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domingo, 15 de março de 2015

O SILENCIO DE DEUS- PAPA EMÉRITO BENTO XVI

CATEQUESE
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 07 de março de 2012



Em uma série de catequeses precedentes eu falei sobre a oração de Jesus e não gostaria de concluir essa reflexão sem antes deter-me brevemente sobre o tema do silêncio de Jesus, tão importante no relacionamento com Deus. Na Exortação Apostólica Pós sinodal Verbum Domini, fiz referência ao papel que o silêncio assume na vida de Jesus, sobretudo no Calvário: "Aqui somos colocados diante da Palavra da Cruz" (I Cor 1,18). O Verbo se emudece, se torna silêncio mortal, já que se disse tudo até o fim, não deixando nada daquilo que nos deveria comunicar" (n.12) Diante deste silênciao da cruz, São Máximo, o confessor coloca nos lábios da Mãe de Deus a seguinte expressão: "É sem palavra a Palavra do Pai, que fez toda criatura que fala; sem vida são os olhos apagados daquele cuja palavra e gesto move tudo aquilo que tem vida" (A vida de Maria, n.89: textos marianos do primeiro milênio, 2, Roma 1989, p.253).
A cruz de Cristo não mostra somente o silêncio de Jesus como sua última palavra ao Pai, mas também revela que Deus fala através do silêncio: "O silêncio de Deus, a experiência da distância do Onipotente e Pai é etapa decisiva no caminho terreno do Filho de Deus, Palavra encarnada. Junto ao madeiro da cruz, lamentou a dor causada por tal silêncio: "Deus meu, Deus meu, por que me abandonastes?" (Mar 15,34; Mat 27,46). Procedendo na obediência até o extremo hálito de vida, na obscuridão da morte, Jesus invocou o Pai. A Ele se confiou no momento da passagem, através da morte à vida eterna: "Pai, em tuas mãos entrego meu espírito" (Luc 23,46)-(Exort Apost. Pós Sinodal Verbum Domini, 21). A experiência de Jesus na cruz é profundamente reveladora da situação do homem que reza e do cume da oração: depois de ter escutado e reconhecido a palavra de Deus, devemos medir-nos também com o silêncio de Deus, expressão importante da própria Palavra Divina.
A dinâmica de palavra e silêncio, que marca a oração de Jesus em toda a sua existência terrena, sobretudo na cruz, tem a ver também com a nossa vida de oração em duas direções. A primeira é aquela em relação ao acolhimento da Palavra de Deus. É necessário o silêncio interior e exterior para que a palavra possa ser ouvida. E este é um ponto particularmente difícil para nós no nosso tempo. De fato, a nossa época não favorece o recolhimento e ainda às vezes se tem a impressão que exista um medo de destacar-se, mesmo por um instante, do rio de palavras e de imagens que marcam e preenchem os nossos dias. Por isto na já mencionada Verbum Domini recordei a necessidade de educar-nos ao valor do silêncio: "Redescobrir a centralidade da Palavra de Deus na vida da Igreja quer dizer também redescobrir o sentido do recolhimento e da quietude interior. A grande tradição patrística nos ensina que os mistérios de Cristo, são ligados ao silêncio e somente nele a Palavra pode encontrar morada em nós, como aconteceu com Maria, inseparavelmente Mulher da palavra e do silêncio" (n.21). Este princípio – que sem silêncio não se escuta, não se ouve, não se recebe uma palavra –  vale para a oração pessoal sobretudo, mas também para as nossas liturgias: para facilitar uma escuta autêntica, elas devem ser ricas de momentos de silêncio e de acolhimento não verbal. Vale sempre a observação de Santo Agostinho: Verbo crescente, verba deficiunt - "Quando o Verbo de Deus cresce, as palavras do homem diminuem" (Sermo 288,5: PL 38,1307; Sermo 120,2: PL 28,677).
Os Evangelhos apresentam frequentemente, sobretudo nas escolhas decisivas, Jesus que se retira sozinho em um lugar longe das multidões e dos próprios discípulos para rezar no silêncio e viver o seu relacionamento filial com Deus. O silêncio é capaz de escavar um espaço interior de nós mesmos, para fazer habitar Deus, para que a sua Palavra permaneça em nós, para o amor por Ele se enraize na nossa mente e no nosso coração, e anime a nossa vida. Portanto, a primeira direção: reaprender o silêncio, a abertura para a escuta, que nos abre para o alto, à Palavra de Deus.
Existe, entretando, uma segunda importante relação do silêncio com a oração. Não existe, de fato, somente o nosso silêncio para nos dispormos à escuta da Palavra de Deus; geralmente, na nossa oração, nos encontramos diante do silêncio de Deus, provamos quase uma sensação de abandono, nos parece que Deus não escuta e não responde. Ma este silêncio de Deus, como aconteceu também para Jesus, não caracteriza a sua ausência. O cristão sabe bem que o Senhor está presente e escuta, também na escuridão da dor, da rejeição e da solidão. Jesus assegura os discipulos e cada um de nós que Deus conhece bem as nossas necessidades em qualquer momento da nossa vida. Ele ensina aos discípulos: "Orando, não useis muitas palavras como os pagãos: estes acreditam que serão ouvidos com a força das palavras. Não sejais como eles, porque o vosso Pai sabe do que precisais antes mesmo de vós o pedirdes" (Mat 6,7-8): um coração atento, silencioso, aberto, é mais importante que muitas palavras. Deus nos conhece no íntimo, mais que nós mesmos, e nos ama: e saber isso deve ser suficiente. Na Bíblia, a experiência de Jó é particularmente significativa em relação a isso. Este homem em pouco tempo perde tudo: familiares, bens, amigos, saúde; parece até que a atitude de Deus diante em relação a ele seja aquela do abandono, do silêncio total. Mesmo assim, Jó, no seu relacionamento com Deus, fala com Deus, grita a Deus; na sua oração, apesar de tudo, conserva intacta a sua fé e ao final, descobre o valor de sua experiência e do silêncio de Deus. E assim, ao final, voltando-se ao Criador, pode concluir: "Eu te conhecia somente de ouvir falar, mas agora os meus olhos te viram" (Jó 42,5): nós todos quase conhecemos Deus somente de ouvir falar e quanto mais estamos abertos ao seu silêncio e ao nosso silêncio, tanto mais começaremos a reconhecê-lo realmente.Esta extrema confiança que se abre no encontro profundo com Deus é amadurecida no silêncio. São Francisco Xavier rezava dizendo ao Senhor: eu te amo não porque podes me dar o paraíso ou condenar-me ao inferno, mas porque és meu Deus. Te amo porque és Tu.
Chegando à conclusão das reflexões sobre a oração de Jesus, voltam à mente alguns ensinamentos do Catecismo da Igreja Católica: "o evento da oração nos vem plenamente revelado no Verbo que se fez carne e habita em meio a nós. Buscar compreender  a sua oração, através daquilo que os seus testemunhas nos dizem no Evangelho, é aproximar-se do Santo Senhor Jesus como sarça arente: do princípio contemplá-lo enquanto se reza, depois escutar como nos ensina a rezar, por fim conhecer como ele eleva a nossa oração" (n.2598). E como Jesus nos ensina a rezar? No Compêndio do Catecismo da Igreja Católica encontramos uma clara resposta: "Jesus nos ensina a rezar, não somente com a oração do Pai Nosso – certamente o ato central do ensinamento de como rezar – , mas também quando Ele mesmo reza. Deste modo, além do conteúdo, nos mostra as disposições pedidas para uma verdadeira oração: a pureza do coração, que busca o reino de Deus e perdoa os inimigos; a confiança filial, que vai além daquilo que sentimos e compreendemos, a vigilância que protege o discípulo da tentação" (n.544).
Percorrendo os Evangelho, vimos como o Senhor é, para a nossa oração, interlocutor, amigo, testemunha e mestre. Em Jesus se revela a novidade do nosso diálogo com Deus: a oração filial, que o Pai espera dos seus filhos. E de Jesus aprendemos como a oração constante nos ajuda a interpretar a nossa vida, a operar as nossas escolhas, a reconhecer e a acolher a nossa vocação, a descobrir os talentos que Deus nos deu, a cumprir cotidianamente a sua vontade, única via para realizar a nossa existência. A nós, geralmente preocupados com a eficácia operativa e dos resultados que conseguimos, a oração de Jesus nos indica que temos necessidade de parar, de viver momentos de intimidade com Deus, "destacando-nos" do intenso barulho de todos os dias, para escutar, para ir à raiz que sustenta e alimenta a nossa vida. Um dos momentos mais belos da oração de Jesus é exatamente quando Ele, para enfrentar  doenças, desventuras e limites dos seus interlocutores, se volta ao Pai em oração e ensina assim a quem esta à sua volta, onde se encontra a fonte da verdadeira esperança e salvação. Eu já recordei, como exemplo comovente, a oração de Jesus na tumba de Lázaro. O Evangelista João narra: "Tiraram a Pedra. E Jesus, levantando os olhos para o alto, disse: "Pai, eu te dou graças porque me ouviste! Eu sei que sempre me ouves, mas digo isto por causada multidão em torno de mim, para que creia que tu me enviaste". Dito isto, exclamou em voz forte: Lázaro, vem para fora!" (Jo 11,41-43). Mas o ponto mais alto de profundidade na oração ao Pai, Jesus o alcança no momento da Paixão e da morte, no qual pronuncia o extremo "sim" ao projeto de Deus e mostra como a vontade humana encontra o seu cumprimento exatamente na adesão plena à vontade divina e não na contraposição. Na oração de Jesus, no seu grito ao Pai na cruz, se fundem todas as angústias da humanidade de todos os tempos, escrava do pecado e da morte, todas os pedidos e intercessões da história da salvação. E eis que o Pai as acolhe e, além de toda esperança, as eleva ressuscitando o seu Filho. Assim, se cumpre e se consuma o


quinta-feira, 12 de março de 2015

A ORAÇÃO PELA PAZ QUINTA-FEIRA 26 DE MARÇO



ÍNDICE:

- Convocação Do Padre Geral

- As indicações para a celebração
- Proposta para o início da ORAÇÃO


Convocação do Padre Geral
09 de março de 2015 (Communicationes) .-
 P. Saverio Cannistrà, Superior Geral OCD

Queridos irmãos e irmãs,
No dia seguinte, 28 de março completam- se 500 anos do nascimento de Santa Teresa de Jesus. A data tão fervorosamente esperada e tão cuidadosamente preparado ao longo destes  últimos anos em todos os mosteiros, conventos e Comunidades  da Ordem Secular, já está muito perto.

Na homilia do último 14 de outubro, na igreja de “La Santa,” em Ávila, no Missa celebrada na véspera dos atos oficiais da V Centenario, nos imagiva a todos  tentando fazer um presente um presente a nossa Santa Madre Teresa em tal dia importante e reconhecemos que, sem dúvida, o melhor presente é e será sempre a si mesma, Teresa de Jesus.

Dois dias antes de seu aniversário, 26 de março, convido-vos, como filhos e filhas  , para oferecer algo que certamente vai enche-la  de alegria: uma hora de oração!
Um momento especial de oração, em que a intenção de todos será  a paz no mundo. O Mundo arde  em chamas, gritava Teresa  ao ver  os conflitos e divisões que assolavam  a sociedade de seu tempo. Também o nosso mundo queima e arde em chamas  e, às vezes, não somos  sensíveis o suficiente ou não temos a confiança para acreditamos que podemos fazer alguma coisa para apagar esse fogo.

Entretidos , às vezes com as  pequenas coisas em nossas vidas diárias e nos problemas mais imediatos, nos esquecemos de  olhar para cima para ver o horizonte e descobrir os sinais de sofrimento  que apresenta a nossa sociedade: as guerras, os conflitos, o terrorismo, a violência pública ou doméstica,  gritos de dor, em silêncio, mesmo antes de ser pronunciada.

Isso não vai ser um dia em que podemos nos esconder, deixando a solução destes problemas  somente aos  que têm responsabilidade com eles . O 26 de março é um dia para que a  voz de Santa Teresa ressoe  em nossos corações e, com ela, podermos nos determinar a fazer um pouquinho e  nos convencer de que as coisas do mundo não são negócios de pouca importância  para tratar com Deus.

Os anuncio  com alegria que o Santo Padre Francisco, vendo  com bons olhos esta
iniciativa, decidiu dar inicio a  esta hora da oração mundial. A partir desse momento eu convido você a recorrer  à  oração, tendo presente como intenção: A PAZ.
Que em Cristo, verdadeiro amigo, que trouxe ao mundo a reconciliação com Deus, nós levantamos os olhos para o céu suplicando ao pai, o dom da paz, que exige que favorece  o dom da  reconciliação entre os homens: perdoemos e seremos perdoados , nos disse o Senhor.

Abramos nossos corações para perdoar, perdoemos a quem nos tem  ofendidos e implorar para Deus que nos dê a paz.  A paz  que  Jesus nos prometeu, não a do  mundo, mas a que nos enche o  coração de alegria e nos liberta de toda covardia. 

Filhos e Filhas  da Igreja, vivamos  e façamos  intensamente esta iniciativa que o Papa Francisco fez também como  sua, convoquemos  também  todos os crentes, a exemplo, de São João Paulo II , como nos ensinou, em Assis.

Unido a todos irmãos e irmãs em Jesus Teresa.


As indicações para a celebração

09 de março de 2015 (Communicationes) .- Emilio P. José Martínez, OCD Vigário Geral

Queridos Irmãos e Irmãs,

No dia de hoje, o Padre Geral da Ordem do Carmelo Descalço , Saverio Cannistrà, nos convida para Uma Oração pela Paz Global, feitas em Todos os nossos mosteiros e conventos, e   como Comunidades seculares para ser  celebrado no dia 26 de março de 2015.

Como ele mesmo Fr.Saverio indica  a oração começará pelo  Papa Francisco, a quem de a Ordem agradece de coração, o desejo de  capitanear esta iniciativa, unindo a ordem a toda a Igreja. Se trata sem duvida de um formoso presente a nossa Santa Madre.

A Oração Terá Início às  06:00 (GMT). A partir desse momento, como as comunidades e fraternidades poderão começar a oração pela paz no ritmos e forma que   entenderem seja mais  adequado.  Em Alguns países isso poderá ser apropriado de se trocar a oraão pelo dia 27, e não tem nenhum inconveniente nisso. Não é  nescessario
que se façam em todos os lugares na mesma hora. Mas o objetivo é que se faça a oração pela Paz!

Junto deste , vos envio uma sugestão de oração preparado pelo centro Iniciativas de
Pastoral de la Espiritualidad de Burgos (España). Não é de forma vinculativa; apenas um guia, a fim de que se  podem usar as comunidades , se  desejarem.

 Pedimo-vos que, ao longo deste mês,  públiquem esta iniciativa, para que todos que desejarem possam  participar: comuniquem  isso aos bispos diocesanos, o seu  Párocos e  grupos de leigos da Ordem Secular  que participarão e todos os membros da família Teresiana, para que eles possam participar com você em oração e a ajudar a  prepará-los mesmo em outros momentos de oração e celebrações com esta intenção. Seria bom demais que você podesse convidar  a participar as famílias em suas casas, poder juntar-se na hora da oração  pela paz mundial  aos enfermos e aos solitários, para sentirem-se  acompanhados nesse dia em oração.

Como um sinal, durante a hora da oração colocar uma vela em um lugar visível também  do lado de fora (será necessário antes de alguma forma explicar por que Acender essa vela).
De acordo com a Santa Sé, convidamos também este momento de oração para  crentes de outras confissões cristãs e de outras religiões, como o Padre Geral em sua carta. Sempre que possível, nós vos rogamos para ver a maneira de obter os irmãos  Cristãos e membros de outras religiões este convite. Seguindo as indicações  magistério da Igreja e  de acordo com o ecumenismo e do diálogo inter-religioso  diocesano, poderão ser convocadas celebrações ecumênicas e inter-religiosas oportunas.
Que Deus, por intercessão de Santa Teresa, mãe do Carmelo e São José, ouça esta oração que colocamos nas mãos de seu Filho, confiando no Espírito que ora em nosso interior.

Guia de celebração

Proposta para o início da Oração

09 de março de 2015 (Communicationes) .-

(Proposta de S. Padre Francisco, a serem tomadas, sejam feitas  as modificações considerando adequado, como um esquema para o início da oração global para todos lugares)

(No início ou no final da missa em 26  de março, realizado em Santa Marta presidido pelo  Santo Padre, a oração global começa com estas palavras):

Queridos irmãos e irmãs,

A Ordem dos Carmelitas Descalços, frades, freiras e leigos, toda a família Teresiana, Celebra hoje  , juntamente com toda a Igreja, a quinhentos anos de sua fundação,  
Santa Teresa de Ávila, doutora da Igreja.
A pedido do Padre Geral da Ordem, durante a sessão de hoje será realizada uma hora  de  oração pela  paz do mundo em todos os conventos, mosteiros e Comunidades Seculares Carmelitanas. Uno-me a esta alegre iniciativa e começar com estas palavras de oração a Deus, Pai de todos, que por  intercessão de Cristo derramou o seu Espírito sobre todas as nações, para que o  diálogo entre os homens vença a violência e conflitos que assolam nosso mundo. A esta oração convidamos você a se juntar a todos os católicos, cristãos de outras confissões e  também membros de outras religiões e os homens e mulheres de boa vontade.

(Breve silêncio. Propõe-se acender velas)

[O seguinte texto Teresiano pode ser lido pelo Padre ou um leitor / a]:

" O mundo está sendo tomado pelo fogo(...). E vamos perder o tempo em súplicas que, se fossem ouvidas por Deus, talvez levassem a se perder mais uma alma no céu? Não, minhas irmãs; não é hora de tratar com Deus de coisas pouco importantes.
 "(Teresa de Jesus, o caminho da perfeição 1,5).
[Continua o Padre ou um leitor / a]:

O mundo está em chamas este é o grito dolorido de Teresa de Jesus contemplando conflitos, guerras e divisões da sociedade e da Igreja do seu tempo. Hoje também fazemos nosso aquele grito e o apresentamos Jesus como uma oração: Senhor, o mundo está ardendo em chamas!

[Continua o Padre]:
Como Santa Teresa, sabemos que pelas nossas próprias forças não alcaçare. Vamos mantê-lo, coos sozinhos o dom precioso da paz. Aferremos-nos pois com ela á  força da cruz redentora de Cristo: "Oh Meu Senhor e misericórdia minha que maior bem quero eu que estar nesta vida que estar junto a vós?  Que não haja divisão entre mim e ti...Com vossa presença o que pode ser difícil? O que não pode ser feito tendo-vos junto?
 Ao lado da cruz de Jesus, da Virgem Mãe e nossa Mãe Teresa, oremos a Deus para crescer as oportunidades de diálogo e de encontro entre o os homens que  aprendamos a pedir para que a paz  brote no mundo como fruto da  reconciliação, que Ele veio nos trazer.

Oremos:
Senhor nosso Deus, que por teu Espírito suscitou Santa Teresa de Jesus, para mostrar sua Igreja o caminho da perfeição, conceder viver  de sua doutrina  acendei em nós o
desejo de verdadeira santidade, cujo fruto é a reconciliação que leva à paz. Por  nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que vive e reina Contigo e o Espírito Santo, um só Deus,
AMEM! 


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

TERESA , MULHER EM PROCESSO




“…Leia-lhe a última morada, e diga-lhe que
naquele ponto a que chegou aquela pessoa
e com aquela paz que aí está,
e assim se vai com a vida bastante descansada,
e que grandes letrados dizem que vai bem” 

A Maria de São José 8.11.1581 (18)
Fundamentais:
A D. Luísa de la Cerda. Ávila 7.11.1571
MC 38. EDE 34. BAC 36.
A D. Maria de Mendoza. Ávila, 7.3.1572. MC 41. EDE 37. BAC 39
A Ambrósio Mariano. Toledo, 16.2.1577
MC 183. EDE 179. BAC 180
A Maria de São José. Ávila, 8.11.1581
MC 412, EDE 397, BAC 396
A D. Lorenzo de Cepeda (filho). Ávila, 15.12.1581. MC 427. EDE 412. BAC 411

Complementares (sobretudo):
A D. Juana de Ahumada: Toledo, dezembro 1569, ou Ávila, dezembro 1577. MC 23. BAC 24. EDE 216
A Maria Bautista. Sevilha, 28.8.1575
MC 88. EDE 85. BAC 87
A J. Gracián: Sevilha, finais de novembro 1575. MC 96. EDE 92. BAC 94


2. Pistas gerais de leitura e partilha (cf. Ficha 1)

Além da ajuda de uma boa cronologia da santa, atender e anotar:
Que diz Teresa de si mesma? Fixamo-nos no que diz explicitamente e também no que se pode captar de forma implícita: características da sua personalidade que vão aparecendo.
Que diz do contexto e da realidade? Identificamos temas, preocupações, decisões, critérios, conselhos…
Que diz de Deus, da vida espiritual? Também de forma explícita ou de forma implícita.
Claro é sempre importante reparar nas dúvidas e dificuldades ou nas questões que nos tenham surpreendido positivamente, para as retomar e aprofundar, consultar, comentar, partilhar



3. Para refletir, orar… depois da leitura dos textos.

Para o modo de citar as cartas e a forma de aproveitar as sugestões e observações dos pontos seguintes, veja-se o indicado na Ficha 1.

1. Começámos esta secção na ficha anterior pelas relações afetivas com os seus familiares (e tudo o que implicam, incluso a solicitude por os ajudar economicamente) e este novo grupo de cartas também trata dessa dimensão da nossa vida tão fundamental: nada transforma tanto como o afetivo. Assim pois, aparece solícita com o amigo que sofre, ao mesmo tempo que repreende com tato as queixas por supostos esquecimentos e até por ciúmes e demandas de mais atenção: 7.11.1571 (1.6), 28.8.1575 (9.13). Não obstante essas repreensões, que também são parte de uma sã relação interpessoal, de um processo afetivo adulto (as faço, as recebo, se dão no meu contexto ou comunidade…?), voltamos à importância do cuidar das amizades, agradecê-las e manifestar-lhes amor… daí a sua preocupação pelas cartas que se perdem e, portanto, pelos carinhos que não chegam: 28.8.1575 (16).Os cuidamos? Os comunicamos…?

2. Se o afeto com benfeitores e amigos é fundamental, não o é por se tratar de uma concessão a leigos; o amor é a chave no humano e no divino, na vida espiritual em geral (“pois também o quer nosso Senhor”) e das suas comunidades em particular; e não só expresso na oração mútua, mas que “se me quer bem, que lho pago [correspondo] e gosto que mo diga”: 8.11.1581 (1-2).

3. Na ficha anterior pudemos comprovar que a sua muita relação com alguns familiares e, por outro lado, as suas também muitas restrições a esse respeito como fundadora e legisladora (cf. CV 8-9, Const. V 6-7, etc.) não eram nenhuma contradição, mas deviam-se às razões teologais, que esses mesmos textos carismáticos aduziam: tratar com eles quando seja pelo seu bem espiritual, pelas suas virtudes… De novo, estas cartas justificam essa predileção pelo seu irmão Lorenzo [28.8.1575 (2-3)], que mais tarde se verá prolongada na sua filha Teresita, já adolescente, e cuja proximidade é motivo de alegria e consolo para a santa na sua velhice: 8.11.1581 (6), 15.12.1581 (3). Podemos aprofundar em tudo isto numa linha algo atrevida e polémica: parece-te tudo isto relações teologais de verdade ou mais bem a desculpas para justificar compensações, como a de uma possível maternidade frustrada? Como são as tuas relações com familiares e seres queridos? Também podemos aprofundar nestes textos, tanto no conhecimento da santa como no conhecimento próprio, reparando no ‘surpreendente’ pedido a favor da sua sobrinha (carmelita descalça!): quer que os seus irmãos não a deixem só e lhe escrevam e regalem para lho mostrar 15.12.1581 (3f).

4. A solidariedade familiar concretizada no económico é uma constante desde as primeiras cartas propostas este curso, daí que Teresa não conceba que possa haver descuidos nisto: repare-se bem nas advertências e exortações ao seu sobrinho (15.12.1581) e de modo especial com as suas obrigações para com a sua filha ‘ilegítima’, além das considerações sobre a dignidade e inocência da menina em toda essa história.

5. Nas primeiras cartas que lemos, a santa se alegrava – apesar de que lhe resultasse “não pequena cruz” – das suas habilidades negociadoras e, em consequência, de poder ajudar o seu irmão, no material e no espiritual, com esses conhecimentos: 17.1.1570 (5.12-13). Não obstante, nas cartas propostas para esta ficha começam já a notar-se algumas importantes complicações que lhe aconteceriam, por isso, no fim da sua vida: 8.11.1581 (8-12), 15.12.1581 (1.3f); ainda que mais adiante teremos mais detalhes, quando nos adentremos noutras cartas dessa época. Talvez o que chame mais a atenção agora, em todo este processo é que, ao contrário do que sucedeu com o seu irmão Lorenzo, tem que acabar por se alegrar com a volta dos seus parentes à América ou pedindo que fiquem ali [15.12.1581 (2f.10)]: por causa da crise dos 70 em Castela? Para sua própria tranquilidade, para não ter que continuar a responsabilizar-se pelos mais necessitados desses parentes? Por outro lado, ainda que também nesta linha familiar e económica, que pensar do contraste entre o seu desprendimento de honras e dinheiro e, ao mesmo tempo, a sua euforia pela prosperidade nisso dos seus sobrinhos: 15.12.1581 (1-4)?

6. Talvez possa parecer pouco adequado insistir tanto na conexão do amor de Deus e dos irmãos com questões materiais, mas a nossa grande mística opinava precisamente o contrário: “ainda que pareça coisa não conveniente começar pelo temporal, pareceu-me que para que o espiritual ande sempre em aumento é importantíssimo” (Modo de visitar os conventos 2). Vamos ter ocasião de o comprovar em muitos momentos e cartas ao longo deste curso. Agora podemos aprofundar algo sobre o que supôs aceitar uma má renda no seu primeiro convento de S. José de Ávila: 8.11.1581 (2f-3.21f), 15.12.1581 (6).

7. Em continuidade com a importância do temporal para o espiritual, chama a atenção o contraste entre o seu ideal de vida e de bens nos seus mosteiros e a difícil realidade que lhe toca viver na Encarnação com 130 freiras, quando aí regresse como priora: 7.3.1572 (2m). Não obstante, o que mais chama a atenção nestas alusões à Encarnação, contra certa ideia superficial de dito convento, é a rápida melhoria das suas religiosas: 7.11.1571 (4), 7.3.1572 (3). Onde estão as chaves da mudança? Seríamos capazes, eu, a minha comunidade, província… de aceitar reformas de costumes tão simples como as que ali se deram, e que além disso não supunham nenhuma invenção mas fidelidade às próprias constituições? Com frequência o processo que necessitamos de ativar não consiste em grandes originalidades, mas em recuperar certas raízes ou prioridades.

8. No seu processo como fundadora, já tratámos na ficha anterior o constante discernimento entre rigor e suavidade. No final da sua vida continua firme na sua intenção inicial de que os mosteiros sejam de “grandíssimo encerramento (assim de nunca sair, como de não ver, se não têm véu diante do rosto), fundadas em oração e em mortificação” [23.12.1561 (2)], ainda que em contraste com o que entendem os frades por mortificação, ela se reafirma naquela certeza, também presente desde os seus inícios, da importância do recreio comunitário, a poesia e a alegria: 8.11.1581 (13-14). Interessante igualmente o que o uso do véu parece significar e, em consequência, com quem o usar e com quem, muito excecionalmente “não se sofre” (ib.7). Tem isto a ver com o devido afeto e comunicação que temos vindo a sublinhar desde o princípio desta secção? Que pode significar para tantas e tantos que não levamos véu, mas estamos chamados a cuidar da qualidade das nossas relações interpessoais?

8. E de novo outro tema que vai aparecer com frequência e ganhando em matizes com as cartas que iremos lendo: o dos critérios vocacionais para discernir as candidatas aos seus carmelos: 7.3.1572 (4-7), 28.8.1575 (5-8), 15.12.1581 (8m).

10. No que à vida espiritual se refere, volta a aparecer a importância do céu e a “verdade de quando menina” (cf. Ficha 1, 4.11): 7.11.1571 (2.6m), 15.12.1581 (8f.10f). Talvez o que agora traz mais novidade é a sua própria surpresa ante essa mescla de esperança e dor que acarreta: “não sei como sentimos os que vão a terra segura […] é querer-nos a nós mesmos e não aos que vão gozar de maior bem”: 7.11.1571 (5). Enfim, o mesmo Senhor chorou por Lázaro, e a Virgem até à extenuação pelo seu Filho: não será um afã mais estoico que evangélico querer ‘sobrevoar’ certas experiências cruciais da vida, querer afastar o processo de luto…? Por outro lado, cuidado com algumas formas de respeito à nossa própria humanidade e contingência que quase inconscientemente a contrapõem à abertura à transcendência e à fé: lembras-te de algum exemplo disto? Entre ambas as tentações, angelismo ou horizontalismo, qual te parece a mais frequente no teu ambiente e porquê? Como ajudar a fazer processo a partir dela? …

11. Pelo que respeita também à vida espiritual e ao processo pessoal de cada um, hoje, mais do que nunca, sabemos que é imprescindível saber aceitar e integrar os limites da existência, o conflito ou os conflitos que a vida vai provocando ao idealismo infantil dos nossos desejos básicos… Evidentemente a santa usa uma linguagem muito mais religiosa: há que crer e agarrar-se a que “o prémio dos trabalhos é o amor de Deus”: 7.11.1571 (2), cf. 16.2.1577 (1m). E tendo isso como rocha firme tratar de superar o conflito: cuidar da saúde, se é o caso, e alegrar-se com as melhorias; ‘aceitar’ as injustiças e perseguições, quando tocam, mas buscar todos os meios, por mais sofisticados que sejam, para as corrigir…: 7.11.1571 (3.8), cf. 16.2.1577 (3-5).

12. Entre as cartas ‘complementares’ há pelo menos um par de detalhes nos que reparar também. Em primeiro lugar o texto, “E uma das coisas que me faz estar aqui contente [momentos iniciais da sua longa e complicada estancia em Sevilha] e há-de… fazer estar mais, é que não há memória dessa farsa de santidade que havia por lá, que me deixa viver e andar sem medo de que essa torre de vento havia de cair sobre mim… que já passou tanto tempo sem a ver”: 28.8.1575 (12).

13. Em segundo lugar: “Muitos anos há que não tive tanto trabalho como depois que andam estas reformas; que ali e aqui sempre digo mais do que quereria, e não tudo o que desejo”: finais 11.1575 (8). Escrupulosa pelas possíveis faltas de caridade nos comentários contra os calçados e outros opositores da sua reforma e, ao mesmo tempo, pelos esquecimentos importantes ou os silêncios por excesso de prudência ou cobardia…? Ou melhor, é a finura de consciência a que move a sua preocupação? Pode-se e convém evitar essa tensão entre o caritativo e o justo, em tantas ocasiões ou, pelo contrário, é uma parte essencial da vida e do processo pessoal e espiritual? Há exemplos concretos que te importem especialmente agora? Podes partilhá-los com o grupo?..

14. Deste-te conta do curioso paradoxo entre a citação da santa copiada no começo desta ficha sob o título (paz, descanso…) e a intensidade e dinamismo de todos os temas apontados nesta secção “Para refletir, orar…”? Isto sugere-te paralelismos com o final das Moradas? 



2013-12-05




segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Os Cantares de Teresa de Jesus

 



                                      CÂNTICO DOS CÂNTICOS


Poema bíblico que contém uma coleção de cantos de amor. De autor anônimo. Supostamente atribuído a Salomão. Assim o crê também Teresa, que os intitula “Cantares de Salomão” (prólogo de Conc., 1), ou simplesmente “os Cantares” (R 24,1; 44,2; V 27,10; E 16,2), ou “Cânticos” (Conc 1,3.6; 3,14; 6,8). Livro de transmissão bíblica singular, pois provocou uma dupla atitude em sua leitura: por um lado, receio e grande reserva; por outro, encanto e admiração. Esta segunda atitude prevalece nos místicos. Também em Teresa, que entretanto é ao mesmo tempo testemunha da primeira atitude, agravada em seu tempo não só pelo dramático episódio de frei Luís e sua tradução dos Cantares ao castelhano, mas oposição de certos teólogos a que a Bíblia fosse lida por mulheres.
Nesse contexto histórico é surpreendente a postura de Teresa frente ao poema. Será este o único livro bíblico expressamente comentado por ela. Durante vários anos - a fase de sua efervescente exaltação mística: período extático -, a leitura dos Cantares é seu refúgio e consolo, “Tem me dado o Senhor, de alguns anos para cá, um gosto muito grande cada vez que ouço ou leio algumas palavras dos Cânticos...” (Conc. prol. 1). Reiterado mais expressamente, embora no anonimato: “E sei de uma que ficou muitos anos com muitos temores, não havendo coisa que lhe desse segurança até que o Senhor fosse servido de que ela ouvisse algumas coisas dos Cânticos, e nelas entendesse que a sua alma estava no caminho certo” (1,6).
Freqüentemente ela pediu aos teólogos a explicação profunda do texto, “rogando-lhes eu que me declarassem o que o Espírito Santo quer dizer e o verdadeiro sentido dessas palavras (dos Cânticos)...” (1,8). Não é improvável que tenha possuído e lido a tradução manuscrita dos Cantares por frei Luís, tradução destinada por esses anos (1561...) a outra monja, Dª Isabel de Osório, e difundida largamente em Castela e Portugal, e inclusive na América, até que o tradutor frei Luís cai no cárcere inquisitorial de Valladolid (1572).
Seria não muito antes dessa data quando a Madre Teresa decidiu-se a comentar “para as monjas” de seus Carmelos (Conc. Prol. 1) alguns versos do livro bíblico: “para consolo das Irmãs (carmelitas) que Nosso Senhor leva por este caminho, e até para o meu” (ib 2). Uma vez escritas suas “meditações” sobre versos seletos do Cantar, submeteu suas cartilhas à aprovação dos teólogos dominicanos, implicados ao menos um deles no episódio de frei Luís de León, cuja primeira proposição delatada soava que “o Cântico dos Cânticos é um poema amoroso para a filha do Faraó, e ensinar o contrário é fútil”, e a segunda proposição: que “o Cântico se pode ler e explicar em língua vernácula”. O primeiro teólogo, Diego de Yanguas, foi de parecer negativo com relação ao escrito teresiano: “por lhe parecer que não era justo que mulher escrevesse sobre a Escritura, afirmou-lhe, e ela foi tão pronta na obediência..., que o queimou prontamente” (BMC 18,320). Ao contrário, o outro consultor, Domingo Báñez, mais prestigioso e mais metido na polêmica da versão castelhana dos Cantares, foi de parecer positivo. Tarde demais. Quando já o original teresiano sucumbiu ao fogo, escreveu ele de próprio punho uma das cópias salva das chamas: “Vi com atenção estes quatro caderninhos, que entre todos tem oito páginas e meia, e não encontrei nada que seja má doutrina, mas antes boa e proveitosa. No Colégio de São Gregório de Valladolid, 10 de junho de 1575. Frei Domingo Báñez”. (Códice de Alba: BMC 4,268).
Esta tomada de posições por parte do famoso teólogo dominicano reveste especial importância por vários motivos: porque em sua autoridade se apoiaram as duas proposições antes citadas sobre os Cânticos e sua tradução vernácula; porque na data de sua assinatura a favor da autora, está em seu transe crucial o processo de frei Luís, preso na mesma cidade de Valladolid onde Báñez comunica sua aprovação; e porque, igualmente por essas datas, o teólogo dominicano tem em suas mãos o autógrafo teresiano do “Livro da Vida”, já denunciado a Inquisição.
Quando em 1588 frei Luís editar pela primeira vez as Obras da Madre Teresa, omitirá este comentário aos Cantares, e evita assim novas tribulações ao escrito e provavelmente também ao editor.

A leitura teresiana do poema bíblico

A Santa enfrenta a tarefa de interpretar com absoluta espontaneidade. Propõe-se escrever o que o texto bíblico lhe sugere. Sabe que o poema tem outro tipo de leitura, literal e teológica, na qual deve-se empenhar os letrados, responsáveis da palavra de Deus: eles “hão de trabalhar nisso” (Conc 1,2). Mas essa leitura-estudo não exclui, segundo ela, a leitura livre, a partir da vida mesma: “O que pretendo é que, assim como eu me regalo com o que o Senhor me dá a entender quando ouço algumas dessas palavras (dos Cânticos), o dizer-vos talvez vos console como a mim” (Conc 1,8). Nem ficam excluídas desta leitura as mulheres, pois “nós, mulheres, também não haveremos de ficar tão longe de gozar das riquezas do Senhor; fiquemos fora, sim, de entrar em disputas a seu respeito” (1,8). Teresa está convencida de que o poema tem “palavras que muito ferem” (3,14), capazes de atingir a leitores e leitoras altamente enamorados. Chega a pensar que algumas palavras dos Cânticos não se lhas poderá apropriar o leitor senão a partir de um alto grau de enamoramento: que não se pode dizer “com o beijo de sua boca” senão a partir dos contíguos do êxtase: “essas palavras são proferidas pelo amor... Assim é que essas palavras suscitariam verdadeiramente temor se quem as diz estivesse em si, mesmo tomadas ao pé da letra. Mas a quem Vosso amor tirou de si, Senhor, bem perdoareis que diga isso e mais, embora seja atrevimento” (1,12). Eis aqui um espécime desse tipo de leitura:
“ Ó Senhor do céu e da terra! Como é possível que, estando-se ainda nesta vida mortal, se goze de Vós com amizade tão particular! E que o Espírito Santo o diga tão às claras nessas palavras, e que mesmo assim não queiramos entender como são os prazeres com que tratais as almas nesses Cânticos? Que delicadeza, que suavidade! Deveria bastar-nos uma só palavra destas para nos desfazer em Vós...” (3,14).
Geralmente, Teresa prefere dar ao poema valor de simbolismo nupcial entre Deus e o homem. Mais que a tradicional versão esponsal cristológica e eclesial (amor entre Cristo e a Igreja), ela se inclina pelo simbolismo interpessoal: Deus e a alma, ou Cristo e ela. Mas dando por suposta a abertura do símbolo a outros setores.
Desde o ponto de vista literal ou textual, não sabemos quantos e quais versos do Cântico Teresa comentou, devido às mutilações e lacunas com que nos chegaram seu comentário. De fato, naquilo que nos resta de seu escrito aparecem comentados os seguintes versos:
-“Beije-me com o beijo de sua boca...” (Cant 1,1: Conc 1,1).
-“Mais valem teus peitos do que o vinho, fragrantes como os mais preciosos bálsamos” (Cant 1,1-2: Conc 4,1)
-“À sua sombra, como desejei, estou sentada, e seu fruto é doce à minha boca” (Cant 2,3: Conc 5,1)
-“Ele me introduziu no celeiro do vinho e o estandarte erguido sobre mim é o amor” (Cant 2,4: Conc 6,1)
-“Amparai-me com bolos de uva, reanimai-me com maçãs, pois estou doente de amor ” (Cant 2,5: Conc 7,1).
-implícita alusão ao texto da vulgata “lectulus noster floridus” (Cant 1,15: Conc 2,5. -Frei Luís havia traduzido: nosso leito está florido”. No comentário Teresa cita livremente: “Oh, Sua Majestade faz uma cama de rosas e flores para Si na alma”.
-“Eu sou para meu Amado, e meu Amado é para mim” (Cant 6,2; 2,16: Conc 4,8)
-“Ele a mantém com maçãs”: Cant 2,5: Conc 5,5
-“Toda bela és, ó minha bem-amada”: Cant 4,7: Conc 6,9
-“Quem é essa que se eleva como a aurora, bela como a lua, resplandecente como o sol”: Cant 6,9: Conc 6,11
-“Sob a macieira eu te despertei”: Cant 8,5: Conc 7,8.


O poema bíblico nos demais escritos da Santa

Como se sabe, o Cântico dos Cânticos, teve seu melhor eco e prolongação poética no Cântico Espiritual de são João da Cruz. Também em Teresa teve repercussão poética. Na breve coleção de poemas da Santa há duas peças inspiradas no Cântico.
Uma delas comenta o verso “meu Amado para mim” (Cant 6,2), e o incorpora ao estribilho de cada estrofe: “Entreguei-me toda, e assim / Os corações se hão trocado / Meu Amado é para mim / E eu sou para meu Amado”. A este lema inicial seguem duas oitavinhas nas quais reaparecem sendo motivos poéticos do Cântico: a caça do amor (“Quando o doce Caçador / Me atingiu com sua seta,...”), e “era aquela seta eleita, ervada em sucos de amor”, que faz recordar as “palavras que muito ferem” dos Conceitos (cf E 16,2).
O segundo poema não tem tão estreita vinculação com o Cântico. Reproduz o “colóquio amoroso” dos amantes, e pretende a igualdade de amor entre ambos: “Deus meu, se o amor que me tendes,/ É como o amor que vos tenho...”.
Mas além dos poemas, a imagem e simbolismo do livro bíblico estão presentes em quase todos os escritos teresianos, a partir do Livro da Vida. a) O mútuo olhar: “...sem que percebamos, estes dois amantes se olham, face a face, como diz o Esposo à Esposa no Cântico dos Cânticos, ou ao menos acho que ouvi dizer que é aí que diz” (V 27,10, com referência a Cant 4,9 e 6,4: “com um só de teus olhares me enamoraste”, que frei Luís havia traduzido: “roubaste meu coração com um só de teus olhos”). -b) Esse momento simbólico do olhar recíproco recordá-lo-á a seus leitores do Caminho (26,3): “Peço-vos apenas que olheis para Ele..., que o vosso Esposo nunca tira, filhas, os olhos de vós... Vede que Ele, como diz à esposa, não está esperando outra coisa”. -c) Reaparecerá várias vezes nas Exclamações, onde evocará ao menos dois versos não mencionados nos Conceitos: o conjuro das filhas de Jerusalém que vão pelas ruas e praças (Cant 3,2: Excl 16,3), e a Exclamação final, em que se apropria o verso “forte como a morte é o amor, e duro como o inferno” (Cant 8,6), comentado assim: “Ó, quem se visse já morto às vossas mãos e arrojado nesse divino inferno de onde já não esperasse poder sair, ou melhor, já não temesse ver-se expulso!” (E 17,3).
Contudo, o mais decisivo influxo do Cântico bíblico na espiritualidade teresiana acontece nas Moradas, não já pela evocação de versos soltos (cf M 5,1,12; 6,4,10; 6,7,9; 7,3,13), mas porque só neste livro a autora leva a pleno desenvolvimento o símbolo nupcial herdado do Cântico, e que lhe serve para estruturar a seção mística do Castelo. Será aqui, nas Moradas, onde melhor articulará em torno ao símbolo nupcial os outros símbolos dos Cantares: o vinho, a adega, a embriaguez de amor, a flecha, a ferida, o fogo... e o selo, que nos Cânticos é impressão da face da esposa no braço ou no coração do amado (8,6), e que no Castelo é profunda impressão do rosto do Amado na cera da alma (M 5,2,12).
Em um de seus poemas festivos (“Na cruz está a vida...”), Teresa identifica a cruz do Senhor com a “árvore desejada” da Esposa dos Cantares (2,3):

“É o madeiro verdejante
E desejado
Da Esposa, que à sua sombra
Se há sentado,
A gozar de seu Amado,
O Rei Jesus.
Pois ao Céu é a única senda
Que conduz”,

identifica de novo a cruz com a palma preciosa dos Cantares:

“Da cruz é que diz a Esposa
A seu Querido,
Que é a palmeira preciosa
Aonde há subido;
Cujo fruto lhe há sabido

Ao seu Jesus...” (Po 19).


Bibliografía - A. M Pelletier, Lecture du Cantique des Cantiques, Roma 1989, 370-378

T. Alvarez