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quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Sentido do Natal



            Como o Natal pode ser Boa Nova neste nosso tempo onde as guerras, o terrorismo e a violência generalizada marcam as sociedades e os noticiários? Qual o sentido de celebrar o nascimento de uma Criança quando em nosso mundo se adia ao máximo a gravidez ou se escolhe não ter filhos; ou de maneira definitiva busca-se a legalização do aborto e se ainda esta não se efetivou, a morte de milhares de inocentes ocorre clandestinamente? Que importância tem o Natal num mundo onde se adora o dinheiro, o prazer e o poder? O Natal contribui efetivamente para trazer sentido aos homens e mulheres de hoje, aos jovens, aos idosos, às famílias que vivem num ambiente de indigência ética, de desvalorização da pessoa, onde o Sol está eclipsado e a Lua perdeu seu brilho e nos sentimos envolvidos por densas e espessas trevas?
            “Ó Senhor, fazeis brilhar a minha lâmpada, ó meu Deus, iluminai as minhas trevas” (Sl 17, 29)
            À esta e a tantas outras perguntamos que podemos fazer, o Papa Francisco na sua Carta Lumen Fidei, sobre a fé, vem nos ajudar a encontrar claridade.
            “A luz da fé é a expressão com que a tradição da Igreja designou o grande dom trazido por Jesus... ‘Eu vim ao mundo como luz, para que todo o que crê em Mim não fique nas trevas’ (Jo 12, 46)... ‘Porque o Deus que disse: das trevas brilhe a luz foi quem brilhou nos nossos corações’ (2 Cor 4, 6)... Conscientes do amplo horizonte que a fé lhes abria, os cristãos chamaram a Cristo o verdadeiro Sol, ‘cujos raios dão a vida’. A Marta, em lágrimas pela morte do irmão Lázaro, Jesus diz-lhe: Eu não te disse que, se acreditares, verás a glória de Deus?’ (Jo 11, 40). Quem acredita vê; vê com uma luz que ilumina todo o percurso da estrada, porque nos vem de Cristo ressuscitado, estrela da manhã que não tem ocaso.” (Lumen Fidei, p 7)
            A luz de Cristo vem à Igreja mediante a fé e se reflete na vida de uma nuvem de testemunhas que a receberam como dom e a partilharam como missão. Os santos e santas, do passado e do presente, experimentaram as trevas que envolvem o mundo e o próprio coração, mas se deixaram iluminar pela Luz que vem do Céu e por meio de uma íntima união com Cristo tornaram-se Luz do mundo. Assim foi com santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face e assim ela nos descreve sua vivência:
“Imagino ter nascido num país envolto por um denso nevoeiro. Nunca contemplei o risonho aspecto da natureza, inundada, transfigurada pelo sol Brilhante; desde minha infância, ouço falar dessas maravilhas, sei que o país em que estou não é a minha pátria, que existe outro com o qual devo sonhar sempre. Não se trata de uma história inventada por um habitante do triste país em que estou, mas é uma realidade comprovada, pois o Rei da pátria do sol brilhante veio viver trinta e três anos no país das trevas. Ai! as trevas não entenderam que esse Rei divino era a luz do mundo... Mas, Senhor, vossa filha entendeu vossa divina luz, pede-vos perdão pelos seus irmãos (...) Que todos aqueles que não estão iluminados pela luz resplandecente da fé a vejam finalmente luzir... (Obras Completas, Manuscrito C, pp. 226-227)
A ressurreição de Cristo é um evento cronologicamente posterior ao seu Natal, porém, enquanto Luz que revela o significado de tudo o que Ele fez, falou e de sua entrada na existência terrena, a ressurreição vem em primeiro lugar. O Cristo Ressuscitado vem ao encontro de seus primeiros discípulos, da Sua Igreja, e a partir desta experiência, iluminados pelo Espírito Santo, releram a sua história e viram nela, desde seu início até o seu final, a revelação amorosa de Deus Pai e de seu projeto de salvação para toda a humanidade.
Santa Teresinha acolheu o testemunho, a fé, desta Igreja sobre o Natal de Cristo “desde minha infância ouço falar dessas maravilhas”. Proclama esta mesma fé num momento de noite escura, de trevas, da privação sensível da fé, “Senhor, vossa filha entendeu vossa divina luz”. Esta provação da fé inicia-se exatamente no tempo pascal e só vai terminar quando ela própria fizer sua páscoa e entrar na Vida. No texto autobiográfico, citado acima, Teresa faz um ato de fé no Verbo Encarnado, que ao fazer-se irmão dela e de toda a humanidade no mistério de seu Natal, ela assume também a sua fraternidade, a sua irmandade com relação àqueles que estão nas trevas e na sombra da morte, e como o Filho, por Ele e Nele, Teresinha intercede por todos, “Pede-vos perdão pelos seus irmãos (...) Que todos aqueles que não estão iluminados pela luz resplandecente da fé a vejam finalmente luzir”. Isso é vivência profunda do Natal, fruto da Graça que encontrou abertura e adesão generosa do coração de Teresa.
“Para nos permitir conhecê-Lo, acolhê-Lo e segui-Lo, o Filho de Deus assumiu a nossa carne; e assim, a sua visão do Pai deu-se também de forma humana, através de um caminho e um percurso no tempo. A fé cristã é fé na encarnação do Verbo e na sua ressurreição na carne; é fé em um Deus que Se fez tão próximo que entrou na nossa história. A fé no Filho de Deus feito homem em Jesus de Nazaré não nos separa da realidade; antes permite-nos individuar o seu significado mais profundo, descobrir quanto Deus ama este mundo e o orienta sem cessar para Si; e isto leva o cristão a comprometer-se, a viver de modo ainda mais intenso o seu caminho sobre a terra.” (Lumen Fidei pp. 20-21)
Foi numa noite de Natal, em 1886, que Teresinha recebeu uma de suas maiores graças: “recebi a graça de sair da infância... nessa noite em que Ele se fez fraco e sofredor por meu amor, fez-me forte e corajosa, vestiu-me com suas armas e desde essa noite bendita, não fui vencida em nenhum combate... Teresa não era mais a mesma, Jesus mudara o seu coração... Fez de mim pescador de almas, senti um grande desejo de trabalhar para a conversão dos pecadores... Senti numa palavra a caridade entrar no meu coração, a necessidade de me esquecer para dar prazer e desde então fui feliz!”.
“Na fé, o “eu” do crente dilata-se para ser habitado por um Outro, para viver em um Outro, e assim a sua vida amplia-se no Amor. É aqui que se situa a ação própria do Espírito Santo: o cristão pode ter os olhos de Jesus, os seus sentimentos, a sua predisposição filial, porque é feito participante do seu Amor, que é o Espírito; é neste Amor que se recebe, de algum modo, a visão própria de Jesus. Fora desta conformação no amor, fora da presença do Espírito que o infunde nos nosso corações (cf. Rm 5, 5), é impossível confessar Jesus como Senhor (cf. 1Cor 12, 3).” (Lumen Fidei, pp. 23)
A fé no Amor, da qual o Natal é uma expressão, tem poder de transformar o Homem por inteiro e com ele o mundo todo: “Fez de mim pescador de almas, senti um grande desejo de trabalhar para a conversão dos pecadores... Senti numa palavra a caridade entrar no meu coração, a necessidade de me esquecer para dar prazer e desde então fui feliz!”. A fé amadurecida, adulta, é vivida como amor, como doação de si, como serviço ao próximo, assim como Jesus o fez. Só o amor é capaz de iluminar e de salvar o mundo das trevas da indiferença, do egoísmo, da ganância, do orgulho e do pecado que estão na raiz da desumanização do mundo.

“Urge recuperar o caráter de luz que é próprio da fé, pois, quando a sua chama se apaga, todas as outras luzes acabam também por perder o seu vigor. De fato, a luz da fé possui um caráter singular, sendo capaz de iluminar toda a existência do homem. Ora, para que uma luz seja tão poderosa, não pode dimanar de nós mesmos; tem de vir de uma fonte mais originária, deve provir em última análise de Deus. A fé nasce no encontro com o Deus vivo, que nos chama e revela o seu amor: um amor que nos precede e sobre o qual podemos apoiar-nos para construir solidamente a vida. Transformados por este amor, recebemos olhos novos e experimentamos que há nele uma grande promessa de plenitude e se nos abre a visão do futuro. A fé, que recebemos de Deus como dom sobrenatural, aparece-nos como luz para a estrada, orientando os nossos passos no tempo. (...) a fé não mora na escuridão, mas é uma luz para as nossas trevas.” (Lumen Fidei, p. 9) 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O MISTÉRIO DO NATAL

                                                     POR EDITH STEIN






1. ENCARNAÇÃO E HUMANIDADE
Quando os dias ficam cada vez mais curtos quando caem os primeiros flocos de neve (normal, no inverno alemão), então surgem suavemente os primeiros pensamentos natalinos. Destas simples palavras emana um encanto ao qual é difícil um coração ficar indiferente. Mesmo os que têm uma fé diferente, ou os infiéis, para os quais a antiga história da criança de Belém nada significa, preparam-se para a festa e pensam em como acender um raio de alegria em toda parte. É como uma correnteza quente de amor perpassando toda a terra, meses e semanas antes. Uma festa de amor e de alegria. Esta é a estrela para a qual todos se dirigem nos primeiros meses de inverno.
Para os cristãos e, principalmente, para os cristãos católicos, significa algo mais: a estrela os conduz para o presépio onde está a criança, que traz a paz para a terra. A arte cristã apresenta-nos isto através de inúmeros quadros formosos; cantos antigos nos falam sobre isso, fazendo ecoar todo o encanto da infância. Para quem vive a liturgia da Igreja, os sinos do “Rorate Caeli” [Orvalhai ó céus] e os cânticos do Advento despertam no coração uma santa saudade; para quem está unido à fonte inesgotável da santa liturgia, o grande profeta da Encarnação diariamente bate à porta com suas poderosas palavras de advertências e promessas: “Céus, gotejai lá de cima, e que as nuvens chovam o justo! O Senhor já está perto! Vinde adoremo-Lo! Vem Senhor, não tardeis mais! Jerusalém, regozija, com grande alegria, pois o teu Salvador vem a ti”.
De 17 a 24 de dezembro, as grandes Antífonas do “Ó” conclamam para o Magnificat (ó Sabedoria, ó Adonai, ó Raiz de Jessé, ó Chave de Davi, ó Sol Nascente, ó Rei dos Reis, ó Emanuel), de forma mais saudosa e enérgica: “Vinde, para nos libertar.” E, sempre mais promissora, ecoa: “Veja, tudo se completou” (no último domingo do Advento); e, finalmente: “Hoje sabereis que o Senhor virá e amanhã contemplareis a sua glória”.
Sim, quando à noite as luzes clareiam as árvores enfeitadas e os presentes são trocados, o desejo incompleto aponta para um outro clarão de luz. Os sinos tocam para a missa do galo, e se renova nos altares, enfeitados de luzes e de flores, o milagre da noite santa: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Agora sim, chegou o momento da feliz redenção.
“A fuga para o Egito”, Simone Cantarini, 1636
Óleo sobre tela – Museu do Louvre – Paris – França



2. O SEGUIMENTO DO FILHO DE DEUS FEITO HOMEM
Cada um de nós talvez já tenha experimentado tal felicidade natalina. Mas, até aqui, o céu e a terra não se uniram. Também hoje a estrela de Belém é uma estrela na noite escura. Já no segundo dia, a Igreja tira as vestes festivas e se reveste com a cor do sangue e, no quarto dia, de cores enlutadas.
Estêvão, o protomártir, aquele que primeiro seguiu o Senhor para a morte, e os santos inocentes, as criancinhas de Belém de Judá, mortas cruelmente por mãos de algozes, estão ao redor da Criança no presépio. O que isto quer dizer? Onde está o júbilo das potências celestes? Onde está a tranqüila bem-aventurança da noite santa? Onde está a paz na terra? “Paz na terra aos homens de boa vontade”.
Mas nem todos têm boa vontade. Por isso, o Filho do Pai Eterno nasceu da glória celeste, pois o mistério do mal encobriu a terra com a escuridão. Trevas cobriram a terra e Ele veio como luz que iluminou as trevas, mas as trevas não O conheceram. Àqueles que O acolheram, Ele trouxe a luz e a paz; a paz com o Pai do céu, a paz com todos que, com Ele, são filhos da luz e filhos do Pai do céu, e a profunda paz do coração; mas não a paz com os filhos das trevas. Para eles, o Príncipe da paz não traz a paz, mas sim a espada. Para eles o Senhor é a pedra de tropeço, contra quem atacam e na qual serão destruídos. Esta é uma grande e séria verdade, que não podemos encobrir por causa do encanto poético da Criança no presépio. O mistério da encarnação e o mistério do mal caminham juntos. Contra a luz que vem do alto, contrasta a noite do pecado, escura e tenebrosa.
A criança no presépio estende as mãos, e o seu sorriso parece dizer o que mais tarde pronunciaram os lábios do Filho do Homem: “Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo”. E aqueles que seguem o seu chamado, os pobres pastores, aos quais nos campos de Belém o resplendor do céu e a voz do anjo anunciaram a Boa Nova, responderam confiantes: “Vamos a Belém”, e puseram-se a caminho.
Os reis, vindos do oriente longínquo, seguiram, na mesma fé simples, a estrela milagrosa para eles. Através das mãos da criança, correu o orvalho da graça, e “eles exultaram com grande alegria”. Estas mãos dão e, ao mesmo tempo, cobram: vós, sábios, despojai-vos de vossa sabedoria e tornai-vos simples como crianças; vós, reis, entregai vossas coroas e vossos tesouros e inclinai-vos, humildemente, diante do Rei dos reis; aceitai, sem hesitação, os fardos, dores e pesares exigidos pelo vosso serviço; de vós crianças, que não podeis ainda oferecer nada gratuitamente, tiram a vossa tenra vida, antes dela ter propriamente começado: ela não pode servir melhor do que ser sacrificada ao Senhor da vida.
“Siga-me” – dessa maneira se expressaram as mãos do menino, como mais tarde repetirá com os lábios o Mestre. Assim foi dito ao discípulo a quem o Senhor amava. E São João, o jovem com o coração puro de criança, seguia sem perguntas: Para onde? E para quê? Ele deixou a barca do pai e seguiu o Senhor em todos os caminhos até ao Gólgota.
“Siga-me” – também entendeu o jovem Estêvão. Ele seguiu o Senhor na luta contra os poderes das trevas, a cegueira da descrença obstinada; ele deu testemunho do Senhor com sua palavra e com seu sangue; ele O seguiu também em seu Espírito, no Espírito do Amor, que combate contra o pecado, mas que ama o pecador, e ainda na morte intercede diante de Deus pelos assassinos. São Personagens de luz, que rodeiam o presépio: os santos tenros inocentes, os simples e fiéis pastores, os reis humildes, Estêvão, o discípulo entusiasmado e João, o discípulo predileto. Todos eles seguiram o chamado do Senhor.
Em oposição a eles se encontram, na noite da dureza e cegueira incompreensíveis, os doutores da lei, que podem dar informações sobre o tempo e o lugar onde devia nascer o Salvador do mundo, mas não deduzem daí: “Vamos a Belém”; o rei Herodes pretende matar o Senhor da vida.
Diante da criança no presépio, os espíritos se dividem. Ele é o rei dos reis e o Senhor da vida e da morte. Ele fala o seu“Siga-me”, e quem não for a seu favor, é contra Ele. Ele o diz também para nós, e nos coloca diante da decisão entre a luz e as trevas





3. O CORPO MÍSTICO DE CRISTO
3.1 – SER UM COM DEUS
Para onde o Menino-Deus nos conduzirá nesta terra, isto não sabemos e não deveríamos perguntar antes do tempo. Só sabemos que para aqueles que amam o Senhor, todas as coisas servem para o bem. Os caminhos pelos quais o Senhor nos conduz, levam-nos para além desta terra. Ó troca maravilhosa! O criador do gênero humano encarnando-se, concede-nos a sua divindade. Por causa desta obra maravilhosa o Redentor veio ao mundo. Deus se tornou Filho do homem, para que os homens se tornassem filhos de Deus. Um de nós rompeu o laço da filiação divina, e um de nós devia reatar o laço, pagando pelo pecado. Nenhum da antiga e enferma raça podia fazê-lo. Devia ser um rebento novo, sadio e nobre.
Tornou-se um de nós e, mais do que isto: unido conosco. O maravilhoso no gênero humano é que todos somos um. Se fosse diferente, estaríamos lado a lado, como indivíduos autônomos e separados, e a queda de um não poderia ter se tornado a queda de todos. Podia ter sido pago e atribuído a nós o preço da expiação, mas não teria passado a sua justiça para os pecadores, e não teria sido possível nenhuma justificação.
Mas Ele veio, para tornar-se conosco um corpo místico. Ele, nossa cabeça, nós, os seus membros. Ponhamos nossas mãos nas mãos do Menino-Deus, pronunciando o nosso “Sim” ao seu “Siga-me“. Então, nos tornamos Seus, e o caminho está livre, para que a sua vida divina possa passar para a nossa. Isto é o começo da vida eterna em nós. Não é ainda a visão beatífica de Deus na luz da glória, é ainda escuridão da fé, mas não é mais deste mundo, já é estar no Reino de Deus. Quando a bem-aventurada Virgem pronunciou o seu “Fiat”, aí começou o Reino de Deus na terra e ela se tornou a sua primeira serva. E todos, que antes e depois do nascimento da criança, por palavras e obras, se declararam a seu favor: São José, Santa Isabel com seu filho e todos os que estavam ao redor do presépio, entraram no Reino de Deus.
Tornou-se diferente do que se pensou, conforme os salmos e profetas o reinado do divino rei. Os romanos continuaram os dominadores da terra, os sumo sacerdotes e os doutores da lei continuaram a subjugar o povo pobre. De forma invisível, cada um, que pertencia ao Senhor, trazia o Reino de Deus em si. O seu fardo terreno não lhe foi tirado, e sim outros fardos acrescentados; mas, o que ele trazia dentro de si, era uma força animadora, fazendo o fardo suave e a carga leve. Assim acontece ainda hoje com os filhos de Deus. A vida divina, acesa em sua alma, é a luz que veio nas trevas, o milagre da noite santa. Quem traz esta luz dentro de si, compreende quando se fala dela. Para os outros, porém, tudo o que se pode dizer a respeito, é um balbuciar incompreensível. Todo o evangelho de São João é um canto à luz eterna, que é amor e vida. Deus está em nós e nós nele, esta é a nossa parte no reino de Deus, para a qual a Encarnação colocou o alicerce.
3.2 – SER UM EM DEUS
Ser um com Deus: este é o primeiro passo. Mas, o segundo é a conseqüência do primeiro. Cristo sendo a cabeça e nós membros do corpo místico, estamos unidos elo a elo, todos somos um em Deus, uma única vida divina. Se Deus é Amor e está em nós, então não pode ser diferente o nosso amor para com os irmãos. Por isto o amor humano é a medida do nosso amor a Deus. Mas, é algo mais do que o simples amor humano. O amor natural se dirige a um outro, ligado pelos laços do sangue ou por afinidades de caráter ou por interesses comuns. Os outros são “estranhos”, que “não nos importam”, talvez até por seu jeito antipático, de forma que mantemos a devida distância.
Para o cristão não existe “gente estranha”. Próximo é aquele que encontramos em nosso caminho e que mais necessita de nós; indiferentemente, se é parente ou não, se a gente gosta dele ou não, se ele é “moralmente digno” da nossa ajuda ou não. O amor de Cristo não tem limites, ele nunca termina, ele não recua diante da feiúra ou sujeira. Ele velo por causa dos pecadores e não por causa dos justos. E se o amor de Cristo mora em nós, então, façamos como Ele, indo ao encontro das ovelhas perdidas. O amor natural visa a ter a pessoa amada para si, possuindo-a de forma mais exclusiva.
Cristo veio para devolver ao Pai a humanidade perdida; e quem ama com seu amor, este quer os homens para Deus e não para si. Este é, ao mesmo tempo, o caminho mais seguro para possuí-las para sempre; pois, se amamos uma pessoa em Deus, então somos com ela um em Deus, enquanto que o vício da conquista muitas vezes mais cedo ou mais tarde sempre resulta em perda. Há um princípio válido para todas as almas e para os bens exteriores: quem, ambiciosamente, se ocupa em ganhar e apropriar, perde; porém, aquele que tudo oferece a Deus, ganha para sempre.
3.3 – SEJA FEITA A TUA VONTADE
Com isto estamos tocando no terceiro sinal da filiação divina: Ser um com Deus, foi o primeiro. Que todos sejam um em Deus, foi o segundo. O terceiro: “Nisto reconheço que vós me amais, se observardes os meus mandamentos”. Ser filho de Deus significa: andar apoiado na mão de Deus, na vontade de Deus; não fazer a vontade própria, colocar todo cuidado e toda a esperança nas mãos de Deus, não se preocupar consigo e com seu futuro. Nisto consiste a liberdade e a alegria dos filhos de Deus. Tão poucos as possuem, mesmo entre os realmente piedosos, mesmo entre os heroicamente dispostos ao sacrifício. Sempre andam encurvados sob o peso dos cuidados e obrigações.
Todos conhecem a parábola dos pássaros do céu e dos lírios do campo. Mas quando encontram uma pessoa que não tem herança, nem pensão e nem seguro e, mesmo assim, vive tranqüilo quanto ao seu futuro, aí meneiam a cabeça como se fosse algo incomum. Contudo, quem esperar do Pai do céu, que cuide a toda hora de seu dinheiro e da condição de vida que ele gostaria de ter, por certo, vai se enganar. A confiança em Deus vai se firmar inabalavelmente quando incluir a disposição de aceitar tudo das mãos do Pai. Pois somente Ele sabe o que é bom para nós. E, se a necessidade e a privação forem mais convenientes do que uma renda folgada e segura, ou insucesso e humilhação, melhor do que honra e reputação, então se deve estar preparado para isso. Se assim fizermos, podemos viver despreocupados com o futuro e com o presente. O “seja feita a vossa vontade”, em toda a sua amplitude, deve ser o fio condutor da vida cristã. Ele deve nortear o correr do dia, da manhã até a noite, o correr do ano e de toda a vida. Será a única preocupação do cristão. Todos os outros cuidados, o Senhor assume.
Mas esta única preocupação pertence a nós, enquanto vivermos. Objetivamente, não somos definitivamente firmes para permanecermos sempre nos caminhos de Deus. Assim como os primeiros pais perderam a filiação divina pelo distanciamento de Deus, assim cada um de nós está sempre entre o nada e a plenitude da vida divina. Mais cedo ou mais tarde isto se torna também uma experiência subjetiva. No começo da vida espiritual, quando começamos a nos entregar à direção de Deus, é que sentimos bem forte e firme a mão que nos conduz; de forma clara aparece para nós, o que devemos fazer ou deixar de fazer.
Mas isto não é sempre assim. Quem pertence a Cristo, deve viver a vida de Cristo. Deve-se amadurecer até à idade adulta de Cristo, ele deve iniciar a via-sacra para o Getsêmani e o Gólgota. E todos os sofrimentos que vem de fora, são nada comparados com a noite escura da alma, quando a luz divina cessa de clarear e a voz do Senhor se cala. Deus está presente, porém, escondido e silencioso. Por que acontece isto? São os mistérios de Deus, dos quais falamos, ele não se deixa penetrar completamente. Só podemos vislumbrar algumas facetas desse mistério e, por isso, Deus se fez homem, para voltar e fazer-nos participar da sua vida. Esse é o começo e a meta final.
Mas, no meio se encontra ainda outra coisa. Cristo é Deus e homem e, quem quer partilhar a sua vida, deve fazer parte de sua vida divina e humana. A natureza humana que Ele aceitou, deu-lhe a possibilidade de sofrer e morrer; a natureza divina que Ele possui desde toda a eternidade, deu à sua paixão e morte um valor infinito e uma força redentora. A paixão e morte de Cristo continuam no seu corpo místico e em todos os seus membros. Todo homem tem que sofrer e morrer. Porém, se ele for membro vivo no corpo de Cristo, então, o seu sofrimento e sua morte adquirem pela divindade de seu corpo, força salvadora. Esta é a causa objetiva por que todos os santos desejam sofrer. Não se trata de um prazer doentio de sofrer, Aos olhos da razão natural, isto pode parecer perversidade. À luz do mistério da redenção, contudo, isto se revela de maneira sublime. E assim a pessoa ligada a Cristo, mesmo na noite escura do distanciamento subjetivo de Deus e abandono, persistirá; talvez a divina providência permita o tormento, para libertar a pessoa objetivamente aprisionada. Por isto: “Seja feita a Vossa vontade”, mesmo quando na noite mais escura.

4. MEIOS SALVÍFICOS
Será que podemos falar alto “seja feita a Vossa vontade”, quando não temos mais a certeza daquilo que a vontade de Deus exige de nós? Temos meios para permanecer no Seu caminho, quando se apaga a luz interior?
Existem tais meios, e tão fortes, que o erro, apesar das possibilidades, de fato se torna infinitamente improvável. Deus veio para nos salvar, se nos unirmos a Ele, se conformarmos a nossa vontade com a Sua. Ele conhece a nossa natureza. Ele conta com ela e, por isso, nos deu tudo o que nos pode ajudar para alcançarmos o fim. O Deus-Menino tornou-se nosso permanente mestre para nos dizer o que devemos fazer.
Para que a vida humana seja inundada da vida divina, não basta uma vez por ano ajoelhar-se diante do presépio e deixar-se cativar pelo encanto da Noite Santa. Para isto, devemos estar em comunicação diária com Deus, ouvir as palavras que Ele falou e que nos foram transmitidas, e segui-las. E, antes de tudo, rezar, como o Salvador mesmo ensinou e sempre de novo incutiu insistentemente. “Pedi e recebereis”. Esta é a promessa segura de atendimento. E quem fala diariamente, de coração, “ó Senhor, seja feita a tua vontade”, pode confiar que não desrespeita a vontade divina, onde subjetivamente não tem certeza. Além disso, Cristo não nos deixou órfãos. Ele mandou o seu Espírito que nos ensina toda a verdade; Ele fundou a sua Igreja, que é conduzida pelo seu Espírito, e estabeleceu nela os seus representantes, pela boca dos quais o seu Espírito fala para nós com palavras humanas. Nela uniu os fiéis em comunidade e deseja que um ajude o outro. Assim, não estamos sós, e onde fracassa a confiança em si mesmo e a própria oração, aí ajuda a força da obediência e a força da intercessão.
“E o Verbo se fez carne”. Isto se tornou realidade no estábulo de Belém. Mas cumpriu-se ainda de outra maneira. “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue, este terá a vida eterna”. O Salvador, que sabe que somos e permanecemos humanos, tendo que lutar dia após dia, com fraquezas, vem em auxílio da nossa humanidade de maneira verdadeiramente divina. Assim como o corpo terrestre precisa do pão cotidiano, assim também a vida divina em nós precisa ser alimentada constantemente. “Este é o pão vivo que desceu do céu”. Quem come deste pão todos os dias, neste se realizará, diariamente, o mistério do Natal, a Encarnação do Verbo. E este, certamente, é o caminho mais seguro, para se tornar “um com Deus” e de penetrar dia a dia de maneira mais firme e mais profunda no Corpo Místico de Cristo.
Eu sei que para muitos pode parecer um desejo por demais radical. Para a maioria, isto significa começar de novo, uma reorganização de toda a vida interna e externa. Mas deve ser assim! Na nossa vida, devemos criar espaço para o Cristo Eucarístico, para que Ele possa transformar a nossa vida na Sua vida: será que é exigir demais? A gente tem tempo para tantas coisas fúteis, tantas coisas inúteis: ler livros, revistas, jornais, freqüentar restaurantes, conversar na rua 15 ou 30 minutos, tudo isto são “dispersões”, onde esbanjamos tempo e força. Não se poderá reservar uma hora pela manhã, para se concentrar, e ganhar força, para enfrentar o resto do dia? Mas, na verdade, é necessário mais que uma hora. Devemos viver de tal maneira que uma hora se suceda à outra, e estas, prepararem as que vierem. Assim, não será mais possível “deixar-se levar”, mesmo temporariamente, pelo ara do dia.
Com quem se vive diariamente, não se pode desconsiderar o seu julgamento. Mesmo sem dizer palavras, percebemos como os outros nos consideram. Tentamos nos adaptar conforme o ambiente e, se não conseguimos, a convivência se torna um tormento. Assim também acontece na comunicação diária com o Senhor. Tornamo-nos cada vez mais sensíveis àquilo que Lhe agrada ou desagrada. Se antes, estávamos mais ou menos contentes com nos mesmos, agora isto se torna diferente. E descobriremos em nós muita coisa que precisa ser melhorada e outras que as vezes, são quase impossíveis de serem mudadas. Assim nos tornaremos pequenos, humildes, pacientes e condescendentes com o “cisco no olho de nosso próximo”, pois a “trave” no nosso olho nos incomoda.
Finalmente, aprenderemos a aceitar-nos tal qual somos à luz da presença divina, e a nos entregar à divina misericórdia, que poderá vencer tudo aquilo que está além de nossas forças. Da auto-suficiência de um “bom católico”, que “cumpre com seus deveres”, que “lê um bom jornal” e “vota certo” etc. – mas que, no entanto, pratica o que ele bem quer – há um longo caminho até chegar a viver na mão de Deus e da mão de Deus, na simplicidade da criança e na humildade do cobrador de impostos. Mas quem uma vez andou, não voltará atrás.
Assim, filiação divina quer dizer: tornar-se pequeno e, ao mesmo tempo, tornar-se grande. Viver da Eucaristia quer dizer: sair, espontaneamente da estreiteza da própria vida e penetrar na amplitude da vida de Cristo. Quem visita o Senhor na Sua casa, não quer se ocupar sempre e somente com seus problemas. Vai começar a interessar-se pelas coisas do Senhor. A participação no sacrifício diário nos leva livremente à totalidade litúrgica. As orações e os ritos do culto divino nos apresentam, no decorrer do ano litúrgico, a história da salvação diante da nossa alma, deixando penetrar-nos sempre mais profundamente no seu sentido. E a ação sacrificial nos impregna sempre de novo com o mistério central de nossa fé, o ponto angular da história universal: o mistério da Encarnação e Redenção. Quem poderia com coração aberto participar do Santo Sacrifício sem ser envolvido por este espírito de sacrifício, sem ser tomado pelo desejo, dele mesmo e com sua pequena vida pessoal, se integrar na grande obra do Salvador?
Os mistérios do cristianismo são um todo indiviso. Quando nos aprofundarmos num deles, seremos conduzidos para todos os outros. Assim, o caminho de Belém conduz, seguramente, para o Gólgota; do Presépio para a Cruz.
Quando a Bem-Aventurada Virgem levou a criança para o templo, foi-lhe profetizado que uma espada atravessaria a sua alma, e que esta criança seria a causa da queda e do reerguimento de muitos; um sinal de contradição. É o anúncio da paixão, da luta entre a luz e a treva, que já se manifesta no presépio. Em alguns anos a apresentação do Senhor coincide com a septuagésima, a celebração da encarnação e a preparação para a paixão. Na noite do pecado brilha a estrela de Belém. No esplendor da luz, que sai do presépio, cal a sombra da cruz. A luz se apaga nas trevas da Sexta-Feira Santa, mas se levanta com mais fulgor, como sol da graça, na manhã da ressurreição.
O caminho do Filho de Deus encarnado precisou passar pela Paixão da morte na Cruz para chegar à glória da Ressurreição. Chegar a esta mesma glória da Ressurreição com o Filho do Homem, pela paixão e morte, é o caminho de cada um de nós, de toda a humanidade.


O ADVENTO VIVIDO COM OS SANTOS DO CARMELO

                                                Livia,  ocds- Comunidade Nossa Senhora do Carmo-RJ




Ano Litúrgico


Estamos iniciando o Ano Litúrgico A. Os Anos Litúrgicos são três:
 Ano A: o Evangelho nas Missas segue o Evangelho de São Mateus;
 Ano B: o Evangelho nas Missas segue o Evangelho de São Marcos;
 Ano C: o Evangelho nas Missas segue o Evangelho de São Lucas.

O Advento (que significa „chegada‟, „vinda‟) é o Tempo que inicia o Ano Litúrgico.
O Ano Litúrgico compreende dois tempos fortes: o ciclo Pascal, tendo como centro o Tríduo Pascal, a Quaresma como preparação e o Tempo Pascal como prolongamento; o Ciclo do Natal, com sua preparação no Advento e o seu prolongamento até a Festa do Batismo do Senhor. Além destes dois, tempos o Tempo Comum, que começa no dia seguinte à celebração da festa do Batismo do Senhor e se estende até a terça-feira antes da Quaresma, inclusive. Recomeça na segunda-feira depois do Domingo de Pentecostes e termina antes das Primeiras Vésperas do 1º Domingo do Advento.
Advento
O Advento começa exatamente quatro domingos antes do Natal (por isso sua data de início muda todo ano) e vai até as primeiras vésperas do Natal de Jesus. Nesse período, a cor litúrgica é o roxo. Omite-se o Glória, mas canta-se o Aleluia.
O Advento pode ser dividido em dois períodos:

 Do 1º Domingo do Advento até o dia 16 de dezembro trata mais do aspecto escatológico, ou seja, a expectativa da segunda vinda de Cristo.

 De 17 de dezembro até 24 de dezembro se orienta mais diretamente para o Natal, a 1ª vinda de Cristo.

Cada Domingo também apresenta um tema:
1º Domingo: centralizada na vinda do Senhor ao final dos tempos. A Liturgia nos convida a estar em vela, mantendo atitude de conversão.
2º Domingo: Convida, por meio de João Batista, a “preparar os caminhos do Senhor”. Continuação do caminho de conversão.
3º Domingo: Alegria Messiânica, pois já está cada vez mais próximo o dia da vinda do Senhor. Este Domingo é chamado “Gaudete” e nos convida a alegria, não a uma vigília triste. A cor Litúrgica é o Rosa.
4º Domingo: Advento do Senhor ao mundo. Maria é figura central.
Tempo do Natal
Tempo de fé, alegria e acolhimento do Filho de Deus que se fez Homem.
A alegria do Natal se prolonga por oito dias sucessivos, a “Oitava de Natal”.
 Festas da Oitava de Natal:

26/12: 1º Mártir, São Estevão.
27/12: São João, Apóstolo e Evangelista.
28/12: Santos Inocentes Mártires.
Festa da Sagrada Família: Domingo dentro da Oitava de Natal ou, se não tiver nenhum Domingo dentro da Oitava, celebramos dia 30/12.
01/01: Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus.
 Outras Festas do Tempo do Natal:

Solenidade da Epifania do Senhor (“Epifania” = revelação): Mais conhecida como a festa de Reis é celebrada no dia 06/01. No Brasil é transferida para o Domingo entre os dias 2 e 8 de janeiro. Celebra-se a manifestação do Senhor em todas as nações, que são representadas pelos magos que vão ao encontro do Salvador.
Festa do Batismo do Senhor: Celebrada no Domingo depois do dia 06/01 e revela a filiação Divina de Jesus mediante a voz descida do Céu.
Os Santos do Carmelo escrevem sobre o Natal
 Romances trinitários e cristológicos de São João da Cruz.

São João da Cruz escreveu 9 poemas sobre a Santíssima Trindade e a encarnação do Verbo. Cito dois poemas:
Romance 8º
Então chamou-se um arcanjo
Que S. Gabriel se dizia,
Enviou-o a uma donzela
Que se chamava Maria,
De cujo consentimento
O mistério dependia;
Na qual a santa Trindade
De carne ao Verbo vestia;
E embora dos três a obra
Somente num se fazia;
Ficou o Verbo encarnado
Nas entranhas de Maria.
E o que então só tinha Pai,
Já Mãe também teria,
Embora não como outra
Que de varão concebia,
Porque das entranhas dela
Sua carne recebia;
Pelo qual Filho de Deus
E do Homem se dizia.
Romance 9º
Quando foi chegado o tempo Em que de nascer havia, Assim como o desposado, Do seu tálamo saía Abraçado à sua esposa, Que em seus braços a trazia; Ao qual a bendita Mãe Em um presépio poria Entre pobres animais Que então por ali havia. Os homens davam cantares, Os anjos a melodia, Festejando o desposório Que entre aqueles dois havia. Deus, porém, no presépio Ali chorava e gemia; Eram jóias que a esposa Ao desposório trazia; E a Mãe se assombrava Da troca que ali se via: O pranto do homem em Deus, E no homem a alegria; Coisas que num e no outro Tão diferente ser soía.
 Santa Elisabete da Trindade

Escreveu vários poemas sobre o Natal. Destaco dois: o primeiro, escrito anos antes de entrar no Carmelo, e o segundo, escrito em seu primeiro Natal no Carmelo.
P 45 A Noite de Natal (25 de dezembro de 1897)
Ó doces sinos do Carmelo,
Voai alegremente ao Céu.
Nesta noite misteriosa,
Tão pura e tão deliciosa,
Gosto de ouvir vossos carrilhões,
No silêncio tão profundo
Da noite grande e solene,
Memorável e sempre tão bela
Enquanto que vós, ó carmelitas,
Almas escolhidas, almas de elite,
Vós orais junto ao senhor
Numa santa e bem doce felicidade,
Atrás de vossa espessa grade,
Ó santas almas, pobres moças.
Eu, eu também oro ao Senhor,
Dou-Lhe meu pobre coração
Peço-Lhe por partilha
Ser humilde e pobre à Sua imagem,
De tudo deixar por Ele,
A Ele para sempre sem partilha
Amando cada vez mais cada dia,
Tê´l‟O enfim como único apoio
Sofrer com Ele o Calvário
Num pobre e santo mosteiro.
Sofrer, enfim! Sempre sofrer,
Oh, tal é meu ardente desejo!…
E diante do presépio oro
Com grande fervor,
Pedindo a Jesus Salvador
Que queira aceitar minha vida
Pela conversão dos pecadores,
Por aqueles que ultrajam Seu Coração!…
Neste pobre e frio estábulo,
Como é belo, o Menino Jesus!
Ó graça, ó prodígio, ó milagre,
Foi por mim, então, que Ele veio!
Ó doces carrilhões do Carmelo,
Voai alegremente ao Céu
Nesta noite misteriosa,
Tão pura e tão deliciosa.
P 75 Foi por mim que Ele veio (25 de dezembro de 1901)
No frio, no humilde estábulo,
Como é lindo, o Menino Jesus!
Ó graça, ó prodígio, ó milagre.
Sim, foi por mim que Ele veio.
(...)
Este doce Cordeiro, este Pequenino,
É a eterna, a verdadeira luz,
Aquele que Reina no seio do Pai
E vem nos dizer tudo sobre Ele.
(...)
 Santa Teresa Benedita da Cruz

O seguimento do Filho de Deus feito homem
Cada um de nós talvez já tenha experimentado tal felicidade natalina. Mas, até aqui, o céu e a terra não se uniram. Também hoje a estrela de Belém é uma estrela na noite escura. Já, no segundo dia, a Igreja tira as vestes festivas e se reveste com a cor do sangue e, no quarto dia, de cores enlutadas. Estêvão, o protomártir, que primeiro seguiu o Senhor para a morte, e os santos inocentes, as criancinhas de Belém de Judá, mortas cruelmente por mãos de algozes, estão ao redor da criança no presépio.
O que quer dizer isto? Onde está o júbilo das potências celestes? Onde está a tranquila bem-aventurança da noite santa? Onde está a paz na terra? “Paz na terra aos homens de boa vontade”. Mas, nem todos têm boa vontade. Por isso, o Filho do Pai Eterno nasceu da glória celeste, pois o mistério do mal encobriu a terra com a escuridão. Trevas cobriram a terra e Ele veio como a luz, que iluminou as
trevas, mas as trevas não O conheceram. Àqueles que O acolheram, Ele trouxe a luz e a paz; a paz com o Pai do céu, a paz com todos que, com Ele, são filhos da luz e filhos do Pai do céu, e a profunda paz do coração; mas, não a paz com os filhos das trevas. Para eles, o Príncipe da paz não traz a paz e sim, a espada. Para eles o Senhor é a pedra de tropeço, contra quem atacam e na qual serão destruídos. (...)
 Leitura Complementar (que foi lida e discutida durante a formação):

Livro “O presépio das crianças” (autor: Flávio Sampaio de Paiva, Editora Quadrante).
Destaco um trecho desse livro:
"(...) A nossa realização e felicidade mais profunda está em sermos fiéis à nossa vocação. Quando abrimos os olhos para enxergar a nossa vocação, fica claro o sentido de toda a nossa existência. Todas as peças da vida passam a ocupar o seu lugar, como as peças de um mosaico: o passado e o presente, os sonhos, o trabalho, o amor, as dificuldades, tudo fica mais claro e se harmoniza com o restante."



Bibliografia
 http://www.franciscanos.org.br/?page_id=6261, que contém algumas Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário Romano (NALC), promulgadas por Paulo VI, em 1969.
 http://www.acidigital.com/fiestas/advento/esquema.htm
 Obras completas de São João da Cruz.
 Obras completas de Santa Elisabete da Trindade
 Livro “Teu coração deseja mais – Reflexões e orações”, Edith Stein, 2ª Edição, Editora Vozes


quarta-feira, 8 de junho de 2016

Atitudes que ajudam a rezar


Dom Adelar Baruffi
Bispo de Cruz Alta


“A Igreja não pode dispensar o pulmão da oração” (EG 262), nos disse o Papa Francisco. Ela é o meio privilegiado do encontro cotidiano com Deus, conosco mesmos e com a comunidade de fé. No entanto, é preciso dispor-se, através de algumas atitudes.
A primeira atitude que facilita a oração é o recolhimento. Recolher a vida com toda a sua complexidade, recolhê-la, em especial diante de Deus. Estar presente e atento a tudo o que estou vivendo. A dificuldade é a distração. Se viver distraído e ausente a maior parte do dia, se não tenho consciência de mim mesmo habitualmente em cada atividade, se não me centro no que estou fazendo no decorrer do dia, o normal é que tampouco o faça no momento de oração. Oramos como vivemos e vivemos como oramos. Tomar consciência do corpo, dos sentimentos e da mente, com todos os pensamentos, reflexões, recordações e fantasias que aparecem e desaparecem. Exercitar a atenção central: a capacidade de ver e perceber tudo com uma luz interior. Invocar o Espírito Santo, que conduz o encontro com Deus. Quanto mais eu exercitar o recolhimento, tanto mais centrado estarei em cada momento.
A segunda atitude é exercitar o silêncio exterior e interior. Há ruídos exteriores e interiores. Não nos concentramos quando estamos em um ambiente ruidoso. O mesmo acontece quando temos um barulho dentro de nós mesmos: nervosismo, tensão, preocupações, angústia, agressividade, estresse... Este ruído emocional nos bloqueia e nos incapacita para estar, para estar simplesmente em atenção amorosa a Deus. É preciso criar espaços e tempos de silêncio: criar um clima silencioso, sereno, pacificador. Uma pessoa barulhenta o será em tudo: na vida e na oração. E uma pessoa silenciosa o será em tudo: na oração e na vida. O silêncio interior é absolutamente imprescindível para viver uma experiência de oração. Um silêncio interior que nos abra ao diálogo com Deus. Assim se expressava Henri Nouwen: “Senhor Jesus! As palavras que dirigiste a teu Pai brotaram do teu silêncio. Introduze-me neste silêncio, para que assim fale em teu nome e minhas palavras deem fruto. É tão difícil permanecer em silêncio, silêncio de palavras, mas também silêncio do coração... Há tantas coisas que falam dentro de mim... Sempre pareço estar enredado em debates interiores comigo mesmo, com meus amigos, com meus inimigos, com meus defensores, com meus adversários, com meus colegas e com meus rivais. Porém, este debate interior põe às claras quanto longe está de ti meu coração.” (Escritos Essenciales, Santander: Editorial Sal Terrae, 1999, p.95). Normalmente, a vida de uma pessoa ruidosa é superficial. A vida de uma pessoa silenciosa tende a ser mais profunda, integrada, positiva, unificada, repleta de harmonia, de paz e de plenitude.
A terceira atitude é a abertura para escutar e dialogar. A oração é sempre um diálogo, um encontro. Não é um monólogo, nem uma mera introspecção. É um encontro, uma saída de si, para dar espaço para acolher a Deus, que continuamente sai de si para nos encontrar, para nos falar. A abertura é fruto da consciência de si e do silêncio. Uma pessoa encerrada em seu próprio cárcere de tensões e angústias é incapaz de ver e perceber, de escutar e acolher o outro tal como é. Atitude de escuta que espera o Senhor. “Fala, Senhor, que teu servo escuta” (1Sm 3,10), disse Samuel. Escutar é uma atitude radical e essencial do homem que deseja viver aberto e acolhedor dos outros e a Deus. Escutar na oração, escutar a Deus, é, portanto, uma atitude permanente, que devo manter sempre, tal como são permanentes a comunicação e a manifestação de Deus.

A quarta atitude é a entrega de si. É uma entrega mútua em liberdade, em que eu acolho o dom infinito de sua presença e de seu amor e respondo livremente, em plena disponibilidade de amor obediente. Deus não dá coisas, ele se dá a si mesmo numa entrega total, infinita e eterna porque nos ama. Diante de Deus, portanto, só tem sentido a entrega e disponibilidade, o abandono confiante. “Faça-se em mim, segundo a tua Palavra.” (Lc 1, 38). Então, nessa experiência de amor, entrega-se, como barro modelável nas mãos de Deus.