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terça-feira, 25 de junho de 2013

Retiro Carmelitano-eliano



Proposta de retiro feita, a pedido dos superiores carmelitas da América Latina, por Frei Carlos Mesters, DomVital Vilderink, Frei Romualdo Borges de Macedo, Ir. Marlene Frinhani e Ir. Dazir Campos.

I- CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES


1. Antes de ser carmelitana, a vida deve ser 
humana
.

* O retiro deve levar a entender melhor e em maior profundidade o sentido da vida humana e deve levar a pessoa a ser mais humana.

* No início do retiro deve haver uma dinâmica pela qual se fica sabendo qual a compreensão que cada um tem da Vida Humana.

* A vocação carmelitana responde ao mais profundo do “humanum” dimensão constitutivo do ser humano, é a sua dimensão fundamental.

2. As pré-compreensões: ter bem claro a visão de espiritualidade que está na base do retiro

* A visão linear evolutiva (cosmos, anthropos, logos) de Theilhard de Chardin

* A visão tradicional (egresso de Deus, regresso para Deus) que está na base da teologia tradicional e de grande parte da própria Bíblia

* A visão da busca do Centro (“busca-te em mim, busca-me em ti” Teresa d’Ávila) que é mais de acordo com a tradição carmelitana e que será a visão de base na orientação do retiro.

* O arco do retiro é construído em cima da visão da busca de Deus como Centro

* É importante que isto seja claro para o orientador ou orientadora do retiro.

* De vez em quando, ao longo do retiro, esta visão deve ser explicitada, para evitar que se misturem as visões na cabeça das pessoas.


II-O OBJETIVO ESPECÍFICO DE UM RETIRO CARMELITANO

Sabendo aonde se quer chegar, determina-se o ponto de partida e o ponto de chegada do retiro, elaboram-se o itinerário espiritual a ser percorrido e os passos a serem dados. Tendo claro o objetivo, será possível determinar também a dinâmica apropriada, a divisão dos assuntos, o jeito de fazer a oração e as celebrações e a maneira de organizar os dias.

No encontro dos Superiores e Superioras maiores Carmelitas da América Latina, realizado no mês de setembro de 2002 no Rio de Janeiro, foi pedido que o retiro tivesse o seguinte objetivo. A vivência do Evangelho nas comunidades eclesiais de base leva as pessoas a terem uma visão crítica da realidade e faz nascer nelas um compromisso sério com a transformação tanto da própria vida pessoal como da vida comunitária e da vida social. A experiência mostrou que, para uma pessoa poder manter-se firme neste processo de conversão, de mudança e de transformação tanto pessoal como social, é importante ela ter motivações claras e profundas (1) para poder vencer o desânimo, (2) para poder discernir entre as ideologias que muitas vezes tentam camuflar a realidade, (3) para poder agüentar as noites escuras da fé, (4) para poder olhar para alem do fenômeno da secularização; (5) para poder enxergar o sentido da sua vida para além dos limites de tempo e espaço da sua própria vida pessoal, ou seja, para além do seu próprio nascimento e morte.

Com outras palavras, é importante e necessário ter uma espiritualidade profunda, nascida da experiência concreta pessoal e comunitária de Deus e não apenas fruto de raciocínio ou de leituras. O objetivo do retiro é para ajudar as pessoas a iniciar ou a aprofundar dentro de si e do seu próprio centro de vida esta espiritualidade de resistência e de compromisso.

O retiro carmelitano terá que ser uma experiência concreta e prática do lema do profeta Elias: “Vivo é o Senhor em cuja presença estou”, e da atitude de Maria: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Ou seja, deve provocar nos participantes uma abertura cada vez maior para a presença de Deus e para a ação da sua Palavra no “centro” de nós mesmos. Este abrir-se para a Palavra de Deus e esta vivência da presença de Deus possuem dentro de si uma dinâmica própria que leva a pessoa a percorrer um itinerário espiritual em busca de Deus e do seu próprio centro. O retiro terá que ser a vivência deste itinerário.

O objetivo de um retiro carmelitano terá que ser: viver mais intensa e mais conscientemente aquilo que a espiritualidade carmelitana propõe como ideal de vida e que é o ideal de todo cristão: “Viver em obséquio de Jesus Cristo”. Para que um retiro possa alcançar este objetivo é necessário que ele tenha uma dinâmica própria, tirada da Regra e da Tradição da Família Carmelitana. Trata-se de aprofundar a maneira carmelitana de “viver em obséquio de Jesus Cristo”. Tudo deve ser organizado e orientado em vista do objetivo geral: configurar-se a Jesus.

Um retiro não é um curso. Um retiro não tem como objetivo ensinar ou fazer saber algo. Mas sim fazer experimentar algo. Geralmente, nós vivemos imersos no anonimato da massa, do grupo, do nós. Raramente, o nosso eu acorda e se destaca. É importante que isto aconteça durante o retiro. Só fica você frente Àquele que o chamou. É como um holofote que passa por cima da multidão dos carmelitas de toda a história e ele pára e destaca você. De repente, você se descobre como chamado ou chamada por Deus.

Três palavras ajudam a sintetizar o objetivo do retiro, de qualquer retiro: 1. Transfiguração. O retiro deve tornar transparente (transfigurar) o dia-a-dia da nossa vida como carmelitas. A experiência do retiro deve purificar o olhar e revelar uma nova dimensão desta vida. O retiro deve levar a olhar o presente com outros olhos.

2. Re-apropriação. O que foi vivido pelos carmelitas desde 1207 não é terra de ninguém nem herança sem dono. Tem dono! Somos nós! Somos desafiados a dar um destino real a esta herança! Faz olhar o passado com olhos de quem se sente responsável pela herança do Carmelo.

3. Identificação. Redescobrir aquilo que devemos ser como carmelitas e reassumi-lo como nossa Missão e nosso ideal de vida. Faz olhar o futuro com olhos de quem se sente responsável para que esta herança seja colocada realmente a serviço do Povo de Deus.

III-O ITINERÁRIO A SER PERCORRIDO DURANTE O RETIRO CARMELITANO

O itinerário é um só, o mesmo para todos e todas: Seguir Jesus. Mas há muitas maneiras de se percorrer um itinerário. Há muitas escolas de espiritualidade. No retiro carmelitano procura-se percorrer este itinerário segundo a maneira que é própria e característica da espiritualidade carmelitana.

O esboço deste itinerário aparece na Regra, na vida dos santos e santas do Carmelo, nos escritos dos autores espirituais carmelitanos e na tradição das práticas espirituais da Família Carmelitana. Aparece sobretudo na vida do profeta Elias e de Maria, cujo testemunho e exemplo inspiraram a espiritualidade carmelitana desde o seu começo.

1. O itinerário espiritual segundo a tradição carmelitana

O retiro inaciano está baseado na descrição que Santo Inácio fez da sua experiência de trinta dias na gruta de Manresa. Nestes trinta dias, ele percorreu um caminho, cujos frutos até hoje colhemos nos inúmeros retiros inacianos. A Bíblia descreve o itinerário do profeta Elias, caracterizado sobretudo na experiência dos quarenta dias no deserto. O profeta percorreu um caminho, cujos frutos até hoje colhemos na espiritualidade carmelitana. Este itinerário espiritual de Elias foi retomado num dos livros mais antigos da espiritualidade carmelitana, a “Instituição dos Primeiros Monges”. O autor usou o esquema bíblico da vida do profeta para descrever o itinerário espiritual vivido no Carmelo. De maneira sugestiva e simbólica ele apresenta a pessoa do profeta Elias como aquele que viveu por primeiro o ideal de vida da família carmelitana. O retiro carmelitano consiste em refazer o itinerário percorrido pelo profeta Elias. A “Instituição dos Primeiros Monges” começa a descrição do ideal da vida carmelitana com esta frase com que a Bíblia inicia a descrição da caminhada do profeta Elias:

“Sai daqui, vai para o oriente, esconde-te na torrente de Carit, no outro lado do Jordão. Beberás da torrente.Ordenei aos corvos que te levem pão” (1 Rs 17,3-4).

Na tradição do Carmelo, Maria é irmã, mãe e mestra. É modelo de quem caminha na fé, modelo da comunidade. Ela acompanha o irmão e a irmã carmelita e os ajuda a imitá-la na vivência da Palavra. Maria não é um meio para alcançar o fim. Ela acompanha do começo ao fim e mostra o ideal. O itinerário vem do profeta Elias, mas quem inspira e anima é Maria.

2. As três etapas do itinerário espiritual segundo a tradição carmelitana

Os autores espirituais do Carmelo descrevem as etapas deste itinerário em direção a Deus e ao centro da alma. É deles que colhemos o esquema para as três etapas a serem percorridas durante o retiro.


1ª ETAPA: Via da Purificação

"Servir a Deus de coração puro e consciência serena”

O objetivo da 1ª Etapa: Purificação do coração sedento e inquieto. O ponto de partida: 1Reis 17,1-6:

Elias se apresenta ao Rei como aquele que vive sempre na presença de Deus. Confronto com o Rei e com Deus. Em seguida, ele deixa tudo para trás e inicia a sua caminhada em direção a Deus indo para Karit do outro lado do Jordão, onde será alimentado por Deus.

Assuntos específicos

Ver a situação de onde se parte para fazer a caminhada

Fazer a memória da caminhada feita para chegar até hoje

Peregrino do Absoluto: a busca de Deus, a busca do centro

Combater os falsos profetas dentro e fora de nós e o poder da oração


2º ETAPA: Via da descoberta da luz no meio da escuridão da caminhada. “Revestir a armadura de Deus”. O objetivo da 2ª Etapa: Descobrir a luz dentro da noite escura. Ponto de partida: 1Reis 19,1-18 e Lucas 9,28-36:

Elias fica com medo e foge. A animado pelo anjo caminha até a Montanha de Deus, onde entra na gruta. O anúncio da paixão e morte causa crise nos discípulos. A transfiguração de Jesus com Moisés e Elias e a convivência iluminadora com Jesus acontece para ajuda-los a superar a crise.

Assuntos específicos

Analisar de perto a crise de Elias como espelho da nossa crise

A crise leva a uma nova experiência de Deus

Jesus como os primeiros cristãos o viram

A reconciliação e a reintegração que surge da fé em Jesus

3º ETAPA: Via do reencontro transformador. “A justiça é cultivada pela prática do silêncio”

O objetivo da 3ª Etapa: Reintegração ao redor do Centro. O ponto de partida: 2Reis 2,1-18 e 1Reis 21,1-29

Arrebatado num carro de fogo Elias sobe ao céu e deixa o seu manto para Eliseu que continua a ação profética de Elias. Elias sempre foi o homem do Espírito, pronto a anunciar a Palavra, como fica claro no caso da vinha de Nabot. Depois do reencontro com Deus no Horeb, Elias reencontra-se consigo e com sua missão profética.

Assuntos específicos

Aberto para Deus, Elias não opõe resistência à ação do Espírito

Jesus na Cruz: máxima união com o Pai, máxima revelação da Trindade

A história da vinha de Nabot. A profecia que nasce do silêncio

Síntese do retiro feito: rever os marcos da caminhada

IV- Aprofundando os três elementos básicos do retiro carmelitano

* O ponto de partida:

O ponto de partida é bem humano: de um lado, a grandeza e a força do profeta Elias em derrubar as pretensões do sistema do rei Acab com sua ideologia e ídolos falsos e, de outro lado, as suas limitações e falhas, sua fragilidade e falta de visão.

* As etapas da caminhada:

Durante as três etapas do percurso do retiro devem ser vistos e meditados os vários aspectos que marcaram a caminhada do profeta Elias: a sua abertura para a palavra e para o espírito que o ajudavam a superar as falhas e limitações; sua qualidade como profeta como conseqüência da abertura para a Palavra e para o Espírito; sua vida em permanente conflito, conseqüência da atitude profética, e sua maneira de viver o conflito, espiritualidade do conflito; sua vida na presença de Deus, sua mística, sua vida de oração, como ça para agüentar a vida que levava; os critérios que o animavam na sua busca de Deus e que, no momento decisivo, se mostravam insuficientes.

* O ponto de chegada:

O ponto de chegada é o reencontro com Deus que nasce a partir da desintegração de tudo que Elias pensava sobre Deus e que o leva a ver e viver a vida de um jeito totalmente novo e a reencontrar o sentido da sua missão.

V- Especificando mais as etapas a serem percorridas durante o retiro

O ponto de partida: orientar-se, situar-se

O ponto de partida é a luz no horizonte que orienta os passos desde o primeiro momento. É o ideal apontado pelo autor da “Instituição dos Primeiros Monjes”. Ele indica o rumo que o carmelita seguir e onde deve querer chegar: “Sai daqui, vai para o oriente e esconde-te na torrente de Carit, no outro lado do Jordão. Beberás da torrente. Ordenei aos corvos que te levem pão” (1Rs 17,3-4). Logo no início deve ficar bem claro o seguinte: 1. Aonde se quer chegar na vivência carmelitana do Evangelho: viver na presença de Deus para poder chegar ao “centro”. 2. Qual o instrumento que temos: a oração e a Lectio Divina. 3. E quais os modelos que nos acompanham neste itinerário carmelitano para Deus: Elias e Maria.

O ponto de partida é também o lugar onde estão os nossos pés, isto é, a situação existencial de onde se parte em direção ao ideal. E aqui tomamos como modelo os quarenta dias da caminhada do profeta Elias. O seu ponto de partida era o desânimo, o medo, a perda de sentido da vida, o cansaço da luta, a fuga, a deserção, a vontade de morrer. Fugindo da Rainha Jezabel, Elias só pensa em comer, beber e dormir. Deitado debaixo do junípero, ele é a imagem do ser humano limitado, fraco, derrotado, que perdeu o rumo na vida e necessita refazer-se como pessoa para poder continuar a viver. Ele já tinha realizado grandes coisas na vida. Já era profeta havia tempo. Já tinha tido experiências de Javé, o Deus de Israel. Deus já o acolhera e o levara a esconder-se na torrente de Carit, na torrente da Caridade. Mas os acontecimentos, tanto pessoais, como sociais e políticos, influíram nele, derrubaram as suas convicções e revelaram fraquezas que ele não conhecia. Era a hora de uma nova conversão.

Primeiro passo: o itinerário penoso e fecundo pelo deserto

O primeiro passo é a intervenção do anjo que manda levantar e caminhar: “Elias, levanta e come! Ainda te resta um longo caminho!” Anteriormente, a mesma palavra de Deus tinha dito: “Sai daqui, vai para o oriente!” Naquela ocasião, ele teve que deixar a terra, atravessar o Jordão e deixar tudo para trás. Agora, novamente, ele é convidado pelas circunstâncias da vida a deixar tudo, a caminhar, a renunciar, a esquecer e esvaziar-se para Deus, “Vacare Deo”. É a via purgativa do homem exterior, a via da purificação, do confronto e da revisão. Orientada pelo anjo e sustentada pela comida da oração, a pessoa decide levantar-se e inicia a Subida do Monte Carmelo. Vence o medo da noite e começa a caminhada em direção ao Monte Horeb, a Montanha de Deus. É ao mesmo tempo a caminhada em direção a si mesmo, para dentro do seu próprio interior, para encontrar a Deus na raiz do seu próprio ser, onde existe a . É ainda a caminhada em direção ao irmão e à irmã, pois Deus só se encontra é no próximo, na fraternidade: “Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, estarei no meio”.

Nesta longa caminhada pelo deserto não há nada que possa distrair. Tudo é seco, sem vida. O que sustenta e guia o caminhante é a luz escura que lhe vem do ponto de chegada, lá da Montanha de Deus. A caminhada é como os 40 anos que o povo passou no deserto: é o tempo necessário para refazer a história, refazer a pessoa desintegrada, reencontrar a vida, reencontrar-se a si mesmo, beber do próprio poço e redescobrir a luz da presença da Deus na escuridão da noite, perceber algo da presença de Deus no centro mais profundo de si mesmo. São os 40 dias que Jesus passou no deserto preparando-se para a sua missão e enfrentando a tentação do demônio com a luz da Palavra de Deus. São os 40 anos da longa gestação da Regra do Carmo no bojo da história do grupo fundador da Família Carmelitana, de 1207 quando Alberto redigiu a forma de vida, até 1247, quando o Papa Inocêncio aprovou a Regra do Carmo. Ao longo deste penoso e fecundo caminhar, o caminhante se sustenta pela oração, que lhe dá força.

Segundo passo: a experiência de Deus na Montanha Horeb

Elias se esconde na gruta. Na primeira chamada, ele se escondera na torrente Carit, na caridade. Era o amor que o sustentava, e o sustenta novamente. Sem a força do amor não seria capaz de agüentar tanta dureza. Apesar da escuridão, a via é iluminativa; é a descoberta da luz no meio da escuridão da caminhada. Pois, na medida em que se tem a coragem de caminhar na noite, descobrem-se luzes novas, diferentes. É a Brisa Leveque revela a nova presença de Deus, diferente dos sinais antigos da tempestade, do raio e do terremoto. O caminhante vai meditando sobre a vida e sobre o passado. Vai descobrindo os caminhos de Deus. Vai se enchendo de zelo pela causa do Senhor.

É no Monte Horeb que Deus se revela de maneira nova. Elias consegue sair da gruta em que se escondia. Descobre que não é ele quem defende a Deus, mas é Deus quem o defende! Redescobre a presença gratuita e exigente de Deus em sua vida. Como na primeira vez, ele 
bebe
 novamente da torrente. Como no primeiro êxodo, ele recebe alimento no deserto e experimenta a doçura da presença de Deus. Os olhos se abrem e ele descobre que Deus está mais presente do que ele imaginava. Ele não é o único a lutar pela causa de Deus! Há mais de 7000 pessoas que continuam fiéis a Deus!

Terceiro passo: redescoberta da Missão e retomar o caminho

Como fruto desta longa caminhada o coração do caminhante se unifica e se torna a morada de Deus. O coração está indiviso e puro, ele chegou no seu centro, a consciência está em paz. “Coração puro e consciência serena”. Nesta Noite Escura ele sai sem ser notado, tendo como luz a escuridão que ilumina mais que o sol do meio dia. E ele canta o amor de noivado. É a via unitiva do reencontro transformador. A chama o penetra de tal maneira que madeira e fogo são uma coisa só. “Ó noite que guiaste mais que a alvorada! Amada no amado transformada!”

O ponto de chegada

O ponto de chegada do itinerário espiritual ou fruto desta longa caminhada é a nova descoberta da missão, é a contemplação que percebe Deus em todas as coisas da vida, da natureza, da história. É a transfiguração ou a transparência das coisas da vida presente. É a re-apropriação das coisas do passado. É a identificação com a missão que faz olhar para o futuro.

Elias alcança a maturidade e pode gerar outros filhos. Como um pai de família, ele deixa a dupla herança, o duplo espírito, para o filho mais velho, que vai continuar a missão. O retiro é a continuação desta missão. Com Maria no dia da ascensão, permanecemos unidos em oração para que também para nós venha o Espírito de Deus, o Espírito de Jesus, invadir nossa vida e empurrar-nos com ânimo redobrado em direção a Deus, aos irmãos e a nós mesmos. Pois Deus só se encontra é no próximo, na fraternidade: “Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, estarei no meio”.

Maria como estrela guia na caminhada

Na espiritualidade carmelitana, Maria, a mãe de Jesus e irmã dos carmelitas, é presença constante e discreta em todos os momentos e etapas desta longa caminhada de Elias. Assim como ela foi presença na vida de Jesus, deve ser presença na nossa vida. Eis alguns aspectos desta sua presença:

* Maria como discreta e sofrida presença na vida de Jesus (Marcos)

* Maria e a sua companhia tal como transparece na genealogia (Mateus)

* Maria como modelo da comunidade que se alimenta na Palavra (Lucas)

* Maria como símbolo da vida (AT), aberta para o novo (NT) (João)

* Maria como imagem dos que lutam pela vitória da vida (Apocalipse)

* Maria que tem consciência crítica da realidade (Magnificat)

VI- Especificando mais as etapas a serem percorridas durante o retiro

Para que, durante o retiro, se possa percorrer este itinerário com suas etapas e alcançar o ponto de chegada, alguns elementos básicos não poderão faltar nas meditações a serem feitas para os “retirantes”. São como que postes que sustentam o fio da caminhada. Poderão haver outros possíveis assuntos opcionais, mas estes básicos não poderão faltar. São os seguintes:

1. A busca de Deus

A busca de Deus como aspiração básica da vida humana e como disposição sincera de quem vai fazer o retiro; busca de Deus que se reflete na busca da justiça, da fraternidade e da paz

2. Deus é Jesus

Quem quer buscar Deus deve buscá-lo em Jesus, deve viver em obsequio de Jesus Cristo, pois Jesus é a revelação de Deus para nós.

3. O caminho até Deus

O caminho da busca passa pelo deserto com suas crises e noites escuras, enfrentadas pela oração: o deserto de Elias, a noite escura de Maria ao pé da Cruz,

4. O lugar do encontro com Deus

O lugar do encontro com Deus e com Jesus se realiza é no próximo e na comunidade: sem vida fraterna comunitária não é possível viver plenamente a fé em Jesus.

5. A redescoberta da missão

A busca de Deus se expressa e se concretiza na missão redescoberta de serviço, de profecia, de contemplação no concreto da vida.

VII-Esquema de um retiro carmelitano de seis dias


1ª ETAPA.

“Servir a Deus de coração puro e consciência serena”. Via da Purificação


O objetivo da 1ª Etapa: Purificação do coração sedento e inquieto

1. A atração do chamado provoca a busca

2. O desejo de ir em busca de Deus leva a deixar para trás o que não serve para a caminhada


1º DIA: O PONTO DE PARTIDA:

1Reis 17,1: Elias se apresenta ao Rei como aquele que vive sempre na presença de Deus. Confronto com o Rei e com Deus.

1ª Meditação.

Ver a situação de onde se parte para fazer a caminhada

Fazer com que a pessoa se dê conta onde estão os seus pés em dois níveis importantes da sua vida: 1) O nível do engajamento familiar e social; 2) O nível do relacionamento com Deus: qual a imagem que se faz de Deus e como a fé em Deus influi na sua vida. A pessoa ver como estes dois níveis se entrelaçam entre si ou se existe uma dicotomia entre os dois.

2ª Meditação.

Fazer a memória da caminhada feita para chegar até hoje

Fazer com que a pessoa faça uma retrospectiva da sua própria vida e procure ver onde e como a fé em Deus o marcou. Lembrar que os primeiros carmelitas “viviam em obséquio de Jesus Cristo” e procuravam ser contemplativos, porque experimentaram em algum momento da sua vida que foram contemplados por Deus. Cada um verificar como e quando se sentiu contemplado. Para ajuda podem servir os textos de 2Tim 1,3-5; 3,14-17; e Fil 3,4-14.


2º DIA: A ARRANCADA INICIAL:

1Reis 17,2-6: Elias deixa tudo para trás e inicia a sua caminhada em direção a Deus indo para Karit do outro lado do Jordão, onde será alimentado por Deus.

1ª Meditação.

Peregrino do Absoluto: a busca de Deus, a busca do centro

Aproveitar do comentário da “Institutio” deste texto de 1Reis 17,2-6 para ajudar a perceber a necessidade da renúncia para se poder iniciar a caminhada, mas renúncia que nasce do desejo imenso de estar com Deus que atrai e chama e como sendo renunciar por renunciar ou por serem as criaturas coisas más. A busca do Centro é o eixo do retiro e o centro da caminhada. Mostrar a partir do itinerário de Elias que a caminhada provocada em nós pela palavra que chama continua sempre, sem descanso.

2ª Meditação.

Combater os falsos profetas dentro e fora de nós e o poder da oração

A partir de 1Reis 18, mostrar que a caminhada em direção ao Centro , em direção a Deus, implica em luta contra as falsas imagens de Deus que vamos descobrindo tanto fora de nós, na sociedade, como dentro de nós mesmos, nas nossas atitudes e aspirações. Neste mesmo texto transparece a importância da oração tanto para fazer descer o fogo do céu como para fazer descer a chuva. Acentuar a presença de Maria no comentário que os Carmelitas fazem da nuvenzinha que traz a chuva benfazeja.


2º ETAPA. “Revestir a armadura de Deus”. Via da descoberta da luz


O objetivo da 2ª Etapa: Descobrir a luz dentro da noite escura

1. Desde o primeiro momento da caminhada em direção a Deus, a luz de Deus já está presente e faz sentir a sua presença em forma de escuridão. Faz descobrir que as idéias que tínhamos sobre Deus não são Deus. Aí escurece tudo.

2. O objetivo desta segunda etapa é experimentar as noites na vida e, aos poucos, ir descobrindo que existe luz dentro dessa noite, luz mais forte que aquela com que nos orientávamos anteriormente.

3. A Regra do Carmo fala da necessidade de revestir a armadura de Deus que consiste no controle dos sentimentos e dos pensamentos e no exercício da fé, esperança e a caridade. A única arma ofensiva é a espada da Palavra de Deus.


3º DIA: A ENTRADA NA ESCURIDÃO DA GRUTA

1Reis 19,1-10: Elias fica com medo e foge. A animado pelo anjo caminha até a Montanha de Deus, onde entra na gruta.

1ª Meditação.

Analisar de perto a crise de Elias como espelho da nossa crise

Ver em que consistia a crise de Elias: medo, fuga, desânimo, vontade de comer, beber e dormir, falta de visão das coisas, visão deficiente de Deus. Ver também as noites escuras dos santos e santas carmelitas: João da Cruz, Edith Stein, Tito Brandsma, Teresinha, Teresa de Ávila, e tantos outros. Analisar de perto alguns aspectos das noites que hoje acontecem no dia a dia da vida das pessoas. Fazer perceber que nesta escuridão existe a luz de Deus.

2ª Meditação.

A crise leva a uma nova experiência de Deus

Analisar de perto o texto de 1 Reis 19,11-14, onde se descreve como Elias teve a experiência do Absoluto que é totalmente diferente de todas as imagens e idéias que possamso ter de Deus. Deus se faz presente na Brisa Leve, isto é, na ausência de todas as vozes. Rasga-se o véu que impedia o encontro. Introduzir aqui a experiência que Jesus tem do Pai. Deixar perceber que no fim deste terceiro dia e no começo do quarto dia estamos atingindo o ponto alto da caminhada do retiro.


4º DIA: A CONVIVÊNCIA ILUMINADORA COM JESUS

Lucas 9,28-36: O anúncio da paixão e morte causa crise nos discípulos. A transfiguração de Jesus com Moisés e Elias acontece para ajuda-los a superar a crise

1ª Meditação.

Jesus como os primeiros cristãos o viram

Em Jesus, Deus se faz presente de maneira nova. Na convivência com Jesus esta nova experi6encia de Deus se irradia e se concretiza numa nova maneira e conviver. Jesus usa toda uma pedagogia para ajudar os discípulos e as discípulas a fazer a conversão, a tirar de dentro de si a imagem antiga de Deus e revestir-se da imagem nova. Os três títulos mais antigos de Jesus, conservados pelos primeiros cristãos mostram como eles viram a revelação de Deus em Jesus e qual o caminho Jesus abriu para eles poderem voltar para Deus, para o Centro: Filho do Homem, Servidor e Redentor.

2ª Meditação.

A reconciliação e a reintegração que surge da fé em Jesus

O efeito imediato da nova experiência de Deus tal como nos foi revelada por Jesus é o novo tipo de relacionamento entre as pessoas. Surge a fraternidade como sinal profético da nova experiência de Deus e como fruto da reconciliação. Se Deus é Pai e Mãe, nós devemos ser irmão e irmã uns dos outros. Daí nasce a necessidade de acolher os outros como irmão e irmã, de perdoar não sete vezes como Pedro queria, mas setenta vezes sete.


3º ETAPA. “A justiça é cultivada pela prática do silêncio”. Via do reencontro transformador


O objetivo da 3ª Etapa: Reintegração ao redor do Centro

1. Depois que iniciou a caminhada, deixou para trás o que não servia para o encontro com Deus, depois de ter passado pela noite escura e de ter descoberta dentro dela a nova luz da presença de Deus, a pessoa se reencontra com o Centro, com Deus.

2. O reencontro com Deus, com o centro, tem um efeito integrador e transformador na pessoa que faz essa experiência. Ela se reencontra consigo, com os outros, com o cosmo, com a realidade que a envolve, com a natureza, com a própria missão.


5º DIA: AGUARDAR COM MARIA A DESCIDA DO ESPÍRITO

2Reis 2,1-18: Arrebatado num carro de fogo Elias sobe ao céu e deixa o seu manto para Eliseu que continua a ação profética de Elias

1ª Meditação.

Aberto para Deus, Elias não opõe resistência à ação do Espírito

Desde o início, o Espírito tem franca entrada na vida de Elias. Ele era conhecido como o homem aberto para a ação imprevisível do Espírito. Superada a crise que o levou até o Monte Horeb, Elias se torna mais transparente para o encontro transformador com Deus, simbolizado no arrebatamento num carro de fogo para o céu. Ele vai e deixa o seu duplo espírito com Eliseu que deve continuar a missão profética. O mesmo acontece com Jesus que deixa o seu Espírito para nós. Unidos entre si com Maria, os discípulos aguardam a vinda do Espírito Santo.

2ª Meditação.

Jesus na Cruz: máxima união com o Pai, máxima revelação da Trindade

Morrendo na Cruz, Jesus grita: “Eli! Eli! Por que me abandonaste?” Assim ele morre. A paixão de Jesus na Cruz é a máxima revelação da trindade e é também a máxima união de Jesus com o Pai. Jesus e o Pai: o Pai é a grande realidade na vida de Jesus. Pela sua obediência Jesus se tornou a revelação do Pai e a manifestação do Reino. Maria, ao pé da Cruz, em total silêncio, acompanha Jesus nesta missão. A máxima união do discipulado: Seguir, Servir, Subir


6º DIA: A REDESCOBERTA DA MISSÃO PROFÉTICA

1Reis 21,1-29: A vinha de Nabot. Depois do reencontro com Deus no Horeb, Elias reencontra-se consigo e com sua missão profética.

1ª Meditação.

A história da vinha de Nabot. A profecia que nasce do silêncio

Elias reencontrou-se consigo e com a sua missão. Houve o confronto entre o Rei e Nabot. O rei transgride a lei e o projeto de Deus. Nabot procura ser fiel ao projeto de Deus para o povo.Por causa da sua fidelidade ele é eliminado pela infidelidade do rei e da rainha. Neste momento, a profecia desperta em Elias e ele se coloca do lado da causa da Nabot, contra o Rei e a Rainha. No fim do retiro cada um deve procurar reordenar sua vida ao redor do Centro redescoberto: sua vida pessoal, sua vida familiar e profissional, sua vida como membro da comunidade e como cidadão.

2ª Meditação

Síntese do retiro feito: rever os marcos da caminhada

Nesta meditação final, convém retomar todo o caminho percorrido desde a véspera do retiro, para que os retirantes possam chegar a fazer uma síntese pessoal que os ajudará na caminhada pela vida.

VIII- Os meios os recursos para alcançar o objetivo do retiro carmelitano

1. O motor que empurra a percorrer o itinerário é a oração

A Regra do Carmo recomenda, por bem oito vezes, que o carmelita, a carmelita, medite e ore a Palavra de Deus, tanto sozinho na cela, como em comunidade. Ela pede que a Palavra habite abundantemente na boca e no coração, a ponto de produzir pensamentos santos e de envolver a pessoa em tudo que faz. Tudo deve ser feito na Palavra de Deus. Onde a Palavra de Deus é acolhida, ela produz como resposta a oração que orienta e sustenta no itinerário em direção a Deus. Quando uma pessoa decide responder ao apelo da Palavra de Deus, ela inicia uma longa caminhada sem retorno. Na mesma medida em que ela vai em busca de Deus, este mesmo Deus já se faz presente na vida dela. O efeito da chegada de Deus é a escuridão. A pessoa faz a experiência do deserto, do esvaziar-se. É o caminho da Subida do Monte Carmelo e da Noite Escura. A luz escura da contemplação! Aquilo que empurra e sustenta neste itinerário para Deus é a oração, nascida da fé de que Deus é maior que a escuridão, ou melhor, de que a escuridão é luminosa.

Os autores espirituais do Carmelo descrevem este itinerário espiritual e esclarecem suas etapas, para que a pessoa que nele se inicia não se perca. Explicam como você cresce na oração e como a oração vai se modificando e se aprofundando na mesma medida em que você vai se adentrando neste caminho em direção a Deus.

Por tudo isso, o retiro terá que ser, antes de tudo, uma experiência concreta de oração, uma oficina onde se aprende a rezar, onde você se apropria de um método de oração, o método carmelitano. O método de oração próprio do Carmelo é simples e atrevido: tende diretamente à intimidade com Deus. Quando no Carmelo se fala em perfeição, entende-se a união da alma com Deus. Para alcançar este estado de união com Deus é preciso caminhar na presença de Deus. O retiro terá que ser um tempo em que se dê uma grande atenção à prática da oração de tal modo que leve você a viver continuamente na presença de Deus. Numa palavra, o retiro deve ser uma aprendizagem da oração nas suas várias formas, em que é praticada no Carmelo: leitura orante da Palavra de Deus, oração aspirativa, oração comunitária, etc.

2. Especificando e completando os recursos a serem usados

1. Leitura Orante da Bíblia

A Leitura Orante da Bíblia deve ser a espinha dorsal do retiro, pois é nela que a Regra do Carmo mais insiste. Deve haver uma orientação bem concreta em dois sentidos: no método de como fazer e nos textos bíblicos a serem usados. O assunto dos textos deve estar em consonância com os assuntos da caminhada a ser percorrida durante o retiro.

2. Oração aspirativa

A oração aspirativa caracteriza a oração na espiritualidade carmelitana, pois ela nasce da consciência da presença de Deus e quer conduzir a uma intimidade sempre maior, para saborear a gratuidade da sua presença amiga. Ela deve receber uma atenção especial e a sua prática deve ser um outro eixo importante do retiro. Deve haver momentos especiais para a aprendizagem e a prática desta oração.

3. Oração comunitária

A oração comunitária deve receber uma atenção especial cada dia, pois a Regra do Carmo pede com insistência que se faça oração em comum e que se reúna diariamente no oratório para a celebração da Eucaristia. Será o momento em que se vive a partilha, se experimenta a fraternidade e se exerce a escuta e o diálogo no encontro com o irmão e a irmã.

4. Silêncio

A Regra fala do silêncio como um dos meios para realizar o ideal do Carmelo. O silêncio abre para a relação com o outro. O retiro deve ser marcado pela prática do silêncio como exercício que ajuda a praticar a oração, a recolher a mente, a dilatar o coração, a ter a atenção voltada para Deus, a ter uma atitude de escuta, a ter um olhar benevolente de contemplação. Silêncio de escuta, Silêncio profético, Silêncio Orante, etc.

5. Direção espiritual

O retiro deve ser uma oportunidade para experimentar a importância da direção espiritual e da partilha. No caminho em direção a Deus e ao irmão/irmã é importante ter um guia. Cada participante deve ter alguém que, durante o retiro, o ajude e o oriente a se situar na sua caminhada em direção a Deus. Deve haver momentos de orientação espiritual.

IX- Atitudes, Textos, Dinâmicas, Esclarecimentos

Para que um rio alcance o mar, é necessário cavar um leito. Para que o retiro carmelitano alcance o objetivo proposto, é necessário que se crie um ambiente. O leito por onde corre o retiro não consiste em dar muitas conferências e longas meditações sobre o caminho, mas sim em colocar as pessoas no caminho, pedir que nele andem e dar algumas breves orientações de como andar. Elas mesmas vão ter que percorrer e experimentar as etapas do itinerário em direção a Deus. Para que isto aconteça seguem algumas dicas práticas:

* Sobre a atitude do orientador ou da orientadora do retiro

1.Na maneira de ler e interpretar os textos da Bíblia

* Os textos bíblicos não são meros instrumentos ou provas, mas são como espelhos, onde a pessoa se reconhece e re-conhece a sua própria vida, caminhada e luta.

* São como arquétipos, onde se enxerga o que somos e devemos ser e que lembra o que diz Milton de Nascimento: “Certos canções caem tão bem dentro de mim que perguntar carece por que não fui eu que fiz?”

* Vale a pena lembrar o que disse João Cassiano a respeito da leitura dos Salmos: “Instruídos por aquilo que nós mesmos sentimos, já não percebemos o texto como algo que só ouvimos, mas sim como algo que experimentamos e tocamos com nossas mãos; n\ao como uma história estranha e inaudita, mas como algo que damos à luz desde o mais profundo do nosso coração, como se fossem sentimentos que formam parte do nosso ser. repitamo-lo: não é a leitura que nos faz penetrar no sentido das palavras, mas sim a própria experiência nossa adquirida anteriormente na vida de cada dia” (Collationes X, 11). A vida ilumina o texto, o texto ilumina a vida.

2.Ter uma constante preocupação com relação a estes três assuntos:

* Deve ter sempre presente a visão de espiritualidade da “Busca do Centro” como sendo o critério básico de referência.

* Deve ter uma preocupação constante em usar uma linguagem de acordo com a sensibilidade das pessoas que participam do retiro.

* Deve ter presente na fala, nos olhos, nos pés e na reflexão da realidade concreta do povo com que hoje convivemos e ao qual procuramos servir como testemunhas da Boa Nova de Deus.

* Dinâmicas para todos os dias

1. Abertura do dia com um texto do profeta Elias

2. Marcar o ambiente com alguma imagem de Elias

3. Prática da Oração aspirativa

4. Ter algum momento de partilha (dentro do contexto do retiro)

5. Informar: “Como foi?” para ter momento de explicitação

6. Canto de mantras

7. Síntese pessoal à noite (se possível, por escrito)

8. Silêncio durante todo o tempo do retiro


* Textos para cada etapa

Esta parte deverá ser feita ainda.


* Esclarecimentos a serem dados oportunamente

Além das duas meditações diárias haverá a possibilidade de uma conferência por dia com a finalidade de explicar e esclarecer certos assuntos importantes para o andamento do retiro. Eis uma lista de alguns destes assuntos que poderia merecer uma conferência de meia hora:

1. Explicar em que consiste exatamente a visão de espiritualidade do Centro, para que as pessoas possam perceber o fio da meada durante os dias do retiro.

2. Explicar em que consiste exatamente a ”Oração Aspirativa” como coisa própria e característica da espiritualidade carmelitana, e como fazer o exercício da Presença de Deus.

3. Explicar brevemente como fazer a Lectio Divina e qual a mística que deve animar a Leitura Orante da Palavra de Deus e como fazer os quatro passos que a

4. Explicar qual a atitude cristã frente à Bíblia

X-Dinâmicas específicas para um retiro carmelitano

1. Cada dia:

1. indicar textos bíblicos para a Lectio Divina

2. indicar alguns salmos para a oração pessoal

3. apresentar perguntas-chave para assimilar o assunto do dia e perceber o seu alcance para a vida

4. em dois momentos oferecer aos participantes assunto para a reflexão durante o dia

5. oferecer exemplos do santo ou da santa que praticou o assunto e que pode ser padroeiro do dia

6. ter a possibilidade de oração pessoal e de viver a experiência do vazio, do deserto

7. ter oração em comum em dois pontos fixos: de manhã e à noite, com eucaristia

8. ter algum momento de partilha e de convivência fraterna.

2. Apresentação e seqüência dos assuntos

Não deve ser aula sobre os assuntos a serem meditados, mas sim uma seqüência dinâmica entre os vários assuntos. Não só falar e meditar sobre as coisas, mas também praticá-las e fazê-las acontecer. No fundo, o que importa, não é que se fale sobre os assuntos, mas sim que a realidade indicada pelo assunto possa ser vivenciada pelos participantes, mesmo sem que se fale sobre ela.

3. A participação de todos

Ter uma equipe para ajudar na dinâmica, pois é difícil para um só fazer tudo. Cada participante deve sentir-se responsável para ajudar a criar um ambiente de silêncio, de solidão, de deserto, de fraternidade, de oração.

4. Proposta de horário

7:00 Lectio Divina

7:30 Café

8:00 Louvor da Manhã

9:00 Meditação

10:00 Início do vazio do deserto

o vazio do deserto

17:00 Meditação

18:00 Jantar

19:30 Louvor da Tarde com Eucaristia

21:00 Lectio

5. Explicação da dinâmica do horário

Durante o dia, há dois momentos fortes de Lectio Divina, de oração em comum e de meditação. Na parte da manhã das 7:00 às 10:00 horas e na parte da tarde das 17:00 às 21:00. São como os dois ganchos que sustentam a rede do dia, em cujo centro está o silêncio, o vazio do deserto a ser preenchido por Deus. Os dois ganchos sustentam a gente na hora da crise e ajudam a agüentar o vazio e a dureza do deserto. O vazio do deserto deve ser preenchido por aquilo que é a tarefa básica do carmelita, da carmelita: “meditar dia e noite na lei do Senhor e vigiar em orações”.

XI-Esquema de assuntos para algumas das meditações básicas

Caso o retiro tiver maior número de dias e for necessário abordar e meditar outros assuntos relacionados com o itinerário básico do retiro carmelitano, oferecemos aqui um esquema para algumas das meditações:

1. A Busca de Deus: “Sai daqui e vai para o outro lado do Jordão, Carit!”

2. A Busca de Deus em Jesus: “Ninguém vem ao Pai, senão por mim!”

3. O lugar do encontro com Deus é o próximo: “Era eu!” A fraternidade

4. O Caminho a percorrer: o deserto, as crises e as oportunidades

5. O meio que assegura a travessia: a Oração

6. A Missão redescoberta ao pé do Sinai

7. O Silêncio profético e o significado do trabalho

8. A Leitura Orante da Bíblia, a Atitude correta diante da Palavra de Deus

9. O Carmelo, a hospedaria de Deus:a opção pelos pobres

10. Deus

11. Maria, a estrela guia

12. A esperança é a última que se desfaz

13. Oração aspirativa

14. A caminhada do Profeta Elias

15. Vocação na Bíblia

16. Jesus formador

17. O novo caminho que Jesus abriu para o Pai

18. A Oração na vida de Jesus


XII-Pensamentos Finais

Retiro é:

Re-visão: ver de novo a Deus!

Re-colhimento: colher de novo os frutos da justiça!

Re-flexão: dobrar-se de novo diante da grandeza e ternura de Deus!

Re-forço: forçar de novo a entrada para dentro de si!

Re-conhecimento: conhecer de novo a presença de Deus na vida!

Re-ação: agir de novo a partir do novo começo!

Re-cordação: fazer passar de novo pelo coração toda a vida do povo sofrido!

Re-união: unir de novo a comunidade!

Re-creio: criar de novo a vida como Deus sonhou!

Re-feiçãofazer de novo o percurso da vida

Re-torno voltar de novo às

Re-tiro: tirar de novo água da !


Jesus

re-tirou-se para o deserto, onde foi tentado pelo satanás.

re-tirou-se para o outro lado do lago, onde procurou descansar, mas não deu.

re-tirou-se para o Monte, onde na glória encontrou a cruz.

re-tirou-se para o Horto das Oliveiras, onde entrou em agonia.

re-tirou-se deste mundo para o Pai, como gesto supremo de amor.


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

AS MORADAS ou CASTELO INTERIOR Guia doutrinal

                            



 AS MORADAS ou CASTELO INTERIOR
Guião doutrinal


Eis aqui o terceiro “guião de leitura” para nos acompanhar na leitura anual de Santa Teresa que, de acordo com o programado, este ano vai centrar-se mo Livro d’As Moradas ou Castelo Interior.
Diferentemente de outros anos, desta vez, desta vez só enviamos um guião, o doutrinal. Tomámos esta decisão tendo em vista que muitas comunidades usam para a leitura comum e para a pastoral, as fichas que se publicam na página Web do Centenário, e pareceu-nos melhor concentrar o trabalho nelas e não oferecer outro guião que possa ser de menor utilidade
As comunidades que não disponham de internet ou que não possam aceder a ela frequentemente, podem solicitar aos Superiores Maiores que lhes enviem ditas fichas, ou então pôr-se em contacto com a Comissão do Centenário através da página Web, para que lhas enviemos a uma direcção de correio electrónico (não nos é possível fazê-lo por correio postal).
Empreendamos, pois, juntos, esta viagem apaixonante rumo ao castelo de diamante ou mui claro cristal…
 
Comissão preparatória OCD do Vº Centenário do Nascimento de Santa Teresa
O CASTELO INTERIOR ou AS MORADAS 

de SANTA TERESA.

Mandato de escrever

O livro d’As Moradas ou Castelo Interior de Santa Teresa é habitualmente considerado como a sua melhor obra. Mais do que história, este livro contém biografia, ou melhor, autobiografia. Em diálogo com Graciano, falando do livro da Vida, disse-lhe ele: “Faça memória do que se lembrar e de outras coisas, e escreva outro livro, e diga a doutrina em geral, sem nomear a quem aconteceu tudo aquilo que nele disser”.
Este “outro livro” foi o Castelo Interior. A própria autora, contente com a sua obra, dá a preferência a este – as Moradas, sobre o outro – a Vida. E, usando termos de ourivesaria, embora para ela o livro da Vida seja uma jóia, o Castelo Interior é mais precioso e com mais delicados esmaltes e lavores, ou dito de outra maneira por ela própria: “ A meu parecer, avantaja-se-lhe o que escrevi depois, embora frei Domingos Báñez diz que não está bom; pelo menos tinha mais experiência do que quando o escrevi”.
O mandato de escrever As Moradas veio-lhe de três lados: do padre Graciano, do doutor Velázquez e do “vidreiro” Maior: Cristo Jesus que, por outra parte, era o seu “livro vivo”.
As condições de saúde que a Madre atravessava eram muito penosas, “com ruído e fraqueza tão grande de (cabeça) que mesmo os negócios forçosos escrevo com pena”. A situação da Ordem era de grande risco e a própria Teresa encontrava-se confinada em Toledo, a modo de cárcere. Mas a fortaleza desta mulher dá-lhe o equilíbrio necessário para poder escrever amplamente. E a que levou acabo tantas fundações sem saúde e no meio de tantas contradições, vai agora construir este seu castelo com a mesma força de vontade.
 

Tempo de escritura, autógrafo, destinatárias

A hora da primeira pedra e da última é ela própria quem no-la revela: “E assim começo a cumpri-la hoje, dia da Santíssima Trindade, ano de 1577, neste mosteiro de S. José do Carmo em Toledo, onde estou presentemente” Isto no prólogo. E, na conclusão do livro: “Acabou-se isto de escrever no mosteiro de São José de Ávila, no ano de 1577, véspera de Santo André, para glória de Deus, que vive e reina para sempre sem fim, amen” (7M, conclusão 5).
Um total de seis meses menos dois dias, desde que começou a escrever até que lhe pôs ponto final. Fala-nos, pelo menos duas vezes, da interrupção da escrita, “porque os negócios e a saúde me fazem deixá-lo na melhor altura” (4M 2,1). E noutro lugar dirá: “já passaram quase cinco meses desde que comecei até agora; e, como a cabeça não está para o tornar a ler, tudo deve ir desconcertado, e talvez diga algumas coisas duas vezes” (5M 4,1). Volta ao mesmo manuscrito e termina a obra a 29 de Novembro.
E, concluído o livro, dá “por bem empregado o trabalho, embora confesso que foi bem pouco”. O autógrafo das moradas encontra-se no mosteiro das carmelitas descalças de Sevilha desde Outubro de 1618. Em 1622, foi levado em procissão pelas ruas de Sevilha por ocasião dos festejos pela canonização da autora. E a última e mais prolongada saída do manuscrito até Roma teve lugar em 1961, onde foi devidamente restaurado pelo “Istituto Ristauro Scientifico del libro” do Vaticano e o “Istituto di Patologia del libro” de Itália. Voltou a Sevilha em 1962 e ali se conserva no convento das Descalças, num indescritível estojo relicário: as muralhas de Ávila convertidas em castelo para abrigar e custodiar o autógrafo do Castelo Interior. Esta obra deve-se à ideia e solicitude do então Geral da Ordem, Padre Anastácio Ballestrero
As primeiras destinatárias são as suas monjas, como diz nesta espécie de dedicatória: “JHS. Este tratado, chamado Castelo Interior, escreveu Teresa de Jesus, monja de nossa Senhora do Carmo, para as suas irmãs e filhas, as monjas carmelitas descalças”.
Destinatário da obra é também todo o fiel cristão, candidato à santidade desde o seu baptismo e por ele.

Visita ao Castelo

É a própria autora a que nos vai guiando a partir de uma das suas primeiras confissões. Está com a pena na mão pensando como poderá começar a escrever, e “ofereceu-se-me o que agora direi para começar com algum fundamento. É considerar a nossa alma como um castelo todo ele de um diamante ou mui claro cristal, onde há muitos aposentos, assim como no Céu há muitas moradas (Jo 14,2). Que, se bem o considerarmos, irmãs, não é outra coisa a alma do justo, senão um paraíso onde Ele disse ter Suas delícias” (Prov 8, 31) ” (1M 1,1).
Já, desde aqui, sem nenhuma complicação, compreendemos qual, ou melhor, quem é para ela o castelo interior: a pessoa humana, e vemos como se vai deixando iluminar, por esse par de textos bíblicos, de João e Provérbios.
Para organizar a leitura ou estudo de obra tão importante como esta, para assaltar este Castelo (passe a expressão), publicaram-se já há alguns anos, “um grande trabalho em que se analisam com lupa os núcleos básicos do simbolismo teresiano, os eixos temáticos de cada uma das moradas, o itinerário léxico da interiorização, o caminho para a construção simbólica da própria interiorização” (Monserrat Izquierdo Sorli).
Este tipo de estudo e de leitura não resulta fácil à maioria dos leitores em cujas mãos cai o livro d’ As Moradas. Mais ao alcance da mão estão uns esquemas muito simples, mas muito compreensíveis. Nesta elaboração entram elementos doutrinais básicos, em que se interrelacionam necessariamente os dois protagonistas: Deus e o homem. Deus que vive e actua e Se comunica dentro. O homem (a alma) como cenário e protagonista da aventura espiritual. E a oração, que é a ponte de comunicação entre Deus e a alma. Daqui brota a ideia, o conceito de “moradas”.
Teresa divide a obra do Castelo em sete moradas, mas adverte: “não considerem poucos aposentos, senão um milhão deles” (2M 2,12), e mais claramente: “Embora não se trate senão de sete moradas, em cada uma destas há muitas: por baixo, por cima. Dos lados” (7M conclusão 3).
Prescindindo da compreensão do Castelo em que se encontram e se vêem e se podem visitar e percorrer os diferentes aposentos, estâncias, salas, moradas, devemos ter sempre presente que a alma é a que tem em si mesma as diversas ou diferentes moradas, as leva consigo e é considerada como repartida em sete moradas, sem prejuízo de que essas sete se convertam em setenta vezes sete, quer dizer, em inumeráveis.
Em Fundações 14, 5, encontra-se uma frase que ilumina bem este facto: “Quanto menos tivermos na terra, mais gozaremos naquela eternidade onde as moradas são conforme ao amor com que imitámos a vida do nosso nom Jesus”. Esse mais além tem-no ela bem presente no momento em que começa a escrever: “Onde há muitos aposentos, assim como no Céu há muitas moradas” (1M 1,1). Ouve-se, aqui, o eco da passagem evangélica, embora sem mencioná-la: “Na Casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14,2)
O percurso do Castelo torna-se mais fácil e prazenteiro da mão da autora. Lido devagar o prólogo, o leitor deixe-se levar pelos títulos dos 27 capítulos que compõem o livro. A Santa tem uma habilidade especial para sintetizar nesses epígrafes o que quer dizer. Além disso, como parece certo que os títulos estão escritos depois de redigido o texto, resulta dupla a habilidade sintetizadora e esclarecedora da autora.
Terminada a leitura dos 27 títulos, leia-se com atenção a Conclusão, particularmente os nn. 2 e 3, onde a Madre lança, uma vez mais, critérios de vida e de leitura, que foi semeando ao longo do livro.
Outro método bastante simples para ir fixando na mente a doutrina do Castelo interior consiste em atender à substância bíblica incluída em textos, tipos, personagens, motivos bíblicos.
Como exemplo, pode ver-se, nas Segundas Moradas, onde se encontram: 1. Textos: “Quem anda no perigo, nele perece” (Si 3,26); “ não sabemos o que pedimos” (Mt 20,22); “sem a sua ajuda nada podemos fazer” (Jo 15,5); “a paz esteja convosco” (Jo 2,19.21). 2. Tipos bíblicos: O filho pródigo, perdido e comendo manjar de porcos (Lc 15,16); e os soldados de Gedeão quando iam para a batalha (Jz 7, 5-7. 16,22). 3. Textos e também motivos: “Ninguém subirá ao Pai senão por Mm” (Jo 14, 6); “quem Me vê a Mim, vê Meu Pai” (Jo 14,19).
O fio condutor é bem fácil de seguir e muito útil ao longo de todas as moradas. Não podemos esquecer tampouco uma coisa tão frequente na Santa escritora: o mundo dos símiles, exemplos ou comparações, que, na sua pedagogia, a assemelham tanto ao divino Mestre. Um dos exemplos generalizados é a comparação do castelo: 1M 1,3. Este símile não é exclusivo (nem no seu espírito nem na sua pena) d’As Moradas: também o usou no Caminho (CV 28,9-12; CE 48, 1-4); no Caminho, não usa a palavra ”castelo”, mas “palácio”; no entanto, a substância é a mesma. Outro exemplo de comparação- e acaso a melhor – é a do bicho-da-seda: 5M 2, 1-10.
O tema, ou melhor, a realidade da oração, está presente em todo o Castelo como fio condutor. A presença da oração já a deixa bem claramente proposta em 1M 1,7: “Tanto quanto eu posso entender, a porta para entrar neste castelo é a oração e reflexão, não digo mais mental que vocal; logo que seja oração, há-de ser com consideração; porque naquela em que não se adverte com Quem se fala e o que se pede e quem é pede e a Quem, não lhe chamo eu oração, embora muito meneie os lábios”.
Não podemos perder de vista esta afirmação, contando com a evolução que se vai seguindo: oração rudimentar, como primeiros ensaios; meditação, um simples olhar, estar na presença de Deus; recolhimento infuso, quietude, gostos; oração de união. Deus no fundo da alma; formas extáticas, visões, locuções, êxtases, ferida de amor; ânsias de eternidade; contemplação perfeita. Da conjunção de todos estes elementos que vamos assinalando, bem saboreados, irá surgindo no leitor, além do gosto mental, a compreensão da doutrina teresiana.
Alguém, desde a França, escreveu há tempos, embora não a propósito da doutrina teresiana: “A oração é o primeiro de tudo. Não é o essencial: o essencial é a caridade, que resume em si mesma a perfeição, Deus mesmo. Mas a oração é o primeiro”. Por isso, escreveu José Vicente Rodríguez com toda a razão: “Partindo da realidade da graça e do amor, que fazem que a alma seja agradável a Deus, que seja o paraíso onde Ele Se deleita (1M 1,1), as moradas vão-se convertendo na base do amor, virão a ser os diferentes graus de amor da alma, visto que ”o aproveitamento da alma não está em pensar muito, mas em amar muito” (F 5,2), e também “para subir às moradas que desejamos, não está a coisa em pensar muito, mas em amar muito” (4M 1,7). Este amor não é exclusivo mas inclusivo de outras actividades, outros exercícios, e assim resulta que a alma estabelecida em amor empregar-se-á, por exemplo, no conhecimento próprio e no exercício da humildade: as primeiras moradas (1M 2, 8-9). Dar-se-á também diversificação segundo as diferentes mercês recebidas de Deus (1M 1,3). Isto vê-se bem claro na leitura seguida da obra teresiana, sendo a oração de quietude algo típico e fundante, por exemplo, das Moradas Quartas; das Moradas Quintas a oração de união; das Sextas o desposório espiritual e das Sétimas o matrimónio espiritual”.
Para compreendermos plenamente como leva a Santa toda a sua carga doutrinal, aconselhamos a ler com toda a atenção o último capítulo de todo o livro: (7M c. 4). Aqui, dá a impressão de que a Madre quer aterrar nos fundamentos mais sólidos da vida cristã: o amor fraterno e a configuração com Cristo. O Castelo interior é, sem dúvida, um esplêndido manual de santidade.
Como ajudas e pontos de referência no percurso do Castelo, também resulta útil imprimir na memória alguns pontos nos quais a Madre condensa a doutrina que vai estendendo os seus tentáculos ao longo de todo o livro. Bastarão alguns exemplos: Grandeza, dignidade, capacidade, formosura da alma humana: 1M 1, Presença total, natural e sobrenatural de Deus na alma: 5M 1,10. Consciência teresiana da diversidade de almas:1M 1,3; 5M 3,4. Fabricar cada um a sua morada em Deus: 5M 2, título e corpo do capítulo. Ser de veras espirituais: 7M 4,8. Não ficarem anãos: 7M 4,9. Ser plenamente realistas: 7M 4, 14. Não pôr medida às obras de Deus: 6M 4,12.
E, como capítulo imprescindível sobre Cristo Jesus, deve ler-se 6M 7, cujo título reza assim: “Diz quão grande erro é não se exercitar, por espiritual que seja, em trazer presente a humanidade de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e sua sacratíssima Paixão e vida, e a Sua gloriosa Mãe e os santos. É de muito proveito”. Trata-se de um capítulo paralelo a Vida 22.

Concluindo 

Em 6M 10,3, a Santa surpreende-nos com a identidade e, ao mesmo tempo, com a diversidade que assinala nesta passagem: “Façamos agora de conta que Deus é como uma morada ou palácio muito grande e formoso, e que este palácio, como digo, é o mesmo Deus”. Partindo destas palavras, chega-se imediatamente àquilo de “sede perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito” (Mt 5,48). Aqui, diríamos: sede castelos formosos como o vosso Pai Celestial o é.
O famoso Catecismo holandês apresenta assim aos crentes de hoje esta obra teresiana: “Santa Teresa escreveu um livro em que a alma está representada por um Castelo com sete moradas. Morada após morada, chega-se à sétima onde habita Deus, quer dizer, Cristo. A sua presença percebe-se em todo o Castelo, mas ao chegar a alma ao centro, imersa na própria realidade, sente-se toda invadida pelo sereno sentimento de que Deus está nela. A alma vive dentro da realidade terrena, que se apresenta magnífica aos seus olhos, pois compreende que Deus é o coração inefável de toda a realidade”.
Na Positio para o Doutoramento da Santa, encontra-se, como peça principal, o Relatório do advogado da causa. Para defender a altura da eminente doutrina da santa doutoranda, oferece da seguinte maneira uma espécie de resumo d’As Moradas. 
Esta “é a principal obra teresiana e mesmo – segundo alguns- de toda a mística cristã […]. O livro divide-se em sete partes ou moradas, das quais cada uma tem vários capítulos, excepto as segundas moradas, que tem um único capítulo.
As Primeiras Moradas (2 capítulos) são as almas que têm desejos de perfeição, mas ainda estão metidas nas preocupações do mundo, das quais devem fugir e procurar a soledade.
As Segundas Moradas (1 capítulo) são as almas com grande determinação de viver em graça e que se entregam, portanto, à oração e a alguma mortificação, embora com muitas tentações por não deixarem de todo o mundo.
As Terceiras Moradas (2 capítulos) são para as almas que exercitam a virtude e a oração, mas pondo nisso um amor dissimulado a si mesmas. Precisam de humildade e obediência.
As Quartas Moradas (3 capítulos) são já o começo das coisas “sobrenaturais”: a oração de quietude e um início da união. Os frutos não são ainda estáveis: por isso, as almas devem fugir do mundo e das ocasiões.
As Quintas Moradas (4 capítulos) são já de plena vida mística, com a oração de união que é sobrenatural e dá-a Deus quando quer e como quer, embora a alma se possa preparar. Os sinais verdadeiros desta união é que seja total, que não falte a certeza da presença de Deus e que sucedam tribulações e dores em que provar o amor a Deus. Necessita-se grande fidelidade.
As Sextas Moradas (11 capítulos). Consegue-se uma grande purificação interior da alma, e, entre as graças que nela se dão, totalmente sobrenaturais, estão as locuções, êxtases, etc., grande zelo pela salvação das almas, que leva a deixar a sua soledade. É necessária a contemplação da humanidade de Cristo para chegar aos últimos graus da vida mística.
As Sétimas Moradas (4 capítulos) são o cume da vida espiritual, em que se recebe a graça do matrimónio espiritual e uma íntima comunicação com a Trindade, da que brota espontaneamente uma grande paz em que vive a alma, sendo ao mesmo temo activa e contemplativa. Uma contemplação que não é subjectiva, mas que transcende o homem levando-o a esquecer-se de si e a entregar-se a Cristo e à Igreja”.
Esta espécie de resumo autorizado é como uma apresentação do Castelo no seu conjunto; e vem a ser, ao mesmo tempo, como um convite a ir verificando toda essa estrutura, não de maneira mental ou intelectual, mas vivencialmente, isto é, desde a praxis e experiência cristã, e tudo isso pela mão de Teresa de Jesus, a Doutora da Igreja Universal.  

sábado, 25 de agosto de 2012

O encontro entre Edith Stein e Etty Hillesum


"Que viste no meu rosto?"

Os olhares de duas mulheres extraordinárias cruzaram-se antes de enfrentar o inferno de Auschwitz
Publicamos o prefácio de Lucetta Scaraffia ao livro "Il volto. Principio di interiorità. Edith Stein, Etty Hillesum" (Milano, Marietti, 96 páginas, 14 euros) de Cristiana Dobner, OCD.

"Duas das intelectuais mais interessantes do século XX,  duas mulheres extraordinárias, além do mais tendo em comum o facto de serem judias, deportadas e mortas em Auschwitz, Edith Stein e Etty Hillesum, encontraram-se pessoalmente.

Sabemos que este encontro teve lugar no campo holandês de Westerbork, precisamente antes da deportação para o campo de extermínio. Sabemos isto por uma breve anotação de Etty, que  narra a chegada de duas freiras, «nascidas numa família judia, rica e culta, de Breslau», Edith e a irmã Rosa.

Mas nunca saberemos o que disseram, nunca poderemos assistir à troca de olhares. Partilhamos, com Cristiana Dobner, a certeza que se tenham «reconhecido» pelos seus rostos, aqueles rostos que, escreve a autora, revelam «a singularidade e a individualidade concreta da pessoa».

Existem gêneros literários que simulam encontros nunca realizados, em geral entre o autor e uma personagem que viveu noutros tempos, sem dúvida famoso. Chamam-se «entrevistas impossíveis» e gozaram de grande sorte. Ao contrário, o ensaio de Cristiana Dobner escolheu outro percurso, mais difícil e profundo: imaginar e descrever o que cada uma das duas mulheres viu no rosto da outra.
Sabendo que se trata de rostos que revelavam uma longa reflexão interior, rostos que eram espelho da interioridade, conscientes do significado das relações humanas, rostos que tinham escrito o vestígio de outros encontros que tinham vivido, densos de sentido.

Precisamente repercorrendo o seu pensamento e os encontros importantes tidos, Cristiana Dobner procurou reconstruir o que o rosto de cada uma dissera à outra sem palavras, até só com um olhar. Um olhar que, sobretudo num momento tão dramático, sem dúvida era capaz de  ler dentro, de captar o significado essencial daquele olhar-se recíproco.

O rosto de Edith é reconstruído através de um exame atento das poucas fotografias e sobretudo através das palavras de quantos se encontraram com ela, fielmente recordadas nos autos do processo de beatificação de que a autora dispõe. Uma fonte em geral ignorada, mas muito rica. Alguns destes encontros narrados realizam-se quando Edith está em clausura, portanto só um rosto velado por detrás da grade, e a sua alma se revela pela voz, pelas palavras.

As palavras mais intensas sobre elas são as do amigo sacerdote Eric Pržywara, que descreve «o amor fiel e inabalável ao seu povo e (…) a força que emanava». Confirmando um estilo que, escreve Dobner, «vibra de força clássica, filosófica – na união entre a filosofia fenomenológica de Edmund Husserl, então dominante, e o pensamento de Tomás de Aquino – de força artística, preferindo Bach e Reger e a hinologia da Igreja».

Também Etty, quando encontra Edith, transmite força. Nela a terrível angústia da espera do momento da deportação «inexplicavelmente se torna força de vida  e não debilidade assustadora». O longo e doloroso percurso de Etty é menos intelectual que o de Edith, mais experiencial: o verdadeiro rosto da jovem judia holandesa sobressai graças ao encontro com um original psicanalista quirólogo, Julius Spier, que a conduzirá a um longo e doloroso caminho dentro de si mesma.

Etty é guiada neste percurso por um fio condutor, as palavras que conheceu na Torah «Deus criou o homem à sua imagem», mas sabe que este fio é submetido  a tensões contínuas. Em cadernos, cartas e diários, Etty narra minuciosamente esta sua viagem interior, esta descoberta do seu verdadeiro rosto. Precisamente porque conseguiu compreendê-lo, não leva para o campo retratos de pessoas queridas,  sabe que os seus rostos são conservados nas paredes do seu eu interior, onde os encontrará sempre.

A escolha do rosto como intermediário privilegiado de comunicação, por parte da Dobner, não é casual: a autora está consciente de que o tema do rosto se tornou «o novo e mais nobre discurso filosófico da modernidade», como explicou claramente Emmanuel Lévinas, grande filósofo judeu, que escreveu que o rosto, permitindo o encontro com o outro, abre à ideia de infinito.

«Desta forma instaura-se – escreve Cristiana Dobner – uma relação na qual se procura o outro, mas o sentido profundo não é contido na própria relação mas reenvia mais além». E sem dúvida esta abertura ao infinito estava muito presente na mente e no coração das duas mulheres, quando se encontraram, ambas abertas  à epifania do divino. Talvez o tenham encontrado juntas, mesmo se por poucos instantes, e o seu olhar recíproco foi um dom antes do inferno que estavam para enfrentar."



Autora: Lucetta Scaraffia
23 de Fevereiro de 2012
Fonte: 
http://www.osservatoreromano.va

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Mensagem final dos religiosos e religiosas de Vida Monástica e Contemplativa reunidos em Aparecida



Por ocasião do Encontro Nacional da Vida Monástica e Contemplativa que aconteceu de 16 a 19 de junho próximo passado, os religiosos e religiosas deixaram uma mensagem à Igreja e à sociedade.
Mensagem Final do Encontro Nacional da Vida Monástica e Contemplativa     
(Aparecida (SP), 16-19 de junho de 2012)                                                      
  “Identidade, Mística e Missão”                                                                                      
Nossa pátria é o céu (Fl 3,20)
 
  1. Reunidos em Aparecida, lugar privilegiado da manifestação da fé do povo brasileiro, e onde se pode sentir mais de perto a maternidade carinhosa de Maria, por iniciativa da Conferência dos Religiosos do Brasil e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, com o incentivo e aprovação da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, acolhidos calorosamente pela Igreja Local, expressamos nossa alegria e gratidão por esta oportunidade de comunhão e convívio fraterno, reflexão e partilha de experiências, oração e celebração, que nos foram proporcionados. Vemos em tudo isto a solicitude da Igreja para com nossas famílias religiosas.
  2. Com o tema “identidade, mística e missão” e o lema “nossa pátria é o céu” (Fl 3,20), procuramos aprofundar a compreensão de que somos consagrados para responder ao olhar de amor do Senhor por todos nós: “não fostes vós que me escolhestes, fui eu que vos escolhi” (Jo 15,16). Somos gratos pelo chamado para a vida monástica e contemplativa, partilhado também por leigos que vivenciam nosso carisma na realidade secular. Reconhecemos que nossa fidelidade a Jesus exige sempre e de novo decisão e empenho, dimensões que marcam o povo de Deus que caminha na história, buscando corresponder à vida de cidadãos do céu (cf. Fl 3,20).
  3. Empenhamo-nos por aprofundar a compreensão de nossa vocação particular na Igreja, nossa identidade, mística e missão; o sentido de pertença e fidelidade criativa à Tradição de nossas famílias religiosas, a conservação do próprio patrimônio espiritual, a comunhão como possibilidade de experiência real do amor vivido e sua celebração diária na liturgia; a dimensão comunitária da experiência de fé, a corresponsabilidade no que diz respeito ao “único necessário” (Lc 10,42), cientes de que “nossa pátria é o céu” (Fl 3,20). Desejamos conservar, alimentar e aprofundar o amor, a fidelidade e a devoção filial à Igreja, ao sucessor de Pedro, em comunhão com a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Possamos, com a graça de Deus, receber a força de tornar visível pelo amor fraterno, a unidade da comunhão trinitária que nos abraça e abençoa. Reconhecemos humildemente a presença entre nós de atitudes contrárias às exigências do seguimento radical de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Fl 3, 18-19). Mas também temos a certeza de que Deus escolhe instrumentos frágeis para testemunhar no mundo seu amor (cf. 1Cor 1, 27-28), e acreditamos que Sua misericórdia é grande (1Pd 1,3).
  4. Somos desafiados no cotidiano pelas consequências da mudança de época em que nos encontramos. Isso faz com que os critérios de compreensão, os valores mais profundos, a partir dos quais se afirmam identidades e se estabelecem ações e relações entrem em crise. Sentimos tal realidade influenciando e desafiando nossa forma de vida. Desejamos, portanto, que nosso testemunho discreto e simples de amor vivido em todas as suas manifestações, possa ser resposta oferecida por nossas comunidades religiosas ao mundo. Em especial, com a Igreja, através da participação em seu mistério pascal e da ascese e da solicitude orante pela humanidade, suas necessidades e intenções, acolhendo as angústias e dores, as alegrias e esperanças dos homens e mulheres de nosso tempo.
  5. Confiamos na força do amor (cf. Ct 8,6). Por isso, “com os olhos fixos em Jesus” (Hb 12,1), vislumbramos um futuro mais harmonioso nas relações entre hierarquia e carisma, dimensões constitutivas da Igreja. Incentivamos uma pedagogia de mútua apreciação, desde os seminários e casas de formação, até a criação de espaços de autêntico diálogo e mútua colaboração.
  6. Renovamos nosso compromisso em testemunhar alegremente no silêncio da vida a força da fidelidade a nossos carismas. Por isso, entre expressões antigas e novas de vida monástica e contemplativa, assumimos o desafio de dar continuidade à experiência da gratuidade do amor e da comunhão entre nós e nossas famílias religiosas, vivida nestes dias em Aparecida. Propomo-nos favorecer e fomentar o caminho aqui iniciado, sob as bênçãos da Senhora Aparecida, pois, reconhecemos que da Igreja recebemos a fé e a consagração; e nela, com gratidão e alegria, nos consagramos ao Senhor sem reserva, característica dos adoradores que o Pai procura.