TEMA II
MÍSTICA E PROFECIA NA VIDA DE MARIA, A MÃE DE JESUS
Os sete aspectos básicos da Mística e Profecia no Carmelo
1. O Chamado 2. Aceitação da vocação 3. Denuncia 4. Anuncio 5. Testemunho 6. Dúvidas e Fraquezas 7. Continuidade | Cada um destes sete aspectos pode ser visto e analisado sob os seguintes sete ângulos, para que apareça sua riqueza para a vida da Família Carmelitana na América Latina e Caribe | 1. Na Bíblia 2. Nos Fundadores e Fundadoras 3. Nos Santos e Santas 4. Na Pastoral 5. Na Comunidade 6. Na história do Carmelo da AL 7. Na várias idades das pessoas |
A Bíblia fala muito pouco de Maria, e Maria, ela mesma, fala menos ainda. Os textos do NT sobre Maria são todos dos evangelhos, menos três: Gálatas (Gl 4,4), Atos (AT 1,12-14), Apocalipse (Ap 12,1-17). Ao todo, a Bíblia conservou apenas sete palavras de Maria:
1ª Palavra: "Como pode ser isso se eu não conheço homem algum!" (Lc 1,34)
2ª Palavra: "Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra!" (Lc 1,38)
3ª Palavra: "Minha alma louva o Senhor, exulta meu espírito em Deus meu Salvador!" Lc 1,46-55)
4ª Palavra: "Meu filho porque nos fez isso? Teu pai e eu, aflitos, te procurávamos" (Lc 2,48)
5º Palavra: "Eles não têm mais vinho!" (Jo 2,3)
6ª Palavra: "Fazei tudo o que ele vos disser!" (Jo 2,5)
7ª Palavra: O silêncio ao pé da Cruz, mais eloqüente que mil palavras! (Jo 19,25-27).
Cada uma destas sete palavras é como uma janela que permite olhar para dentro da vida de Maria e descobrir nela aqueles sete aspectos:
1) Como o chamado de Deus chegava até Maria
2) Como Maria respondia ao chamado e o colocava em prática
3) Como a experiência de Deus levava Maria a denunciar o mal
4) Como Maria anunciava a Boa Nova de Deus aos irmãos e às irmãs
5) Como Maria dava testemunho da presença de Deus
6) Como Maria enfrentava as dúvidas e fazia discernimento
7) Como Maria criava continuidade realizando a sua missão.
Mesmo correndo o risco de algumas repetição, vamos olhar nestes sete espelhos da nossa vida:
1) Como o chamado de Deus chegava até Maria
O chamado de Deus chegava a Maria não em forma de palavras da Bíblia, pois naquele tempo não havia Bíblia nas casas do povo. Só havia Bíblia na sinagoga. Provavelmente, Maria nem sabia ler. Mas ela participava dos encontros da comunidade na sinagoga aos sábados, onde se fazia a leitura orante da Palavra de Deus. Depois, em casa, o povo ruminava a Palavra que tinham ouvido em comunidade e, com ela, procurava iluminar a vida para descobrir nela o chamado de Deus. Eis alguns dos momentos, registrados na Bíblia, que nos deixam entrever como o chamado de Deus chegava até Maria:
1. Através da visita do anjo Gabriel
O anjo Gabriel a saudou: “Ave, cheia de graça, o senhor está contigo!” (Lc 1,28). Maria ficou admirada com esta saudação. O anjo disse para não ter medo e explicou que ela seria a mãe do messias. Maria é realista. Ela confere a proposta do anjo com suas reais possibilidades e diz: “Como pode ser isto, pois não conheço homem!” (Lc 1,34). Novamente o anjo explica. Assim, aos poucos, o chamado de Deus vai se esclarecendo para Maria. Foi assim que ela descobriu o apelo de Deus nas palavras do anjo: conversando e dialogando.
2. Através da notícia da gravidez de Isabel
A visita do anjo Gabriel a Maria é marcada pela necessidade de ajuda a ser dada a Isabel. No início da visita se diz: “No sexto mês” (Lc 1,26), isto é, o sexto mês da gravidez da Isabel. E no fim da visita, se diz que Maria levantou e foi às pressas para a serra da Judéia (Lc 1,39) onde moravam Isabel e Zacarias. Maria ficou três meses com Isabel (Lc 1,56). Maria leu o apelo de Deus na notícia da gravidez da sua prima Isabel, uma senhora já de idade, com parto de risco à vista
3. Através das ordens injustas do império
O recenseamento decretado pelo imperador de Roma (Lc 2,1-5) fez com que Maria e José tiveram de viajar desde Nazaré no Norte até Belém no Sul. Mais de 100 km! Maria, grávida de nove meses, procura estar com José, seu marido, e o acompanha nesta longa viagem. Tempos depois, a matança das crianças de Belém, decretada por Herodes, empregado do império romano, obrigou-os a fugir para o Egito (Mt 2,13-23). Maria sabia descobrir e acolher os apelos de Deus nos fatos da vida, mesmo quando estes eram incômodos e injustos e a faziam sofrer.
4. Através do filho que se perdeu no templo
Voltando para Nazaré, no fim do primeiro dia da viagem, Maria e José descobrem que Jesus não estava na caravana (Lc 2,41-45). Esta situação os obriga a voltar até Jerusalém para encontrar o filho perdido. Foram três dias de busca até reencontra-lo no meio dos doutores (Lc 2,45). Era um apelo de Deus buscar até reencontrar o filho.
5. Através das necessidades das pessoas
Na festa de casamento em Caná, Maria descobre que não havia vinho suficiente para a festa, e toma a iniciativa de encontrar uma solução para o problema. Ela se dirige a Jesus e diz: “Eles não tem mais vinho!” (Jo 2,3). Foi na necessidade do casal de noivos, que Maria percebeu um apelo de Deus.
6. Através do sofrimento do filho
O evangelho de João relata como Maria se mantém em pé perto da Cruz para estar junto do filho (Jo 19,25-27). Jesus pendurado na cruz é um apelo de Deus para Maria. Como Abraão que, em silêncio total oferece seu filho Isaque (Cn 22,1-14), assim Maria em total silêncio oferece seu filho ao Pai.
7. Através da comunidade no Cenáculo
Depois da Ascensão de Jesus, Maria se reúne com os discípulos e discípulas e permanece com eles durante nove dias, rezando, todos unidos no mesmo sentimento, em preparação para a vinda do Espírito de Jesus (At 1,14). Ela percebe e acolhe o apelo de Deus que a convida para viver integrada na comunidade.
2) Como Maria respondia ao chamado e o colocava em prática
Nos capítulos 1 e 2 do seu evangelho, Lucas apresenta Maria como modelo de como as comunidades. devem acolher a Palavra de Deus: ruminá-la e encarná-la na vida; como aprofundá-la e fazê-la crescer; como deixar-se moldar por ela, mesmo quando não a entendem ou quando ela nos faz sofrer. A chave para ler assim estes dois capítulos é dada pelo próprio Lucas nestas palavras de Jesus: “Felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática." (Lc 11,27-28). Vejamos como Maria ouve a Palavra de Deus e a coloca em prática:
1. Lucas 1,26-38: A Anunciação: "Faça-se em mim segundo a tua palavra!"
Depois que o anjo Gabriel esclareceu o significado da proposta de Deus, Maria não teve dúvida e disse: “Eis aqui a Serva do Senhor”. Ela se abriu e permitiu que a Palavra se encarnasse em sua vida. Saber abrir-se, para que a Palavra de Deus seja acolhida e se encarne em nós.
2. Lucas 1,39-45: A Visitação: "Bem-aventurada aquela que acreditou!"
Duas mulheres grávidas, Maria e Isabel se encontram e conversam sobre os dois filhos crescendo em seus seios. Nesta conversa tão comum e tão profundamente humana entre duas futuras mães, as duas experimentam e acolhem a presença da Palavra. Saber reconhecer e acolher a Palavra de Deus nos fatos da nossa vida.
3. Lucas 1,46-56: O Magnificat: “O Senhor fez em mim maravilhas!”
Quando a experiência de Deus é grande a ponto de ultrapassar a capacidade das palavras, então o recurso para expressar o que se vive é o canto e a poesia. Foi o que Maria fez no encontro com Isabel, quando as duas experimentaram a presença de Deus. O resultado é esse canto tão bonito do Magnificat. Saber rezar e celebrar tudo que acontece na nossa vida.
4. Lucas 2,1-20: O Nascimento: "Ela meditava sobre os fatos em seu coração"
Grávida de nove meses, Maria se encontra a caminho de Belém, dá à luz o seu filho numa estrebaria e usa a manjedoura dos animais como berço para o filho. Os primeiros convidados são os pastores, pessoas marginalizados na sociedade daquela época. A Bíblia informa que Maria meditava sobre estes fatos em seu coração (Lc 2,19). Saber ruminar os fatos da vida para poder descobrir neles todo o seu significado para nossa vida.
5. Lucas 2,21-38: A Apresentação: "Meus olhos viram a tua salvação!"
Maria vai ao templo para apresentar seu primeiro filho. Simeão, um senhor de idade, reconhece e acolhe a presença da Palavra de Deus e canta: “Meus olhos viram a tua salvação!” (Lc 2,30). Os muitos anos de vida purificaram os olhos do velho e ele reconhece o apelo de Deus num menino pequeno nos braços da mãe. O mesmo se diga de Ana, a profetisa (Lc 2,38). E Simeão avisa: "Uma espada vai atravessar sua alma". Saber ser fiel à Palavra mesmo quando ela se torna um “sinal de contradição” )Lc 2,34).
7. Lucas 2,39-52: Aos doze anos no templo: "Então, não sabiam que devo estar com o Pai?"
Os fatos fazem sofrer a Maria e ela desabafa: “Meu filho, por que você isto conosco?” Ela não entende a resposta que lhe foi dita pelo filho: “Por que me procurava? Então não sabia que devo estar nas coisas do meu Pai?” (Lc 2,49). É ruminando que ela procura descobrir o apelo de Deus neste fato doloroso da sua vida.
Estes dois primeiros capítulos do Evangelho de Lucas nos fazem sentir o perfume que envolve o nascimento e a infância de Jesus. Neles, o ambiente é de ternura e de louvor. Do começo ao fim, se louva e se canta a misericórdia de Deus que, finalmente, chegou para cumprir suas promessas. E Deus as cumpre a favor dos pobres, dos anawim, dos que souberam esperar pela sua vinda: Isabel, Zacarias, Maria, José, Simeão, Ana, os pastores.
3) Como a experiência de Deus levava Maria a denunciar o mal
1. Através do Cântico na casa de Isabel
No cântico de Maria (Lc 1,46-55) transparece uma consciência muito clara a respeito da situação de opressão em que o povo era obrigado a viver. Como os profetas Maria denuncia a desigualdade social que gera a pobreza, fruto da injustiça dos ricos. Ela diz: “Ele dispersa os soberbos de coração, derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; aos famintos enche de bens, e despede os ricos de mãos vazias!” (Lc 1,51-53). Ela mesma já vive uma amostra do futuro quando diz: “O Todo-poderoso realizou grandes obras em meu favor: seu nome é santo, e sua misericórdia chega aos que o temem, de geração em geração. Ele realiza proezas com seu braço direito” (Lc 1,49-50). Foi o braço direito de Deus que realizou a libertação do povo do Egito. E Maria finaliza dizendo que assim se realizam as promessas de Deus: “conforme prometera aos nossos pais em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre” (Lc 1,55).
2. Através da esperança que suscitou no povo perseguido
No Apocalipse aparece uma mulher em dores de parto, ameaçada de morte pelo dragão. A Mulher, Maria, a mãe de Jesus, simboliza a vida, a humanidade, o povo de Deus, as comunidades perseguidas pelo império romano. Simboliza tudo aquilo que fazemos, as pequenas e grandes lutas do dia-a-dia, para melhorar a situação da vida do povo. O Dragão simboliza o império romano, o poder do mal, a morte e os sistemas políticos e econômicos que oprimem e sufocam a vida.
O Dragão está diante da Mulher para devorar o menino que vai nascer. Luta desigual! Humanamente falando, a vida perde para a morte! Pois, o que pode uma mulher em dores de parto, uma pequena comunidade, um círculo bíblico, uma organização do bairro, contra o sistema neoliberal que hoje domina o mundo e ameaça desintegrar a vida no planeta? Mas Deus tomou posição a favor da vida! Evoca a profecia de Gênesis: “Eu porei inimizade entre você e a mulher, entre a descendência de você e os descendentes dela. Estes vão lhe esmagar a cabeça, e você ferirá o calcanhar deles". (Gn 3,15). A cabeça da serpente vai ser esmagada pela mulher, por Maria, a mãe de Jesus.
Deus intervém e defende o menino, defende a Mulher, defende a vida. O menino é Jesus, a descendência da Mulher (Gn 3,15). Ele nasce, vive, morre, ressuscita e sobe ao céu. Diz o Apocalipse: “Nasceu o Filho da Mulher. Era menino homem. Nasceu para governar todas as nações com cetro de ferro. Mas o Filho foi levado para junto de Deus e de seu trono” (Apc 12,5). Este versículo é a descrição mais breve da vida de Jesus! Uma única frase! A ressurreição de Jesus é o novo começo, a nova criação. Ela revela o poder com que Deus enfrenta a serpente, o Dragão, e protege o seu povo. Este era e continua sendo o fundamento da esperança e da coragem dos oprimidos!
3. Através da “Companhia de Maria” que denuncia toda hipocrisia
Na sociedade patriarcal dos judeus, as genealogias traziam somente os nomes dos homens. Por isso, surpreende o fato de Mateus ter colocado quatro mulheres ao lado de Maria entre os antepassados de Jesus: Tamar (Mt 1,3), Raab (Mt 1,5), Rute (Mt 1,5) Betsabéia (Mt 1,6) e Maria, a mãe de Jesus (Mt 1,16). Quem são estas quatro companheiras de Maria? As quatro são estrangeiras, conceberam seus filhos fora dos padrões normais e não satisfaziam às exigências das leis da pureza. Tamar, uma Cananéia, viúva, se vestiu de prostituta para obrigar Judá a ser fiel à lei e dar-lhe um filho (Gn 38,1-30). Raab, Cananéia, era uma prostituta de Jericó. Ela ajudou os israelitas a entrar na Terra Prometida e professou a fé no Deus libertador do Exodo (Js 2,1-21). Betsabea, uma Hitita, mulher de Urias, foi seduzida, violentada e engravidada pelo rei Davi, que, além disso, mandou matar o marido dela (2 Sm 11,1-27). Rute, uma Moabita, uma pobre viúva sem futuro, optou para ficar do lado de Noemi e aderiu ao Povo de Deus (Rt 1,16-18). Esta é a “Companhia de Maria”! Pelo seu modo de agir fora dos padrões tradicionais, estas quatro mulheres questionavam os padrões do comportamento da sociedade daquele tempo. Mas suas iniciativas pouco convencionais deram continuidade à linhagem de Jesus e trouxeram a salvação de Deus para todo o povo. Foi através delas que Deus realizou seu plano de salvação e enviou o Messias prometido. Realmente, o jeito de agir de Deus surpreende, faz pensar e denuncia a hipocrisia moralista!
4) Como Maria anunciava a Boa Nova de Deus
1. Colocando-se a serviço de Deus
Esclarecida pelo anjo Gabriel, Maria responde: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Para os pobres daquela época, a missão do Messias e do Povo de Deus não consistia em dominar os outros como Rei, Doutor, Juiz ou Sumo Sacerdote, mas sim em servir como tinha sido anunciado pelo profeta Isaías (cf. Is 41,8-9; 42,1-4; 49,1-6; 50,4-9; 52,13 a 53,12; 61,1-2). É servindo que Maria anuncia a Boa Nova e irradia a presença libertadora de Deus no meio do seu povo. Mais tarde, Jesus dirá: “Eu não vim para ser servido, mas para servir” (Mc 10,45). Aprendeu de Maria, sua mãe.
2. Visitando sua prima Isabel
O desejo de servir caracteriza a vida de Maria e a vida de tantas outras mães e donas de casas no mundo inteiro. Maria sai de casa e anda mais de 100 quilômetros, a pé, para ajudar sua prima Isabel, senhora já de idade que estava grávida e precisava de ajuda na hora do parto (Lc 1,39-41). E ficou com ela três meses, até a hora do parto (Lc 1,56).
3. Ajudando um casal pobre
Na festa de casamento em Caná (Jo 2,1-12), Maria percebe a falta de vinho. Festa de casamento em lugar pequeno como Caná, era festa de todos e de todas. Faltar vinho era fonte de vergonha para os donos da festa. Se faltava vinho era porque os noivos eram pobres. Maria intervém e consegue resolver o problema. Ela anuncia a Boa Nova do amor de Deus através dos seus atos de serviço amoroso aos pobres.
4. Assistindo ao Filho na hora da morte na Cruz
A mesma atitude servidora marca a presença de Maria ao pé da Cruz. Diante do poder romano que decidiu a morte de Jesus, ela não pode fazer nada. Faz o que está ao seu alcance: a simples presença silenciosa junto do filho, sofrendo com ele (Jo 19,25-27). Maior Boa Nova não se pode imaginar.
5. Rezando pela unidade junto com os apóstolos
A comunidade reunida no Cenáculo é a Comunidade Original, a semente da qual vai nascer a igreja no dia de Pentecostes. Sem comunidade em oração não haveria Pentecostes! Lucas insiste em três coisas que marcam esta Comunidade Original e que devem marcar a vida de todas as comunidades, para que possam anunciar a Boa Nova de Deus: (1) viver em comunhão fraterna, (2) perseverar na oração, (3) ao redor de Maria a mãe de Jesus aguardando a vinda do Espírito Santo (At 1,14).
6. Através da leitura simbólica que os primeiros cristãos faziam de Maria
No Evangelho de João, a Mãe de Jesus aparece duas vezes: nas bodas de Caná (Jo 2,1-5) e ao pé da Cruz (Jo 19,25-27). Nos dois casos ela simboliza o Antigo Testamento que aguarda a chegada do Novo Testamento e nos dois casos, ela contribui para que o Novo chegue. Maria é o elo entre o que havia antes e o que virá depois. Ela anuncia a chegada da Boa Nova de Deus.
Em Caná, no meio da festa, o vinho acabou. A observância das leis da purificação, simbolizada pelos seis potes vazios, tinha esgotado as suas possibilidades. O Antigo Testamento, através da Mãe de Jesus, reconhece seus limites e toma a iniciativa, para que o Novo possa se manifestar: "Eles não tem mais vinho!" (Jo 2,3) Jesus responde: "O que há entre mim e ti? Minha hora ainda não chegou!" (Lc 2,4). A hora de Jesus, a passagem do Antigo para o Novo, é a sua paixão, morte e ressurreição (cf. Jo 13,1). A recomendação da Mãe de Jesus aos empregados é o último grande recado do AT. Daqui para frente é Jesus quem vai dar rumo à vida do povo de Deus: "Façam tudo o que ele lhes disser!" (Jo 2,5). Jesus manda encher de água os seis potes vazios e levar ao mordomo que diz ao noivo: "Todos servem primeiro o melhor vinho. Mas você guardou o melhor vinho até o fim!" (Jo 2,10). Onde antes havia água da purificação para os ritos dos judeus, agora tem vinho bom e abundante para a festa do casamento de Deus com seu povo. Era muito vinho! Mais de 600 litros! O que fizeram com o vinho que sobrou? Estamos bebendo até hoje!
Ao pé da Cruz: Jesus entrega o Discípulo Amado à sua mãe, e entrega sua mãe ao Discípulo Amado. A Mãe de Jesus representa o AT. O Discípulo Amado representa o NT, a comunidade que cresceu ao redor de Jesus, o filho que nasceu do AT, a nova comunidade que se forma a partir da vivência do Evangelho. A pedido de Jesus, o filho, o NT, recebe a Mãe, o AT, em sua casa. Os dois devem caminhar juntos. Pois o Novo não se entende sem o Antigo. Seria um prédio sem fundamento. E o Antigo sem o Novo ficaria incompleto. Seria uma árvore sem fruto.
5) Como Maria dava testemunho da presença de Deus
O relacionamento das pessoas com Deus não se vê, não aparece para fora, mas transparece nas atitudes que tomam, nas palavras que dizem e nas coisas que fazem. Transparece nestes sete espelhos da vida de Maria. Tudo é uma manifestação de como Maria dava testemunho da presença de Deus em sua vida. Os sete espelhos mostram como o chamado de Deus chegava até ela e como ela respondia ao chamado e o colocava em prática; como a experiência de Deus a levava a denunciar o mal; como ela anunciava a Boa Nova de Deus aos irmãos e às irmãs; como enfrentava as dúvidas e fazia discernimento; como criava continuidade realizando a sua missão.
1. Transparece no canto do Magnificat
Basta ler e meditar um pouco as palavras do Cântico de Maria para se dar conta de como era profundo o relacionamento de Maria com Deus: “Minha alma proclama a grandeza do Senhor, meu espírito se alegra em Deus, meu salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva” (Lc 1,46-48). É da certeza da presença de Deus em sua vida, que nasce em Maria a humildade de quem reconhece e assume sua dignidade e seu valor: “Doravante todas as gerações me felicitarão” (Lc 1,48).
2. Transparece no silêncio diante de José
Depois que ficou grávida, Maria conservou o silêncio, guardou o segredo de Deus. José não estava sabendo. Ele recebe um aviso do anjo em sonho: "José, filho de Davi, não tenha medo de receber Maria como esposa!" (Mt 1,20). Se José tivesse agido conforme as exigências das leis da época, ele deveria ter denunciado Maria e ela teria sido apedrejada e morta. Mas a justiça de José era maior que a justiça dos escribas e fariseus (cf Mt 5,20). Por ser justo (Mt 1,19), ele não obedeceu às exigências das leis de pureza. Sua justiça levou-o a defender a vida tanto de Maria como de Jesus.
3. Transparece nas palavras ao menino Jesus no Templo
"Meu filho, por que você fez isso conosco? Olhe que seu pai e eu estávamos angustiados, à sua procura." (Lc 2,48). Jesus respondeu: "Por que me procuravam? Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?" Mas eles não compreenderam o que o menino acabava de lhes dizer” (Lc 2,48-50). “E sua mãe conservava no coração todas essas coisas (Lc 2,51). Na noite escura da fé, nos momentos do não saber, os místicos experimentam e testemunham a presença de Deus. Foi o que aconteceu com Maria.
4. Transparece no silêncio diante do filho na cruz
“A mãe de Jesus, a irmã da mãe dele, Maria de Cléofas, e Maria Madalena estavam junto à cruz. Jesus viu a mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava. Então disse à mãe: Mulher, eis aí o seu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí a sua mãe. E dessa hora em diante, o discípulo a recebeu em sua casa. (Jo 19,25-27). Basta contemplar esta cena e sentir na atitude de Maria o testemunho da presença de Deus.
6) Como Maria enfrentava as dúvidas e fazia discernimento
Todos e todas temos momentos na vida em que as fraquezas da nossa condição humana se tornam como neblina que dificulta a visão e exige uma atitude de fé para poder continuar andando mesmo no escuro, sabendo que Deus é maior do que a escuridão que nos envolve. Estes momentos são mais freqüentes e mais comuns do que se pensa. Eles aparecem na vida de Maria:
1. No diálogo com o Anjo Gabriel
Na anunciação, quando a proposta do anjo ultrapassa as possibilidades reais da sua pessoa, Maria pergunta: “Como pode ser? Não tenho marido!” (Lc 1,34) O anjo Gabriel esclarece e ela aceita. É no diálogo sincero que Maria faz discernimento e esclarece suas dúvidas.
2. Na romaria diante da perda do filho
Na peregrinação a Jerusalém, ela perde o filho e experimenta o medo e o não saber. Junto com José, ela volta e enfrenta o problema até reencontrar o filho. E ainda pergunta: “Meu filho, por que você fez isso conosco?” (Lc 2,48) Mas. Ela não entendeu a resposta do filho (Lc 2,50). Nem sempre o discernimento é completo, mas é o suficiente para poder caminhar na escuridão da fé.
3. Na iniciativa dos parentes
Quando os parentes souberam que Jesus tinha tanta atividade que não lhe sobrava tempo para comer, eles saíram para detê-lo, porque diziam: Ele enlouqueceu!" (Mc 3,20-21). Foram até Cafarnaum. Ficando do lado de fora da casa onde Jesus estava, mandaram chamá-lo. Havia uma multidão sentada em torno dele. Disseram-lhe: "Eis que tua mãe, teus irmãos e tuas irmãs estão lá fora e te procuram. Ele perguntou: "Quem é minha mãe e meus irmãos?" E repassando com o olhar os que estavam sentados ao seu redor, disse: "Eis a minha mãe e os meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe!" (Mc 3,31-35). Marcos diz que Maria estava junto com os parentes que queriam levar Jesus de volta para Nazaré. Não sabemos qual foi o sentimento de Maria. De qualquer maneira, o discernimento que os parentes queriam fazer, não teve o resultado que eles esperavam, pois Jesus não concordou e não voltou com eles para Nazaré. Fatos assim ajudam a amadurecer e a melhorar o discernimento que se busca.
4. Na palavra do velho Simeão
No templo, Maria ouve o velho Simeão dizer que uma espada de dor iria atravessar o seu coração (Lc 2,35). Uma palavra dita assim com relação ao futuro faz com que Maria vai ter que viver a vida inteira com a ameaça da espada da dor. Nem tudo se clareia na vida. A escuridão faz parte da natureza e da vida. Metade das 24 horas de todos os dias é luz e metade é escuridão.
5. No grupo das mulheres na Via Sacra
São Lucas fala das mulheres que querem dar apoio a Jesus carregando sua cruz (Lc 23,27). Maria devia estar com este grupo de mulheres. O único discernimento que recebem é a Palavra de Jesus que não tirou a dor nem a Cruz: “Não chorem por mim, mas chorem por vocês mesmas e por seus filhos!” (Lc 23,28).
6. Diante do filho na Cruz
No Calvário, diante do filho pendurado na Cruz, sem nenhum alívio, Maria enfrenta a dor, a fraqueza, o desprezo, a condenação, mas continua em pé, sem esmorecer, e sem dizer uma só palavra. A dor é maior. Seu silêncio vale mais que mil palavras (Jo 19,25-27).
7) Como Maria criava continuidade realizando a sua missão
Cada um dos sete livros do Novo Testamento que falam de Maria, a Mãe de Jesus, traz uma sugestão de como deve ser nossa devoção a ela para que esteja em continuidade com o ensinamento da Bíblia e crie continuidade na nossa maneira de viver e praticar o Evangelho:
1. Carta aos Gálatas: Jesus, nascido de uma mulher, nascido sob a lei (Gl 4,4)
* Dizendo que Jesus é "nascido de uma mulher", Paulo afirma a humanidade Jesus. Ele é igual a nós em tudo, menos no pecado. Dizendo que é "nascido sob a lei", ele afirma que Jesus é judeu, capaz de libertar todos que são escravos da lei e de fazer com que possam receber a adoção filial.
* É importante que a devoção a Maria nos leve a ser humanos como Jesus e comprometidos com os que vivem oprimidos, para que possam libertar-se e viver como filhos na casa do Pai, da comunidade.
2. Evangelho de Marcos: Quem é minha mãe? Quem ouve e pratica a Palavra!
* Marcos mostra como Jesus rompe o círculo estreito da família fechada sobre si mesma e como ele procura abri-lo para ouvir e praticar a Palavra de Deus que cria entre nós a dimensão da comunidade.
* É importante acentuar que a verdadeira devoção a Maria deve consistir em “ouvir e praticar a Palavra de Deus” que cria em nós a necessária abertura para a vida em comunidade.
3. Evangelho de Lucas: Maria como símbolo e imagem da Igreja:
* O documento do Concílio Vaticano II, Lúmen Gentium, faz como Lucas: apresenta Maria integrada na vida da Igreja e não separada como se fosse uma grandeza distinta, à parte.
* É importante que nossas Comunidades saibam apresentar a devoção a Nossa Senhora como parte integrante da fé e não como uma devoção separada do resto.
4. Evangelho de Mateus: Maria na companhia de outras quatro mulheres
* A imagem que Mateus nos apresenta de Maria na genealogia de Jesus é bem diferente da imagem tradicional. Maria aparece em companhia com mulheres marginalizadas pela lei, mas devotadas à causa do bem do povo.
* É importante que nossas Comunidades aprendam a viver a devoção a Nossa Senhora como acolhimento às pessoas marginalizadas que são a Companhia de Maria.
5. Evangelho de João: Maria como símbolo do Antigo Testamento
* Maria aparece como representante das esperanças do AT que se realizam em Jesus. Ela sabe reconhecer os limites das tradições do seu povo e faz com que o povo possa descobrir e acolher a chegada da Boa Nova da presença do Reino de Deus em sua vida.
* É importante que, como Maria, nossas Comunidades saibam reconhecer os limites das tradições e saibam apresentar Jesus como a resposta de Deus para as esperanças do povo.
6. Atos dos Apóstolos: Maria como símbolo da unidade
* Maria aparece como símbolo e fator de unidade. Através da oração e da espera do Espírito ela consegue fazer com que as várias tendências existentes na comunidade aprendam a conviver em harmonia.
* É importante que, nas nossas comunidades, a devoção a Nossa Senhora nos ajude a cultivar a unidade e nos leve a criar formas novas de união e de ecumenismo.
7. Apocalipse de João: Maria como defesa da vida dos perseguidos
* Maria aparece como símbolo da fraqueza na qual se revela o poder libertador de Deus em defesa das comunidades perseguidas pelo império romano (e pelo império neoliberal).
* É importante que nossas comunidades saibam descobrir a força de Deus que se esconde na fraqueza e que saibam arrancar a imagem de Maria da mão dos grandes e devolvê-la aos pequenos.
Maria, a m ãe de Jesus, é a mulher que enfrenta e vence o Dragão, símbolo da luta contra as forças da morte em defesa da vida (Apocalipse 12,1-6). Assim ela aparece nas grandes devoções populares em quase todos os países da América Latina: Nossa Senhora de Guadalupe, Nossa Senhora de Lugan, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora da Conceição Aparecida. A imagem da Mulher em luta contra o Dragão da maldade também chama a atenção para o lugar central que as mulheres ocupam hoje nas Comunidades Eclesiais de Base, nas lutas populares, na resistência do povo. Elas imitam de perto a atitude de Maria. Deste modo, Maria cria continuidade e nos ajuda a realizar nossa missão.