossa Paternidade que nem mo ordena nem lhe parece bom que eu vá; portanto faça o que melhor me parecer. Que perfeição engraçada seria chegar eu melhor meu modo de ver que o de Vossa Paternidade! Como me disseram que a Priora não estava mais consciente e havia perdido a fala — no que houve bastante exagero, — mandei Juana Batista tomar conta da casa, pois, a meu parecer, era a melhor. É que tenho tanta repugnância de trazer monjas de longe, que, até não haver remédio, vou protelando. Escrevi logo à Priora — no caso de poder ler a carta, — que era essa a minha opinião; mas, se julgava melhor outra coisa, poderia nomear a que quisesse, porquanto a Ordem assim o permite.

Deixou de lado Juana Batista e escolheu Beatriz de Jesus1, dizendo que era muito melhor; talvez o seja, mas não me parece. Para mestra de noviças — e estas são tantas que me trazem muito preocupada, — também não quis Isabel de Jesus, que já o tem sido e não criou mal as noviças porque, embora não seja perspicaz, é boa monja. Assim pois, nem ela nem o Licenciado2 concordaram comigo; confiaram tudo a Beatriz, que está com isto muito amargurada. Se não der boa conta do cargo, outras poderão substituí-la e, para o bem da casa, melhor é qualquer de lá, a meu parecer, do que trazer gente de fora, enquanto Deus conservar a vida à Priora. Bem vi eu que Vossa Paternidade agiu assim para contentar a esta; mas, se me tivesse dado alguma tentação de ir, teria sido bem desagradável. Com efeito, ainda bem não me passou pela cabeça — por assim dizer — ir a algum lugar, quando todo o mundo sabe; e, se fosse seguir meu querer, confesso a Vossa Paternidade que gostaria, por algumas razões, de passar lá alguns dias.

Ontem esteve aqui D. Luisa. Penso conseguir dela que dê quatro mil ducados este ano, embora só se tenha comprometido a dar dois mil; e, se os der, promete o mestre de obras entregar dentro de um ano, a contar deste Natal, uma parte do convento onde possam estar as monjas; isto é: poderão mudar-se para lá nessa época. Enfim, é bem manifesto que Vossa Paternidade é guiado por Deus, porquanto minha estadia aqui há de ser muito proveitosa, até mesmo para meu contentamento, pois não é pouco o de me ver livre de tratar com parentes, sendo Priora em Ávila.

Que natureza estranha, a minha! Ao ver que Vossa Paternidade, não levando em conta minha vontade de não estar aqui, mandou-me ficar, senti grandíssimo contentamento e mais liberdade para lhe manifestar meus desejos e dizer tudo o que me parece, pela certeza de que não faz caso de meu modo de ver.

Mandei à mestra de Isabel1 escrever a Vossa Paternidade; se não está lembrado de seu nome, saiba que é dela a carta inclusa. Oh! como se vai tornando cada vez mais lindinha! Como é gordinha e bonita! Deus a faça santa, e me guarde a Vossa Paternidade muito mais do que a mim. Perdoe--me ter-me alargado muito, e tenha paciência, já que está por lá, e eu por cá. Estou boa, e é hoje véspera de S. Mateus. A respeito do negócio de Roma, suplico a Vossa Paternidade que ande depressa, não esperem pelo verão, o melhor tempo é agora, e creia que assim convém.

Indigna serva e súdita de Vossa Paternidade,

Teresa de Jesus.

Com essas monjas não se mate Vossa Paternidade, pois há de ser por pouco tempo, segundo diz Matusalém. As próprias aves noturnas2 assim o pensam; e dizem que ele está apressando a Peralta para que venha dentro de dois meses. Até corre como muito certo o boato de que ele assumirá o governo de todos. Oh! quem me dera ver terminado nosso negócio! em boa hora o seja; e tire-nos Sua Majestade deste sobressalto, a todos nós.

Carta 112

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 20 de setembro de 1576. Quatro reais para um boticário. Recomenda com encarecimento à Priora que trate bem do Pe. Gracián.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa reverência, filha minha. Por Nosso Padre já lhe escrevi largamente, e assim não tenho agora outro assunto; apenas desejo saber de vossa reverência e dizer-lhe que a Madre Priora de Malagón está um pouco melhor.

Pergunta meu irmão se recebeu vossa reverência umas cartas suas, juntamente com quatro reais para pagar um boticário que mora aí junto do convento, um ungüentozinho que lhe ficou devendo; deve ter sido quando esteve doente da perna. Se aí não chegaram, pague-os vossa reverência e não deixe de responder-lhe, pois me parece repara nisso, conquanto eu lhe dê sempre seus recados. Recomendo-me muito a todas, e a Priora a vossa reverência; escrever-lhe-á pelo arrieiro, pois não a deixei fazê-lo agora tencionando diminuir o porte; porém vieram mais cartas do que pensei, e foi preciso aumentá-lo.

Desejo saber do meu Padre Prior das Covas. E acerca do negócio da água conseguiu alguma coisa? Faça-o Deus como está em suas Mãos, e guarde-as todas para mim. Dê-lhes minhas recomendações, e, por caridade, procure sempre avisar a Nosso Padre que tenha cuidado consigo. vossa reverência trate bem dele e vá fazendo as despesas por conta dos quarenta ducados. Não seja boba: faça o que lhe digo, e também vá cobrando os portes, que eu o verificarei. Aqui insisto com todas para que a encomendem muito a Deus, embora veja não ser necessário.

É hoje véspera de S. Mateus, e eu, de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Sobrescrito: para a Madre Priora de S. José de Sevilha.

Carta 113

À Madre María de S. José

Toledo, 22 de setembro de 1576. Saúde de D. Lorenzo. Pede à Priora notícias freqüentes do Pe. Gracián. Lembranças às monjas.

Jesus esteja com vossa reverência. Escrevi há dois dias a vossa reverência por via do correio-mor, e assim não me resta agora a dizer, senão que meu irmão já está bom, — pois me havia esquecido, — e a estamenha não a querem tão cara. A que serve para fazerem aqui as saias é como a que se usava para Teresa, e até mais grosseira; e quanto mais grosseira a acharem, melhor. Por caridade, tenha cuidado de dar-me notícias de Nosso Padre, pela via mencionada na carta que Sua Paternidade levou. Tenho grande desejo de saber se ele chegou com saúde, e como tem passado. Bem vê: se estando ele perto eu andava tão cuidadosa, que será agora?

Muito quisera eu que fossem muito rigorosas em não encher de noviças a casa; não tomem senão as que forem próprias para nós e ajudem a pagar as obras. Também desejaria que tivessem entrado em acordo acerca do alcabala. Asseguro-lhe que me traz muito preocupada o ver quantos trabalhos vossa reverência tem aí. Praza a Deus que eu a veja bem depressa sem nenhum, e com a saúde que lhe desejo. A todas as Irmãs me recomendo, especialmente à minha enfermeira1, de quem, ao menos de noite, não me esqueço.

A Nosso Padre não torno a escrever agora, porque, repito, escrevi largamente a Sua Paternidade anteontem, e creio estará tão ocupado que é bom não lhe tomar o tempo com assuntos não necessários. Muito o encomendamos a Deus. Aí não se descuidem de fazer o mesmo; e ao Pe. Frei Gregório dê um grande recado meu. Por que não me diz se já ficou bom?

Foi ontem dia de S. Mateus.

Eu sou de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Estamos boas.

Carta 114

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 26 de setembro de 1576. O Pe. Maríano em Toledo.       Sobre uma postulante e as garantias de seu dote. Lembranças         a Garciálvarez e aos Descalços.

Jesus esteja com vossa reverência. Está com tanta pressa quem leva a presente carta, que apenas posso dizer: estou boa, e ontem, já bem tarde, chegou o Pe. Maríano. Alegrei-me com a carta de vossa reverência. Glória a Deus, que estão com saúde.

Quanto à filha do português (ou coisa que o valha)2, não a receba se não depositar primeiro em mão de alguma pessoa o que há de dar como dote. É sabido que de outro modo não lhe arrancarão vintém, e não é tempo agora para se receber gente de graça. Olhe bem: não faça outra coisa.

Dê essas cartas a Nosso Padre Provincial, em mão própria, e diga-lhe que não se preocupe, pois aqui estamos tratando, o Pe. Maríano e eu, sobre esses casos daí, em busca de algum remédio; e faremos tudo o que for possível. Depois de escritas, estando já o bom Antonio Ruiz de partida para Madrid, entra o Pe. Maríano e muito me alegrei com sua vinda, por saber que de tal modo está o Senhor dispondo os negócios, que esses Padres se vão retirando antes de serem despedidos.

Escreva-me vossa reverência logo, por caridade, contando particularmente o que se estiver passando; não se fie em Nosso Padre, que não terá tempo. Ao senhor Garciálvarez muitíssimas saudações; bem desejaria vê-lo. Olhe que desejo este, aparentemente tão impossível de se realizar! Deus lhe pague, a ele, a caridade que em tudo nos faz, e o guarde, assim como a nosso bom Prior, que muito temos encomendado a Deus, alegrando-nos de que esteja um pouco melhor. Fale-me também sobre a saúde de vossa reverência e a de Nosso Padre. Bem quisera eu que tivesse esperado por ele o Pe. Maríano.

Recomende-me às minhas filhas e fique-se com Deus, amiga minha. As Irmãs de Caravaca estiveram doentes; soube que escreveram a vossa reverência. Agora estão boas e já tratam de comprar casa. Não lhe envio a carta que delas recebi por não ter ainda respondido; com a de Beas fiquei contente, e também com as contas1 enviadas pelo P. Frei Gregório, a quem vou escrever. A Madre Priora de Malagón está bem mal.

Se não me engano, é hoje 26 de setembro.

Eu de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Carta 115

Ao Pe. Jerónimo Gracián

Toledo, 5 de outubro de 1576. Sobre as perseguições contra a Descalcez e o Pe. Gracián. Reata a história das “Fundações”.

A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Paternidade, meu Padre. Se não houvera chegado a carta que Vossa Paternidade mandou pela corte, como estaria eu! Já foi ontem festa de S. Francisco e ainda não chegou Frei Antonio, de modo que eu, até receber sua carta, nem sabia se Vossa Paternidade tinha chegado sem novidade.

Bendito seja Deus, que está bom, e Pablo2 também, e com interior tranqüilidade. Por certo, parece coisa sobrenatural essa melhora tão completa; tudo isso deve ser necessário a esta nossa natureza, porque muito contribuem semelhantes vicissitudes para nos humilharmos e conhecermos a nós mesmos. Instantemente pedia eu aqui ao Senhor essa bonança, por parecer-me que já bastavam os outros trabalhos que ele tem; Vossa Paternidade assim lho diga, de minha parte.

Agora estou sem sofrimento; nem sei em que há de parar. Deram-me uma cela apartada, parece uma ermida; muito alegre, tenho saúde e estou longe dos parentes, conquanto ainda se comuniquem comigo por meio de cartas. Só o cuidado que tenho daí me dá pena. Asseguro a Vossa Paternidade: se o fez para estar eu muito a meu gosto, acertou bem em deixar-me aqui; até mesmo sobre a pena de que lhe falei, estou mais sossegada que de costume.

Ontem à noite estava lendo na história de Moisés os trabalhos que dava com aquelas pragas ao Rei e a todo o reino; e nunca puseram as mãos nele! Verdadeiramente espanta-me e dá-me alegria o ver que ninguém é poderoso para prejudicar quando o Senhor não o quer. Gostei de ler o caso do Mar Vermelho, recordando-me de como é muito menos o que pedimos; e deliciei--me de ver aquele Santo em tão grandes contendas por mandado de Deus. Alegrava-me de ver a meu Eliseu na mesma situação; e oferecia-o de novo a Deus. Recordava-me das mercês que me fez o Senhor, e da promessa de José1: “Ainda muito mais hás de ver, para honra e glória de Deus”. Desfazia-me em desejos de achar-me em mil perigos por seu serviço. Nisto e em outras coisas semelhantes vou passando a vida. Também escrevi essas bobagens que aí verá.

Vou recomeçar agora a história das “Fundações”, que, disse José, será de proveito para muitas almas. Se Ele me ajudar, assim creio; e, mesmo sem esta promessa, já me tinha resolvido a fazê-lo, em obediência à ordem recebida de Vossa Paternidade. Folguei mito de ter Vossa Paternidade apresentado tão longo relatório ao Capítulo. Não sei como não se envergonham do que escreveram em contrário. É muito bom que se vão retirando espontaneamente os que talvez se teriam de retirar contra a vontade. Nosso Senhor, parece, vai encaminhando os negócios. Praza a Sua Majestade se concluam para glória sua e proveito dessas almas. Muito bem fará Vossa Paternidade de ficar em seu mosteiro, e daí ordenar o que se houver de fazer; assim não terão que olhar se vai ao coro, ou não. Asseguro-lhe que todas as coisas se farão melhor. Por aqui não lhe faltam orações, que são armas superiores às que usam esses Padres.

Por intermédio do correio-mor escrevi largamente a Vossa Paternidade, e até saber se recebeu, não escreverei mais por essa via, e sim por Madrid. Sobre o negócio de nosso David, creio que ele há de impor-se ao Pe. Esperança, como tem acontecido, pois tão juntos estão; mas seu irmão já tinha partido. Muito contribuirá para o bom êxito o estar no meio Frei Boaventura2. Ambos já sabem do negócio, o que é grande felicidade. Deus me perdoe: quisera eu que ele tornasse à sua primeira vocação, pois temo que só venha a servir de embaraço. Nada mais tenho sabido até agora.

De Vossa Paternidade filha e serva,

Teresa de Jesus.

Carta 116

Ao Pe. João de Jesus (Roca)

Toledo, outubro de 1576. Melancolia do Pe. Antonio. Assuntos do Capítulo de Descalços de Almodóvar. Enfermidade de Frei Gabriel.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa reverência, Padre meu. Está fora de mão essa casa, que, embora eu queira, não tenho por quem responder, por esta razão tive de aguardar a ida destes Padres.

Com a retirada do Pe. Frei Antonio1, talvez nos tenha Deus feito mercê, porque já entendi que tinha grande melancolia, e com a nossa alimentação iria de mal a pior. Deus esteja com ele, pois certamente é boa alma, e essas suas coisas mais devem proceder de falta de saúde. O caso não pode deixar de ser sabido, porque terão de nomear outro pregador em Almodóvar. Praza a Deus volte à sua Ordem; mas quer o faça, quer não, a Nossa nada perde.

Pensei que vossa reverência na sua volta passasse por aqui; pouco teria de rodear. Não deve ter muito desejo de dar-me gosto, pois quando aqui esteve vossa reverência, só muito brevemente lhe pude falar. Saiba que tenho pouca influência, e até pouquíssima no que me escreve vossa reverência sobre a ida a Roma. Há tempos estou pedindo em vão, e nunca fui poderosa para alcançar que ao menos escrevam uma carta a quem tanta razão temos para escrever2. Com efeito, façamos nós o que devemos, e depois suceda o que suceder. E não depende de Nosso Padre Visitador, porque já tem feito de sua parte, mas são tantos os que o aconselham de modo diferente, que minhas palavras não têm valor. Muito me pesa não poder fazer mais. Pensei que tinha ficado determinada a viagem, pois assim me haviam dito. Deus o permita, e vossa reverência, por caridade, não deixe de recomendar pressa, que melhor o poderá fazer do que eu.

Remeti as cartas a Sevilha e a Almodóvar, mas penso que, embora as tenha mandado logo, o Padre Prior já havia partido para Madrid, onde ainda está. Também enviei a de Caravaca, que por felicidade ia para lá um mensageiro, e há poucos para aquela terra. Com a doença do Pe. Frei Gabriel, fiquei muito triste. Diga-lhe isto vossa reverência e também que o encomendamos a Deus aqui, e dê-lhe minhas recomendações. É um Padre a quem tenho muita estima, embora ele pouca tenha a mim.

Escreveu-me Nosso Padre que chegou bom e que se tinham retirado alguns Padres do Pano e que ele dera plena satisfação ao Capítulo. No momento não havia mais notícias senão de que estão brandos aqueles Padres, e recorrem a intercessores. Se Deus no-lo guardar, creio que há de fazer muito bem. vossa reverência não deixe de velar para que o recomendem a Deus; e rezem também por mim. A todos esses Padres, meus respeitos; a Priora se recomenda a vossa reverência, a quem Nosso Senhor torne tão santo como Lho suplico. Amém.

Indigna serva de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Carta 117

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 5 de outubro de 1576. Inveja as Descalças de Sevilha por terem ali o Pe. Gracián. A quinta de La Serna. O Agnus Dei e os anéis de Teresita. Aconselha às Descalças que se confessem alguma vez aos da Companhia. O Franciscano Frei Boaventura. As Prioras de Malagón, Caravaca e Beas.

Jesus esteja com vossa reverência. Não sei como deixa vir o almocreve sem carta sua, especialmente estando aí Nosso Padre, de quem quiséramos receber notícias cada dia. Bastante as invejo de o terem por aí. Por caridade, não faça assim, não deixe de contar-me o que se passar, pois Nosso Padre escreve pouco, por conseguinte quando ele o não fizer, não deixe vossa mercê de fazê-lo. Já lhe disse por onde me pode remeter as cartas a miúdo.

Folguei-me com a que veio pelo Pe. Maríano, por saber que vossa reverência e todas estão boas, e que se concluiu o acordo do alcabala. Frei Antonio não veio.

Meu irmão já está bom. Sempre gosta de ter notícias de vossa reverência. Não deixe de escrever-lhe alguma vez, como já lhe recomendei. Adquiriu uma propriedade, do que já se tratava quando aí esteve, perto de Ávila creio que légua e meia, e talvez nem tanto. Tem pastos, trigal e bosques. Custou-lhe quatorze mil ducados, mas ainda não se lavraram as escrituras. Diz que está escarmentado com o sucedido aí, e não quer pleitos, portanto se não estiver tudo muito seguro e claro, não fechará o negócio. Encomendem-no sempre a Deus, para que O sirvam, ele e seus filhos. Estes já pensam em casamento.

Saiba que, logo após a nossa chegada, pensando não demorarmos aqui, mandei por um arrieiro o baú e todos os embrulhos que vieram; e, — não sei se ao descarregá-los, ou de outra sorte, — o certo é que não aparece o Agnus Dei grande de Teresa, nem os dois anéis de esmeraldas, e não me recordo onde os guardei, nem mesmo se me foram entregues. Realmente fiquei penalizada por ver como sucedeu tudo ao revés da alegria que ela esperava pensando ter-me lá consigo; e, realmente, para muitas coisas lhe faço falta. Procurem lembrar-se se estavam conosco esses objetos, na ocasião de nossa vinda. Pergunte a Gabriela se está lembrada de onde os guardei, e peçam a Deus que apareçam.

Muito me espantei do que diz vossa reverência praticar-se na Companhia. Eles estranham e acham rigorosa a nossa vida, como aquela pessoa lhe contou. Bom seria que lhes falasse nosso Pe. Garciálvarez. Encomende-me muito a este e a todas as minhas filhas, e também ao Padre Prior das Covas, cuja saúde pedimos sempre a Deus. Praza a Sua Majestade restituir-lha, que muita pena me causa sua doença; até saber se está melhor, não lhe escreverei. Avise-me a esse respeito, em havendo mensageiro.

Malgrado tudo isso, é bom procurar algumas vezes que as confesse algum Padre da Companhia; servirá muito para eles perderem o medo; e se fosse o Pe. Acosta seria o melhor, havendo possibilidade. Deus lhes perdoe! Se era tão rica como dizem essa pretendente, com seu dote acabaríamos as obras; contudo, pois Sua Majestade não a trouxe, Ele mesmo nos proverá. Talvez fosse mais necessária onde foi.

Pensei que, estando aí Frei Boaventura, se arranjasse melhor o negócio da água; mas parece não são lá muito prestativos. Deus nos permita pagar a casa, pois, em havendo dinheiro, tudo se conseguirá. Por enquanto vão passando assim, já que têm bons poços. Quem nos dera aqui um deles, pois com falta de água sofremos não poucos trabalhos.

Diga-me como vai sucedendo a Frei Boaventura na visita, e o que há a respeito do mosteiro que destruíram perto de Córdova. Nada mais soube. Estou boa, e sempre às suas ordens, como se costuma dizer. Diga-me também se Nosso Padre vai tomar sua refeição aí alguma vez, e se lhe podem dar algum regalo; pois no seu próprio convento é quase impossível, nem, penso, lhe ficaria bem. Peço-lhe informar-me de tudo, e fique-se com Deus, que bastantes vezes agora teremos de escrever uma a outra, e assim é preciso.

Achei muita graça no caso da velha1, e em como foi de proveito a escada. Diga-me se ainda está aí o rapazinho, ou se é outro o que as serve. escreveu--me a Madre Priora de Malagón: está melhor mas é tão grave a sua doença que não me alegro com qualquer melhora pouca. Sempre a recomendem a Deus. Sua Majestade a guarde, filha minha, e ma faça muito santa, e assim como a todas. Amém.

Por essa carta da Irmã Alberta verá como vão indo em Caravaca. Muito me folguei por receber uma de Beas, de onde há tempos não tinha notícia, e por ter lá entrado aquela noviça, tão rica. Tudo vai correndo bem, glória a Deus. Sempre peçam muito por Nosso Padre, e por mim, que preciso.

Foi ontem dia de S. Francisco.

Aqui dentro vai o porte, porque é elevado; e veja bem: se não dispõe de algum dinheiro para quando tiver de tratar de Nosso Padre, avise-me; não tenha ponto de honra, que é bobagem, e eu lho posso enviar. vossa reverência olhe por sua saúde, ao menos por não me matar a mim, que lhe asseguro: já me custa caro esta minha Priora de Malagón. Deus nos valha restituindo--lhe a saúde. Amém.

De vossa reverência,

Teresa de Jesus, Carmelita.

Como o portador é o arrieiro, pode-se incluir aqui o porte. Quando não é ele, já sabe o que os outros costumam fazer, e é pôr em perigo as cartas; digo-lhe isto para que jamais o faça.

Sobrescrito: Para a Madre Priora de S. José de Sevilha.

Carta 118

À Madre María de S. José

Toledo, 13 de outubro de 1576. Cuidado com a salsaparrilha. Segurança das cartas entregues ao correio Figueiredo. Os sermões do Pe. Gracián. Hábitos e Profissões. Recomendações ao Pe. Acosta. Outros encargos.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa reverência, filha minha. Bastante pena me deu sua doença; não sei que fazer para não sentir tanto o que padecem estas Prioras. A de Malagón está melhor, Deus louvado. vossa reverência olhe por si, e guarde-se da água de salsaparrilha que para ninguém presta. Por amor de Deus, quando tiver febre não se descuide de tomar remédio, embora não use purgativos. Consolou-me um tanto a lembrança de que algumas vezes aí as monjas a julgavam com febre, e eu via que não era assim. Deus me guarde vossa reverência com a saúde que Lhe suplico. Amém.

Muito bem chegaram os pacotes, como sempre, por intermédio de Figueiredo; nunca deixe de incluir o porte, — que assim vem seguro, — e pode escrever por fora quanto vai dentro. Não deixe de me dizer qual a via por onde recebe melhor minhas cartas, porque estou agora em dúvida se lhe chegaram as que lhe enviei por este mesmo Figueiredo. Aqui não há perigo, pois está avisado, e é muito boa pessoa. É verdade que vossa reverência me respondeu a algumas de minhas perguntas, mas não me lembro em qual das minhas cartas as fiz; e não é preciso, penso, copiá-las nas suas respostas, pois é muito cansaço. Deus a guarde; que muito bem desempenha tudo vossa reverência.

Oh! que inveja lhes tenho desses sermões1, e que desejo de ver-me agora nessa casa! Aqui dizem que mais quero às Irmãs daí que a todas as outras, e, a verdade é — não sei qual a razão, — que lhes cobrei muito amor. Não me admiro, portanto, de que vossa reverência o tenha a mim, que sempre lhe tive, mas regalo-me de o ouvir de sua boca. Já não vale a pena falar no passado; creio, e tenho até por certo que não estava em suas mãos. Acho graça em ver o ânimo que tem vossa reverência; e espero que assim Deus a ajudará. Praza a Ele dar-lhe saúde, como suplico.

Muito me alegrei com a notícia do hábito e da profissão; dê-lhes parabéns de minha parte, e a S. Francisco diga que me folgo muito com suas cartas, e com as das outras; só peço que me perdoem o não responder. As cartas que eu aí recebia nada eram em comparação com as que recebo aqui. É coisa terrível.

A respeito das parentas de Garciálvarez faça o que julgar acertado; pois merece crédito, e gente sua não pode ser má. Se achar tempo, escrever-lhe--ei para pedir-lhe que não deixe de confessar as Irmãs, pois me tem dado pena seu afastamento; e se o não, diga-lho vossa reverência de minha parte. Muito me entristeço com a doença de nosso bom Padre Prior; a Deus o encomendamos. Estou com receio de que o correio não espere, e por isso não escrevo a ele. Muita falta lhes há de fazer se o perderem; mas Deus, que dura para sempre, lhes ficará.

No que diz respeito à oração dessas Irmãs, escrevo a Nosso Padre; ele falará a vossa reverência. Quando a S. Jerónimo suceder alguma coisa2, escreva-o a mim. Com Rodrigo absolutamente não trate desse assunto; com Acosta sim. Mande a este um grande recado de minha parte, que, deveras, estou muito bem com ele, e é muito o que lhe devemos.

Alegrei-me extremamente com a solução do alcabala, porque meu irmão comprou o sítio de La Serna, propriedade isenta de foros, perto de Ávila, excelente em pastos, campos de trigo e matas, obrigando-se a pagar quatorze mil ducados por ele, e, como não tem tanto dinheiro em mão, pois no momento lhe falta, não seria ocasião própria para essa comunidade deixar de pagar-lhe o terço que aí lhe estão devendo. Assim terá com que viver, e espero em Deus, nada lhe faltará. Se vossa reverência for cobrando pouco a pouco o que lhes derem da casa, será grande coisa.

Por que não me dá notícias da filha do Tenente? Dê minhas recomendações a ambos, assim como a todas as Irmãs, e a quem mais vir, sem esquecer Delgado e Brás; e fique-se com Deus. A Frei Gregório mande um recado, pedindo-lhe que me faça sempre saber de sua saúde. Deus a dê a vossa reverência; achei graça nos seus trabalhos de mão. Contudo não se ocupe em fiar estando com essa febre; de outro modo nunca passará, porque vossa reverência fia muito e mexendo demais com os braços. A Margarida, lembranças.

Se houverem de tomar alguma Irmã conversa, olhe que uma parenta de Nosso Padre não nos dá sossego; avise-me se poderá tomá-la. A Priora de Valladolid já a viu, e diz que para leiga é boa; provavelmente não sabe ler. Nosso Padre não quer externar-se a este respeito. A irmãzinha dele é especial, e de gênio mais brando que Teresa; tem uma habilidade espantosa. Muito me divirto com ela. É hoje 13 de outubro.

De vossa reverência serva,

Teresa de Jesus.

Sobrescrito: Para a Madre Priora de S. José de Sevilha, filha minha.

Carta 119

Ao Pe. Ambrósio Maríano de S. Bento

Outubro de 1576. A saúde de Padilha. Questões com os Padres Calçados. Pede notícias do Pe. Gracián.

Jhs

Esteja com vossa reverência o Espírito Santo e pague-lhe as boas notícias que me deu de nosso bom Padre, o senhor licenciado Padilla. Praza a Deus seja por muitos anos! Como é que deu agora em me intitular Reverenda e Senhora? Deus lhe perdoe! dir-se-ia que vossa mercê Reverendíssima e eu nos tornamos Calçados. Achei graça na amizade do Reverendo que foi pedir a vossa reverência sua intercessão; o mesmo tratou comigo em Ávila. Deus lhe dê, a ele, melhor saúde. É bem certo: há doze horas no dia! Talvez esteja mudado1.

Saiba que me contaram, e é verdade, que o Tostado mandou aqui um correio trazendo cartas ao Provincial, e este quer enviar para lá2 um Frade. Parece-me estão fazendo grandes diligências. Tenho pena de que volte o Pe. Frei Boaventura3, perdendo-se o proveito que poderia ter causado. Se tão bem se saiu, apesar dos disparates que fazem, conhecerão todos que Deus está com ele. vossa reverência não me falou mais em que deu aquele desastre que houve. Ó Jesus, e em quantas coisas consentes!

Muito desejo ver já adquirido esse conventinho; o resto se fará depois, que­rendo Deus; pois nem quisera eu olhar as paredes dos que tão pouco se mos­tram nossos amigos. Já tenho dito que bastaria uma letra do senhor Núncio para concluir tudo. Meu padre, apressemo-nos o mais possível, e vossa reverência, se puder, trate dessa questão da Província, pois não sabemos o que está por vir, e com isto nada se perde, antes se ganha muito. Por caridade, logo que souber notícias de Nosso Padre, escreva-me vossa reverência, que estou preocupada. Ao senhor licenciado Padilla e ao Pe. Frei Baltazar minhas saudações e as da Priora, que também se recomenda a vossa reverência. Gostei de saber que está aí esse bendito Padre. Deus esteja sempre com ele, e com vossa reverência.

Indigna serva de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Sobrescrito: Para meu Padre, o Doutor Frei Maríano de S. Bento, Carmelita.

Carta 120

Ao Pe. Jerónimo Gracián em Sevilha

Toledo, 21 de outubro de 1576. Visita do Pe. Gracián aos Calçados de Sevilha. Sobre a faculdade de fundar mosteiros de Descalças. Fundação de Descalços em Salamanca. Isabelita boa e agradável.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Paternidade. Já ontem lhe escrevi como estão cordatos e apaziguados estes Padres. É para louvar a Deus. Saiba que ainda não estavam a par do mandamento e do Motu. Eu temia bastante o que sucedeu. Hoje esteve um comigo e disse-me que se alteraram de modo estranho, parecendo-lhes ter alguma razão; está claro que hão de movimen­tar-se. Alegam o que eu disse muitas vezes ao Pe. Maríano, e nem sei se o es­crevi também a Vossa Paternidade: mandar como Prelado, se antes mostrar o documento que confere autoridade, está claro que nunca se faz.

Na carta ao Pe. Maríano, dizia Vossa Paternidade as razões de não enviar o Breve; mas o certo é: se há alguma dúvida a esclarecer, melhor seria fazê--lo antes. Prouvera a Deus que fosse de modo a livrar Vossa Paternidade desse trabalho, deixando-o inteiramente para nós, Descalços e Descalças.

O Pe. Padilla contará a Vossa Paternidade como Melquisedec1 diz que não posso sair a fundar em conseqüência do Concílio e da declaração de Nosso Reve­rendíssimo. Muito quisera eu que Vossa Paternidade verificasse se é possível haver tal declaração. Diz que sempre levo monjas comigo, mas, se o faço, é com licença dos Prelados. Aqui tenho a patente que me deu o mesmo Melquisedec para Beas e Caravaca, autorizando-me a levar monjas. Como não o considerou então, se essa declaração já estava feita? Oxalá me deixassem descansar!

Deus conceda a Vossa Paternidade, Padre meu, o descanso que lhe desejo. Talvez esses tais vomitem agora a peçonha, e fiquem melhores; aliás, segundo me parece, estavam muito dispostos a obedecer. Não me desagradou essa refrega, antes alegro-me de tanta contradição, por ser sinal de que Deus há de ser muito bem servido.

Envio a Vossa Paternidade a carta inclusa, por se tratar do negócio de Salamanca; parece-me que já sobre ele escreveram a Vossa Paternidade. Da minha parte respondi que não era ocupação própria de Frades Descalços2. Que eles para aí encaminhem as recolhidas, sim; mas que sirvam de vigários, não; e, parece, é isto o que se pretende. Não bastaria ficarem lá dois meses; e aliás não foram chamados pelo Bispo, nem tampouco os Superiores os querem enviar, nem eles são para semelhantes negócios. Quisera eu que ali aparecessem os Descalços como gente do outro mundo, e não indo e vindo como capelães de mulheres. Sem isto fazer, já ganhamos o Bispo à nossa causa; e desse modo talvez viéssemos a perder sua benevolência. O bom D. Teotônio não sei se fará alguma coisa, pois tem pouca possibilidade e não é muito entendido em negócios. Se eu estivesse lá, daria andamento e bem creio que tudo se faria bem; e talvez mesmo ainda assim se faça, se Vossa Paternidade o aprovar. Tudo isto lhes escrevi.

A Priora e as demais se recomendam às orações de Vossa Paternidade e às desses Padres; eu às de Frei Gregório. A minha Isabel está boa e bem agradável, e a senhora D. Juana e os de sua casa igualmente vão bem. Ao senhor fiscal e ao Arcebispo apresente algumas vezes meus respeitos, por caridade, e também à senhora Delgada e às amigas de Vossa Paternidade, especialmente Bernarda. Digo-lhe isto uma vez por todas. Fique-se Vossa Paternidade com Deus, que já é muito tarde.

É hoje dia de meu Pai Santo Hilarião.

Serva e súdita de Vossa Paternidade,

Teresa de Jesus.

Carta 121

Ao Pe. Ambrósio Maríano de S. Bento em Madrid

Toledo, 21 de outubro de 1576. Rejeita as postulantes recomendadas pelo Pe. Olea e Nicolau Dória. Não são fáceis de conhecer as mulheres. Para suas Descalças quer jovens de bons talentos. Projeto de fundação de Descalças em Madrid e Salamanca. Várias pretendentes ao hábito em Beas.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa reverência. Bem parece que ainda não entendeu vossa reverência quanto devo e quero ao Pe. Olea1, pois me escreve recomendando um negócio de que trata, ou já tratou Sua Reverência. Já sabe, creio, que não sou desagradecida, e, por conseguinte, posso dizer-lhe: se neste negócio me fora preciso perder descanso e saúde, já estivera concluído; mas em intervindo coisa que afete à consciência, não basta amizade, porque devo a Deus mais que a ninguém. Prouvera a Deus fosse falta de dote, pois bem sabe vossa reverência — e se não sabe informe-se da verdade, — quantas há nestes mosteiros que nada trouxeram. Essa, aliás, traz bastante, pois lhe dão quinhentos ducados, e com isto pode ser monja em qualquer convento.

Como meu Pe. Olea não conhece as monjas destas casas, não me espanto de que esteja em dúvida. Posso afirmar que são servas de Deus, e, conhecendo eu, como conheço, a limpeza de suas almas, jamais acreditarei que tirem o hábito a alguma noviça, não havendo muitas causas, porquanto sei o escrúpulo que costumam ter nessa matéria. Se assim se determinam, deve haver grave motivo. Como somos poucas, é tal a inquietação causada pelas que não são próprias para a nossa vida, que a uma consciência mal formada daria escrúpulo pretender fazê-lo, quanto mais a quem deseja em nada descontentar a Nosso Senhor.

Diga-me vossa reverência: se lhe negam os votos — e efetivamente não lhos dão, — como posso eu, ou algum Prelado, obrigá-las a tomar à força uma noviça? E não pense vossa reverência que o Pe. Olea tenha algum interesse pessoal; escreveu-me que para ele é como uma pessoa que passa pela rua. São os meus pecados que lhe infundiram tanta caridade em coisa que não se pode fazer, nem está em minhas mãos servi-lo; e isto me tem afligido muito. E, por certo, ainda que fosse possível, não seria caridade para com ela o fazê-la ficar no meio de gente que não a quer.

Neste caso até fui além do que era conforme à razão: determinei, muito contra a vontade das monjas, que fizesse outro ano de noviciado, para ser mais provada; e assim, quando eu for a Salamanca, se passar por lá, informar--me-ei melhor de tudo. Isto faço para servir ao Pe. Olea, e para dar-lhe mais satisfação; mas bem vejo que não mentem as monjas, pois ainda em coisas muito leves sabe vossa mercê quão longe de fazê-lo estão nossas Irmãs; assim como sabe não ser coisa rara nestas casas despedir alguma noviça, senão muito ordinário. Nada perdem em dizer que não tiveram saúde bastante para agüentar nossos rigores, e nunca vi que alguma tenha ficado valendo menos por esta causa.

Escarmentada com o que sucedeu, vou olhar muito o que fizer daqui por diante, e assim não será recebida a pretendente do senhor Nicolau, por mais que contente a vossa reverência. Estou informada por outros lados, e não quero, para prestar serviço a meus senhores e amigos, criar inimizades. Estranho que pergunte vossa reverência para que tantas indagações, pois a fazer assim, não se receberia noviça alguma... Desejava eu servi-lo, e havia--me feito uma relação bem diferente do que soube depois; mas tenho certeza de que o senhor Nicolau mais quer o bem destas casas, que o de uma pessoa particular, tanto assim que já está de acordo comigo.

vossa reverência não trate mais disso, por amor de Deus. É bom o dote que lhe dão, pode entrar em outra parte; não entre onde, por serem tão poucas, devem ser bem, bem escolhidas. E, se até aqui não apuramos isto com tanto extremo — embora sejam muito raros os casos, — deu tão mau resultado, que o faremos daqui adiante. Não nos ponha com o senhor Nicolau no desassossego que será o termos de recusá-la novamente.

Achei graça em dizer vossa reverência que lhe bastará olhar para ela, e logo a conhecerá. Não somos tão fáceis de conhecer, nós mulheres: há Padres que tendo-as confessado muitos anos depois se espantam de as terem entendido tão pouco. A causa é porque elas mesmas não se conhecem para acusar devidamente suas faltas, e eles julgam pelo que ouvem. Meu Padre, quando quiser que nestas casas aceitemos suas candidatas, dê-nos bons talentos, e verá como pelo dote não deixaremos de entrar em acordo. A não ser assim, de nenhum modo posso servi-lo neste ponto.

Saiba vossa reverência que eu achava fácil termos assim uma casa onde se aposentassem os Frades; e não me parecia muito que, embora sem ser mosteiro, lhes dessem licença para aí dizer Missa, como dão para celebrá-la em casa de um cavalheiro secular; e isto mesmo mandei dizer a Nosso Padre. Respondeu-me que não convinha; seria pôr a perder o negócio, e parece-me que acertou bem. vossa reverência, sabendo, neste particular, sua vontade, não se deveria determinar a reunir aí tantos e aprontar a igreja como se tivesse licença. Fez-me rir. Nem casa eu comprava sem a ter alcançado do Ordinário! Em Sevilha, por não ter feito assim, bem viu como paguei caro.

Cansei-me de dizer a vossa reverência que enquanto não tivesse autorização escrita do senhor Núncio, nada se fizesse. Quando D. Jerónimo me disse que vossa reverência vinha pedi-la aos Frades1, fiquei pasma. E, porque não me fio tanto deles como Vossas Reverências, não estou disposta, ao menos por enquanto, a falar a Valdemoro, pois suspeito que amizade e desejo de fazer-nos bem, não terá; o que ele quer é ver se apanha alguma coisa para avisar a seus amigos. Quisera eu que vossa reverência também estivesse de sobreaviso e não se fiasse nele, nem pretendesse levar a termo esse negócio por meio de semelhantes amigos. Deixe-o a seu Dono, que é Deus, e Sua Majestade fá-lo-á a seu tempo; e não se dê tanta pressa, que só serviria para pôr tudo a perder.

Saiba vossa reverência que D. Diego Mejía é cavaleiro muito distinto e cumprirá o que prometeu. Se ele se determinou a dizê-lo, deve ter entendido de seu primo que não lhe faltará, e creia: se este o não fizer, em atenção a ele, ainda menos o fará por amor da tia. Não vejo para que escrever a ela ou a alguma outra pessoa, visto que são primos muito chegados, e o parentesco e amizade de D. Diego Mejía é muito de estimar. E também é bom sinal dizer o Arcediago que ele mesmo daria um relatório a nosso respeito; porque se não tencionasse fazer-nos bem, não tomaria tal encargo. O negócio está em bons termos; vossa reverência não se mexa mais, pois será pior. Vejamos o que fazem D. Diego e o Arcediago. Eu da minha parte procurarei aqui informar-me se há alguém que possa interceder por nós; e se o Deão tiver alguma influência, D. Luisa o alcançará dele.

Tudo isto tem sido muito de meu gosto, e faz-me crer, ainda mais, que essa fundação contribuirá grandemente para o serviço de Deus; mas nenhuma dessas coisas está em nossas mãos. É muito bom terem casa, pois a licença, mais cedo ou mais tarde, alcançaremos. Se o senhor Núncio a tivesse dado, já estaria concluído. Praza a Nosso Senhor conceder-lhe saúde, que bem vê quanto nos é necessária. Asseguro-lhe que o Tostado absolutamente não desistiu, nem tenho esperança de que deixará de apoiá-lo quem deu começo a tudo isso.

Voltando ao caso de Salamanca1: o Pe. Frei João de Jesus está tão atacado de suas quartãs, que não sei de que será capaz, e por outro lado vossa reverência não se declara a respeito do que hão de fazer lá nossos Padres. Em relação a fundarmos ali um colégio, comecemos pelo principal, que é alcançar do senhor Núncio a licença. Se a tivesse dado, já estaria feito; porque se os princípios vão errados, todo o resto vai mal. Penso que o Bispo2, tendo sabido o que está fazendo o senhor João Díaz em Madrid, pretende e pede alguém que possa fazer outro tanto na sua diocese; mas não sei se é tolerável ficarem como vigários os de nossa profissão. Não me parece conveniente, e, no caso de aceitarmos por dois meses, isto só serviria para deixar o Bispo mais contrariado. Nem sei como acertariam com esse governo os nossos Padres; seriam capazes de exigir muita perfeição, o que não convém para tal gente. Nem mesmo sei se o Bispo gostará de Frades.

Posso afirmar a vossa reverência que há mais a fazer do que se pensa; e por onde imaginamos ganhar viremos talvez a perder. Nem acho que dê crédito à Nossa Ordem o apresentarem com esse ofício de vigários — pois não os quer para outra coisa, — Padres que devem dar a quem os vir a impressão de eremitas contemplativos, e não gente ocupada em idas e vindas a serviço de mulheres semelhantes. A não ser para arrancá-las à sua má vida, não sei se parecerá bem.

Exponho os inconvenientes, para que lá vejam e façam Vossas Reverências o que lhes parecer, que eu me rendo; talvez acertarão melhor. Leiam isto ao senhor licenciado Padilla e ao senhor João Díaz, que não sei outra coisa senão o que disse. A licença do Bispo sempre podemos ter por certa. Sem ela, não tenho lá muita confiança de que seja o senhor D. Teutônio hábil negociador. Boa vontade tem ele, e grande; mas possibilidade, pouca.

Esperava achar-me aí para dar andamento a esses negócios, nos quais sou muito ladina (meu amigo Valdemoro que o diga!); e não quisera que se deixasse de fazer a fundação por falta de acerto da nossa parte, pois a casa de Salamanca e essa de Madrid são as que mais tenho desejado. O fato de deixarem de lado a fundação de Ciudad Real até haver mais meios, antes me alegrou, porque absolutamente não acho que possa dar bom resultado. Mal por mal, muito melhor seria em Malagón, pois D. Luisa deseja-o muito, e, com o andar do tempo, fará tudo em condições vantajosas. Há muitas povoa­ções grandes na redondeza; penso que não lhes faltará de comer.

Para haver algum pretexto de não mais tratarem dessa outra casa1, podem tratar da de Malagón; e por enquanto não dêem a entender que o projeto fica de todo abandonado, senão que esperam até terem casa pronta, porque parece falta de ponderação fazer uma casa num dia e desmanchá-la no outro.

A carta a D. Diego Mejía dei a D. Jerónimo, para que a enviasse com outra dirigida ao Conde de Olivares. Tornarei a escrever-lhe, quando vir que  há necessidade. Não deixe vossa reverência que ele se esqueça. E repito-lhe: se ele disse tão claramente que o daria, e que o tratou com o Arcediago e o tem por feito, pode crer: é homem de palavra.

Escreveu-me agora sobre uma pretendente, cujas qualidades prouvera a Deus tivessem as que rejeitamos, pois não as teríamos deixado de receber. A mãe do Padre Visitador tomou informações sobre ela. Neste momento vem-me a idéia de que será bom, com pretexto de entreter-me com D. Diego sobre essa noviça, falar-lhe do nosso negócio e tornar a recomendar-lho, e assim vou fazer. Mande vossa reverência entregar-lhe esta carta, e fique-se com Deus, que me alarguei bastante. Dir-se-ia que não tenho outra coisa a fazer!

Ao Padre Prior2 não escrevo por ter agora outras muitas cartas a responder, e porque esta pode ter Sua Paternidade por sua. A meu Pe. Padilla, muitas recomendações; de todo o coração louvo a Nosso Senhor por lhe conceder saúde. Sua Majestade esteja sempre com vossa reverência. Procurarei a cédula, ainda que seja preciso falar com Valdemoro; e não o posso encarecer mais, porque não creio que faça por nós a mínima coisa.

É hoje dia das Virgens.

Indigna serva de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Outras cartas entregaram-me hoje de vossa reverência antes que chegasse Diego. Na primeira oportunidade envie vossa reverência essa carta inclusa a Nosso Padre, que é para pedir-lhe umas licenças. Não lhe toquei nesses negócios, por isso não deixe vossa reverência de informá-lo.

Para que veja se minhas monjas são capazes de mais do que Vossas Reverências, envio-lhe este pedaço de uma carta da Priora de Beas. Veja se ela conseguiu ou não uma boa casa para os Padres da Peñuela. Verdadeiramente causou-me grande prazer. Por certo, não o teriam feito Vossas Reverências tão depressa. Receberam uma noviça cujo dote vale sete mil ducados. Outras duas estão para entrar com outro tanto, e já receberam uma senhora das principais, sobrinha do Conde de Tendilla, que tem dado objetos de prata de mais valor ainda: candelabros, galhetas, relicário, cruz de cristal e outras coisas, que seria por demais longo referi-las.

E agora intentam às monjas uma demanda, como verá nas cartas juntas. Olhe vossa reverência o que se pode fazer; o melhor seria falar a esse D. Antonio e dizer-lhe como estão altas as grades, assegurando-lhe que nada dese­ja­mos mais do que não lhes causar contrariedade. Em suma veja o que se pode fazer1.

Carta 122

Ao Pe. Jerónimo Gracián, em Sevilha

Toledo, 23 de outubro de 1576. Boa saúde de D. Juana Dantisco e de Isabelita. Testemunho falso contra o Pe. Gracián. Em que consiste a verdadeira oração. Segredos de espírito entre José e Lourença (Jesus e a Santa). Remédios para uma monja fraca de cabeça. Viagem do Pe. Gracián a Granada.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Paternidade, Padre meu. Recebi hoje três cartas de Vossa Paternidade, das mãos do correio-mor, e ontem as trazidas por Frei Alonso. Bem me pagou o Senhor o tempo que esperei por elas. Seja Ele para sempre bendito, por estar com saúde Vossa Paternidade. Primeiro tive um bom susto, porque, ao abrir os pacotes de cartas da Priora, em nenhum dos dois vi a letra de Vossa Paternidade. Bem pode imaginar meu sentimento. Mas passou logo. Diga-me sempre Vossa Paternidade se recebe as minhas, pois muitas vezes só responde a algumas coisas, e ainda em cima não se lembra de pôr a data.

Numa e na outra de suas cartas pergunta-me como me dei com a senhora D. Juana; e eu já o tinha escrito por meio do correio daqui. Penso virão as outras res­pos­tas na carta que me diz ter escrito por Madrid, e assim não me importei muito. Estou boa, e a minha Isabel é toda a nossa recreação. É fora do comum seu gênio aprazível e alegre. Recebi ontem carta da senhora D. Juana. Todos estão bons.

Muito louvei ao Senhor pelo bom andamento dos negócios, mas fiquei atônita com as coisas que, segundo me contou Frei Alonso, estão dizendo de Vossa Paternidade. Valha-me Deus, quão necessária foi a ida de Vossa Paternidade! Ainda que não fizesse mais, parece-me que em consciência estava obrigado a isso para honra da Ordem. Não sei como puderam publicar falsos testemunhos tão graves. Deus lhe dê luz! Se Vossa Paternidade tivesse alguém em quem pudesse confiar, muito bom seria dar-lhes o gosto de nomear outro Prior; mas já que o não tem, espantei-me de lhe haverem dado tal parecer: nada adiantaria. Considero grande coisa estar aí quem não nos é contrário em tudo; e muito penoso seria se, correndo tudo bem, recusasse ele continuar no cargo. Enfim, não estão afeitos a desejar ser pouco estimados.

Não é maravilha. Mas me admiro de que, tendo tantas ocupações, consiga Paulo ocupar-se com José tão sossegadamente. Dou muitos louvores ao Senhor. Diga-lhe Vossa Paternidade que, uma vez por todas, fique satisfeito com sua oração, e não dê importância ao trabalho do entendimento quando Deus lhe fizer mercês de outro gênero. Quanto a mim, estou muito contente com o que ele escreveu. O fato é que nestas coisas interiores de espírito a oração mais aceita e segura é a que deixa melhores efeitos. Não me refiro a inspirar logo muitos desejos, pois estes, embora apreciáveis, nem sempre são como os pinta aos nossos olhos o amor-próprio. Chamo efeitos quando são confirmados por obras, e os desejos da honra de Deus se traduzem em trabalhar por ela muito deveras e empregar a memória e o entendimento em investigar os meios de agradar ao Senhor e mostrar-lhe melhor o grande amor que se lhe tem.

Oh! é esta a verdadeira oração, e não uns gostos que só servem para nosso deleite e nada mais, pois quando se oferecem as ocasiões de que falei, há logo muita frouxidão, temores e susto de que nos faltem com a estima. Outra oração não quisera eu, fora da que me fizesse crescer nas virtudes. Se fosse acompanhada de grandes tentações, securas e tribulações, porém me deixasse mais humilde, a essa teria eu por boa, pois consideraria mais oração aquilo que mais agradasse a Deus. Ninguém pense que não está orando aquele que padece: já que se o está oferecendo a Deus, ora incomparavelmente melhor, muitas vezes, do que outro na solidão, a quebrar a cabeça, imaginando ter oração quando consegue espremer algumas lágrimas.

Perdoe-me Vossa Paternidade dar-lhe tão largo recado para transmitir a Paulo, pois sei o amor que lhe tem. Se lhe parecer bem o que escrevi, diga-lho, e se o não aprovar, não diga; mas, asseguro-lhe, é o que eu quisera para mim. Creia-me que grande bem é pureza de consciência acompanhada de boas obras.

Achei graça no caso de Pe. João1: quem sabe queria o demônio fazer algum mal, e Deus tirou algum bem de tudo isso. Mas é mister andar muito de sobreaviso, pois tenho por certo que o inimigo não deixará de buscar quantas invenções puder para prejudicar a Eliseu, e assim faz bem de suspeitar que são artes do capeta. E até, creio, não seria mau não dar muito ouvido a tais coisas; porque se é para que João faça penitência, não poucas já lhe deu o Senhor, e não a ele só: os três que provavelmente lho aconselharam bem depressa tiveram de pagar.

Por certo o que disse então José foi o seguinte1: Clemente estava sem culpa; se tinha era devido à enfermidade, e naquela terra para onde o envia­ram achara descanso. Antes que intentassem dar-lhe trabalho, fora ele avisado por José. Este nada disse a Lourença; ela soube por outro lado o que se falava entre o povo. Não me parece que José comunique seus segredos dessa sorte, pois é muito prudente. Tenho para mim que o inventam, e quanto mais ouço dizer que Ele fala a outros o que a ela não fez saber, mais ma parece invenção do capeta. Por onde vai ele agora deitar suas redes até acho graça! Com que fim havia José de revelar seus segredos a essas beatas2, para proveito daquela alma? Acho bom pedir essa libertação ao Anjo3; ainda que preferia eu se procurasse expulsar o capeta dessa casa, por meio dos remédios que se costumam usar em tais circunstâncias4. Andem com cuidado: o inimigo dará mostras de que é ele. Vou recomendar esse negócio a Deus; e Ângela, em outra carta, dirá o que houver pensado sobre este caso. Foi boa medida de prudência o tratar desse negócio sob sigilo de confissão.

Sobre a Irmã S. Jerónimo, será preciso dar-lhe a comer carne alguns dias, além de tirar-lhe a oração e determinar que não trate senão com Vossa Paternidade. A não ser assim, ela me escreva, pois tem a imaginação fraca, e pensa estar vendo e ouvindo aquilo que medita. Contudo algumas vezes pode ser verdade, e já tem sido, que é muito boa alma.

De Beatriz parece-me o mesmo, embora aquilo que me escrevem ter-lhe acontecido no tempo da profissão, não o tenho eu por fantasia, senão por grande graça; é preciso deixá-la jejuar pouco. Mande assim Vossa Paternidade à Priora, e que não as deixe ficar na oração todo o tempo, antes as ocupe a ambas em outros ofícios, para não nos vir a acontecer maior mal. Creia-me, é preciso fazer assim.

Fiquei pesarosa com a perda das cartas; não me disse Vossa Paternidade se tinham importância as que caíram em mãos de Peralta. Saiba que ele agora mandou um mensageiro. Muita inveja tenho tido às monjas pelos sermões, que têm gozado, de Vossa Paternidade. Bem se deixa ver que elas merecem consolações, e eu trabalhos; e, apesar de tudo, quero eu muitos outros que Deus me dê a sofrer por seu amor. Tenho pena de ser preciso ir Vossa Paternidade a Granada, quisera saber quanto tempo vai demorar-se lá, como lhe hei de escrever, e para onde. Por amor de Deus, deixe-me essas informações.

Papel em branco com sua assinatura, não veio nenhum; mande-me Vossa Paternidade uns dois. Penso que não serão necessários, mas, como vejo o trabalho que tem, quisera poupar algum a Vossa Paternidade até que venham tempos mais sossegados. Deus lhe dê o descanso que desejo, com a santidade que só Ele pode dar. Amém.

É hoje 23 de outubro.

Indigna serva de Vossa Paternidade,

Teresa de Jesus.

Carta 123

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, outubro de 1576. Deseja notícias da Madre Priora, de Gracián e do Pe. Pantoja. O atum chegou em boas condições. As relações da filha de D. Luisa de la Cerda. Alegra-se do bom tratamento que dão as Descalças ao Pe. Gracián.

Jhs

Esteja com vossa reverência, filha minha, o Espírito Santo. Já respondi a suas cartas, que chegaram muito bem pelo correio; e muito me alegrei com elas, conquanto me sinta penalizada com sua doença. Por caridade escreva--me depressa dando notícias de sua saúde e do que souber a respeito de Nosso Padre. Fiquei com inveja da sua confissão geral; quero dizer, por ver que não tinha tanto a confessar como eu, pois de outro modo não a fizera tão facilmente. Bendito seja Deus que a todos quer bem!

Meu irmão contou-me, em uma carta recebida hoje, que lhe havia escrito, mandando procuração para receber aí o terço que a ele é devido. Está bom e já efetuou a compra. As monjas de S. José não ficaram mal aquinhoadas. Aí lhe escreve Teresa. O Agnus Dei e os anéis apareceram, graças a Deus, pois a princípio fiquei preocupada. Estou boa, mas, como vai dar uma hora, não me alargarei. Desejo saber do meu bom Prior das Covas.

O atum que mandaram de Malagón na semana passada veio cru; estava ótimo e muito bem nos soube. Eu não faltei um só dia ao jejum, desde a Exaltação da Santa Cruz; veja como estou boa. A nossa Priora de Malagón, quando me escreveu, dizia-se melhor. É santa, e assim o faz para não me dar pena, pois a melhora era quase nada. Hoje recebi dela nova carta; está muito mal e com grande fastio, que é o pior para tanta fraqueza. Bastante a recomendamos a Deus, mas grandes são meus pecados. Já vejo que não há necessidade de pedir que aí façam o mesmo, como insisto em todas as partes.

D. Guiomar casou-se hoje. Muito se alegra por saber que vossa reverência vai bem, assim como também D. Luisa. Esta nunca me quis tanto como agora, e tem cuidado de regalar-me, o que não é pouca a honra para mim. Encomende-as a Deus, como é nosso dever, e encomende-me muitíssimo a todas as Irmãs.

Grande é meu cuidado com esses mosteiros que Nosso Padre tem a seu cargo; já lhe ofereci Descalças, e até a mim mesma ofereceria de muito boa vontade; asseguro-lhe que tenho grande lástima. Contou-me ele quanto aí o regalam. Deus me conserve a vossa reverência. Aconselhe-o a não comer com esses Frades, por caridade. Não sei para que vai lá, senão para nos dar preocupação, a todas. Já disse a vossa reverência que os gastos ponha na conta do dinheiro que lhe mandaram de S. José. Olhe que é bobagem fazer outra coisa; eu sei por que o estou dizendo, e deste modo o pagarão sem sentir. Não faça outra coisa. Tenha cuidado a boa Subpriora de assentar tudo; não receie cobrar até a água. Diga-lhe isto; e à minha Gabriela dê muitas lembranças. Deus esteja com todas.

O mais depressa possível procure pagar a casa com o que trouxe a noviça e com tudo o mais que puder juntar, para não terem de pagar tantos juros, pois fica muito pesado, e, ainda que não queiram...

Carta 124

Ao Pe. Jerónimo Gracián, em Sevilha

Toledo, 31 de outubro de 1576. Anuncia que está acabando o “Livro das Fundações”, e é leitura saborosa. Obediência humilde. Zelos do bom velho Frei Antonio. Desgostos por causa das exigências de alguns que lhe apresentavam jovens sem qualidades para Descalças.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Paternidade. As Fundações vão chegando ao fim. Creio que há de gostar quando as vir, porque é leitura saborosa. Veja se não obedeço bem! Cada vez que me examino, parece-me ter esta virtude, porque se de brincadeira me mandasse Vossa Paternidade alguma coisa, teria gosto em fazê-la de verdade, e com maior prazer do que o trabalho destas cartas, pois mata-me tanta barafunda. Não sei como achei tempo para o que escrevi, e isto sem deixar de ter algum para José, que é quem dá forças para tudo.

Também eu estou jejuando, pois nesta terra há pouco frio, e assim não me sinto mal como em outros lugares. A meu Pe. Frei Antonio dê um grande recado meu, por caridade; ainda que melhor seria, sendo possível, escusá-lo, para não ver que a Vossa Paternidade escreve tanto, e a ele tão pouco. Talvez agora lhe faça algumas linhas.

Se tivesse Santelmo tomado o negócio de sua noviça como Nicolau tomou, não me tivera custado tanto. Asseguro-lhe que não sei o que dizer: o certo é    que não acabamos de ser santos nesta vida. Se visse os elogios que faz à noviça, para a receberem, e como pensa de outro modo a Priora! Meu Padre, praza a Deus que só dele tenhamos necessidade. Ao menos comigo, de pouco servi­ria: ainda que o mundo viesse abaixo não faria eu uma coisa se visse, — como vejo, — que é contra a consciência. E, entretanto, diz que não se interessa mais por ela que por qualquer pessoa que passe pela rua. Olhe que vida! E que seria se se interessasse! Estou com medo de termos de tomar gente dele.

Maríano está intimidado, e, como penso que vai escrever a este respeito a Vossa Paternidade, dou-lhe aqui este aviso para que não faça caso, pois já se fez mais do que era razoável. Por fim ele virá a entender a verdade; e, se assim não acontecer, pouco importa. No que está todo o meu descanso, é que me guarde Deus a Vossa Paternidade com santidade sempre maior.

É hoje véspera de Todos os Santos. No dia de Finados recebi o hábito.

Peça Vossa Paternidade a Deus que me faça verdadeira monja do Carmelo, pois mais vale tarde do que nunca. Ao Fiscal, a Acosta e ao Reitor, minhas saudações.

Serva indigna e verdadeira súdita de Vossa Paternidade. Bendito seja Deus: que sempre o serei, venha o que vier.

Teresa de Jesus.

Carta 125

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 31 de outubro de 1576. Extravio de cartas dirigidas ao Pe. Gracián. Apareceram o Agnus Dei e os anéis de Teresita. Saúde de Brianda de S. José. O uso da salsaparrilha.

Jesus esteja com vossa reverência, filha minha. Por amor de Deus, indague de Nosso Padre para saber quando recebe carta minha, conquanto eu quase nunca deixe de escrever ao mesmo tempo a ele e a vossa reverência. E eis que hoje me entregam uma carta de Sua Paternidade, com data de 22 de outubro, na qual me diz que há muito tempo não recebe notícias minhas, quando não faço outra coisa senão escrever-lhe. Especialmente pelo almocreve escrevi uma bem longa, e não quisera que fosse cair em mãos alheias, pois só com o extravio não me importaria tanto. Se não é que fiquem detidas aí na casa do correio-mor, daqui vão bem seguras. Seria bom vossa reverência mandar lá algumas vezes a ver se haverá cartas minhas.

Antes que me esqueça: já apareceram o Agnus Dei grande e também os anéis. Em Ávila estão todos bons, como verá pelas cartas juntas. Diz-me meu irmão que se folgou e riu muito com as suas, e as deu a ler em São José; escreverá outro dia. Ele lhes é muito afeiçoado, e, asseguro-lhe: também eu não fico atrás.

Diz que Nicolau há de fazer muito por esse convento, e também servir--lhes-á de confessor; é muito boa pessoa. Mostre-lhe amizade e escreva-me se já está boa; não com rodeios, senão a pura verdade.

Sobre a saúde da Priora de Malagón, não sei o que lhe diga; o certo é que está bem mal. Tratava-se agora de trazê-la para cá, mas afirma o médico que será acabar com ela mais depressa. A doença é de tal sorte, que só Deus é o verdadeiro Médico; mudança de terra não faz nem desfaz para aquele mal. Torno a avisar-lhe que não bebam água de salsaparrilha.

Já escrevi a Garciálvarez, e também a respeito dele, uma longa carta a Nosso Padre. Conte-me muito por miúdo como estão passando aí, em todos os pontos. Por que não faz Nosso Padre comer carne alguns dias? Fique-se com Deus; há tão pouco tempo lhe escrevi, que não tenho mais a acrescentar senão que a todas dê muitas lembranças minhas.

É hoje véspera de Todos os Santos.

De vossa Reverência serva,

Teresa de Jesus.

Carta 126

À Madre María Bautista, Priora de Valladolid

Toledo 2 de novembro de 1576. enfermidade da Madre María Bautista, de Covarrúbias, do Núncio e de Frei Pedro Fernández.    É raro o verdadeiro amor. A verdade em tudo. Conselhos          à Madre Priora e lembranças aos amigos.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja na sua alma. Se vossa reverência alguma vez tivesse querido dar crédito ao que lhe digo, não chegaríamos a tanto mal. Não é verdade que, ainda há poucos dias, numa carta lhe roguei que não se deixasse mais sangrar? Não sei que destino é esse de vossa reverência, ainda mesmo que lho tenha mandado o médico. Muita pena tive de sua doença por ser na cabeça. E que me diz de Catarina? Muito deve lembrar vossa reverência às Irmãs que a encomendem a Deus; não só porque ela deseja ir para aí, sabendo quanto a estimam, mas porque, pode crer, é grande coisa essa mulher. Praza a Deus não pague vossa reverência agora o ter tanta particularidade com ela! Isto me passou pelo pensamento, e para que vossa reverência se arrependa, lho digo.

Recebi todas as suas cartas; chegam bem por esta via, e não há para que enviar dinheiro de porte, que eu o tenho, dado por meu irmão, a quem de todas as maneiras devo muito. O Padre Visitador está bom; há dois dias deram-me carta sua. Tem grande cuidado de escrever-me, e até agora vai indo muito bem com aquela gente; mas é que os leva com grande discrição e suavidade. Já terminou há tempos o incidente dos Franciscanos, e não mataram o Visitador.

O que lhe referiram do Bispo Quiroga é verdade1, e muito nos alegramos, porque é extremamente amigo de Nosso Padre. Quem anda agora muito mal é o Bispo, e também o Núncio. Aí os encomendem a Deus, que ambos nos fariam muita falta; e o Bispo a faria até mesmo a todo o Reino. Peçam igualmente a Deus por D. João de Áustria, que seguiu para Flandres, disfarçado em criado de um flamengo.

Oh! que prazer me deu com as notícias da saúde do Pe. Frei Pedro Fernández! Andava pesarosa, sabendo-o enfermo e ignorando seu restabelecimento. Posso dizer-lhe que em não ser ingrato não se parece com seu amigo2: com todos os afazeres que tem, não lhe falta o cuidado de escrever--me, e bem mo deve, conquanto, em matéria de dívida, muito mais me deve o outro. E fique sabendo: a dedicação deste último para com vossa reverência durará até encontrar outra que lhe caia em graça; quando assim for, não tenha medo: logo a deixará, por mais que vossa reverência presuma de si.

Não me tivesse Deus sustentado, há muito teria eu feito o que vossa reverência queria fazer; mas Ele não me deixa de sua Mão. Vejo aliás que é servo de Deus, e por isto é justo ter-lhe amor, que o merece. E não só a ele, mas a quantos há neste mundo. Bem tolas seremos se esperarmos receber mais deles; contudo, não é razão imitá-lo, antes sempre sejamos gratas pelo bem que nos tem feito. E assim, deixe-se vossa reverência de melindres, e continue a escrever-lhe; mas procure adquirir, pouco a pouco, liberdade de espírito — que eu, glória a Deus, já tenho muita, — e não pense estar tão livre como diz. Bendito seja Ele, que é sempre verdadeiro Amigo, quando queremos sua amizade. A carta será remetida a Luís de Cepeda.

Já escrevi a vossa reverência como este perdeu também o pai, e quanto o encomendamos aqui, todo o tempo que esteve doente. Mande-me a conta que me diz ter para meu irmão, porque já lhe entreguei a que me deu a senhora D. María de Mendoza. Envie-me também essas outras, com todos os seus apontamentos e, quando estiver disposta, uma relação de Estefânia, como a que me remeteu a Ávila, que estava muito bem feita; mas seja com boa letra, para que eu não tenha aqui necessidade de copiar. Não encarregue disso a Juliana, que as bobagens e desatinos que dizia na notícia sobre Beatriz da Encarnação eram intoleráveis, de tão en­ca­recidas; vossa reverência mesma, quando estiver muito bem, escreva agora aquilo que sabe, pois assim me ordenou o Provincial.

Eu estou boa, glória a Deus. Não há meios de poder persuadir a vossa reverência que use esse xarope do Rei dos Medas, quando houver de tomar purgativo; a mim deu nova vida e nenhum mal lhe pode fazer. Não mande contas pelo correio ordinário, nem lhe passe pelo pensamento mandá-las a não ser pelo almocreve, mesmo que haja demora; se não for assim, aqui não chegará coisa alguma.

Sobre o que diz de suas provações interiores, quanto mais as tiver, menos caso deve fazer. Claramente se vê que procedem de fraqueza de imaginação e de maus humores; o demônio o percebe, e deve ajudar um bom pedaço. Mas tenha não medo; pois como diz S. Paulo, não permite Deus que sejamos tentados além do que podemos sofrer; e ainda quando lhe pareça ter dado consentimento, não é assim, antes sairá de tudo isto com mérito. Acabe já de tratar-se, por amor de Deus, e procure comer bem e não estar só; nem fique pensando nessas coisas. Entretenha-se em algum trabalho, no que puder e como puder. Bem quisera eu estar aí, que havia de tagarelar bastante para distraí-la.

Como não me informou dos trabalhos de D. Francisco?1 Eu lhe teria es­crito, que lhe devo muito. Quando vir a Condessa de Osorno, dê-lhe minhas recomendações, assim como à minha María da Cruz, a Casilda, a Dorotéia e à Subpriora e sua irmã. Não sei o que se há de fazer dessa noviça cega; asseguro-lhe que é grande provação.

Verdadeiramente bom amigo é Prádamos2; faz bem de tratar com ele, conquanto tenham agora mudado o Prepósito. Muito quisera eu para vossa reverência o Pe. Domeneque3, se o mandassem de novo para aí. Escreva-me depressa como está, e fique-se com Deus. A Priora tem pesar de sua doença, e todas nós a recomendaremos a Sua Majestade. Sempre que escrever a Frei Domingo, mande-lhe recados meus; diga-me como vai ele.

É hoje dia das almas, e eu de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Carta 127

Ao Pe. Ambrósio Maríano de S. Bento

Toledo, 3 de novembro de 1576. Valdemoro, perseguidor da Reforma, solicita a amizade da Santa e a admissão de um irmão seu na Descalcez. A saúde do Pe. Padilla. Alegria da Santa à vista de uns colegiais Descalços muito fervorosos que a saudaram em Toledo.

Jesus esteja com vossa reverência. Hoje esteve aqui o bom Valdemoro, e creio que é sincero no que diz de sua amizade, porque assim lhe convém agora. Discorreu largamente sobre quanto S. Paulo perseguiu os cristãos, e o que fez depois. Se ele fizer por Deus a décima parte do que fez S. Paulo, por certo lhe perdoaremos o já feito e o que venha a fazer. Encarregou-me de pedir a vossa reverência que receba na Ordem a um seu irmão.

Se este for verdadeiramente como ele diz, não há dúvida que, pela necessidade atual de pregadores, ser-nos-ia útil; mas como Nosso Padre costuma despedir nas visitas canônicas os que vêm de outras ordens, tenho medo de que não há de querer admiti-lo. Penso que melhor corresponderei à sua amizade, encomendando-o a Deus. Aí decidirão o que for mais conveniente.

Muito estamos rogando pela saúde desses senhores; Deus a conceda como vê lhes ser necessária.

Sinto-me bem preocupada com os trabalhos do nosso bom Pe. Padilla. A tão grandes obras não há de deixar o demônio de fazer guerra. Deus lhe conceda fortaleza e saúde, e a vossa reverência e ao Padre Mestre faça muito santos.

Nada mais soube acerca dos negócios; penso que lá o saberão primeiro do que eu. Amanhã vou dar uma carta para vossa reverência, a Valdemoro, que irá procurá-lo; se nela lhe suplicar em favor de seu irmão, minha última vontade é que façam o que for mais do serviço de Deus. Estes Fradezinhos me deram impressão de santos; grande consolo é ver tais almas, para enfrentar quantos trabalhos nos puderem ocorrer.

É hoje 3 de novembro.

De vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Sobrescrito: Para meu Padre o Doutor Frei Maríano de S. Bento.

Carta 128

Ao Pe. Jerónimo Gracián em Sevilha

Toledo, 4 de novembro de 1576. Licença para admitir à profissão Casilda de Padilla. Os arrependimentos de Perucho. Sobre a escolha do convento onde deveria residir a Santa. Temores acerca da enfermidade do Presidente do Concelho de Castela e do Núncio.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com vossa reverência. Várias vezes tenho escrito, ultimamente; praza a Deus lhe cheguem as minhas cartas, pois me desconsola o ver quantas escrevo e quão poucas diz Vossa Paternidade ter recebido.

Trouxeram-me estas hoje de Valladolid, dizendo-me que veio dispensa de Roma para a profissão de Casilda1, e que ela está alegríssima. Não me parece conveniente demorar Vossa Paternidade a conceder licença, pelo desejo de dar--lhe pessoalmente o véu, porque não sabemos os sucessos desta vida, e o mais certo é o mais seguro. Em conseqüência disto, por caridade, peço a Vossa Paternidade que me remeta logo por mais de uma via, para acabar com a ansiedade daquele anjinho, pois lhe custa muito a espera. Já terão dito a Vossa Paternidade, ou vão dizer-lhe, a que pessoas foi dirigido o relatório; uma delas foi Frei Domingo. Contudo, se tiver tempo, lerei as cartas, porque, se nelas não vier o mesmo que na minha, informarei a Vossa Paternidade.

Saiba que há dois dias esteve aqui Perucho2; diz que assim como S. Paulo perseguia os cristãos, e Deus o tocou, assim pode fazer a ele virar a página. Creio que o cumprirá enquanto lhe convier. Tem por certíssimo que Paulo há de ir contra eles, mas está disposto a ser o primeiro a fazer-lhe bom acolhimento. Tem um irmão que foi despedido pelas aves noturnas; grande santo, grande pregador, enfim, sem faltas, antes era Dominicano, e ele agora o quer ver entre as águias3. A ser verdade, não causaria prejuízo, pois tão importante é esse ofício. O pior é que tudo me parece uma farsa. Oh! que grande amigo tenho nele! Deus nos livre!

A pessoa que dá o sítio para o mosteiro promete aprontar seis boas celas, mas quer em troca uma Missa cada semana, em sua intenção; respondi-lhe que Vossa Paternidade não aceitaria. Creio se contentará com menos, e talvez mesmo desista de tudo.

Ando com medo de vir a faltar-nos Matusalém. Pelo sim ou pelo não, diga-me: se assim acontecer, como fará Ângela?1 Logo lhe virão escrúpulos sobre a ordem que recebeu de ir para onde deve permanecer. Bem vejo que é fora de mão, e aí estará ela muito pior de que onde se acha agora Lourença, ao menos em relação à saúde; mas é onde a necessidade é maior, e portanto não há que pensar em contentamento, pois neste mundo seria erro fazer caso disto. Enfim, o melhor para ela é estar com seu confessor Paulo, se aí se fizer o mosteiro; e haverá mais facilidade para tratar de negócios, pois tem visto que onde se acha atualmente é ainda mais difícil que em Ávila. De uma ou de outra maneira, mande Vossa Paternidade dizer o que ordena, pois bem a conhece; e, no caso de se cumprirem seus pressentimentos, se aqui lhe aconselharem outra coisa, é capaz de nem esperar resposta; e mais tarde viria a lamentá-lo.

Também estude Vossa Paternidade se, para assinalar ou escolher lugar, deve ela levar em conta a determinação do visitador antigo, pois além da necessidade que há naquela casa, talvez seja mais perfeição obedecer-lhe do que escolher por si mesma. Olhe muito, meu Padre, o que é mais conveniente; há de ser coisa pública o errar ou acertar, e, creio, não durará muito essa situação, porque virá outro Matusalém; contudo poderá ser que dê certo.

Oh! valha-me Deus, e que liberdade tão grande tem esta mulher em todos os sucessos! Nada acontecerá, segundo me parece, que redunde em mal, nem para ela nem para seu Paulo. Como são eficazes as palavras de José, que produzem tal efeito! Mas também quanto são para admirar as letras e o púlpito de Paulo! É para louvar a Deus, Vossa Paternidade encomende-Lhe isto, e responda-me por caridade, que nada se perde em prever, e poderia perder-se muito em seguir outros pareceres. Muito encomendamos a Deus Matusalém e o Anjo Mor2, que é de quem tenho mais pena, não sei qual a razão. Sua Majestade lhe dê saúde, e a Vossa Paternidade me guarde muitos anos com grande santidade. Amém, amém.

É hoje 3 de novembro.

Indigna súdita de Vossa Paternidade e filha verdadeira,

Teresa de Jesus.

Carta 129

A D. Lorenzo de Cepeda em Ávila

Toledo, novembro de 1576. Cobrança de algum dinheiro de D. Lorenzo. Atenções com Antonio Ruiz, de Malagón. Gratidão a Francisco de Salcedo, ao qual aconselha paciência em certo pleito que tinha, sobre interesses materiais. Quão conveniente é o desapego dos bens terrenos.

... A vossa Mercê posso dizer que se deve ter rompido...1 erro, como há tanta barafunda por lá, que não (se pode) encobrir. Agora me diz que tem em casa, já cobrado, o dinheiro de vossa mercê, mas não ousa enviá-lo até que vossa mercê determine alguém a quem o possa entregar mediante carta sua; por isso tenha cuidado, quando partir daí o arrieiro, porque, se for de confiança, será o melhor portador para levá-lo, ou, antes, trazê-lo. Antonio Ruiz há de ir... não podia, iriam desde Malagón. Ele ficará contente, pois como não há tempo para adiantar as obras da casa, não tem que fazer lá, e melhor é que se trate tudo no próprio local. é grande esmola o que se faz por ele, porque terá algum meio para começar a remediar-se, e vossa mercê nada perderá. Quando pensei em escrever isto a vossa mercê, mais me lembrei, ao que me parece, do proveito desses pobres, tão bons, do que do lucro de vossa mercê, conquanto também o tenha em vista e deseje vê-lo muito rico, pois tão bem emprega seus haveres. Ainda esta manhã me veio ao pensamento que não convém casar tão depressa esses meninos, a fim de poder vossa mercê fazer mais em benefício de sua alma; porque, em começando com outros gastos, não poderá dar tanto, e, afinal, isto é o que há de levar para a outra vida, do que adquiriu com tanto trabalho. Melhor é gastar o mais que puder no serviço de quem lhe há de dar seu reino, sem que a morte lho tire. Sua Majestade o...

Muito mais aparelhado está vossa mercê para os trabalhos interiores e as coisas do espírito, graças a seu natural e ao ânimo que tem. É preciso mostrar a ele2 sempre muito agrado, para que não se julgue logo importuno. Não sei se poderei afirmar que é a pessoa a quem mais devo na vida, de todas as maneiras, porque foi para mim o princípio de grande luz, e assim lhe quero muitíssimo. Dá-me bastante pena não ver nele mais ânimo para essa provação do pleito que Deus lhe dá, pois não me posso convencer de que lhe venha de outra parte esse abatimento.

Rogue vossa mercê ao Senhor que o dê a entender a D. Francisco, para pôr fim à sua inquietação. Eis o resultado de não estarmos desprendidos de tudo: o que mais nos dá a ganhar, que é perder a fortuna tão pouco duradoura e digna de tão pouca estima em comparação dos bens eternos, isso nos inquieta e priva de todo lucro. Mas convém levar em conta que estas considerações não consolam a quem Deus não concedeu tal desapego; preferem ver que nos compadecemos de seus sofrimentos.

Estando eu a pensar hoje como reparte Deus os bens segundo lhe apraz, e como um homem desses, que há tantos anos o serve tão deveras, cujos haveres são mais dos pobres do que seus, se aflige tanto em perdê-los; e, parecendo-me que a mim pouco se me daria, lembrei-me do muito que senti quando em Sevilha vimos vossa mercê em risco de perder o que trouxera. É que nunca nos conhecemos. Assim pois, o melhor deve ser fugir de tudo pelo Tudo, para que nosso natural não nos faça escravos de coisas tão baixas; e os que não chegam a tanto, considerem esta verdade muitas vezes. Assim o faça vossa mercê, e lembre-se disto quando seu natural o levar...1

Carta 130

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 8 de novembro de 1576. As parentas de Garciálvarez. Torna a falar sobre seu amigo Antonio Ruiz. Negócios do convento de Sevilha. Sinais convencionados para o sobrescrito das cartas.

Jesus esteja com vossa reverência. Não tenho tempo para dizer-lhe o que quisera. Deram-me hoje sua carta, vinda pelo almocreve. As suas, quanto mais longas, mais me alegram. São tantas as que recebi hoje, que ainda para escrever brevemente não tenho tempo, nem também para ler as que têm vindo das Irmãs. Dê-lhes muitas lembranças.

Já lhe escrevi que recebesse as irmãs de Garciálvarez. Parece-me que lhe deve ter chegado a carta. Se são tão boas, não há para que esperar. Dá-me pena o ver que o convento se sobrecarrega de monjas e não melhora de condições. Veja se estas entram ao menos com os trezentos ducados que vossa reverência tem de pagar este ano. Não deixe de dar ao pobre do Antonio Ruiz o dinheiro que lhe deve, pois é com este que há de ganhar de comer, negociando com seu gado, em Malagón. Estou procurando quem lhe dê mais, para remediá-lo um pouco, e recomendei-o a meu irmão, que, de seu lado, também lucrará. Asseguro-lhe que me parece ser obrigação de consciência, por ver como ele custa a se manter ali.

Quanto à pretendente de Nicolau, ainda que não seja muito a nosso gosto, eu não a despediria. Recomende-me a ele e diga-lhe que seu primo veio visitar-me e mandou-nos uma esmola.

Sobre o negócio de Pablo não sei o que lhe diga; ainda não entendi bem, vou tornar a ler a carta. Como está agora vossa reverência com tanta pressa se ainda a noviça não completou o ano? Se dessem ao convento dois mil e quinhentos ducados e a contribuição que se há de pagar este ano, renuncie vossa reverência em boa hora aos bens futuros, porque nunca são convenientes para nós essas heranças, que por fim vêm a dar em nada. Ele que tome sobre si pagar essa parte que se há de dar pela casa; mas herdade não aceitem, nem lhes passe tal coisa pelo pensamento: digam que não podem, pois não devem ter renda. Em suma, não há necessidade de me escreverem sobre esses pormenores; vejam lá o que for melhor. Não quisera eu que tirassem quantia alguma do dote dessa noviça, nem do de Beatriz: convém juntá-los para saldar toda a dívida, pois não agüentarão pagar tantos juros cada ano, e, a troco de se livrarem desse peso, não hesitem em fazer grandes sacrifícios. Acerca da Irmã conversa escreverei a Valladolid e darei a resposta. Breve tornarei a escrever-lhe. Estou boa.

É hoje 8 de novembro.

As cartas de Nosso Padre mandarei sem endereço; porei o sobrescrito para vossa reverência, com duas ou três cruzes, ou melhor: só duas, ou uma, pois aí vão muitas. E vossa reverência o industrie: quando me escrever, não ponha ele o sobrescrito, e sim vossa reverência, assinalando-as do mesmo modo. Assim ficará mais disfarçado, e é melhor meio do que o outro que lhe dei. Praza a Deus diga vossa reverência a verdade quando me afirma que está boa; e fique-se com Ele.

Sua,

Teresa de Jesus.

Já lhe escrevi que entregaram as cartas a meu irmão, e ele muitíssimo se alegrou. Está passando bem, e a Madre Priora de S. José como de costume.

Sobrescrito: Para a Madre Priora Madre María de S. José.

Carta 131

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 11 de novembro de 1576. Sobre a saúde da Madre Priora e o pouco que de si cuida. Brianda de S. José tísica. Sobre o dote de algumas pretendentes de Sevilha. Mortificações indiscretas em Malagón.

Jesus esteja com vossa reverência. Sempre me mande escrito num papelzinho à parte aquilo que precisar de resposta, porque, sendo tão compridas as cartas — conquanto não me pareçam longas no que toca a meu contentamento, — para as tornar a ler inteiramente quando tenho que responder depressa, tomariam tempo.

Pelo correio lhe escrevi, há dois, três, ou quatro dias, que pusesse duas cruzes nas cartas de Nosso Padre, e vossa reverência mesma escrevesse o sobrescrito. Diga-me se recebeu este aviso, porque sem ter em mão sua resposta, não o farei.

Creia que me dá grande pesar essa sua febre. Para que me diz que está boa? Isso é que me aborrece. Veja se não provirá de opilações; e tome algum remédio antes que se tornem crônicas. Desconfio muito que alguma vez a deixa a febre, e isto me consola. Penso que algumas fomentações ou tratamentos para mitigar esse calor darão bom resultado; não deixe de dizê-lo ao médico. vossa reverência costuma sangrar-se uma vez por ano, ao que me parece; talvez lhe fizesse bem uma sangria, como diz a Subpriora. Peço-lhe que não fique assim, pois, quando quisermos tratá-la, não haverá remédio. Melhor o faça Deus!

Ha tempos não tenho notícias de Malagón. Estou com cuidado, e quase sem esperança da saúde da Priora, pelo que dizem estes médicos, porque todos os sintomas e sinais são de tísica. Deus é vida, e lha pode dar. Sempre Lhe peçam esta graça e rezem também por uma pessoa a quem devo muito. Diga-o a todas, e dê-lhes minhas recomendações; muito me alegro com as cartas daí. Não sei se terei tempo para escrever-lhes.

Asseguro-lhes que tenho muita inveja da boa e descansada maneira com que gozam de Nosso Padre; não mereço eu tal sossego, e portanto não tenho razão de me queixar. Muito me folgo de que tenham esse alívio; a não ser assim, não sei como poderiam agüentar. Contudo, torno a dizer-lhe que de minha parte mande à Subpriora que vá assentando todo o gasto por conta dos quarenta ducados do mosteiro de S. José; e não faça outra coisa, porque ficarão prejudicadas; pelo que nos toca, dê o negócio por liquidado, e descontem dessa dívida tudo o que gastarem com ele. Faz-me rir a idéia de que a boa Subpriora há de assentar até a água; e fará bem, pois assim o quero. Excetuo os regalinhos que receberem de esmola. Ficarei contrariada se fizerem outra coisa.

Nunca me dizem quem é o companheiro de Nosso Padre; é essa a única preocupação que tenho agora, pois estou muito contente de que se faça tudo tão bem e em tanta paz. Quisera não soubessem nos Remédios onde ele come, porque não se pode tolerar que fique porta aberta para nenhum outro Prelado. Creiam-me: é mister considerar o futuro, para que não tenhamos de dar contas a Deus, nós que o começamos a fazer.

Estou preocupada por ver que essas noviças que recebem não as ajudam em nada. Já terá recebido o Pe. Garciálvarez a carta em que lhe digo que serão recebidas suas parentas; ao mesmo tempo a vossa reverência escrevi que veja se levam algum dinheiro para ajudar a pagar os juros, porque a tal herança não deve ter valor. Não quisera eu que esperasse até não poder mais com a carga: melhor é que se vá precavendo antes de ficar afogada. Dei licença para entrar em Salamanca uma noviça que, segundo me disseram, trazia consigo o dote; deste era minha intenção enviar trezentos ducados por conta do que lá devem ao convento de Malagón e pagar os cem de Asênsio Galiano; mas até hoje ela não se apresentou. Roguem a Deus que a traga. Asseguro-lhe que me deve muito vossa reverência pelo desejo que tenho de vê-la livre desses cuidados.

Por que não procuram dar logo esse dinheiro de Juana da Cruz, para não ficarem tão sobrecarregadas? Olhe que não é coisa essa para se descuidarem; e procure que traga essa Anegas1 ao menos com que pagar a Antonio Ruiz, pois, como já lhe disse, é contra a consciência não satisfazer logo essa dívida; bem sabe quanto é necessitado.

Tornei a ler o negócio de Pablo; não creia que os pais pretendem reter sua filha; o que pretendem é que ela renuncie. E fique certa: assim é melhor, por muitas razões, e uma é que esses negociantes um dia têm muito, e no outro perdem tudo. Ainda mais: melhoram os filhos que têm em sua companhia, e pouco deixam. O mais conveniente é que ele pague a parte da casa pela qual se responsabilizou, se chegar a mil e quinhentos ducados; no mais, não aceitem herança; nem é razoável que ele entre com menos, antes, se puderem, tirem mais. Procurem alguém que lhe faça ver que seria ocasionar dissensões entre seus filhos, deixando ao mosteiro a herança. Ainda que ele desse dois mil ducados, não seria muito.

Dessa outra, portuguesa, dizem que sua mãe poderia dar o dote; será preferível, creio, às outras. Enfim, Deus não nos há de faltar; e, quando menos pensarem, dará uma que traga mais do que precisam. Se o Capitão resolvesse tomar a capela-mor, não seria mau. Não deixem de mandar-lhe alguns presentinhos, mostrando-se agradecidas, ainda que não haja de quê.

Antes que me esqueça. Saiba que me contaram aqui certas mortificações usadas em Malagón: manda a Priora, sem mais nem menos, que alguma Irmã dê uma bofetada na outra e esta lha retribua; e dizem que foi aprendida aqui essa invenção. O demônio parece que ensina, sob capa de perfeição, a pôr as almas em perigo de ofender a Deus. De nenhum modo mande nem consinta que bata uma na outra (e também — dizem — dão beliscões); nem leve as monjas com o rigor que viu em Malagón, pois não são escravas, e a mortificação não há de ser senão para proveito da alma. Eu lhe digo, minha filha, que é mister olhar muito essas coisas que as Priorinhas inventam de sua cabeça. Quantas coisas vim agora a descobrir! Causa-me grande pesar. Deus a faça santa para minha consolação. Amém.

Meu irmão está bom, e também Teresa. A carta que vossa reverência lhe escreveu, onde falava dos quatro reais, não lhe chegou às mãos; todas as outras têm recebido. Muito se alegra com elas e quer mais às monjas daí que às de cá.

é hoje 11 de novembro.

Eu de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Procure vossa reverência que Nosso Padre me dê resposta sobre os negócios de que trato na carta inclusa. Recomendo-lhe que lho lembre muitas vezes, para que não se esqueça.

Sobrescrito: Para a Madre Priora María de S. José.

Carta 132

Ao Pe. Jerónimo Gracián em Sevilha

Toledo, novembro de 1576. Louva o procedimento de Gracián na visita dos Calçados. Inveja as Mariposas (as Descalças) de Sevilha por gozarem do trato e bom conselho desse Religioso. Uma obra pia de D. Helena de Quiroga.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com Vossa Paternidade, meu Padre. A semana passada, que foi do oitavário de Todos os Santos, escrevi a Vossa Paternidade quanto me tinha alegrado com sua carta, a última que recebi, embora tão curta. O que vossa reverência me diz ter escrito a Roma, praza a Deus dê bom resultado, e não haja outros pareceres.

Entre outras coisas, dizia eu a Vossa Paternidade o muito que me deleitei com suas cartas ao Pe. Maríano, que mas enviou a meu pedido; é uma história que muito me fez louvar a Deus. Não sei como sua cabeça descobre invenções tão engenhosas. Bendito seja Aquele que lho dá, pois bem parece obra Sua! Por isso ande Vossa Paternidade sempre com cuidado de considerar as mercês que Deus lhe faz, e presuma pouco de si. Uma coisa lhe digo: por assim estar o Boaventura, parecendo-lhe tudo fácil — que até me espantei de ouvi-lo, — não conseguiu proveito algum.

Quer este grande Deus de Israel ser louvado em suas criaturas; e assim é necessário trazer sempre diante dos olhos sua honra e glória, como faz Vossa Paternidade, empregando todas as diligências possíveis, sem querer honra para nós, porquanto Sua Majestade, se for para nosso bem, chamará a Si esse cuidado. Quanto a nós, o que nos convém é que se entenda nossa baixeza, e que nela seja exaltada a grandeza de Deus. Mas, como estou boba! e como estará rindo meu Padre quando ler isto! Perdoe Deus a essas Maripo­sas o gozarem com tanto consolo daquilo que eu aí desfrutei com tanto trabalho. A inveja não se pode escusar, mas é grande compensação para mim o meio industrioso que lhes sugeri, para que Paulo tenha algum alívio, e de modo a não chamar a atenção.

Já lhe escrevi muitos conselhos bobos; pode tomar desforra de mim. Haveria Vossa Paternidade de negar-me esse alívio que tenho, de poder proporcionar-lhe algum conforto, pois anda com tanta necessidade e tão grandes trabalhos? Mais, muito mais virtude do que isso tem meu Paulo, e melhor me entende agora do que antes. Para evitar ocasiões de faltas, uma coisa lhe peço: se não for para esse fim, não seja Vossa Paternidade capelão delas. Assim convém, porque, asseguro-lhe: se todo o trabalho que passei nessa fundação só tivesse esse fruto, por muito bem empregado o daria eu; e torno novamente a louvar ao Senhor que me fez esta mercê de proporcionar a Vossa Paternidade o modo de respirar aí livremente, sem estar no meio de seculares. Causam-me grande prazer essas Irmãs, em me darem suas notícias tão por miúdo; e faz-me com isto Vossa Paternidade grande favor, pois, segundo me disseram, manda-lhes que me escrevam. E é grande regalo para mim ver que não me esquece.

D. Helena juntou a legítima de sua filha ao que ela vai trazer, se entrar; e diz que hão de receber, juntamente com ela, outras duas noviças coristas e duas leigas. Depois de inteiramente construído o mosteiro, o que sobrar será destinado a uma obra pia, semelhante à de Alba. Verdade é que tudo deixa ao critério de Vossa Paternidade, do Pe. Baltazar Álvarez e também ao meu. Foi este Padre que me enviou este memorial, pois não quis responder a D. Helena antes de saber a minha opinião. Eu tive muito em vista a intenção que notei em Vossa Paternidade, e assim, depois de muito pensar e consultar, escrevi a resposta que vai inclusa. Se não parecer bem a Vossa Paternidade, avise-me; e lembre-se que, por minha vontade, as casas já fundadas em pobreza não as quisera eu ver com rendas. Deus me guarde a Vossa Paternidade.

De Vossa Paternidade indigna filha e serva,

Teresa de Jesus.

Carta 133

Ao Pe. Jerónimo Gracián em Sevilha

Toledo, 19 de novembro de 1576. Queixa-se dos visitadores que fazem atas supérfluas, ordenando o que já está nas Constituições. Sobre a recreação da comunidade. A fundação de Granada. A famosa noviça do Pe. Olea.

Jesus esteja com Vossa Paternidade. Veja como são cansativas as atas que agora deixou feitas o Pe. Frei João de Jesus. A meu entender, torna ele a mandar o que está nas Constituições de Vossa Paternidade; não entendo para quê. Isto é o que temem as minhas monjas: que venham Prelados austeros que as oprimam e sobrecarreguem. Isto para nada serve. Estranha coisa é que julguem não conseguir o fim das visitas se não inventam regulamentos. Se as Irmãs não hão de ter recreações nos dias em que comungam, eles, os Padres, que dizem Missa cada dia, nunca a deveriam ter. E se os sacerdotes não observam isto, para que o hão de observar os pobres dos outros?

Escreve-me ele que foi mister fazer tanto porque nunca se tinha feito visita àquela casa; e deve ser assim. Em algumas coisas talvez tenha feito bem, mas se fiquei cansada só de ler tantas atas, que seria se as tivesse de cum­-prir? Creia que não agüenta nossa Regra pessoas austeras: ela por si já o é bastante.

Salazar vai a Granada a pedido do Arcebispo, que é grande amigo seu. Deseja muito que se faça lá uma casa destas, e eu não seria contra, pois se poderia fazer, mesmo não indo eu em pessoa. Somente quisera que primeiro se desse satisfação a Cirilo1, pois não sei se os visitadores podem dar licença para as casas de monjas como dão para as de frades. Resta-nos o perigo de se anteciparem a nós os de S. Francisco2, como fizeram em Burgos.

Saiba que Santelmo está contrariadíssimo comigo, por causa da noviça, que já saiu. Em consciência não pude agir de outro modo, nem Vossa Paternidade tampouco o poderia. Fez-se tudo quanto se pôde neste caso; mas como se trata de agradar ou não a Deus, venha o mundo abaixo. Nenhuma pena senti, nem a sinta Vossa Paternidade. Nunca nos venha algum proveito a troco de irmos contra a vontade de nosso Bem. Posso afirmar a Vossa Paternidade que se fosse irmã de meu Paulo — e não é possível encarecimento maior, — não teria feito mais em seu favor. Não quis atender a razão alguma e a zanga é comigo porque dou crédito às minhas monjas, e ele imagina que é paixão por parte da Priora, parecendo-lhe tudo invenções e falsidades. Decidiu que a noviça entrará num mosteiro de Talavera, como outras que vão da corte, e para este fim mandou buscá-la.

Deus nos livre de ter necessidade das criaturas. Praza a Ele abrir-nos os olhos, e permita que não tenhamos necessidade senão só d’Ele. Diz Santelmo que assim fiz por não precisar mais agora de sua ajuda, e acrescenta: bem lhe disseram outros que uso dessas tretas. Veja  se eu algum dia tive mais necessidade dele do que ao se tratar de despedir sua noviça. E como me interpretam mal! Praza ao Senhor me aplique eu em fazer sempre sua vontade. Amém.

é hoje 19 de novembro.

Indigna Súdita de Vossa Paternidade,

Teresa de Jesus.

Carta 134

Ao Pe. Jerónimo Gracián em Sevilha

Toledo, novembro de 1576. Reprova a demasiada singeleza do Pe. Gracián. Em si é boa, porém há pessoas ruins que a interpretam mal. Procedimento da Santa. Não quer que leia em público o Pe. Gracián as cartas que dela recebe.

O tempo tirará a Vossa Paternidade um pouco da singeleza que tem. Compreendo eu, e estou certa, que é de santo, mas, como o demônio não quer que todos sejam santos, aqueles que são ruins e maliciosos como eu, quereriam tirar Vossa Paternidade de certas ocasiões. Posso tratar com Vossa Paternidade e ter-lhe muito amor por muitos motivos, mas nem todas o poderão fazer, e nem todos os Prelados serão como meu Padre, para que os tratemos com tanta simplicidade. E, pois Deus lhe confiou esse tesouro, não há de pensar que todos o possuirão como Vossa Paternidade; posso assegurar-lhe, e é certo, que muito mais medo tenho do que lho venham a roubar os homens, do que os demônios. O que as monjas me virem dizer e fazer — porque sei a quem me dirijo e já me é lícito em razão de meus anos, — julgarão que também elas o pedem, e terão razão. E isto digo não por falta de amor, senão, pelo contrário, por querer-lhes muitíssimo.

E posso dizer em verdade: embora sendo tão ruim, depois que comecei a ter filhas tenho andado com muito recato e circunspecção, evitando tudo aquilo em que o demônio as poderia tentar contra mim, e, graças a Deus, penso terem sido poucas as faltas muito graves que terão notado em meu procedimento, porquanto Sua Majestade me favoreceu neste ponto. Confesso que tenho procurado encobrir delas minhas imperfeições; contudo, por serem tão numerosas, não poucas terão recebido, assim como também o amor que tenho a Paulo, e meus cuidados com ele. Acerca disto, muitas vezes lhes faço ver que assim procedo para o bem da Ordem, e por ser grande a necessidade; e, ainda que se tratasse de outro, que não ele, não o deixaria eu de fazer.

Mas como lhe estou sendo pesada! Todavia não lhe pese, meu Padre, ouvir estas coisas, pois temos, Vossa Paternidade e eu, de responder por um grandíssimo cargo, e havemos de dar contas a Deus e ao mundo. Pois Vossa Paternidade entende o amor com que lhe falo, queira perdoar-me, e faça-me a mercê que já lhe supliquei de não ler em público as cartas recebidas de mim. Veja que são diferentes os modos de julgar, e nunca os Prelados hão de falar tão abertamente de certas coisas. Poderá acontecer que eu lhe escreva falando de terceira pessoa, ou de mim mesma, e não será conveniente que alguém o venha a saber, pois há muita diferença entre falar de mim com Vossa Paternidade ou com outras pessoas, ainda que seja minha própria irmã. E, assim como não quisera eu que alguém ouvisse o que trato com Deus, ou me estorvasse de estar com Ele a sós, o mesmo digo de Paulo...

Carta 135

Ao Pe. Jerónimo Gracián em Sevilha

Toledo, novembro de 1576. Sobre as belas qualidades de Isabelita,

irmã de Gracián. Seu comportamento nas Descalças de Toledo.

Minha Isabel está cada dia melhor. Em entrando eu na recreação, como isto não acontece muitas vezes, deixa seu trabalho e começa a cantar:

A Madre Fundadora

Vem à recreação;

Cantemos e bailemos

Com satisfação1.

Isto é num momento. E quando não é hora de recreação, fica em sua ermida, tão embebida em seu Menino Jesus e seus pastores, e seu trabalho, que é para louvar a Deus ouvi-la dizer o que pensa. Diz que manda lembranças a Vossa Paternidade e o encomenda a Deus e deseja vê-lo, porém não assim à senhora D. Juana, nem a ninguém, pois — transcrevo suas palavras — são do mundo. Muita recreação me dá, mas este meu contínuo escrever pouco tempo me deixa para gozar dela.

Carta 136

Ao Pe. Jerónimo Gracián em Sevilha

Toledo, novembro de 1576. Isabelita é como um anjo. Um episódio divertido.

... A nossa Isabel está que é um anjo. É para louvar a Deus o bom gênio desta criatura e seu contentamento. Hoje, por acaso, saiu o médico por uma sala em que ela estava, e por onde não é costume passar. Percebendo que tinha sido vista, ainda que deitou a correr, ficou em prantos, dizendo que estava excomungada e que a haviam de expulsar do convento. Muita recrea­ção nos dá, e todas lhe querem grandemente, e com razão.

Carta 137

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 19 de novembro de 1576. A data das cartas escrita em letras. Não presumam minhas filhas de latinistas. Mais as quero santas que retóricas. Uma confissão geral. Assuntos particulares do convento de Sevilha. O vestido das Descalças.

Jhs

Esteja com vossa reverência o Espírito Santo, filha minha. Sua carta, com data de 3 de novembro, recebi. Asseguro-lhe que vossa reverência nunca me cansa, antes me descansa de outros cansaços. Achei muita graça de pôr vossa reverência a data em letras. Praza a Deus não a tenha escrito em algarismos por fugir à humilhação.

Antes que me esqueça. Muito boa teria eu achado sua carta ao Pe. Maríano se não fosse aquele latim. Deus livre a todas as minhas filhas de presumirem de latinistas. Nunca mais lhe aconteça isto, nem consinta. Muito mais quero que se prezem de parecer simples — o que é muito próprio de santas — do que de tão retóricas. Eis o que ganha vossa reverência de enviar-me abertas suas cartas. Mas já, como se confessou com Nosso Padre, estará mais mortificada. Diga-lhe que, por estes dias, fiz uma confissão quase geral com quem já lhe escrevi1, e não senti a vigésima parte da pena que sentia quando tinha de me confessar com Sua Paternidade. Veja que negra tentação, esta!

Encomendem a Deus este meu Confessor, que me traz muito consolada, e não é pouco para mim achar quem me contente. Oh! como vossa reverência fez bem em não chamar aquele que tanto me atormentava aí — para que eu em nenhuma coisa tivesse satisfação nesse lugar!2 A que achava em Nosso Padre, bem sabe como era mesclada de soçobros; e vossa reverência, que me daria alívio se quisesse, porque me caiu em graça, se retraía. Alegro-me de que agora compreenda minha amizade. Quanto à outra, de Caravaca3, Deus lhe perdoe; também esta agora sente pesar. Que força tem a verdade!

Hoje mesmo recebi dela um hábito feito de um saial que é o melhor que já usei, por ser muito leve e ao mesmo tempo grosseiro. Fiquei-lhe muito grata, porque para o frio, o nosso estava muito roto. E para camisas e o mais elas tecem. Aqui, porém, não usamos camisas no verão, nem se pensa nisso, e o jejum é rigoroso. Já me vou fazendo monja; roguem a Deus que dure.

Mandei dizer a meu irmão que vossa reverência já tem nas mãos o dinheiro. Pelo almocreve de Ávila mandará cobrá-lo, e vossa reverência faz bem em não o querer entregar sem carta dele. Tenha cuidado de lembrar a Nosso Padre que não deixe de fazer, junto ao Duque1, a diligência de que me falou, porque, no meio de tantos negócios e tão só, não sei onde buscará forças bastantes, se Deus não lhas conceder milagrosamente. Nem me passou pelo pensamento, creio, dizer que ele não coma nesse mosteiro, porque vejo como é grande sua necessidade; o que digo é que, a não ser para esse fim, não vá aí muitas vezes, para não acontecer causar reparo e sermos obrigados a suprimir tudo. Pelo contrário, muita caridade me fazem com esse cuidado que têm de regalar a Sua Paternidade, e nunca o poderei pagar. Diga-o às Irmãs, porque minha Gabriela teve a presunção de alegar-me isso em sua carta. Recomende-me muito a ela e a todas as Irmãs, e geralmente a todos os amigos, e mande um grande recado meu ao Pe. Frei Antonio de Jesus, dizendo que por aqui o encomendaremos a Deus para que lhe aproveite o tratamento, e muita pena temos tido, tanto a Priora como eu. A Frei Gregório e Frei Bartolomeu também me recomende.

A Madre Priora de Malagón está ainda pior que de costume; contudo sinto-me um pouco mais consolada, por ter sabido que a chaga não é nos pulmões, e não está tísica. Ana da Madre de Deus, monja deste convento, diz que esteve assim e sarou. Deus o pode fazer. Não sei que pensar de tantos trabalhos como Deus manda àquela casa, e, além dos males, há grande necessidade, pois nem têm trigo, nem dinheiro, e estão com um mundo de dívidas. Os quatrocentos ducados que deviam em Salamanca a essa casa, e que eu, com a aprovação de Nosso Padre, mandara pagar-lhes, ainda no caso de lhes serem pagos, praza a Deus bastem para as remediar. Já mandei reclamar parte, ao menos, desse dinheiro. Têm sido muitos os gastos feitos ali2 de muitas maneiras. Por isso não quisera eu que as Prioras das casas que possuem rendas fossem muito mãos abertas; e aliás nenhuma, porque no fim vem a perder-se tudo.

A pobre Beatriz se viu com toda a carga, porque só ela tem andado boa, e agüenta com todo o peso da casa, de que a encarregou a Priora, em falta de homens bons, como se costuma dizer3. Muito me folgo de que aí nada lhes falte. Não seja boba, não deixe de mandar cobrar aqui os portes das cartas, e assente aquilo que lhe disse; o contrário seria perderem outro tanto, além de ser bobagem. Tive pesar de saber que o companheiro de Nosso Padre é Frei André, pois o julgo incapaz de saber calar; e ainda mais me pesou de que vá tomar suas refeições no Carmo. Por amor de Deus, recomende-lhe sempre que vá aos Remédios1 em acabando o que tem de fazer aí. Tenho a impressão de que é tentar a Deus. Sua Majestade a guarde, e a todas faça santas para meu consolo, que tenho muito que escrever.

É hoje 19 de novembro.

De vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Vire a página. As cartas, inclusive as das Índias e de Ávila, já lhe disse que recebi. Desejaria que indagasse quem lhas trouxe, e quando partirá a armada, porque pretendo responder.

Folgo-me de que levem tão bem a pobreza e de que assim as proveja meu Deus. Bendito seja Ele para sempre! Fez muito bem de dar a Nosso Padre as túnicas; não preciso mais delas. O mais importante para todos é que não deixem Sua Paternidade comer com essa gente; e que ele ande se sobreaviso nesse ponto, já que nos faz Deus tanta mercê que lhe conserva a saúde entre tantos trabalhos. Quanto a usarem tecido mesclado de linho e lã, prefiro que usem linho, quando for preciso, pois seria abrir a porta para nunca se cumprirem as Constituições, ao passo que usar linho, em caso de necessidade, é cumpri-las. Com esse tal tecido, que aliás faria quase o mesmo calor, nem se cumpriria uma coisa nem outra, e acabariam por ficar com ele.

Está mandando serem de estopa ou de saial as meias, e isto nunca se guarda, o que me contraria. Avise-o a Nosso Padre quando houver ocasião, para que, onde nas Constituições se trata deste ponto, não mais se determine que hão de ser; basta dizer que se empregue coisa pobre ou, sem assinalar a fazenda, somente que usem meias. Dê-me conta disso. Assim é melhor; e não o esqueça. Vá ele adiando a visita à Província2 o mais que puder, até que se veja em que param certas coisas. Não vê como é encantadora a carta de Sua Paternidade a Teresica? Não se cansam de falar dela e de sua virtude. Julián apregoa maravilhas, o que para ele é muito. Leia a carta que minha Isabel escreve a Sua Paternidade.

Sobrescrito: Para a Madre María de S. José, Priora em Sevilha.

Carta 138

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 26 de novembro de 1576. Isabelita recebe o hábito em Toledo. Reforma das Carmelitas Calçadas de Paterna. Desatinos de Garciálvarez em matéria de confissões. Comunicação espiritual com os da Companhia. Melhoras de Brianda de S. José.

Jesus esteja com vossa reverência, filha minha. Duas cartas suas me foram entregues no dia da Apresentação de Nossa Senhora, juntamente com as de Nosso Padre. Nunca deixe de contar-me alguma coisa por Sua Paternidade me ter escrito, porque ele o não faz, e até me espanto de que me escreva, tendo tão numerosos afazeres. Não chegaram as cartas que ele mandou por Madrid, nas quais vinham um memorial ou cédula, em que narra as inquietações que passou. Creio que nenhuma carta se perdeu, a não ser a primeira com a notícia da tomada de hábito da minha Isabelita, e da alegria que tive de estar com sua mãe D. Juana. Como iam também cartas da Priora e das Irmãs, com algumas perguntas a Nosso Padre, e não veio resposta, penso que se perderam. Na primeira ocasião diga-me o que há. Contava-lhe eu que, por gracejo, perguntei a Isabelita se estava desposada. Respondeu-me logo, muito séria, que sim. Indaguei: Com quem? E ela imediatamente: Com Nosso Senhor Jesus Cristo.

Muita inveja tenho tido das que foram a Paterna, não por irem com Nosso Padre, que disso nem me lembrei, mas pensando no que haviam de padecer. Praza a Deus seja princípio para se servir Ele de nós. Sendo tão poucas, penso que não hão de sofrer muito lá, a não ser fome, pois soube que nem têm o que comer. Deus esteja com elas; que muito o pedimos aqui. Envie-lhes com a maior segurança esta carta; e se alguma receber delas, mande-as para eu ver como vão indo. Escreva-lhes sempre, animando e aconselhando. Não é pouco sofrimento o ficarem tão isoladas. De nenhum modo acho conveniente cantarem elas no coro até serem mais numerosas, pois seria desacreditar-nos, a todas. Muito me alegrei de que tenham boas vozes as parentas de Garciálvarez; será bom tomá-las, embora tragam pouco, porque essa comunidade está muito reduzida.

Fiquei atônita com tão grande desatino: de pretenderem que o confessor possa trazer outro a seu arbítrio. Que bom costume seria esse! Como não vi o papel de Nosso Padre, não posso pronunciar-me. Pensei em escrever a Garciálvarez, e pedir-lhe que, no caso de querer fazer alguma consulta, não queira saber de mestres de espírito; busque, sim, grandes letrados, que estes me tiraram de muitos trabalhos. Não me espanto de padecerem com isto: bastante padeci eu, de alguns que me julgavam sob a ação do demônio. Escreverei a ele assim que tomar conhecimento do dito papel, e enviarei a vossa reverência a carta aberta, para que a leia, assim como também o Padre Prior das Covas. Quando puder tratar com Acosta, creio que será o melhor. Envie-lhe esta carta depois de a ter lido.

Não será pequeno lucro se o Reitor daí se quisesse encarregar da comunidade, como prometeu; para muitas coisas seria grande ajuda. Mas eles exigem obediência; portanto, obedeçam. Embora alguma vez não seja muito bom para nós o que dizem, vale a pena, por ser muito importante para nós a assistência deles. Procure assunto para consultar; são muito amigos disso e têm razão, pois tomam a peito qualquer coisa de que se encarreguem, e assim costumam fazer em tudo o que está confiado a seus cuidados. Isso é muito importante nesse fim de mundo, porque, em voltando para cá Nosso Padre, ficarão muito sozinhas.

Nunca me passou pelo pensamento querer que se aceitasse a pretendente de Nicolau, senão por me parecer que havia aí muita necessidade de dinheiro. Se esses mil ducados das de Garciálvarez forem pagos à vista, podem ser aceitas. Convém que esperem, mas, a meu parecer, não se hão de rejeitar por trazerem pouco.

Achei graça no pretexto com que me querem enviar às Índias. Deus lhes perdoe! O maior bem que nos podem fazer é acumular tantas falsidades que não mereçam o menor crédito. Já escrevi a vossa reverência que não mande o dinheiro a meu irmão até que ele lho peça. Procure que Nosso Padre faça o que disse a Acosta em relação àquele que vier como Reitor da Companhia. Virá breve. Encomendei a Salazar, que esteve aqui de viagem para Granada onde vai ficar — pois disse-me que talvez passe por Sevilha, — que aí falasse ao Provincial. Se ele for, mostre-lhe muito agrado e fale com ele o que quiser. Bem podem fazê-lo, que é muito competente.

A Madre priora de Malagón está melhor, graças a Deus, e eu com muito mais confiança de que recupere a saúde, pois disse-me um médico que, embora tenha uma chaga, não sendo nos pulmões, viverá. Deus o faça segundo a necessidade que vê; não deixem de pedir-Lho. Encomende-me a todas, e fique-se com Ele, que tenho muitas cartas a responder. Outro dia escreverei ao meu Prior das Covas, cuja melhora me causou muita alegria. Deus no-lo guarde, e também a vossa reverência, minha filha, que nunca me diz se está boa; dá-me muita preocupação. A Delgado dê minhas lembranças, assim como a todos.

É hoje 26 de novembro.

Sua serva,

Teresa de Jesus.

Sempre me escreva como está o Pe. Frei Antonio; a ele e a Frei Gregório e a Frei Bartolomeu, minhas recomendações. Muito louvo a Nosso Senhor por ver quanto faz Nosso Padre; praza a Deus conceder-lhe saúde! Nele espero que minhas filhas tudo farão bem.

Carta 139

A D. Luís de Cepeda, em Torrijos

Toledo, 26 de novembro de 1576. A caridade de D. Luís. Governo de Beatriz de Jesus em Malagón. Desculpa a falta de recolhimento de D. Luís na oração, atribuindo-o aos seus muitos negócios.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com vossa mercê. Amém. Recebi as cartas de vossa mercê e os quatro ducados, que serão remetidos esta semana. Pague Nosso Senhor a vossa mercê o cuidado que tem de nossa Irmã Encarnação, que é a mais necessitada. A Irmã Beatriz de Jesus, por doença da Priora, tem agora a seu cargo o governo da casa de Malagón e está cheia de trabalhos. Cumpre o cargo extremamente bem, glória a Deus; não pensei que desse para tanto.

Não se admire vossa mercê de não andar muito recolhido no meio de tantos embaraços, pois não é possível; contanto que, depois de terminados os negócios, retome a boa organização que tinha, dar-me-ei por satisfeita. Praza a Deus que o resultado seja o melhor! Quanto a vossa mercê, por um pouco mais, ou um pouco menos, não faça muito caso, pois, ainda no caso de restar grande lucro, tudo há de acabar bem depressa. Às orações dessas senhoras me recomendo; e a Madre Priora às de vossa mercê.

É hoje 26 de novembro.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

Sobrescrito: Ao muito Magnífico Senhor Luís de Cepeda, meu senhor, em Torrijos.

Carta 140

Ao Pe. Jerónimo Gracián, em Sevilha

Toledo, novembro de 1576. Torna a louvar o procedimento suave e discreto do Pe. Gracián na visita aos Calçados. As Cigarras e as Mariposas. Melhoras do Núncio Ormaneto. Repreende a Gracián o demasiado amor que tem aos trabalhos.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa Paternidade, meu Padre, e mo guarde muitos anos. Amém. Asseguro-lhe que, se não me desse Deus a entender como todo o bem que fazemos vem de sua Mão e quão pouco de nossa parte, não seria muito ter eu alguma vanglória pelo que Vossa Paternidade está realizando. Seja para sempre bendito e louvado seu santo Nome; para sempre, jamais, amém! Realmente são de atordoar as coisas que aí se passam. E o que mais me admira é ver como Vossa Paternidade tudo vai fazendo com tanta paz, deixando amigos e inimigos, e conseguindo que eles mesmos sejam os autores, ou por melhor dizer, os executores das reformas.

A eleição do Pe. Evangelista foi de menagrado; por favor dê-lhe Vossa Paternidade minhas recomendações e diga ao Pe. Paulo que Deus lhe pague a recreação que nos deu com suas coplas e com a carta dirigida a Teresa. Fiquei contente por não ser verdade o que se dizia das Cigarras, assim como também pela ida das Mariposas. Espero em Deus que resultará grande proveito, e penso que para ali bastarão elas. Muitas ficaram com inveja, pois, em matéria de padecer, todas temos grandes desejos. Deus nos ajude a rea­lizá-los.

Penoso seria se lá reinasse mau espírito. Agora se vê o estado lamentável da gente espiritual dessa terra. Seja Deus bendito por haver estado Vossa Paternidade aí na ocasião dessas balbúrdias. Sem a sua presença, que seria dessas pobres? Apesar de tudo, são venturosas, pois já vão aproveitando, e tenho por muitíssimo importante o que Vossa Paternidade me escreve acerca do visitador nomeado pelo Arcebispo. Não é possível que deixe de ser de grande proveito essa casa, pois tão caro nos custou. Parece-me nada o que está passando agora Paulo, em comparação com o que sofreu por medo dos Anjos.

Muita graça achei nesse seu andar esmolando durante a viagem; e afinal nunca me conta quem é seu companheiro. Diz Vossa Paternidade que me enviava no tal maço de cartas a de Peralta; e nada de chegarem. As que remeteu pelo Pe. Maríano não me foram entregues, nem ele me escreveu uma linha. Há muito não o faz. Outro dia enviou-me uma carta de Vossa Paternidade sem acrescentar uma palavra; talvez tenha ficado com a outra e com o papel de Garciálvarez. Remeteu-me também para Segóvia uma ou duas cartas que pensei eram de Vossa Paternidade, embora os sobrescritos não fossem de sua letra; depois vi que não. As novidades de cá são que Matusalém está já muito melhor, glória a Deus, e até sem febre. É estranho o que sinto em mim: nenhum acontecimento é capaz de perturbar-me, — tão arraigada tenho na alma a certeza do bom êxito.

No dia da Apresentação recebi duas cartas de Vossa Paternidade; depois uma pequeníssima, juntamente com outra para D. Luisa de la Cerda, que está não pouco satisfeita com a dela. Vinha num desses invólucros a licença para Casilda; já a remeti a seu destino.

Oh! quão de boa vontade teria Ângela dado de comer — segundo ela mesma me disse, — a Paulo, quando ele estava com essa fome de que falou! Não sei para que busca ele mais trabalho além dos que o senhor lhe dá, e inventa pedir esmolas; dir-se-ia que tem sete almas e, em dando cabo de uma vida, lançará mão de outra. Vossa Paternidade ralhe com ele, por favor, e agradeça-lhe de minha parte a mercê que me faz em ter tanto cuidado de me escrever. Seja tudo por amor de Deus.

Teresa de Jesus.

Creio que Esperança terá dito o que se está passando agora...

Carta 141

Ao Pe. Jerónimo Gracián em Sevilha

Toledo, novembro de 1576. Alenta o Pe. Gracián nas perseguições que padecia. Aconselha-lhe que tenha cuidado com uma embusteira de Sevilha. Pode ser caso de Inquisição. “Como sou maliciosa!”

Realmente causou-me muita pena, mas de outro lado faz-me grande devoção, saber como Vossa Paternidade procedeu com prudência, por entre tantas infâmias. Asseguro-lhe que Deus lhe quer muito, meu Padre, e que Vossa Paternidade o vai imitando bem de perto; esteja muito alegre, pois recebe o que costuma pedir, que são trabalhos. Deus com sua justiça tomará em mão a causa de Vossa Paternidade. Seja Ele bendito para sempre.

No que diz respeito a essa jovem, ou senhora, estou muito convencida de que não é tanto melancolia, mas o demônio, que entrou nessa mulher e a move a esses embustes — pois não são outra coisa, — para ver se engana a Vossa Paternidade, assim como a traz enganada. É mister, portanto, andar com grande recato nesse negócio, não indo Vossa Paternidade à sua casa de modo algum. Não lhe aconteça como a Santa Marina, creio eu, a quem atribuíram um menino, e teve muito que sofrer. Não é agora tempo de padecer Vossa Paternidade em tal matéria. Se quer seguir meu pobre parecer, aparte-se Vossa Paternidade desse negócio; outros haverá que ganhem essa alma; e tem Vossa Paternidade muitas outras a quem fazer proveito.

Advirta, meu Padre, que o demônio tece mil enredos. Se essa carta que ela lhe confiou não foi sob sigilo de confissão ou durante a mesma, é caso de Inquisição. Já outra rapariga foi condenada à morte pela mesma causa, segundo chegou a meu conhecimento. Verdade é que não creio ter estado tal carta em poder do demônio, pois ele não lha tornaria a entregar tão depressa; nem dou crédito a tudo o que ela diz; deve ser, penso eu, alguma embusteira — Deus me perdoe! — e gosta de importunar a Vossa Paternidade. Talvez mesmo tenham partido dela as calúnias. Seja como for, bem quisera eu ver a Vossa Paternidade fora de onde está, a fim de melhor se atalhar o mal.

Mas como sou maliciosa! É preciso de tudo nesta vida. De nenhum modo presuma Vossa Paternidade remediar isso em quatro meses, a modo de dizer. Olhe que é coisa perigosíssima. Lá se avenham. Se houver alguma denúncia a fazer contra ela (bem entendido, não sendo matéria de confissão), esteja alerta, porque temo que o caso se torne mais público, e lancem a culpa a Vossa Paternidade, dizendo que o soube e calou. Já vejo: deve ser bobagem o que digo; Vossa Paternidade sabe melhor que eu...

Carta 142

Ao Pe. Jerónimo Gracián em Sevilha

Toledo, novembro de 1576. Inimigos visíveis e invisíveis do Pe. Gracián.

Escrevi à semana passada pelo correio daqui e respondi à consulta de Paulo sobre aquilo das línguas. De conversa com José disse-me que avisasse a Vossa Paternidade que Paulo tem muito inimigos visíveis e invisíveis, e portanto guarde-se deles. Por esta razão não quisera que se fiasse tanto nos Egípcios; nem nas Aves Noturnas. Vossa Paternidade dê-lhe este recado.

Carta 143

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 3 de dezembro de 1576. Sobre a visita

às monjas projetada pelo Arcebispo e o Pe. Gracián. As Calçadas de Paterna. Enfermidade da Priora de Malagón e de Antonio Ruiz. D. Luisa de la Cerda e os presentinhos das Descalças.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa reverência, minha filha. Pouco há que respondi a suas cartas, não tão numerosas como as minhas a vossa reverência. Nunca me escreveu como foi a visita feita por Nosso Padre; conte--me tudo, por caridade. Praza a Deus dê bom resultado o plano do visitador deputado pelo Arcebispo! É o mesmo que usa Nosso Padre com as monjas, segundo me referiu Sua Paternidade. Seria muito proveitoso. Não é possível que, estando ele animado de tão bom zelo, Sua Majestade não o ajude.

Muito desejo saber de minhas monjas de Paterna; creio que tudo lhes há de correr muito bem. Com as notícias que lhe dará Nosso Padre de não nos poder mais atingir o Tostado, não se limitará somente a esse mosteiro a reforma efetuada pelas Descalças. Deus guarde a Nosso Padre! Parece milagre ver o modo pelo qual as coisas se vão encaminhando.

Muito me satisfez o papel que Sua Paternidade escreveu tratando de Garciálvarez; não há mais que dizer depois do que nele está. Ainda não soube quem vai ser Reitor; praza a Deus tenha as mesmas vistas do Pe. Acosta. Porque lhe escrevi há pouco tempo, não o faço agora, nem digo mais, pois nada sei.

Da Priora de Malagón não tive outra notícia além do que lhe escrevi; naquela ocasião disseram-me que estava melhor. Tampouco soube de Antonio Ruiz; teve uma recaída, mas penso que se tivesse morrido, já eu o saberia.

A todas essas minhas filhas recomendo-me muito, e fique-se com Deus, que nada mais tenho a dizer. A carta que vai junto é para que saiba notícias de sua Teresa, e todas a encomendem a Deus. Sua Majestade me guarde a vossa reverência.

Alberta escreveu a D. Luisa, enviando-lhe uma cruz. É de admirar quanto se alegra com o menor presentinho de suas monjas, e vossa reverência ainda não lhe escreveu, nem a D. Guiomar, que já está casada. Não seja ingratinha, e fique-se com Deus.

É hoje 3 de dezembro.

Sua serva,

Teresa de Jesus.

Carta 144

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 7 de dezembro de 1576. Louva o esmero de Madre María de S. José em cuidar do Pe. Gracián. Bom governo do Padre. Estado de saúde da Priora e da Subpriora de Sevilha e da Priora de Malagón.                D. Lorenzo de Cepeda contemplativo e esmoler. Pusilanimidade do           Prior dos Remédios. Imagens para as Descalças de Caravaca.

Jesus esteja com vossa reverência. Hoje, véspera da Conceição, envia--me suas cartas o arrieiro, pedindo com grande pressa a resposta; portanto, terá de perdoar-me, minha filha, ser esta tão escassa, quando em nada o quisera eu ser com vossa reverência, sendo tão ampla a minha afeição. Sim, asseguro-lhe que lhe quero muito. E agora aí me trazem tão cativa com esse cuidado de regalar Nosso Padre, segundo ele mesmo me diz, que lhes cobrei ainda mais amor. Estou contente de que o faça tão discretamente; pois, creio, nem agora, nem nunca, haverá outro com quem se possa tratar assim. É porque, tendo-o escolhido o Senhor para estes princípios, — o que não acontecerá cada dia, — penso não haverá outro semelhante. Quando os Prelados não são tais como ele, tudo o que é abrir porta será para maior mal do que se poderá imaginar. Também jamais haverá tanta necessidade, pois agora, como em tempo de guerra, temos que andar com maior cautela. Deus pague a vossa reverência, minha filha, o cuidado que tem com as cartas; com isto vou agüentando a vida.

Esta semana chegaram-me às mãos as três que vossa reverência dizia ter escrito; mesmo quando vêm juntas, não são mal recebidas. Causou-me devoção a carta de S. Francisco, poderia imprimir-se; e quase não se pode crer como Nosso Padre faz bem as coisas. Bendito seja Deus que lhe deu tanto talento. Quisera eu ter muita capacidade para dar ao Senhor graças em relação com as mercês que nos faz, particularmente pela de no-lo ter dado por pai.

Já vejo de cá, minha filha, o trabalho que aí têm e como estão sós. Praza a Deus não tenha importância a doença da Subpriora; ainda que não fosse senão pelo acréscimo de trabalho de vossa reverência, dar-me-ia muito pesar. Alegrei-me de coração por ter feito bem a vossa reverência a sangria. Se esse médico acertou, gostaria que não se tratasse com outro. Deus o proveja.

Incluo uma carta recebida hoje da Priora de Malagón; não é pouco o não estar ela pior. Faço tudo o que é possível para sua melhora e contentamento, porque, sem falar no que lhe devo — bem devido, — tenho muito interesse por sua saúde; e muito mais pela de vossa reverência, e isto tenha por certo. Por aí verá quanto a desejo.

Por esse papel que vai incluso saberá que recebeu Maríano sua carta. A de meu irmão, à qual vossa reverência se refere, já lhe disse, em uma das minhas, que a devo ter rasgado de envolta com outras; como ainda estava aberta, é provável que o tenha feito. Tive muito pesar e procurei-a bastante, porque estava muito a meu gosto. Agora recebi dele carta em que me diz que escreveu a vossa reverência pelo almocreve de Sevilha; por isso só digo que anda com a alma bem aproveitada na oração e faz muitas esmolas. Sempre o encomende a Deus, e a mim também, e fique-se com Ele, minha filha.

Muito mais pesar tive de que não faça bem seu ofício esse Prior, do que de sua pusilanimidade. Seria muito conveniente que Nosso Padre o sacudisse, fazendo-lhe ver como está procedendo mal; e por certo não deixará de o fazer. A todos me recomende, especialmente a Frei Gregório e a Nicolau, se ainda não voltou daí, e a essas minhas filhas. Com as cartas de Gabriela fiquei contente. Recomende-me a ela e à Subpriora. Ah! quem pudera dar-lhe das muitas pretendentes que por aqui temos de sobra! Mas Deus lhas dará. O negócio da frota já encomendei a vossa reverência. Bem vejo os trabalhos que aí tem, e fico não pouco preocupada, mas espero em Deus que dará remédio a tudo; o principal é que vossa reverência tenha saúde. Sua Majestade ma guarde e a faça muito santa. Amém.

Muito gostei de ver que vai entendendo o tesouro que aí tem em Nosso Padre. Quanto a mim, logo o entendi, desde Beas. Daí deram-me hoje umas cartas, e também uma de Caravaca; esta última envio-lhe aqui para que Nosso Padre e vossa reverência a leiam e pelo mesmo almocreve ma devolvam; preciso dela porque trata de alguns dotes. Escreveram também à Priora daqui, queixando-se muito de vossa reverência.

Agora vou mandar para Caravaca uma imagem de Nossa Senhora que tenho para elas, muito perfeita e de bom tamanho, e não é vestida; e também me estão fazendo para lá um S. José; e não lhes há de custar nada. Muito bem faz vossa reverência seu ofício; e ainda melhor foi o que fez avisando-me dos beliscões. São manhas que aprenderam na Encarnação.

É hoje como já o disse. E eu de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Sobrescrito: Para a Madre María de S. José, Priora de Sevilha.

Carta 145

Ao Pe. Jerónimo Gracián

Toledo, 7 de dezembro de 1576. Aconselha a Gracián que trate com o Inquisidor. Sobre o modo de governar usado pelo Prior dos Remédios. O Tostado não visitará as casas das Províncias da Ordem. Elogios feitos por Esperança (Salazar) ao Pe. Gracián. Defende Eliseu. Intenta-se uma fundação de Descalças em Aguilar de Campo e Burgos. Gracián entre as Cigarras.

Jesus esteja com Vossa Paternidade, meu Padre. Cada vez que vejo tão amiudadas cartas de Vossa Paternidade, quereria beijar-lhe novamente as mãos, porque, tendo-me deixado aqui neste lugar, não sei o que seria de mim sem este alívio. Seja Deus por tudo bendito. Sexta-feira passada respondi a algumas cartas de Vossa Paternidade; outras recebi agora, escritas de Paterna e de Trigueiros, sendo que esta última está bem cheia de cuidados, e com muita razão.

Apesar de todos os motivos alegados por Vossa Paternidade para ficar aí, quisera eu que, em vista da carta do Anjo tão encarecida, não deixasse de ir, mesmo à custa de algum trabalho, assim que acabasse de atender a esses senhores Marqueses. Com efeito, ainda que ele não acertasse, mal se podem comunicar por cartas certas coisas, e, como lhe devemos tanto e parece que Deus o escolheu para nossa ajuda, até seus erros se converterão em bem para nós se lhe obedecermos. Olhe, meu Padre, não o contrarie, por amor de Deus, pois está aí muito só, sem um bom conselho. Dar-me-ia muito pesar.

Também senti por saber que esse Santoia, segundo me diz a Priora, não faz bem seu ofício; muito mais o sinto do que a falta de ânimo que tem. Por amor de Deus, Vossa Paternidade o admoeste de modo a dar-lhe a entender que também para ele haverá justiça, como para os outros.

Estou escrevendo com tanta pressa, que não poderei dizer o que quisera, pois, quando a ia começar, sobreveio uma visita urgente, e agora é muito tarde, de noite. Tem de ser levada ao almocreve, e, para aproveitar mensageiro tão seguro, não quero deixar de repetir-lhe o que já lhe tinha escrito, isto é: deu provisão o Concelho Real para o Tostado não mais visitar as quatro Províncias. Leram-me uma carta de uma pessoa que afirmava ter visto a dita provisão. Quem ma leu foi próprio destinatário, que não tenho por muito verdadeiro, mas creio que neste ponto não faltou à verdade, e, por várias causas, não tinha motivo para mentir. De um ou de outro modo, espero em Deus que tudo se fará bem, pois Ele assim vai dando a Paulo esse dom de todos atrair a si.

Ainda quando eu não tivesse motivos para servir a Sua Majestade, só esta mercê bastava. Por certo que é digno de admiração ver como se vão fazendo as coisas. Saiba que há muito tempo Esperança não louvava a Paulo; agora mandou-me dizer dele maravilhas, recomendando-me que daqui lhe lançasse a minha benção. Que será quando souber de que modo está agindo em Paterna? Por certo, que me admira constatar como vai o Senhor entremean­d­o contentamentos e penas: é este verdadeiramente o caminho reto por onde executa seus desígnios.

Teresa de Jesus.

Saiba, meu Padre, que de algum modo é para mim grande regalo quando me conta seus trabalhos; contudo aquele testemunho falso me magoou muito, não pelo que toca a Vossa Paternidade, mas pela outra parte. Como não acham quem sirva de testemunha, buscam alguém que, segundo lhes parece, não há de falar; e será esta, mais que ninguém neste mundo, quem defenderá a si e a seu filho Eliseu.

Recebi ontem carta de um Padre da Companhia, e também de uma senhora de Aguilar del Campo, que é uma boa vila, a treze léguas de Burgos. É viúva, de sessenta anos de idade e sem filhos. Numa grave doença, querendo fazer uma boa obra com a sua fortuna, que consta de seiscentos ducados de renda além de uma boa casa e terreno, o Padre deu-lhe notícia desses mosteiros. Agradou-se tanto, que por testamento deixou tudo para uma fundação nossa. Afinal veio a escapar, mas ficou-lhe grande vontade de fazê-la, e por isso escreveu-me sobre o assunto, pedindo resposta. Parece-me muito longe, contudo talvez queira Deus que se realize.

Também há em Burgos tantas candidatas desejosas de entrar, que é lástima não haver onde. Enfim, não rejeitarei a proposta; somente quero informar-me melhor sobre a terra e o demais, até ver o que manda Vossa Paternidade, e saber se poderá, com o Breve que tem, admitir mosteiros de monjas. Mesmo que eu não vá, pode Vossa Paternidade mandar outras. Não se esqueça de dizer-me o que me ordena fazer neste caso.

Em Burgos tenho bem de quem me informar. Se ela der tudo — e penso que o fará, — podemos contar com nove mil ducados, além das casas; e de Valladolid para lá a distância não é considerável. A terra deve ser muito fria, mas dizem que é bem protegida.

Ó meu Padre! quem me dera poder partilhar esses cuidados de Vossa Paternidade! E quão bem faz em queixar-se a quem tanto se dói de suas penas! E quanto gosto de o ver tão ocupado com as Cigarras! Grande fruto se há de fazer aí. Espero em Deus, que Ele as proverá, pois são tão pobres. Saiba que me escreveu S. Francisco uma carta muito sensata. Deus esteja com elas; fico muito contente por quererem tanto bem a Paulo; e de que ele o retribua alegro-me, embora não tanto. Mas a essas de Sevilha, se eu já lhes queria muito, cada dia lhes quero mais, pelo cuidado que têm daquele a quem eu quisera, com o maior desvelo, estar sempre regalando e servindo. Seja Deus louvado que lhe dá tanta saúde. Olhe, por amor de Deus: tome cuidado com o que lhe dão a comer por esses mosteiros. Estou boa e contente por saber de Vossa Paternidade tão a miúdo. Sua Majestade mo guarde e faça tão santo como Lhe suplico. Amém.

É hoje vigília da Conceição de Nossa Senhora.

Indigna filha de Vossa Paternidade,

Teresa de Jesus.

Carta 146

Ao Pe. Jerónimo Gracián

Toledo, dezembro de 1576. Zelos do Pe. Antonio de Jesus.

… Folgo-me de que não esteja em companhia de Vossa Paternidade o Pe. Frei Antonio, porque, vendo tantas cartas minhas a Vossa Paternidade e ne­nhuma para ele, fica muito sentido, segundo me confessou. Ó Jesus, que coisa é entender-se uma alma com a outra: nunca falta o que dizer, nem dá cansaço.

Carta 147

Ao Pe. Jerónimo Gracián em Sevilha

Toledo, dezembro de 1576. Agradece em termos afetuosos as cartas recebidas. Graça do Pe. Jerónimo para a correspondência epistolar.        Um falso testemunho. Reforma das Calçadas de Paterna. As casas         da Descalcez “espelhos de Espanha”. Informação a Roma para a separação entre Calçados e Descalços. Fundação de Caravaca.           Torna a falar sobre a de Paterna. Os melhores dias da Santa             foram os passados em Beas com Paulo. Enfermidade da                   Madre María de S. José. Brandura de gênio de Isabelita.

Jesus esteja com Vossa Paternidade, meu Padre. Oh! que dia bom tive hoje! Enviou-me o Pe. Maríano todas as cartas de Vossa Paternidade para ele! Não é preciso que lhe recomende fazer assim, pois já lho pedi, e, embora custe a mandá-las, trazem-me muito consolo. E ainda tão caridosamente relata-me Vossa Paternidade em resumo as coisas sucedidas! Segundo já lhe disse, as outras cartas demoram a chegar, exceto quando o Pe. Maríano tem alguma em seu poder para mim, porque então ma envia logo. Estamos grandíssimos amigos.

Tem-me feito louvar a Nosso Senhor a maneira e a graça com que Vossa Paternidade escreve, sobretudo quando fala sobre a perfeição. Ó Padre meu, que majestade em suas palavras quando toca neste assunto, e quanto consolo dão à minha alma! Quando não fôssemos fiéis a Deus pelo bem que daí nos resulta, senão pela autoridade que comunica a seus representantes — tanto mais quanto mais de perto o representam, — seria grandíssimo lucro para nós; bem deixa Vossa Paternidade ver que lhe vai bem com Sua Majestade. Seja Ele por tudo bendito, que tantas mercês me faz, e lhe dá tanta luz e tantas forças. Não sei quando hei de determinar-me de todo a servi-lo.

Posso assegurar-lhe que estava muito boa a carta que Vossa Paternidade escreveu de Trigueiros sobre o Tostado; e fez bem em rasgar as que lhe mostraram com um pedido acerca do mesmo. Enfim, meu Padre, Deus o ajuda e ensina, a bandeiras despregadas, como dizem; não tenha medo que deixe de sair com êxito de tão grande empresa. Oh! que inveja tenho de Vossa Paternidade e do Pe. Antonio pelos pecados que conseguem impedir, enquanto eu aqui não tenho mais que desejos!

Faça-me saber em que se basearam para levantar um falso testemunho contra a honra daquela monja virgem, e mãe. Parece-me grandíssima insensatez levantar um falso com este. Mas nenhum chega ao que Vossa Paternidade me conta em sua carta, há poucos dias. Pensa que é pequena mercê de Deus levar Vossa Paternidade estas coisas como as leva? Eu lhe digo que Ele lhe vai pagando os serviços que aí Lhe presta. E não é só isto.

Estou pasma de tanta desgraça que se vê, especialmente no que se refere a essas Missas; fui ao coro pedir a Deus remédio para essas almas. Não é possível consentir Sua Majestade que vá adiante tanto mal, já que o começou a desvendar. Cada dia vou entendendo mais o fruto da oração, e quanto deve ter valor diante de Deus uma alma que só pela honra de Sua Majestade pede remédio para outras. Creia, meu Padre, penso que se vai realizando o fito com que se deu começo a estes mosteiros, que foi para pedir a Deus sua assistência para aqueles que defendem sua honra e trabalham em seu serviço, porquanto, nós, sendo mulheres, de nada valemos. Quando considero a perfeição destas monjas, não me espantarei de qualquer coisa que alcançarem de Deus.

Gostei de ver a carta que a Vossa Paternidade escreveu a Priora de Paterna, e o tino que Deus infunde a Vossa Paternidade em todas as coisas. N’Ele espero que haverá grande fruto; com isto vieram-me ânsias de que não cessem as fundações. Há projeto de uma acerca da qual já escrevi a Vossa Paternidade; e agora sobre o mesmo assunto escreve-me essa carta, que lhe envio, a Priora de Medina. Não são mil ducados os que ela dá, senão seiscentos; bem pode ser que tenha resolvido ficar com o demais. Consultei o Doutor Velásquez sobre este negócio, porque tinha escrúpulo de tratar disso contra a vontade do Geral. Insistiu muito em que devo procurar que D. Luisa escreva ao Embaixador, a fim de que este alcance a licença do Reverendíssimo Geral, e prometeu dar a informação que será preciso mandar. No caso de não se obter, aconselhou recorrer ao Papa, informando Sua Santidade de como são espelhos de Espanha estas casas. Assim o penso fazer, se a Vossa Paternidade não parecer outra coisa.

Respondi a Medina pedindo que me explicassem melhor as condições, e já escrevi ao mestre Ripalda, até pouco tempo Reitor em Burgos e meu grande amigo da Companhia, para que tomasse informações e depois me desse conta, pois se fosse coisa conveniente, enviaria eu alguém em meu lugar para que o visse e tratasse. De fato, se parecer bem a Vossa Paternidade, poderão ir Antonio Gaytán e Julián de Ávila, quando vier a estação favorável. Vossa Paternidade dar-lhes-á plenos poderes para que façam um acordo, como o de Caravaca, e a fundação poderá realizar-se sem a minha presença. Mesmo no caso de se ter de lançar mão de maior número de monjas para reformar conventos, não faltará quem vá, contanto que a cada um vão poucas, como aí em Paterna. Parece-me, contudo, que em outros, que sejam maiores, não conviria irem só duas; e até mesmo aí não teria por mau que houvesse uma Irmã conversa, já que as temos, e muito boas!

Estou persuadida de que nada se consegue em mosteiros de monjas se não há quem de portas adentro as mantenha na disciplina. A Encarnação está que é para louvar a Deus. Oh! que desejo tenho de ver todas as monjas livres da sujeição aos Calçados! Quando me for concedido ver separada deles a nossa Província, darei até a vida para este fim, porque do mau governo vem todo o dano, e é sem remédio. Com efeito, ainda que outros mosteiros estejam relaxados, não é em tanto extremo; refiro-me aos que estão sob a jurisdição dos frades; quanto aos sujeitos aos Ordinários, nem é bom falar. E se os Prelados entendessem a responsabilidade que lhes pesa sobre os ombros e tivessem a solicitude de Vossa Paternidade, agiriam de outra maneira; e não seria pouca misericórdia de Deus haver tantas orações de boas almas em favor de sua Igreja.

Muito bem me parece o que Vossa Paternidade me diz sobre os hábitos, e, dentro de um ano, poderão todas estar assim vestidas. Uma vez estabelecido, estabelecido fica. Será questão de gritarem alguns dias; mas castigadas umas, calarão as demais, pois as mulheres são assim: pela maior parte, temerosas. Essas noviças não continuem aí, por caridade, pois receberam tão maus princípios. Importa-nos muito o sairmo-nos bem dessa reforma, por ser a primeira. Eu lhe asseguro que a amizade que lhe tinham, bem o mostram com as obras.

Achei graça no rigor de nosso Padre Frei Antonio. É certo que com alguma não seria mau, antes importa muitíssimo que eu as conheço todas. Talvez desse modo se houvesse impedido mais de um pecado por palavras, e estariam agora mais rendidas; pois há de haver brandura e rigor, que assim Nosso Senhor nos leva; e para essas muito obstinadas não há outro remédio. Torno a dizer: aquelas pobres Descalças estão muito sozinhas e se alguma ficar doente, será grande contratempo. Deus, que vê a necessidade, lhes dará saúde.

Todas as filhas de Vossa Paternidade — as de cá — vão bem; as de Beas é que só faltam morrer com tantos pleitos; mas não é muito padecerem um pouco, já que lhes faltaram trabalhos na fundação daquela casa. Nunca terei dias melhores do que os passados ali com meu Paulo. Gostei de que se tenha assinado “seu filho querido”. Como eu estava só, exclamei logo: “Quanta razão tem!” Muito me folguei de ouvi-lo de Vossa Paternidade e mais me folgaria se visse os negócios daí em tão bons termos, que pudesse voltar a ocupar-se dos de cá. Espero em Deus que tudo há de vir a parar em suas mãos.

Muito sinto a doença dessa Priora, pois seria difícil achar outra como ela para aí. Faça Vossa Paternidade que seja bem tratada e tome algumas drogas para essa febre contínua. Oh! como me dou bem com o confessor! Para me obrigar a fazer alguma penitência, manda-me comer, cada dia, mais do que costumo, e quer que me regale. A minha Isabel está aqui; pergunta se como está Vossa Paternidade brincando com ela e não lhe responde?

Dei-lhe uma fatia de melão; disse que está muito frio, e lhe atroa a garganta. Asseguro-lhe que tem ditos engraçadíssimos e uma alegria constante, unida a uma brandura de gênio que a torna muito parecida com meu Padre. Deus mo guarde muito mais que a mim. Amém, amém.

Saiba que aí têm as monjas um medo extraordinário da Priora, e também um costume de não dizer as coisas aos Prelados como elas são. Essa questão dos estudantes que as servem, é preciso ser bem examinada.

Filha de Vossa Paternidade,

Teresa de Jesus.

Carta 148

Ao Pe. Ambrósio Maríano de São Bento

Toledo, 12 de dezembro de 1576. Inveja a Santa aos que trabalham pelos próximos. A reforma de Paterna. Bom exemplo das Descalças. Deseja que entrem pessoas de bons talentos. Acerca da descalcez completa de pés. O trabalho de mãos.        Sou amiga de apertar nas virtudes, porém não no rigor.

Jesus esteja com vossa reverência. Estas cartas, entre as quais a da Priora de Paterna, chegaram-me às mãos. As outras que, segundo me diz, devem chegar talvez amanhã, quinta-feira, virão com segurança por essa via; não hão de perder-se. Muitíssimo folguei com estas, e também com a de vossa reverência. Seja Deus bendito por tudo.

Ó Padre meu! e que alegria me vem ao coração quando vejo que por algum dos membros desta Ordem (onde o Senhor tem sido tão ofendido) se faça alguma coisa para sua honra e glória, e se evitem alguns pecados! Só me dá grande pena e inveja por ver o pouco valor que tenho para isso; desejaria andar no meio de perigos e trabalhos, para que me coubesse parte desses despojos dos que andam metidos na peleja. Algumas vezes, ruim como sou, alegro-me de ver-me aqui sossegada; mas, em vindo à minha notícia quando estão trabalhando por lá, sinto-me consumida e tenho inveja a essas que foram para Paterna. Estou alegríssima por Deus começar a servir-se das Descalças, e muitas vezes, quando vejo almas tão animosas nestas casas, parece-me que não seria possível dar-lhes Deus tanto se não fosse para algum fim. Ainda que não fizessem mais do que estão fazendo naquele mosteiro — porque enfim terão evitado ofensas de Deus, — estaria contentíssima; quanto mais que espero em Sua Majestade hão de ir muito além.

Não esqueça vossa reverência: de acrescentar, na declaração acerca dos Frades, que também possa dar licença para fundar mosteiros de monjas. Saiba que me confesso aqui com o Doutor Velásquez, Cônego desta Igreja, grande letrado e servo de Deus, como poderá informar-se. Não se conforma com a idéia de não mais se fundarem mosteiros de monjas, e ordenou-me tomar por intercessora a senhora D. Luisa para, por intermédio do Embaixador, alcançar licença do Geral, e, em último caso, do Papa. Recomenda informar a Sua Santidade de como são espelhos de Espanha, e promete indicar os trâmites a seguir. Já mandei falar a vossa reverência de uma fundação que se nos oferece; responda-me a estas duas coisas.

Com o último bilhete que me enviou, fiquei muito consolada. Deus o pague a vossa reverência, conquanto já esteja bem assentado em meu coração tudo o que me escreveu. Como não me diz nada do Pe. Frei Baltazar? A todos dê minhas encomendas.

Achei graça no que alega o Pe. Frei João de Jesus a respeito de andarem inteiramente descalços. Como diz que é por minha vontade, se fui eu que sempre o proibi ao Pe. Frei Antonio? E, a tomar ele meu parecer, teria errado. Era meu intento e desejo que entrassem bons talentos e temia que, vendo muita aspereza, se haviam de assustar; mas tudo foi necessário para se distinguirem dos Calçados. O que talvez tenha dito é que tanto frio teriam assim, como de pés no chão.

O que eu disse — e daí deve ter vindo o engano, — quando se tratou da má impressão que dariam os Descalços montados em boas mulas, foi que não se havia de consentir, a não ser para longo caminho e com grande necessidade; pois uma coisa não assentava bem com a outra. Ora, têm passado por aqui uns Descalços mocinhos, que tinham, aparentemente, pouco a andar, e vinham de jumento quando poderiam vir a pé. E assim o torno a dizer: não dão boa impressão esses jovens; descalços, por um lado e por outro em mulas com boas selas. Quanto à outra questão, nem me passou pelo pen­samento: já andam descalços demais. Avise vossa reverência que não o façam; voltem ao que costumavam; e escreva a Nosso Padre.

no que insisti muitíssimo com Sua Paternidade foi que lhes fizesse dar muito bem de comer; porque trago sempre diante dos olhos o que vossa reverência diz, e muitas vezes tenho bastante pesar. Ainda ontem ou hoje, antes de ler sua carta, o estava sentindo, parecendo-me que daqui a dois dias tudo irá por água abaixo, tal o modo com que se estão tratando. Voltei-me para Deus a buscar consolação, porque Ele, que o começou, dará jeito a tudo; e assim alegrei-me por ver que vossa reverência pensa como eu.

Outra coisa que lhe pedi muito foi que exigisse o lavor de mãos, ainda que só fosse fazer cestas, ou qualquer outra coisa; e seja na hora da recreação, quando não houver outro tempo, porque, nas casas que não são de estudos, é importantíssimo. Entenda, meu Padre, que sou amiga de apertar muito nas virtudes, porém não no rigor, como se poderá ver nestas nossas casas. Deve ser porque sou pouco penitente. Muito louvo a Nosso Senhor de que dê a vossa reverência tanta luz em pontos tão importantes. É grande coisa em tudo desejar sua honra e glória. Praza a Sua Majestade nos dar graça para morrermos mil vezes por esta causa. Amém, amém.

É hoje quarta-feira, 12 de dezembro.

Indigna serva de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

De muita caridade usa vossa reverência para comigo enviando-me as cartas, que recebe de Nosso Padre, pois quando ele me escreve é sempre muito breve; e não me admiro, antes pelo contrário lhe rogo que o faça assim. Verdadeiramente louvo ao Senhor quando as leio, e vossa reverência está muito obrigado a fazer o mesmo, pois deu princípio àquela obra. Não deixe de insistir com o Arcediago. Temos também por nós o Deão e outros Cônegos, e já vou granjeando outros amigos.

Carta 149

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 13 de dezembro de 1576. Remédios contra as febres. Morte de uma piedosa senhora, amiga das monjas. Um fio de água para as Descalças. D. Agostinho de Ahumada. Torna a falar das monjas de Paterna.

Jhs

 Esteja com vossa reverência, filha minha, o Espírito Santo. Enquanto não me escreverem que está sem febre, estarei sempre com muito cuidado. Olhe que não seja anemia, como costuma dar em sangues fracos. Eu, sem ter este motivo, sofri muito disto. Meu remédio era usar umas fumigações com erbatum e coentro, cascas de ovos, com um pouco de azeite, um pouquinho de alecrim e um pouco de alfazema, depois de deitada. Asseguro-lhe que ficava outra. Guarde isto só para si; mas não me pareceria mal que o experimentasse alguma vez. Numa ocasião, tive febre quase oito meses, e com isto sarei.

Não me canso de dar graças a Deus de ter ficado aí o Brazinho na noite em que morreu a boa velha. Nosso Senhor a tenha consigo, como aqui lhe temos suplicado. Parece-me não ser necessário consolar nem a irmã nem a sobrinha. Dê-lhes minhas recomendações, dizendo-lhes que antes é razão estarem contentes, pois foi gozar de Deus; mas Beatriz não faz bem de de­se­já-lo, e, olhe lá!… não haja, em dizer essa bobagem, algum pecado. Muita caridade me fez de escrever-me contando-o tão por miúdo, e muito gostei de que lhes tenha deixado tão boa herança. Parece-me que a vossa reverência não apertou o demônio, como a mim, tentando-a com pusilanimidade; agora vejo era ele, pois aqui tornei a ficar como era antes. Que quer dizer isto? O bom Prior das Covas escreveu ao Pe. Maríano que lhes alcance um fio de água, fazendo tanto empenho como se fosse para si. Não entendo como o alcançará, mas asseguro-lhe que muito me alegraria. Bendito seja Deus, por estar Sua Paternidade com saúde; entregue-lhe a carta que aí vai.

Recomende-me muito a todas, e a minha Gabriela diga que aprecio deveras suas cartas. Faça-me saber se ela faz bem o ofício de porteira, e nunca se esqueça de dar minhas lembranças a Delgada. Diga-me também se está bom Frei Bartolomeu de Aguilar. Não sei como vossa reverência anda assim doente, tendo aí Nosso Padre. Cada dia dá Deus a dois, etc.

É no Peru que está meu irmão mas penso que agora já deve ter passado adiante. Vou indagar de Lorenzo. Para o que vossa reverência quer lá, ele não serve, pois ainda não é casado, e não tem domicílio certo; hoje está aqui e amanhã ali, como se diz. A meu irmão Lorenzo enviei a carta de vossa reverência. Se disseram a vossa reverência em que terra está esse tal homem, talvez conheça ele alguém a quem o possa encomendar. Informe-se de tudo, e escreva-me de novo.

Seria bom que com o dinheiro de Beatriz se pagasse a casa, pois ela contribuiu, se não me engano, para nos fixarmos aí. Sempre diga a Gabriela que me avise de como vão as coisas em Paterna, para poupar a vossa reverência o cansaço. Não é de maravilhar que não estejam muito sossegadas. Pergunte a meu Padre se não seria bom Margarida ir ficar com elas; sim, pois me parece estão muito sozinhas, e ela terá ânimo para isso. Creio que já poderia fazer profissão, conquanto não esteja certa de quando tomou o hábito. Se alguma lá caísse doente, seria muito desagradável; e quanto a vossa reverência, não lhe faltarão Irmãs conversas. Esteja Deus na sua alma. Amém.

É dia de Santa Luzia.

De vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Pela carta inclusa, verá como está passando a Priora de Malagón; é do médico.

Leias essas outras duas cartas, das quais uma, dirigida a S. Francisco, vai aberta para que vossa reverência evite o que recomendo a ela não fazer, e a feche em seguida. Se o Padre Prior lhe entregar as estampas, não tomar alguma, que ele aí lhes dará quantas quiser.

Sobrescrito: Para a Madre Priora María de S. José, carmelita.

Carta 150

A um benfeitor de Toledo

Toledo, 16 de dezembro de 1575. A santa diz ter estranhado as coisas que ele lhe dizia numa carta. Imagens da Virgem e de S. José para as Descalças de Caravaca.

Jesus esteja com vossa mercê e lhe pague o consolo que me dá de todas as maneiras. Asseguro-lhe que certas coisas de sua carta nunca ouvi, nem me passaram pelo pensamento. Seja Deus bendito por tudo. Quanto a seu receio de vir cá, e de haver nisso matéria de confissão, mais me parece escrúpulo que virtude. Muito me descontenta isto da parte de vossa mercê, mas alguma falta sempre havia de ter, porque, em suma, é filho de Adão.

Consolou-me extremamente o ter chegado tão depressa meu Pai S. José, e por ser vossa mercê tão seu devoto. Muito contentes ficarão aquelas Irmãs, que estão ali fora de sua terra e longe de quem as possa consolar; conquanto creia eu, — e é certo, o verdadeiro consolo está bem junto delas. Por caridade, faça--me vossa mercê o favor de mandar tomar-lhe as medidas na altura e largura; e convém que seja sem demora, a fim de se fazer amanhã a caixa. Na terça-feira não será possível, por ser festa, e na quarta-feira de manhã partem os carros.

E não faço pouco em deixar partir assim tão prontamente a imagem de Nossa Senhora, que me deixa grandíssima saudade; por isso, vossa mercê, por caridade, a compense com a que tenciona dar-me no Natal. De bom grado pediremos a Nosso Senhor Boas Festas para vossa mercê e esses senhores. Beije-lhes as mãos por mim, e fique-se vossa mercê com Deus.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

As três fundadoras de Caravaca professarão no dia de Ano-Bom, e será consolo para elas se tiverem lá as imagens.

Carta 151

À Madre María de S. José, Priora de Sevilha

Toledo, 27 de dezembro de 1576, Felicita a Nicolau Dória. Assuntos do convento das Descalças de Sevilha. Pede confeitos à Madre Priora. Lembranças aos conhecidos.

Jesus esteja com vossa reverência, filha minha. Vão dar duas horas, e assim não posso alargar-me; digo, duas da noite. Pela mesma razão não escrevo ao bom Nicolau; dê-lhe os Bons Anos de minha parte e diga-lhe que hoje esteve aqui a mulher de seu primo. Quanto ao mosteiro, aquela pessoa continua em seu bom propósito, como ele deixou, mas até chegar a decisão da corte para admiti--lo, como aqui não vem o Pe. Maríano, ficará tudo parado.

Alegrei-me de terem recebido tão boa noviça; recomendem-me muito a ela e a todas. Fiquei contente com as cartas que me enviou, de meu irmão. O que me contraria é nada me dizer vossa reverência sobre sua saúde; Deus lhe dê como desejo. Grandíssima mercê nos faz em dá-la também a Nosso Padre. Seja para sempre bendito! Trouxe-me o almocreve as cartas que vossa reverência envia a Malagón; não sei se trouxe o dinheiro. Grande bobagem seria não aceitar o que lhe dá meu irmão; prouvera a Deus fôsse mais. Fará bem de mandar-me os confeitos de que falou; se são tão bons, gostaria de tê-los para certa necessidade.1

Estou com saúde, embora nos últimos dias antes do Natal tenha passado adoentada, e cansadíssima com a demasia dos negócios. Contudo não quebrei o jejum do Advento. A todas as pessoas que julgar conveniente dê minhas recomendações, especialmente ao Pe. Frei Antonio de Jesus; e pergunte-lhe se fez promessa de não me responder. Também a Frei Gregório me recomendo. Muito me folgo de que tenha o convento o necessário para pagar a contribuição deste ano. Deus dará o demais. Sua Majestade a guarde. Já estava desejando ver carta sua.

É dia de S. João Evangelista.

Eu de vossa reverência,

Teresa de Jesus.

Carta 152

À Madre Brianda de S. José, Priora de Malagón

Toledo, dezembro de 1576. Unidade espiritual das enfermidades. Gastos e dotes de Casilda de Padilla. Enxoval de sua prima Beatriz de Cepeda e Ocampo.1

Jhs

Esteja com vossa reverência o Espírito Santo, filha minha, e dê-lhe neste Natal um grandíssimo amor de Deus para que não sinta tanto o seu mal. Seja Deus bendito! A não poucos parecerá que por andarem com saúde, contentamentos e regalos têm muito Boas Festas, e entretanto serão más para o dia em que hão de dar contas a Deus. Sobre este ponto pode vossa reverência agora estar bem sossegada, que está ganhando nessa cama glória e mais glória.

Muitíssimo é não ter piorado com tão mau tempo; de sentir fraqueza não se admire vossa reverência, pois de tão longa data está passando mal. A tosse deve ser algum resfriado que tenha tido… sem se apurar de onde procede, não é prudente dar remédios… que os médicos daí o digam.

Atualmente não tenho noviça alguma para entrar… as via com necessidade de… seria… tomar uma que está em Medina, que dizem é muito boa; mas já que vossa reverência escreve que se remediará com estes cem ducados, melhor é não tomar nenhuma até que tenham casa.

Estou pasma de a mandarem levantar-se com tal tempo. Por caridade não o faça, seria capaz de matá-la… Até para os gordos e sãos é penoso…

À… minhas recomendações, e faço-lhe saber que anda muita balbúrdia para que a Irmã Casilda faça a renúncia. Escreveu-me D. Pedro2 a este respeito. O Doutor Velásquez, que é com quem me confesso, diz que não podem tecer-lhe a vontade. Enfim, deixei tudo sobre a consciência de D. Pedro; não sei em que vai parar. Querem dar-lhe quinhentos ducados e o gasto com a festa do véu. Veja que enorme despesa para ser levada em conta;3 e, ainda assim, não o querem pagar já. Por certo, pouco deve esse anjo à sua mãe. Pelo sofrimento da menina, que é muito, quisera eu já ver tudo acabado, e por isso a ela escrevo pedindo que, se nada lhe derem, não faça caso.

Escreve-me Beatriz que está boa, e não tem tido trabalho. Vendo que assim o quer vossa reverência, mesmo que estivesse doente parecer-lhe-ia ter saúde. Nunca vi tal coisa… Licenciado diz que ainda pre… pai diz… a outra monja… como hei de… mar agora. Eu estou boa, praza ao Senhor e… o é… vossa reverência bem depressa. Amém.

Era tão pouco o enxoval trazido por Beatriz, que dele me mandaram uma lista. Determinei que tragam ao menos os cobertores e dois lençóis, e alguma roupinha velha para Antonio Ruiz; e até creio: será mais o porte do que o valor. Aqui o pagarei, se assim manda vossa reverência. Os colchões e outras ninharias que pede a irmã dela… se leia, pois não se pode trazer mantas para Frei Francisco meu… Realmente, me contrariou que ande indi… olhando agora se é perfeição pedir, ou não…

Carta 153

A D. Antonio de Sória

Toledo, dezembro de 1574. Uma esmola. Telas de “ervas”, damascos e tecidos de ouro.

Jhs

O Espírito Santo esteja com vossa mercê. Amém. Os cem reais e o demais que o portador de sua carta trazia chegaram-me às mãos. Nosso Senhor guarde muitos anos a quem o envia, com a saúde que Lhe suplico.

O mesmo portador leva a cama, e se está aí o Senhor Sotomayor, rogo a vossa mercê que lhe diga que a mande examinar, para certificar-se de que não sofreu nenhum estrago. Eu vi como foi despachada e tive todo o cuidado, como é justo. Estou bem contrariada de que seja tão ruim esta cidade, e que não se ache em toda ela o que vossa mercê me pede. Procuraram cuidadosamente, por toda parte, como dirá a vossa mercê este bom homem, e não se acharam senão três retalhos que aí vão; e praza a Deus se tenha acertado, porque não foi possível entender um trecho da carta de vossa mercê, em que explicava como haviam de ser. Por aqui, o de melhor qualidade chamamos “erva”; os outros nada valem. Asseguro-lhe: andei escogitando o que poderia enviar-lhe que aí não houvesse, e não achei coisa alguma que faça vantagem. Muito contentamento teria, e será para mim grande gosto, se vossa mercê me avisar se posso servi-lo de algum modo, sem que o entenda o senhor D. Francisco.1

Nosso Senhor tenha a vossa mercê de sua Mão sempre e o faça muito seu.

Serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

Vão sete retalhos: dois de damasco verde e cinco de tela de ouro.

Sobrescrito: Ao Muito Magnífico Senhor Antonio de Sória, meu senhor.

Carta 154

À Madre María Bautista, Priora de Valladolid

Toledo, dezembro de 1576. Sobre o dote de Casilda Padilla e renúncia de seus bens. “Em havendo interesse não há santidade.” A grande perfeição do Pe. Prádanos. Profissão da Irmã Casilda. Mais conselhos acerca dos negócios desta monja.

… Folgar-me-ei de que o deixe, como deixou o demais. Olhe bem como fala com ela sobre tudo isto que lhe escrevo, porque o dirá à sua mãe, e parecerá mal, depois do que escrevi a D. Pedro. Bem poderá dizer-lhe que o deixe sobre a consciência dele; de outro modo não me meteria eu nesse negócio, como é verdade.

Acho graça. O Doutor Velásquez é de opinião que D. Pedro não pode tomá-lo sobre sua consciência; entretanto não faltará, por certo, quem lhe diga o contrário. Há muito quem pense que os da Companhia têm interesse nisso, e há tanto comentário, que eles mesmos acharam bom esse alvitre, fazendo mais caso de minha fama do que vossa reverência, que põe sobre mim tanta responsabilidade. Deus lho perdoe; e ma guarde, e lhe dê bons anos.

Muita questão faço de que não descontente vossa reverência à senhora D. María1; por isso tenha cuidado.

Estamos passando bem. Enviei ao Padre Provincial sua carta, na qual vossa reverência conta como D. María2 já quer que seja a renúncia feita em favor da casa. Não sei o que dizer deste mundo: o certo é que em havendo interesse, não há santidade. Isto me faz desejar aborrecer tudo. Não sei como escolheu por intermediário um teatino, pois esse Mercado o é (segundo me afirma Catarina), sabendo como eles são parte interessada. Prádanos satisfez--me plenamente; tenho-o na conta de homem de grande perfeição. Deus no--la dê a nós; e a eles, seus dinheiros.

A todos me recomendo, particularmente a Casilda; e dê-lhe depressa a profissão; não demore mais, que seria matá-la. Esta sua carta enviarei ao Padre Provincial. Bem imaginava eu que D. María estava à espera da resposta de D. Pedro sobre o negócio. Ando bem desgostosa. Pensa que lho disse? Creio que não; teria escrúpulo de dizê-lo, porque em suma, tendo vossa reverência Prelado, acho melhor não abrir mão sem ouvir seu parecer, e portanto não faça caso do que eu lhe disse, a não ser para ter alguma luz sobre o melhor modo de agir. Também não quisera eu metê-la em dificuldade, que bastantes trabalhos já tem. Escreva sobre tudo isso ao Pe. Mestre;1 e por Arellano, da Ordem de S. Domingo, poderia avisar-me se estão em paz. A senhora D. María providenciará para que ele venha…

Carta 155

A D. Francisco de Salcedo

Toledo, dezembro de 1576. Sobre algumas jovens de Ávila que pretendiam o hábito, e certos negócios dos irmãos da Santa

…essas jovens são muito lindas,… conhecerá bem a filha de R(odrigo),… eu conheço a da Flamenga… Tem boa condição, e fala a verdade… sempre se me agradou. Mas ela pensa se a (le)gítima para a outra e para a pequena… sem outros intentos, e quando… creio, ainda que assim fosse, seria bre(ve).

…de aluguel e, queria eu, fosse perto de S. José, para Lorenzo…, casa de autoridade para Franscisco…, ainda que pouco lavrada; à flamenga…, oratório mas não pequeno…, e deixemo-lo que pouco a pouco, senão que se determinará… e vossa mercê dessas palavras… que eles se pagam. Quando são palavras sem obras… espantar-se-ia do que há nisto… um homem que se irrita não… podem dar de coices, eles não tem… grosseria Pedro de Ahumada, se o… ainda que aproveita pouco, para isso fez… nos néscios de outros bem acondicionados…: isto é ser cristãos …cabeça estes membros… terrível coisa para ele o parecer que… e não há que fazer caso disso…

Carta 156

A D. Diego de Guzmán y Cepeda,2 em Ávila

Toledo, dezembro de 1576. Pêsames pela morte da esposa de D. Diego. Conselhos espirituais.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê, dando-lhe o consolo de que tem necessidade para essa perda tão grande, como neste momento nos parece. Mas o Senhor, que o determina, e nos quer mais do que nós mesmos, fará vir tempo em que entendamos que era esse o maior bem que podia fazer à minha prima, e a todos quantos a ela queremos bem; pois sempre leva a alma no melhor estado.

vossa mercê não imagine ter vida muito longa, pois é curto tudo o que se acaba tão depressa; antes pense bem: não é mais que um momento a soledade em que vai ficar, e ponha tudo nas Mãos de Deus, que Sua Majestade fará o que for mais conveniente. Consolo grandíssimo é ver morte que tão certa segurança nos dá de se tornar vida para sempre. E creia Vossa Mercê que, se agora a leva o Senhor, terão, vossa mercê e suas filhas, maior ajuda estando ela diante de Deus.

Sua Majestade nos ouça, como muito lhe pedimos, e a vossa mercê dê conformidade com tudo o que houver por bem fazer, e luz para entender quão pouco duram, quer os descansos, quer os trabalhos desta vida.

Aí vão dois melões que achei, não tão bons como desejaria.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.

Carta 157

A D. Diego de Guzmán y Cepeda em Ávila

Toledo, dezembro de 1576. Sobre o aluguel de uma casa para seu irmão D. Pedro.1 Condolências pela morte de uma filha de D. Diego.

Jhs

A graça do Espírito Santo esteja com vossa mercê. A carta inclusa escreveu-me o Senhor Ahumada; remeto-a a vossa mercê para que veja o que nela pede e não se descuide de atendê-lo a tempo. Como vossa mercê, com a mágoa em que está,2 pode olvidar, diga-o à senhora D. Madalena3, para que tome à sua conta. Seria muito desagradável, se vossa mercê tomasse a casa, não tendo dela necessidade, ou a deixasse, precisando dela. Dê a D. Madalena muitas recomendações minhas, e diga-lhe que desejo saber também como ela está.

Parece-me que Nosso Senhor quis levar aquele anjinho para a companhia de sua mãe no céu. Seja por tudo bendito, pois, segundo me disseram, andava doentinha. Muita mercê fez Deus a todos, e a vossa mercê em particular, por ter junto de seu trono tantos que o ajudem para os trabalhos que há nesta vida. Praza a Sua Majestade guardar a D. Catarina4, e a vossa mercê tenha sempre de sua Mão. Amém.

Indigna serva de vossa mercê,

Teresa de Jesus.