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segunda-feira, 16 de maio de 2016

Teresa e Maria do Carmelo




Nossa Senhora está presente nos momentos mais decisivos da vida de Teresa. Já desde os primeiros balbuceios da sua infância é influenciada pela oração cadenciada do terço.
Com a idade de seis ou sete anos a mãe tinha o cuidado “em fazer-nos rezar e sermos devotos de Nossa Senhora e de alguns Santos”. Teresa continua a contar-nos que desde muito jovem “Procurava solidão para rezar as minhas devoções que eram muitas, em especial o Rosário, do qual a minha mãe era muito devota e assim nos fazia sê-lo”.

Quando Teresa perde sua mãe, que seria entre os treze e quatorze anos de idade, vai-se encomendar a Nossa Senhora. É ela a narrar: “Quando comecei a perceber o que tinha perdido, fui-me, aflita, a uma imagem de Nossa Senhora e supliquei-Lhe, com muitas lágrimas, que fosse minha Mãe. Embora o fizesse com simplicidade, parece-me que me tem valido; porque conhecidamente tenho encontrado esta Virgem soberana, sempre que me tenho encomendado a Ela, e, enfim, tornou-me a Si”.

Por amor e devoção a Nossa Senhora, Teresa entra no Carmelo da Encarnação de Ávila. Neste mosteiro, como em todos os outros, a presença de Maria é uma constante. A tomada de hábito marcou-a profundamente. Tomava o hábito de Nossa Senhora. Para ela, Nossa Senhora do Carmo é como a encarnação do estilo de vida e do espírito da Ordem. A partir da sua experiência mística a presença de Maria torna-se constante e integrante de muitas graças místicas.

São muitas as graças místicas que Teresa recebe ao longo da sua existência e que têm como objecto e conteúdo Nossa Senhora. Algumas são muito significativas para a sua vida e obra de fundadora. Recordo a que ela narra no Livro da Vida, capítulo 33. É uma espécie de vestidura que Maria faz a Teresa anunciando-lhe o facto de a partir deste momento ser mãe de uma nova família religiosa: o Novo Carmelo. Jesus une sua Mãe a este seu plano. Era no dia de Nossa Senhora da Assunção. Participava na Eucaristia na Capela do Santo Cristo do Convento de S. Domingos e veio-lhe um arroubamento tão grande que ficou fora de si. “Parecia-me, estando assim, que me via vestir uma roupa de muita brancura e claridade. A princípio não via quem ma vestia; depois vi a Nossa Senhora a meu lado direito e a meu Pai S. José à esquerda, que me vestiam aquela roupa. Deu-se-me a entender que já estava limpa de meus pecados. Acabada de vestir e eu com grandíssimo deleite e glória, logo me pareceu Nossa Senhora pegar-me nas mãos. Disse-me que Lhe dava muito gosto sendo devota do glorioso S. José; que tivesse por certo que, o que eu pretendia do mosteiro, se havia de fazer e nele se serviria muito o Senhor e a eles ambos; que não temesse que nisto houvesse jamais quebra, embora a obediência que dava não fosse a meu gosto, porque Eles nos guardariam e já Seu Filho nos tinha prometido andar connosco. Para sinal de que isto se cumpriria dava-me aquela jóia.

Pareceu-me então que me tinha deitado ao pescoço um colar de ouro muito formoso e preso a ele uma cruz de muito valor. Este ouro e pedras são tão diferentes das de cá, que não têm comparação”.

Santa Teresa teve outra graça mística mariana em que ela experimenta a glorificação de Nossa Senhora: “Em dia da Assunção da Rainha dos Anjos e Senhora nossa, quis o Senhor fazer-me esta mercê: num arroubamento representou-se-me a Sua subida ao Céu e a alegria e solenidade com que foi recebida e o lugar onde está. Dizer como foi isto, eu não saberia. Foi grandíssimo o deleite que o meu espírito teve de ver tanta glória. Causou isto em mim grandes efeitos e tirei de proveito ficar com mais e maiores desejos de passar grandes trabalhos e de servir a esta Senhora, pois tanto mereceu” (V 39, 26).

Noutra visão, Teresa compreendeu como o Senhor agracearia as suas irmãs de S. José de Ávila, ao colocá-las sob a protecção de Maria: “Estando todas no coro em oração depois de Completas, vi Nossa Senhora, com grandíssima glória, revestida dum manto branco e, debaixo dele, parecia amparar-nos a todas. Entendi quão alto grau de glória daria o Senhor às desta casa” (V 36, 24).

Apesar de serem muitas as graças místicas marianas experienciadas por Teresa de Jesus, há um parelelismo muito marcado entre a experiência que ela tem de Cristo e de Maria. Depois de tantos trabalhos e sofrimentos passados nas suas fundações Teresa alegra-se com as suas irmãs: “Nós alegramo-nos de podermos em algo servir a Nossa Mãe, Senhora e Padroeira” (F 29, 23). Jesus e Maria são duas criaturas sempre unidas na vida de Teresa e dos seus Carmelos: “Pouco a pouco se vão fazendo outras coisas para honra e glória desta gloriosa Virgem e de Seu Filho. Seja Ele para sempre louvado, ámen, ámen!” (F 29, 28).


P. Jeremias Carlos Vechina, OCD





MARIA SANTÍSSIMA

Não é um tema que tenha sido suficientemente estudado na Santa. A partir dos anos 20 deste século se investigou um pouco mais. Acaso porque outros temas tiveram mais ressonância em sua vida, experiência e doutrina. Mas o certo é que a Virgem Maria está presente nos momentos mais influentes da vida pessoal, de fundadora e de escritora de Teresa de Ahumada, já desde o lar paterno.
Farei especial relevo na presença mariana carmelitana. Para Teresa de Jesus, Maria é algo assim como a presença materna no espírito e na forma de entender a Cristo, a Igreja e as fundações que ela irá fazendo a partir do ano de 1562, como o meio de ajudar a Igreja no cumprimento de sua finalidade. Daí que seja interessante, e necessário, expor tal presença mariana e carmelitana pelas conotações que tem em seu modo de entender a presença de Maria em sua vida pessoal, como fundadora-renovadora de um espírito-estilo de vida antigo e clássico, e como escritora que terá uma influência enorme na espiritualidade posterior na família do Carmelo e de toda a Igreja.
A Santa faz um desdobramento enorme de formas e nomes para expressar a realidade de Maria Santíssima, tal e como ela a entende e a vive.
De todos os títulos e modos marianos, o que mais usa santa Teresa de Jesus é SENHORA (umas 66 vezes). Depois é o VIRGEM (umas 40 vezes). Logo, que é o título mais importante para a Santa, vem o de MÃE (umas 25 vezes). Em lugares mais secundários estão os títulos de PATRONA (8 vezes), Rainha dos anjos (3 vezes), Rainha do céu (1 vez), Intercessora (2 vezes), Imperatriz (1 vez) e Priora (1 vez). O título do Carmo e Monte Carmelo usa-o com uma relativa freqüência; contabilizamos umas cinco vezes, unido também à “Regra” da Ordem. Em algumas ocasiões faz igualmente alusão à Ordem do Carmo ou à Virgem do Carmo sem mencionar o nome concreto, falando simplesmente da Ordem da Virgem ou da Ordem de Nossa Senhora ou das “filhas da Virgem, cujo hábito trazemos”.
Considero texto essencial, e quase resumo de todo o marianismo teresiano, M 3,1,3: “E vós, que o trazeis também, louvai-O, pois verdadeiramente sois filhas dessa Senhora. Assim, não tendes de vos perturbar por eu ser ruim, já que possuís tão boa Mãe. Imitai-A e considerai a imensa grandeza dessa Senhora, bem como a vantagem de tê-la por padroeira”.

1. Presença de Maria em sua vida

A alma profundamente mariana de santa Teresa de Jesus se forja progressivamente, já desde os primeiros balbucios da infância no lar familiar. Ela mesma nos diz como na idade dos seis anos sua mãe tinha um cuidado especial de que fosse devota da Virgem: “Isto [que seu pai fora afeiçoado a ler livros espirituais], ao lado do cuidado de minha mãe em fazer-nos rezar e ter devoção por Nossa Senhora e por alguns santos, começou a despertar-me com a idade de, ao que me parece, seis ou sete anos” (V 1,1).
Desde muito menina procurava a solidão para praticar suas devoções preferidas: “Procurava a solidão para rezar as minhas devoções, que eram muitas, em especial o rosário, de que a minha mãe era muito devota, e, assim, nos fazia sê-lo” (V 1,6).
Seguirá a Santa nos dizendo como quando morreu sua mãe, Dª Beatriz, deu-se conta do que havia perdido, e acorreu à Virgem da Caridade, na ermida de São Lázaro, para suplicar-lhe que fosse ela sua mãe: “Recordo-me de que, quando minha mãe morreu, eu tinha doze anos, ou um pouco menos. Quando comecei a perceber o que havia perdido, ia aflita a uma imagem de Nossa Senhora e suplicava-lhe, com muitas lágrimas, que fosse ela a minha mãe” (V 1,7). Geralmente se admite que Teresa de Ahumada tinha então a idade de treze para quatorze anos.
Este acontecimento, singelo em si, mas muito emotivo e evocador na realidade para Santa, vemos como o entende que a Virgem, boa Mãe e eficaz intercessora, lha resgatou para ela: “Parece-me que, embora o fizesse com simplicidade, isso me tem valido; porque reconhecidamente tenho encontrado essa Virgem soberana sempre que me encomendo a ela e, enfim, voltou a atrair-me a si” (V 1,7). Pode referir-se a sua conversão e a sua vocação de carmelita, ou a uma das duas.
Desde muito pequena Teresa de Ahumada entra em comunhão com o fato mariano, que fará com que se manifeste ao longo de toda a sua vida espiritual e igualmente de fundadora: presença e confiança constantes.
Tudo isto irá aumentando em sua juventude e se acrescentará com sua entrada no Carmelo. Aos vinte anos Teresa entra no convento da Encarnação de Ávila. Ali, como todo o Carmelo, a presença de Maria é total: liturgia, quadros, títulos, devoções, festas. Especialmente o hábito do Carmo marcou Teresa. A pessoa de Maria do Carmo é como a personalização e a encarnação do estilo e do espírito de toda a Ordem.
E efetivamente, ela conserva o que viveu em sua casa; concretamente sua devoção ao rosário e a devoção à Virgem em sua Assunção ao céu, data na qual ficou aparentemente morta durante três dias, como ela mesma nos relata em V 5,9.
A partir de suas experiências místicas, a presença de Maria se acentua, pois será parte integrante de muitas dessas graças místicas, inclusive extraordinárias, como se verá mais adiante.

2. Experiência mística de Maria em Teresa de Jesus


Da vida, em seu discorrer quotidiano e humano, passou a ver a presença de Maria em sua vida espiritual, na oração e na doutrina da Santa.
Dentro da abundância de graças místicas, que Teresa de Jesus recebe ao longo de sua vida espiritual, as que têm Maria por objeto e conteúdo são muitas, e algumas significativas para sua vida e sua obra de fundadora.
A Virgem entra em cena com uma graça mística pessoal que tem dois objetivos: por uma parte, é o dom de uma pureza total de seus pecados e, por outra, uma espécie de vestição que a Senhora faz a Teresa, anunciando-lhe o fato de ser desde agora mãe de uma Nova Família Religiosa: O Novo Carmelo. Narra-o assim a Santa: “Enquanto me encontrava naquele estado [em grande arroubamento], tive a impressão de que me cobriam com uma roupa de grande brancura e esplendor. No início, eu não via quem o fazia, tendo percebido depois Nossa Senhora do meu lado direito e meu pai São José do esquerdo adornando-me com aquelas vestes. Eles me deram a entender que eu estava purificada dos meus pecados. Depois que acabaram de me vestir, estando eu com enorme deleite e glória, tive a impressão de que Nossa Senhora tomava-me as mãos, dizendo-me que lhe dava muito contentamento ver-me servir ao glorioso São José e que eu estivesse certa de que o mosteiro se faria de acordo com o meu desejo, sendo o Senhor e eles dois muito bem servidos ali. Eu não devia temer que nisso viesse a haver quebra, embora a obediência não fosse bem do meu gosto, porque eles nos guardariam, e o seu Filho já nos prometera andar ao nosso lado. Como sinal de verdade, ela me dava uma jóia” (V 33,14).
Certamente que aos planos de Jesus se une a ajuda e a presença de Maria. O Novo Carmelo de Teresa de Jesus será também obra da Virgem Maria.
No número 15 deste mesmo capítulo do Livro da Vida, a Santa completa a descrição desta visão com os seguintes detalhes de grande beleza: “Era grandíssima a beleza que vi em Nossa Senhora, embora não tenha podido observar nenhum traço particular seu, mas o conjunto do rosto, estando ela vestida de branco, com enorme resplendor, não do tipo que deslumbra, mas algo suave. Não vi o glorioso São José tão claro, mas percebi a sua presença, como nas visões de que falei, em que não se vêem imagens. Nossa Senhora me pareceu muito jovem”.
A vestição mariana tivera como um sinal precioso e valioso um colar de ouro, deixado pela Bem Aventurada Virgem Maria ao pescoço: “Tive a impressão de que ela me punha no pescoço um colar de ouro muito formoso do qual pendia uma cruz de muito valor” (V 33,14).
Não me detenho a relatar os muitos fenômenos místicos e as muitas experiências místicas que a Santa tem em torno de Maria, a Mãe de Deus. São vivências e experiências muito profundas de Maria que têm suas repercussões a nível de vida espiritual e pessoal de Teresa de Jesus, de sua tarefa de escritora e de sua obra de fundadora.
Não é difícil comprovar como se dá um certo paralelismo entre a experiência teresiana crística e mariana. Como sucede com o resto de todas as demais experiências místicas teresianas. Todas têm um objetivo comum, que é a glória de Deus, a santificação da agraciada e o ajudar a Santa a servir incondicionalmente a Igreja, pois ela está consciente de que servindo a Igreja, mediante a oração, o sacrifício e demais realidades da vida do Novo Carmelo, está servindo a Maria, a quem pertence a mesma Igreja e o Carmelo concretamente.
Por isso poderá dizer a Santa fundadora, já no final de seus muitos trabalhos, dificuldades e problemas gerados pelas fundações: “...ficamos alegres por poder servir em algo à Nossa Mãe, Senhora e Padroeira” (F 29,23). “...e, aos poucos, vão-se fazendo coisas em honra e glória desta gloriosa Virgem e do Seu Filho. Seja Ele para sempre louvado, amém, amém!” (F 29,28).
Também seus escritos querem ser honra, glória e serviço a Deus e a Mãe de Deus, Patrona e Senhora do Carmelo. Assim confessa a Santa sua atitude ao preparar o Caminho de Perfeição para a edição, segundo o manuscrito de Toledo: “Se algo houver bom seja para a glória e honra de Deus e serviço de sua sacratíssima Mãe, Patrona e Senhora nossa, cujo hábito eu tenho, ainda que muito indigna dele”.

3. Doutrina mariana, nascida de sua experiência

Em santa Teresa de Jesus nunca se pode falar de doutrina senão a partir de sua própria experiência. Ela sempre foi no ser antes doutrinada, experienciar e vivenciar, para depois poder assim, de alguma maneira, ensinar ou doutrinar.
As fontes de sua doutrina mariana foram, com certeza, a pregação, a leitura, o confessionário e, sobretudo, a oração, fonte de sua experiência, juntamente com a liturgia, que sempre celebrou com devoção e gozo, em particular as festas da Virgem, em algumas das quais recebeu muitas graças místicas relativas à vida e mistérios de Maria.
Os pontos nos quais incido um pouco são:

Maria, Mãe de Deus...

É o título de Maria que mais devoção, admiração e veneração causa na alma de Teresa de Jesus. A consideração de Maria e a contemplação de Deus, Pai e Senhor, passa pela encarnação e pela Humanidade de Cristo. A Maria se considera sempre muito unida a Humanidade de Cristo na vida cotidiana, e até nas alturas da maior contemplação; são caminho seguro para a união de amor com Deus. Os textos tradicionais de V 22 e M 6,7 dão boa razão de tudo isto.

Maria no mistério de Cristo: vida e pregação

Teresa de Jesus contempla toda a vida de Maria de Nazaré unida a Cristo, seu Filho, na vida oculta de Nazaré e na vida pública pelas aldeias e cidades da Palestina. Ela é a Mãe do Filho de Deus, Jesus de Nazaré, que compartilha tudo o que Ele faz e que goza, sofre e fracassa ou triunfa com Ele. São duas vidas paralelas, de alguma maneira. Sendo distintas, estão unidas pelo amor e a entrega a Deus e pelo amor e o serviço aos homens.

Maria no mistério da Igreja

A Santa está segura de que Maria é parte integrante e importante da Igreja, a qual ela quer ajudar em sua evangelização e na tarefa de levar até os confins da terra o Evangelho, a salvação. Servir a Igreja, amar a Igreja, defender a Igreja com a oração e com as missões, é servir a Maria, amar a Maria e defender a Maria. Como prestar tudo isto a Maria é prestá-lo a Igreja, pois são Novos Carmelos - “pombaizinhos” de Maria - para servir e ajudar a Igreja em sua evangelização.

Maria, modelo e mãe da vida espiritual

Maria é modelo em tudo: na vida da graça e de virtudes; de oração e de vida cristã. Mas é também mãe de toda a vida espiritual.
Tudo parte de Maria como modelo do seguimento a Cristo. Em Maria a Santa encontra o modelo do seguimento de Cristo para ela e para suas filhas, assim como em Maria ela encontra a dignidade de ser mulher e de ser cristã (cf CE 4,1) onde diz assim: “Nem Vos aborrecestes, Senhor, quando andáveis no mundo, com as mulheres; sempre as favorecestes com muita piedade, e achastes nelas tanto amor e mais fé que nos homens, pois estava vossa sacratíssima Mãe em cujos méritos merecemos - e por ter seu hábito - o que desmerecemos por nossas culpas”.
Teresa faz ressaltar como Maria seguiu a Cristo até a cruz, e plena de fortaleza: “O que devia passar a gloriosa Virgem ao pé da Cruz!” (C 26,8). A Santa descreve a atitude de Maria ao pé da cruz assim: “Sua Mãe e Senhora nossa quando esta estava ao pé da cruz, e sem dormir, mas padecendo em sua santíssima alma, morrendo dura morte” (Conc 3,11).
Deste seguimento de Jesus até ao final nasce o ser modelo de oração e virtudes cristãs.
O Carmelo é uma estirpe de contemplativos: este foi nosso princípio e desta casta viemos, daqueles santos Padres nossos do Monte Carmelo (cf M 5,1,2). Na Virgem do “Fiat” o cristão há de encontrar o modelo de entrega a Deus e a sua contemplação (cf M 5,1.2.3).
Maria é igualmente modelo de todas as virtudes cristãs. Não podia ser menos, pois Teresa de Jesus vê em Maria a mulher engrandecida pelo Senhor e, ao mesmo tempo, a mulher próxima e entregue ao serviço do homem na cristandade. Por isso a Santa contempla nela especialmente duas classes de virtudes: Por uma parte duas das três virtudes teologais, como são a fé e a caridade e, por outra, duas virtudes morais: a humildade e a pobreza.
“Sua Mãe Sacratíssima, porque Ela estava firme na fé e sabia que Ele era Deus e homem....” (M 6,7,14). Maria Santíssima se apoiou sempre e em tudo na fé, desde a Encarnação até a Ressurreição.
Não foi menos grande a prática na caridade. A Santa está convencida da força e essencialidade da caridade quando afirma: “E entendi, estando descuidada disso: que não era boa mortificação. Qual era melhor: a pobreza ou a caridade. Que o melhor era o amor, que eu não deixasse tudo aquilo que me despertasse para ele” (R 30). “E creio que, se fosse respeitado no mundo como deve, este mandamento favoreceria muito a guarda dos outros” (C 4,5).
Na Vida Cristã sempre haverá um motivo mariano para viver o amor de uns para com os outros: “Assim, pois, minhas filhas, todas o são da Virgem, e irmãs entre si, procurem amar-se muito umas às outras, e façam de conta que nada aconteceu” (cta 312,5 – 13 de janeiro de 1580, às Carmelitas Descalças de Sevilha).
Duas virtudes morais muito características na Virgem, são a humildade e a pobreza, que até no Magnificat exalta Maria (cf CE 19,3).
Humilde é Maria no nascimento de Jesus (cf C 16,2) e por isso haverá sempre que imitá-la (cf C 13). Humilde é Maria na Apresentação de Jesus no Templo (cf C 31,2). Maria é também humilde porque sabe perguntar. Por isso é mais sábia que ninguém (cf Conc 6,7).
Desde o ponto de vista da presença materna de Maria na vida da Santa, duas são suas dimensões mais freqüentes: sua intercessão e a Virgem Dolorosa ou do sofrimento.
Maria é a que intercede constantemente diante de Deus pelos homens, particularmente pelos pecadores. Pode-se ver, entre outros, os seguintes textos: V 1,7; 5,1 e 6; F Prol., 5; 10,2; 10,5; 16,5; 23,4; M 1,2,12; CE 4,2...
Quanto as dores (e os gozos) de Maria, pode-se ver os seguintes textos: V 6,8; R 15,1; 36,1; 58; M 6,7,6; cta 9,9 – 27 de maio de 1568, a Dª Luisa de la Cerda.
A devoção, o amor e o fato de querer inculcar a devoção a Maria em todos os cristãos, mas especialmente em suas filhas e em todo o Carmelo, estão plasmados em definitivo, no interesse por fazer um comentário a Ave Maria, como fez ao Pai Nosso. Ela no-lo confessa com estas palavras: “Também pensei dizer-vos algo de como haveis de rezar a Ave Maria” (CE 73,2). Um propósito que não pode cumprir por suas muitas ocupações, e que teria sido uma boa síntese de toda a sua experiência Mariana, de sua doutrina e de seu marianismo inclusive (mariologia), de alguma maneira elaborados e doutrinalmente organizados.


4. Advocação especial do Carmo ou do Monte Carmelo

A devoção à Virgem do Carmo ou do Monte Carmelo, juntamente com um amor incansável e um labor sem tréguas por sua expansão e renovação, se respira por todos os poros do corpo da Santa e pelos resquícios mais inverossímeis de seu espírito.
O amor a Virgem é desde o seio materno, e no lar familiar se alimenta constantemente. Todo ele se incrementará fortemente com seu ingresso aos vinte anos no Carmelo, que tem uma tradição mariana muito viva.
A tudo isto há que se acrescentar sua própria experiência pessoal, seja espiritual seja fundacional. O Carmelo é propriedade da Virgem; propriedade esta afirmada de diversas maneiras; o Carmelo é a Ordem da Virgem Nossa Senhora.
Um dos propósitos de sua primeira fundação (a de São José de Ávila) era honrar o hábito da Virgem: “Vi então realizada, de acordo com os meus desejos, uma obra que eu sabia ser para o serviço do Senhor e para a honra do hábito de sua gloriosa Mãe” (V 36,6).
Efetivamente, o Senhor lhe agradece numa ocasião o que está fazendo por sua Mãe: “Quando fazia oração na igreja antes de entrar no mosteiro e estando quase em arroubo, vi Cristo que, com grande amor, me recebia e punha em mim uma coroa, agradecendo-me pelo que eu fizera pela Sua Mãe” (V 36,24).
Ela sempre se sentiu pessoalmente e a toda a Ordem, protegida e amparada pela capa ou o manto da Virgem do Carmo. Tudo isso era para santa Teresa sinal do alto grau de glória que o Senhor daria a seus conventos: “De outra vez, quando estavam todas no coro em oração depois das Completas, vi Nossa Senhora cercada de glória com um manto branco, debaixo do qual parecia amparar todas nós. Percebi o elevado grau de glória que o Senhor daria às religiosas desta casa” (V 36,24).
Curiosamente a Santa fala sempre de capa, de manto ou de hábito da Virgem do Carmo ou de Nossa Senhora do Monte Carmelo, mas nem uma única vez fala do Escapulário do Carmo como sinal de proteção ou de amparo da Virgem. Somente em duas ocasiões fala nas Constituições das medidas materiais que há de ter o escapulário, peça que forma parte de tudo o que é o hábito carmelitano. Pode-se ver Constituições 4,2 e 17,10. provavelmente à Santa interessava mais a pessoa mesma da Virgem na Ordem que os privilégios ou formas externas de sua presença, significadas por uma peça concreta do hábito, quando, na realidade, o sinal mais completo e totalizante de consagração, de entrega e de permanência na Ordem de Nossa Senhora do Monte Carmelo é todo o hábito em si, considerado em sua totalidade.
Como conseqüência da presença e de todo o amor de Maria a Família do Carmelo, Teresa de Jesus propõe algumas atitudes concretas de resposta filial:
1º) Servir à Senhora, Mãe, Rainha e Patrona da Ordem.
2º) Amor a Virgem e a sua Ordem.
3º) Guardar a Regra de Nossa Senhora e Imperatriz com toda a perfeição que se começou.
4º) Louvor e gratidão a Senhora e Patrona e Mãe, cujo hábito trazemos e da qual somos filhas, pelas novas casas -“pombaizinhos da Virgem”- que se vão fundando, para sua glória e honra.
5º) Gozo e júbilo de filhas por ser tão queridas e amadas pela Mãe que é do Senhor e Intercessora nossa.
6º) Teresa de Jesus acolhe a bondade de Maria como se acolhe a misericórdia de Deus: “Valha-me a misericórdia de Deus, em Quem sempre confiei por intermédio do Seu Filho Sacratíssimo e da Virgem Nossa Senhora, cujo hábito, pela bondade do Senhor, trago” (F 28,35).

5. Conclusões

1ª A devoção e o amor a Maria, a Virgem, em santa Teresa de Jesus, são profundamente filiais, arraigados na tradição familiar e na devoção do povo, que se incrementam e se personalizam na vida do Carmelo e que têm traços pessoais e da própria experiência.
2ª Os títulos que a Santa usa na maneira de entender as relações espirituais com a Virgem Maria são muitos e de crivo diverso. Porém sempre correspondem às convicções, atitudes e desejos profundos que aninham na inteligência, no coração e no zelo evangelizador de santa Teresa de Jesus.
3ª O verdadeiro caminho da descoberta de Maria Virgem na vida da Santa é a oração e a experiência mística, acompanhadas da imitação da oração recolhida de Maria e de suas virtudes mais destacadas no Evangelho.
4ª Santa Teresa de Jesus não faz - e seria uma ousadia em seu tempo intentá-lo - nenhum tratado de Mariologia. Está claro que a Santa fala muitas vezes de Maria em seus escritos e que em sua vida tem presença preponderante e influente.
5ª Nela não há conceitos mariológicos, mas vivência e experiência marianas. Poder-se-ia falar melhor, pois, de marianismo teresiano que de Mariologia teresiana.
6ª Seu testemunho mariano é essencialmente experiencial e vivencial.
7ª A experiência e vivência são parte da vida espiritual. Por conseguinte são fontes de ensino que se transmite, como é o caso de santa Teresa de Jesus.
8ª A experiência teresiana de Maria vai fundamentalmente unida a sua experiência trinitária e crística. Dá-se um certo paralelismo nesse campo concreto experiencial teresiano.
9ª A Santa vê, ama e venera a Maria particularmente como Mãe, Virgem e Senhora. em segundo lugar como Rainha, Patrona, Intercessora, Imperatriz.
10ª A Ordem do Carmo é a Ordem de Nossa Senhora, da Virgem.
11ª Santa Teresa propõe com freqüência a Virgem como modelo de união com Deus, de oração e como mestra de todas as virtudes, entre elas da fé, a caridade, a humildade e a pobreza.
12ª Maria está presente em toda a vida da Santa: desde de sua infância, passando por sua juventude, até chegar a sua morte, tanto na vida espiritual como em sua tarefa de fundadora, ademais de sua tarefa de escritora e formadora.
13ª O tema de Maria em santa Teresa de Jesus não suscitou demasiado entusiasmo. Dentro da investigação mariana na Santa os temas mais estudados foram sua devoção e amor a Maria e sua experiência mística de Maria.

Bibliografia - Eloy Ordás, Mariología de Santa Teresa de Jesús, Lérida 1923; A. de Castro Albarrán, Mariología de Santa Teresa de Jesús, Lérida 1934; Archange de la R. del du carmel, La Mariologie de Sainte Therésè, Etudes Carmelitaines 9 (1934) VIII-62; Otílio del Niño Jesus, Espíritu mariano de Santa Teresa de Jesús, MteCarm. 42(1941) 154-165; 247-266; Ildefonso de la Imaculada, Principios marianos de la Reforma Teresiana: Un precedente de la escuela francesa del siglo XVI, Ephemerides Mariologicae 31 (1981) 35-50; Miguel Boyero, L Virgen Maria en la espiritualidad de Santa Teresa de Jesús, Roma 1977; Pedro Maria Valpusta, La Virgen Maria en Santa Teresa de Jesús, MteCarm. 89 (1981) 183-208; Emmanuel Renault, Vie et pensée mariales de Ste. Therésè d’Avila, Saint-Sever/Adour, 15 Août 1988, 23 pp.; Joseph de Sainte Marie, La Vierge du Mont-Carmel. Mystère et prophétie, Editions P. Lethielleux, Paris 1985, pp. 291-341: Annex 1: L’experiénce et la doctrine mariales de Sainte Therésè de Jésus.

Mauricio Martín del Blanco


INTRODUÇÃO ÀS ORIGENS: HISTÓRIA DA ORDEM CARMELITA


Por que nascem as Ordens, Congregações e Movimentos religiosos?
As Ordens, Congregações ou Movimentos Espirituais surgem na Igreja por causa da busca constante do “homem religioso” pelo Absoluto: Deus. Ele mesmo sacia esta “sede”, pois Ele é “Água Viva”, é “Fonte”. Ao mesmo tempo são como que “resposta de Deus” às necessidades espirituais da Igreja e do mundo.
Em que consistem as diversas espiritualidades ou carismas dessas Ordens e/ou Congregações? Consistem no Amor, inspirado nas almas pelo próprio Deus, que é Amor.
Deus é o Amado , Aquele que é procurado com ânsias pelas almas amantes... Quando estamos “apaixonados por alguém”, não é verdade que buscamos belos e agradáveis (às vezes, divertidos) lugares para nos encontrarmos com “o namorado” e “a namorada”? Bem sabemos que, na verdade, o que mais importa é a pessoa amada por si só; mas, gostamos de ter um ambiente especial para esses encontros... Assim, as diversas Ordens, Congregações e Movimentos são como que “jardins” ou “praças” diferentes para esses encontros entre a alma e seu Amado: Deus. Nesses “jardins plantados pelo Espírito Santo”, tanto Deus como as almas encontram belas e diversas “flores” (os carismas e espiritualidade próprias de cada Ordem ou Congregação) para dar um ao outro. Cada alma, porém, se agrada mais de um tipo ou outro de “jardim”, para lá ter seus encontros com seu Deus. Isto se chama vocação .

I - ORIGEM DA ORDEM CARMELITA
A Ordem Carmelitana teve sua origem no Monte Carmelo, na Palestina. E seu espírito está caracterizado por dois elementos: sua origem Eliana, ou de Santo Elias e Mariana ou de Maria. são os germens que abrem, continuam e fecharão a história, a tradição e a espiritualidade do Carmelo.
Habitando junto à fonte de Elias, em torno de uma ermida dedicada à Virgem, com o tempo, os eremitas foram sendo conhecidos como IRMÃOS DE NOSSA SENHORA DO MONTE CARMELO e, ao longo das três primeiras décadas do século XII, puderam amadurecer sua espiritualidade e estilo de vida próprios. O Carmelo experimentou e confirmou, com santa Teresa e são João da Cruz, esta inspiração Mariana das origens. Modelo de oração e abnegação no caminho da Fé, Maria é aquela que se consagrou a acolher e a contemplar com a inteligência e o coração, a Palavra do Senhor, deixando-se guiar pelo Espírito Santo. A contemplação de Maria, como perfeita realização do ideal da Ordem, nos estimula a seguir suas pegadas a fim de que, com o coração de “pobres do Senhor”, na perene meditação da Palavra de Deus e no multiforme dom da caridade, configuremos nossa vida à dela. Assim seremos introduzidos no mistério de Cristo e de sua Igreja.



II - O MONTE CARMELO
O Monte Carmelo se eleva entre os confins da Galiléia e Samaria na Palestina. Limita-se pelo norte com Haifa, cidade marítima; pelo Sul, com as terras de Cesaréia; pelo leste com as planícies do Esdrelon e Saron e pelo oeste com o mar Mediterrâneo. Compõe-se de uma espécie de cadeias de montanhas que medem uns 30 Km de comprimento e 12 Km de largura. O pico mais alto é de 600 metros sobre o nível do mar, lugar este chamado do Sacrifício. Tanto ao pé do Monte, como em suas ladeiras e no cume, tudo cativa: os bosques, as dunas nas encostas; com o mar que se abre em frente, roubando cor e serenidade ao céu intenso do Oriente. Na primavera florescem anêmonas, margaridas, estrelas de Belém, gotas de sangue, arbustos e plantas aromáticas, elementos que contribuem para a beleza da paisagem e serviram a Salomão de inspiração para expressar a beleza da esposa do Cântico dos Cânticos: “Tua cabeça e tão linda quanto o Carmelo” (Ct 7,5).

III - PERFIL HUMANO E REGRA
III. 1 - PERFIL HUMANO
O Monte Carmelo foi com o correr dos tempos, o cenário de interessantes dramas humanos. Ali viveu Elias, o profeta, saboreando a presença divina“Vive Deus, em cuja presença estou” e, ao levantar-se como uma chama de zelo, marcou a história de Israel. Seu zelo ardoroso foi recompensado ali mesmo com a visão misteriosa da nuvem. “Eu me consumo de zelo pelo Senhor Deus dos exércitos!” Em sua mente se iluminou então, a idéia de uma sucessão espiritual consagrada ao serviço de Deus e realizou a sua obra, deixando após si uma escola e profetas, sendo Eliseu o primeiro deles. Pela montanha bíblica passaram também muitas raças e civilizações orientais e ocidentais. Os Cruzados lhe deram nova vida; foi a chegada de homens fervorosos para a vida eremítica, de maneira que se pode dizer que com eles começou propriamente a história da Ordem, entre fins do século XII e princípios do século XIII. Congregados por Aimérico de Malafaida, organizaram-se os eremitas sob a direção de São Bertoldo.

Era uma época de ressurgimento da vida eremítica, e os lugares santos, como desertos e montes bíblicos, apresentavam-se como ideais àqueles que procuravam encontrar Deus através da solidão e do silêncio. Ainda que vivendo de forma eremítica estes primitivos carmelitas, não deixaram de constituir uma pequena comunidade, na medida em que compartilhavam de interesses e necessidades comuns. (Este tipo de vida é chamado EREMÍTICA (vem da palavra eremus = deserto), isto é, vida solitária no deserto e teve seu início no século III, e como principais modelos temos São Paulo de Tebas (229-342) e Santo Antão (250-356), chamado o “Pai dos Monges”. (A palavra anacoreta é sinônima de eremita.) Como esses cristãos viviam SÓ PARA DEUS, longe do mundo passaram a ser chamados MONGES — palavra que se origina do grego: MONACHÓS (MONOS = SÓ) — que significa aquele que está só, que vive só para Deus.) Liderados por um certo Brocardo, buscaram uma organização jurídica mais sólida, demandando ao Patriarca de Jerusalém, Alberto de Vercelli, que lhes estabelecesse uma regra, tal como as demais ordens religiosas, a qual foi redigida entre 1206 – 1214.
 
III. 2 - PRINCIPAIS CONTEÚDOS DA REGRA DO CARMELO
A nova fórmula de vida delineada pelo Patriarca de Jerusalém, ressoa o eco da vida dos antigos monges da Palestina e tem como pontos essenciais :
Viver em obséquio de Jesus Cristo, servindo-O fielmente com coração puro e reta consciência, pondo somente nele a esperança da salvação, e prestando-lhe obediência na pessoa do Prior (Superior), com espírito de fé;
Permanecer na cela, meditando dia e noite a Lei do Senhor e fortalecendo o espírito com pensamentos santos, para que a Palavra de Deus esteja sempre em nossos corações e em nossos lábios, e tudo se realize pela Palavra do Senhor;
Celebrar diariamente em comum a Eucaristia e a oração da Igreja (Liturgia das Horas);
Praticar a ascese evangélica e revestir-se das armas que Deus nos dá, para viver piedosamente em Cristo;
Imitar o apóstolo Paulo na generosa laboriosidade “quem não trabalha não pode comer” e exercitar-se continuamente na mortificação, mediante a discrição que tempera as virtudes;
Instaurar uma comunhão de vida, baseada nas relações fraternas, na mútua correção caridosa, na comunicação dos bens e recíproca preocupação espiritual, sob a autoridade do Prior, posto a serviço da comunidade;
Acima de tudo, cultivar a oração contínua em solidão, espírito de vigilância evangélica.

III. 3 - QUADRO SINÓTICO DA REGRA DO CARMELO

A - REGRA ALBERTINA- dada por santo Alberto aos ermitãos do Monte Carmelo (entre 1206 – 1214). Adaptada à vida exclusivamente eremítica– celas separadas, comiam sozinhos nas celas. Ofício Divino rezado individualmente.

B - REGRA INOCENCIANA- a mesma Regra, aprovada pelo Papa Inocêncio IV em 1247 e adaptada às novas condições de vida, pois os ermitãos haviam se transladado para a Europa.
Mitigações introduzidas:
Permitido residirem nas cidades e fazerem fundações fora dos desertos;
Refeições num refeitório comum;
Ofício Divino rezado comunitariamente;
Suaviza-se a abstinência da carne;
Diminui-se o tempo do silêncio.
As mitigações foram dadas através da Bula Pontifícia: "QUAE HONOREM", em 1º de outubro de 1247. Esta será a Regra que adotará santa Teresa de Jesus ao fundar o Mosteiro de São José de Ávila em 24 de agosto de 1562.

C - REGRA EUGENIANA- Através da Bula ROMANI PONTIFICES, dada em 15 de fevereiro de 1432, o Papa Eugênio IV amenizou 3 pontos da Regra:
o jejum;
a abstinência perpétua de carne
e o encerramento na cela.
Essa versão da Regra é conhecida como “REGRA EUGENIANA” OU REGRA MITIGADA e era adotada no Mosteiro da Encarnação de Ávila, quando nele entrou santa Teresa de Jesus na idade de 20 anos, e de onde saiu para fazer a Fundação do seu 1º mosteiro da reforma, o Convento de São José de Ávila.

IV - MONJAS E ORDEM SECULAR

IV. 1 - INSTITUIÇÃO DAS MONJAS:
João Soreth – Padre Geral da Ordem, em meados do ano 1452, introduziu a instituição da ordem 2ª, ou ramo feminino do Carmelo, uma das realizações mais importantes do seu governo, que teria um desenvolvimento muito fecundo e permanente.
É certo que desde o século XIII, muitas mulheres piedosas se recolhiam em casas particulares, buscando viver, no afastamento do mundo, a prática da perfeição cristã através da oração e da penitência, adotavam como norma de vida a Regra do Carmelo. Não eram , porém, reconhecidas oficialmente como monjas. Atendendo, o pedido de afiliação por parte de diversas comunidades femininas, que desejavam professar canonicamente a Regra Carmelita, demandou uma autorização oficial ao Papa Nicolau V, o qual acedeu no dia 5 de outubro de 1452, dando às monjas o direito de compartilhar da vida do Carmelo “em toda a sua realidade”. E os Mosteiros foram se espalhando por toda a Europa.

IV. 2 - INSTITUIÇÃO DA ORDEM SECULAR:
Era comum naquela época, que os fiéis se afiliassem a uma Ordem religiosa para participar do seu espírito e de seus méritos. Assim surgiram Irmandades e Confrarias. A Ordem Carmelita Secular foi também obra de João Soreth, que conseguiu a aprovação Pontifícia em 1452. A confraria do Carmo não foi propriamente obra dele, mas foi seu organizador.
A Ordem Secular é uma associação de fiéis que se empenham por tender à perfeição evangélica no mundo, inspirando-se na espiritualidade do Carmelo Teresiano. A Ordem põe à disposição o seu patrimônio de Doutrina, de vida evangélica e oferece também a ajuda fraterna da direção espiritual.
Por sua vez, exige dos membros da Ordem Secular, a fidelidade ao Carisma da Ordem, mas na mais ampla autonomia do estilo de vida próprio dos religiosos e na plena valorização dos estados da vida secular.
Os membros da Ordem secular juntamente com Frades e Monjas, gozam dos mesmos bens espirituais de toda a Ordem.
Os ideais vocacionais da Ordem Secular são:
Amor a Deus;
Oração contemplativa;
Ascese do desapego;
Caridade fraterna e zelo Apostólico.
Tudo isto vivido na intimidade da Mãe de Deus e sob a sua proteção.
As pessoas que não puderem pertencer à Ordem Secular poderão receber o escapulário de Nossa Senhora do Carmo, que é um sinal de consagração a ela. É concedido pelos sacerdotes Carmelitas ou por outro.

V - O CARMELO - SÉCULOS XIII a XVI

V. 1 - NA PALESTINA
A partir de 1210, contando com a ajuda dos peregrinos, chegou-se a fundar até 15 Mosteiros no Oriente Médio, Tiro, Sarepta, Jerusalém, Monte Líbano, Antioquia, Deserto da Quarentena, Valin da Galiléia, sob a Regra de Santo Alberto, sendo todos eles, subordinados ao Mosteiro do Monte Carmelo Onde existiam :
 O Convento de São Brocardo, no Vale dos Mártires, cujas ruínas foram recentemente descobertas.
 O Mosteiro Santa Margarida, primeiro de monges gregos e logo de Carmelitas, a uns 5 quilômetros da fonte de Elias: grutas cavadas nas rochas imponentes que fecham o extenso vale.
 O Convento do Sacrifício, no lugar em que os arqueólogos assinalaram como o correspondente à grande façanha de Elias.
 O Convento atual do Promontório, onde Santa Helena construíra uma Basílica e onde agora se levanta o formosíssimo templo com a efígie da “Grande Milagrosa” e a gruta de Elias.
 Nos cimos provocadores de êxtases, e nos ondulados da santa Montanha palestiniana, viveram todos esses homens, rodeados de uma natureza esplêndida e apropriada para elaborar o mel da contemplação. A quietude do lugar e o silêncio fecundo os convidava para isso. A Regra que mais tarde redigiu Santo Alberto de Jerusalém e o “livro da instituição dos monges” são dados precisos do seu viver.
 A historiografia tradicional, mais piedosa que crítica, nos recorda aqueles solitários com as mais fortes cores. Homens santos e penitentes unidos a Deus. Carmelitas que sofreram o martírio; os últimos morreram no Vale dos Mártires; o Mosteiro da santa Montanha foi incendiado e os últimos eremitas que ainda viviam junto à fonte de Elias foram assassinados, enquanto cantavam a “SALVE REGINA”. ESTA, ENTOADA ATÉ HOJE NOS CARMELOS DO MUNDO INTEIRO.

V. 2 - EMIGRAÇÃO - OCIDENTE
No princípio parecia que a Ordem não sairia da Palestina, contudo o recrudescimento dos conflitos entre os cruzados e muçulmanos a partir desta época, obrigou os Carmelitas a emigrar para o Ocidente. A Sicília foi a primeira nação da Europa , que conheceu Carmelitas. A maior parte dos Carmelitas foi se estabelecer em Chipre, Sicília, França e Inglaterra nos anos de 1215 – 1238. Porém, a emigração definitiva foi no ano de 1291, com a queda de São João do Acre, último baluarte de defesa dos Cruzados na Palestina.

V. 3 - OUTRAS VICISSITUDES
Antes de se consolidar na Europa a Ordem teve que sofrer oposições sistemáticas, por muito tempo e de muitas formas.Nos novos conventos, os Carmelitas, num primeiro momento, almejaram prosseguir seu estilo de vida eremítico. No entanto, logo perceberam ser isto quase impossível, já que as condições sociais, políticas, econômicas e religiosas da Europa eram bem distintas. Floresciam e impunham-se então, como modelo alternativo de vida religiosa no Ocidente, as Ordens mendicantes, principalmente a dos franciscanos e dos dominicanos, que se voltavam mais para a atividade apostólica do que para a contemplação.
Os Carmelitas, apesar de seu carisma contemplativo, não escapariam da sua influência e, até por uma questão de sobrevivência dentro do cenário religioso da Europa do século XIII, foram incorporando certas características e costumes próprios da vida ativa. Abandonando os desertos, os Carmelitas passaram a estabelecer seus conventos nas cidades, onde desempenhariam tarefas apostólicas e pastorais. O antigo eremita que deveria permanecer na sua cela, meditando dia e noite na lei do Senhor, como determinava a Regra de santo Alberto, cedia lugar para o religioso que dividia seus momentos de oração com a pregação, o estudo e a cátedra universitária. A Ordem atribuiu como sendo uma intervenção especial de Maria, a entrega do Escapulário a São Simão Stock, no dia 16 de julho de 1251. Iniciou-se então a devoção ao ESCAPULÁRIO DO CARMO.
A Ordem começou a expandir-se num ambiente favorável. A causa que favorecia o desenvolvimento na Europa era o culto a Maria, muito agradável aos fiéis. Em 1247, sendo geral da Ordem, Simão Stock, Os carmelitas obtêm do Papa Inocêncio IV a adaptação da Regra primitiva, que regularizava as mudanças no seu estilo de vida caracterizando institucionalmente a Ordem como MENDICANTE.

VI - ORDENS MENDICANTES:
“As nobres aspirações à pobreza dentro da Igreja não haviam de perecer por completo no fanatismo e na agressividade. Para salvá-las, Deus quis suscitar no início do século XIII os fundadores das ordens - São Francisco de Assis e São Domingos de Gusmão - ditas “mendicantes” — porque viviam, em grande parte, de esmolas — também eles PREGADORES AMBULANTES, mas integrados dentro da Igreja. Estes deram origem à família que entre outras, apresentavam as seguintes notas:
Culto da pobreza não só individual, mas também comunitária, os irmãos viviam do trabalho manual ou de esmolas; eram provavelmente todos leigos, de início.
Para tornar mais eficaz a sua pregação, renunciavam a habitar em montes ou lugares retirados como os antigos monges, a fim de estabelecerem-se em centros populares; renunciavam também à estabilidade, no mesmo lugar, que os antigos monges praticavam.
Constituíram as chamadas “Ordens Terceiras” (a Primeira era a dos frades; a Segunda, a das Freiras), que se abriam às pessoas casadas, proporcionando-lhes algo da vida regular; no mundo obrigavam-se a observar normas de oração e práticas de penitência e caridade.
Por mais que se distanciassem de seu carisma fundacional, os carmelitas desse período esforçaram-se por identificar-se como Ordem contemplativa, buscando inclusive revalorizar suas raízes, estabelecendo sua origem histórica nos profetas do Antigo Testamento que habitaram o Monte Carmelo. Ao longo do século XIII, muitos Carmelitas reivindicaram um retorno às origens eremíticas da Ordem, lamentando o seu desvirtuamento. No entanto, o seu processo de transformação se desenvolvia irresistivelmente, experimentando notável crescimento durante a segunda metade do século XIII, não igualando em toda a sua história posterior.
No século XIV, muitos Carmelitas começariam a desempenhar atividades nas grandes universidades européias e a assumirem bispados. A ala que defendia o estilo de vida eremítica, mais de acordo com as origens da Ordem, vai perdendo força e influência, e o governo passaria às mãos dos doutores e catedráticos. No fim desse século, a Ordem havia atingido o seu apogeu em termos numéricos, de prestígio intelectual e político, mas, ao mesmo tempo, começava a sofrer um processo de decadência religiosa e espiritual, que se acentuaria no século seguinte.
Nesse período, o relaxamento dos costumes e do espírito da Ordem, principalmente no referente à VIDA DE ORAÇÃO, À POBREZA EVANGÉLICA E À OBSERVÂNCIA RELIGIOSA, assumiria grandes proporções, muitas vezes sendo justificadas através da própria legislação, modificada com a segunda mitigação da Regra carmelita, em 1432.
Diante disso apareceram movimentos reformadores, que a partir de diversos focos buscavam revigorar a vida religiosa da Ordem, quase propondo a retomada fiel da antiga observância, tal como estava estabelecida na Regra de santo Alberto. Eleito Geral da Ordem, João Soreth, no ano de 1451, procurou realizar uma reforma geral que, partindo dos Países Baixos, deveria encampar todas as Províncias. Seu alcance, no entanto, foi limitado. Todos os intentos de reforma fracassaram até que chegou Santa Teresa - no século XVI - e o que não puderam fazer muitos homens o conseguiu uma mulher: REFORMOU A ORDEM DO CARMO. O tronco velho se secou e a herança autêntica dos primitivos carmelitas passou de fato e de direito aos DESCALÇOS. Portanto temos três regras: a 1ª - a primitiva ninguém a segue; os Descalços seguem a segunda e os Calçados a terceira.
Durante três longos séculos, os religiosos permanecem ausentes da Santa Montanha, No século XVII, no ano de 1631, retornam, graças ao zelo e aos esforços do Padre Próspero do Espírito Santo, OCD, ganhando-o para a Reforma Teresiana. Parece ainda ouvir-se a voz do Profeta Isaías: ”A SANTIDADE SE ASSENTARÁ NO CARMELO ( Is 32,16 ).

VII - O MONTE CARMELO NOS ÚLTIMOS TEMPOS
No Monte Carmelo pediu asilo Napoleão para seus feridos. De 1914 a 1918 esteve em poder dos alemães e logo dos ingleses. Em 1948 voltam a ocupá-lo os ingleses. Nesse mesmo ano cai em poder dos judeus, e hoje o Monte forma parte de Israel.
Desde a Reforma Teresiana os carmelitas se encontram no Monte Carmelo e sucessivamente foi eremitério, missão, noviciado e casa de estudos.
Hoje o Monte Carmelo sendo morada dos Carmelitas Teresianos, não todo ele, moram aí israelitas em alguns lugares. Nos dois lugares mais importantes moram os Carmelitas: o Convento do Sacrifício e o Santuário, berço da Ordem, onde seus moradores tratam de reviver recordações antiqüíssimas bordadas de histórias e de lendas.
Parece todavia ouvir-se a voz de Isaías que disse: “A santidade se assentará sobre o Carmelo”, repetido como num eco pelo profeta Jeremias: “Conduzi-os à terra do Carmelo para que comêsseis os seus melhores frutos”.

VIII - ELEMENTOS DA TRADIÇÃO MONÁSTICA – SANTO ITINERÁRIO
1. Em primeiro lugar, já que decidiram entregar-se à vida eremítica em grupo (não cada um por si individualmente), deverão eleger, eles mesmos, um superior que os presida. Tal superior os governará com o parecer e colaboração de todos, viverá na cela mais próxima da entrada do eremitério, para poder atender mais facilmente aos que se aproximarem com intenção de associar-se ao grupo, e ele se encarregará de examinar os candidatos e de dispor as coisas de maneira oportuna para sua iniciação e admissão a esse gênero de vida. Considerar-se-á humilde servidor de todos e todos o obedecerão e honrarão como ao representante de Cristo em meio deles.
2. Cada um habitará em uma gruta ou cela independente.
3. Dedicados dia e noite a meditar a Palavra do Senhor e velando em oração.
4. A não ser que estejam ocupados em outros afazeres.
5. Cada manhã reunir-se-ão para a celebração da Eucaristia.
6. Será comum tudo quanto possuírem e se distribuirá entre todos, segundo a idade e necessidades de cada um.
7. Ao menos uma vez por semana deverão reunir-se para trocar impressões sobre a guarda destes pontos fundamentais da Regra e tratar da salvação das almas. Se houver alguma falta em alguém ou no grupo, aproveitar-se-á esta reunião para corrigi-la.
8. A comida será austera, abstendo-se sempre de comer carne e jejuando desde a Exaltação da Santa Cruz até a Páscoa, a não ser que por enfermidade ou debilidade, ou outra justa causa, haja que se prescindir do jejum ou abstinência, pois a necessidade não tem lei.
9. O Patriarca os exorta, em seguida, a viver de fé, esperança e caridade, nunca esquecendo que a vida é uma contínua luta e que todos os seus esforços hão de ser dirigidos a conquistar o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmos, esperando sua salvação só do Salvador.
10. O trabalho, elemento essencial em toda a tradição monástica, deve ser abraçado com perseverança, à imitação de São Paulo, como meio para ganhar o próprio sustento e também evitar a ociosidade que abre a porta a toda sorte de tentações do demônio.
11. Pré-requisito indispensável para meditar dia e noite a lei do Senhor é o silêncio. Por isso, deverão evitar durante o dia os excessos no falar e à noite, desde a hora de Vésperas até a hora de Tercia, se recolherão em oração, abstendo-se de toda comunicação entre eles.
12. E se alguém se achar com forças para acrescentar algo mais a quanto aqui se estabelece brevemente – conclui Alberto – poderá fazê-lo, que o Senhor quando voltar lhe dará a paga; porém, procedendo sempre com discrição, própria da verdadeira virtude.
Trata-se, como se vê, de uma síntese perfeita dos elementos mais importantes da convivência monástica, enunciados de forma suficientemente explícita para pessoas adultas entregues de cheio a viver esse ideal.
Este é o primeiro documento histórico que possuímos dos momentos transcendentais nos quais se estava gestando a Ordem do Carmo. A este primeiro núcleo, seguirá uma cadeia ininterrupta de pessoas que, atraídas pelo mesmo ideal, ir-se-ão dando a mão, umas às outras, ajudando-se mutuamente a percorrer o mesmo caminho. Cada geração irá assimilando, à sua maneira, esse ideal e também as circunstâncias históricas irão influindo em sua configuração externa e em sua transmissão através dos séculos.
Os dois elementos mais importantes que, ainda que ausentes no texto da Regra, aparecem em seguida e caracterizarão a vida do grupo ao longo de sua história, são a presença de Maria, escolhida desde o princípio como patrona – titular da primeira igreja dos ermitães latinos do Carmelo – e o Profeta Elias, cuja lembrança continuava viva não só no nome de sua fonte, senão sobretudo, na alma dos ermitães.
À aprovação do Patriarca de Jerusalém acrescentou-se a aprovação pontifícia de Honório III em 1226 e Gregório IX em 1229, o que significa uma consolidação também jurídica do que era já uma realidade viva, consistente e capaz de superar toda espécie de dificuldades.
Por isso, quando as circunstâncias externas foram mudando e o ambiente do Carmelo foi tornando-se cada vez mais inseguro por causa do retorno dos sarracenos, os ermitães começaram a pensar em buscar outras montanhas e outras grutas, pois seu ideal não estava condicionado por nenhum lugar. E, assim, foram aparecendo a partir de 1238, comunidades de Carmelitas em diversas nações do Ocidente: Chipre, França, Inglaterra, Alemanha, Itália.
Esta mudança de ambiente levou os Carmelitas a uma evolução também interior e a uma ampliação – se é lícito falar assim – de seus horizontes. Entram em contato com o novo fenômeno religioso constituído pelas Ordens Mendicantes e assimilam vitalmente seu espírito e sua estrutura, recebendo de Inocêncio IV em 1247 a aprovação oficial.
Se os ermitães que recorreram ao Patriarca Alberto 40 anos antes, não tinham talvez intenção de fundar uma Ordem propriamente dita, se a “norma de vida” que o Patriarca lhes deu estava destinada só a uma comunidade, agora, com a Bula de Inocêncio IV, o texto albertino retocado converte-se em uma das Regras monásticas e os Carmelitas em Ordem Mendicante. Este é o significado mais importante da aprovação inocenciana. Quanto ao texto de Alberto, não possuímos nenhuma transcrição com inteiras garantias. Deduz-se, com bastante probabilidade, comparando o texto transmitido por Ribot com o texto de Inocêncio, que chegou intacto até os nossos dias: a Inocêncio deve-se talvez a prescrição de recitar o Ofício divino em comum, segundo o costume da Igreja; certamente devem-se-lhe as cláusulas que se referem à refeição em comum, às refeições fora de casa, a possibilidade de fundar não só em desertos, senão onde acharem oportuno, os limites do silêncio da noite desde as Completas até depois de Prima.
Do esplendor adquirido pela Ordem do Carmo sob a Regra inocenciana nos dão uma idéia as 9 províncias nas quais se dividiu em 1287, 12 em 1318, 14 em 1321, 18 em 1362, com um total de uns doze mil religiosos em meados do século XIV. Entre seus santos, destacam-se Alberto da Sicília (segunda metade do século XIII), B. Franco de Sena (1291), Pedro Tomás (1366), André Corsini (1373) e o B. Nuno Alvarez Pereira (1431).
Também no cultivo das ciências eclesiásticas participaram ativamente os Carmelitas, sobretudo desde o final do século XIII, alcançando, os estudos na Ordem, sua máxima expansão durante o século XIV. Porém, as diversas circunstâncias históricas que levaram à decadência geral da Igreja na segunda metade do século XIV afetaram também, como às demais Ordens, à Ordem Carmelitana. Em primeiro lugar a peste negra (1348-1350) assolou conventos e províncias inteiras, produzindo, em alguns casos, uma verdadeira ruptura com a tradição anterior, pois ao repovoarem-se os conventos vazios, entraram pessoas sem vocação suficiente, assustadas com a peste, e as que tinham verdadeira vocação nem sempre encontraram mestres para as educar na vida religiosa.
O cisma do Ocidente (1378-1417) agravou a situação, dividindo a Ordem sob as duas autoridades opostas de Roma e Avinhão, e fazendo sentir nos religiosos e nos fiéis as conseqüências negativas das dissensões no vértice da Igreja. Finalmente a guerra dos cem anos entre Inglaterra e França (1337-1435), com o que isso supõe de incêndios, destruições e falta da serenidade necessária para o florescimento dos estudos e da vida monástica, completa este quadro escuro de circunstâncias históricas que convém ter presente para compreender a história do século XV e do século XVI. Desde o Concílio de Constanza (1414-1418) até o de Trento (1545-1563), o problema mais urgente da Igreja e das Ordens religiosas será o da Reforma. E a Ordem do Carmo também trabalhou com perseverança até ver seus esforços coroados de sucesso.
A situação em que se achava a Ordem em princípios do século XV moveu os superiores a pedir à Santa Sé uma nova adaptação da Regra, que servisse de base à restauração. A disciplina do jejum e da abstinência estabelecida pelo Patriarca Alberto e aprovada por Inocêncio IV, fazia com que os jovens do século XV que desejavam entrar na Ordem, se sentissem retraídos, e sem jovens não se podia sonhar com uma possível renovação.
Por outro lado, os religiosos já professos, se a observassem ao pé da letra estragavam a saúde, e se não a observassem ficavam com escrúpulos. Também tinham problemas com a interpretação rigorosa da passagem da Regra que ordena estar dia e noite nas celas meditando na lei do Senhor e velando em oração. Por tudo isso, o capítulo geral celebrado em Nantes em 1430, decretou pedir ao Papa um esclarecimento ou mitigação desses pontos, e Eugênio IV concedeu-a com a Bula Romani Pontificis, datada de 15 de fevereiro de 1532 e expedida em 1435. A Bula concede a faculdade de comer carne três vezes por semana e que, em horas convenientes possam sair de suas celas para dar uma passeio pelos claustros ou estar um tempo na igreja. Note-se que Eugênio IV não retocou o texto da Regra. Limitou-se unicamente a essas declarações marginais, deixando em sua integridade o texto aprovado por Inocêncio IV.
Com esta nova aprovação pontifícia, recebe novo impulso o trabalho de restauração da Ordem, que foi, pouco a pouco, levando-se a termo através do trabalho pessoal dos Gerais e com diversas iniciativas provenientes também da base e que deram origem ao fenômeno comum das Congregações reformadas. Praticamente em todas as Ordens houve esse fenômeno. Na do Carmelo as mais importantes foram a Mantuana (1413-1783) e a de Albi (1499-1602). Por ser impossível a reforma simultânea de toda a Ordem, dava-se a oportunidade a alguns conventos de formar um núcleo reformado com superior ou vigário próprio, dependente diretamente do Geral para que se mantivessem mais facilmente em seu propósito. Tratava-se, naturalmente, de um fenômeno passageiro que devia cessar no momento em que o restante dos conventos estivessem convenientemente reformados e resultasse desnecessário o governo próprio. De fato, vemos que depois de uma duração mais ou menos longa em sua independência, todas as Congregações foram reincorporadas plenamente no seio da Ordem. Também se compreende facilmente que nem sempre as relações entre as congregações reformadas e o governo central fossem cordiais, o que às vezes diminuiu a eficácia destas iniciativas reformadoras. As dissensões, fáceis de compreender sempre que nasce um grupo novo dentro de uma instituição, provinham às vezes dos excessivos privilégios obtidos pelos reformados e de um proselitismo exagerado que, ao querer anexar novos conventos à reforma, perturbava a convivência pacífica com os que preferiam seguir um ritmo mais lento. Havia também religiosos que passavam à reforma mais por interesses egoístas que por afã de perfeição e, naturalmente, complicaram as coisas.
Os Gerais que mais se distinguiram por seu trabalho na reforma da Ordem foram o Beato Soreth (Geral de 1451 a 1471), o Beato Batista Mantuano (1513-1516), Nicolás Audet (1524-1562) e, finalmente, Juan Bautista Rossi (Rubeo), vigário geral em 1562 e Geral desde 1564 até 1578. Com o pleno acolhimento dos decretos da reforma do Concílio Tridentino, a Ordem recuperou sua antiga prosperidade, alcançando o número de 15.000 membros antes das supressões dos séculos XVIII e XIX.
O ideal da Ordem manteve-se sempre o mesmo, desde que, com a aprovação de Inocêncio IV, associou à contemplação o apostolado, ainda que as formas concretas em que se foi vivendo foram adaptando-se às circunstâncias históricas e o breve texto da Regra foi explicado e comentado através das Constituições e de numerosos tratados espirituais.
Também a devoção à Santíssima Virgem e a Santo Elias, que caracteriza a vida dos Carmelitas, foi expressando-se de diversas formas com o correr dos tempos, porém, sempre dentro de uma continuidade. Em Maria encontram a personificação mais perfeita da aspiração do Carmelo à união com Deus. “Maria é o ideal vivido da vida carmelitana: vida de escuta da Palavra de Deus e entrega total a seu serviço na obra da salvação”. A figura de Elias, modelo e inspirador da vida monástica desde suas origens e exemplo de homem de oração, foi calando cada vez mais fundo na espiritualidade da Ordem, que chegou inclusive a considerá-lo durante alguns séculos, como seu verdadeiro fundador no sentido estrito da palavra.

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Parte do texto retirado do www.mosteirosaojose.com.br , e do livro

O Carmelo Teresiano Páginas de sua História 

sexta-feira, 13 de maio de 2016

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA REGRA DE SANTO ALBERTO
( Regra do Carmelo )
Por ocasião do 8º Centenário da mesma.


            "Por que uma Regra? E por que Regra ainda hoje?"

1º Ponto  -  Por que uma Regra?
            "Antes de se tratar da Regra de Santo Alberto ou de qualquer outra, é bem adequado responder a perguntas como essas. Para se compreender isto, temos que nos transferir aos inícios do cristianismo e estudarmos um pouco as situações vividas nas comunidades eclesiais e pelos cristãos individualmente com respeito ao conhecimento e ao manuseio dos Livros Sagrados do Novo e do Antigo Testamento. Temos que considerar que a Bíblia não estava compilada ainda da forma como ela se apresenta hoje. A própria redação dos livros do Novo Testamento não se fez de uma só vez. A mensagem evangélica, originalmente, era passada de viva voz nas reuniões litúrgicas e de pessoa a pessoa. Só depois de certo tempo é que circularam alguns escritos, uns vinte e mais anos depois da morte e ressurreição de Cristo. A constituição do elenco dos livros do Novo Testamento se fez aos poucos. E tinham que ser reconhecidos como inspirados pelas comunidades. As línguas em que estavam escritos não eram de acesso geral. Não havia cópias disponíveis aos indivíduos para uso pessoal, e as que havia custavam caro pela tecnologia existente à época (estava-se muito longe ainda sequer da “imprensa” de gravação de textos fixos, e mais ainda da imprensa com tipos móveis de Guttenberg, no século 15). Tudo dificultava o amplo acesso ao conteúdo da Revelação. Usava-se o grego nos textos do Novo Testamento que, além do latim, era a língua mais falada no Império Romano. Na periferia do Império, e aos povos conquistados ou absorvidos nele, os romanos ensinavam sua língua, o latim. A esses povos o grego bíblico se constituía como um impedimento. O Papa Dâmaso, em 382, ordenou ao presbítero São Jerônimo que fizesse uma compilação de todos os textos bíblicos do Antigo e do Novo Testamento e sua versão para o latim falado pelo povo. O trabalho só foi concluído pelo ano de 405. A Bíblia traduzida por São Jerônimo será apelidada mais tarde de "Vulgata", exatamente pelo esforço de oferecer um texto latino mais compreensível ao povo de Deus.
            Diante de todas as dificuldades apontadas já se percebe as dificuldades de acesso aos textos da Sagrada Escritura. Acrescente-se a mais: a grande dispersão das comunidades cristãs pelo Império Romano; as distâncias enormes entre as comunidades; os meios de transporte e comunicação bastante precários, o que dificultavam grandemente a existência de um controle centralizado da Igreja; as repetidas perseguições aos cristãos; a decadência advinda à Igreja depois do seu reconhecimento oficial e com as invasões bárbaras, etc. A reação em busca de uma maior autenticidade da vida cristã surgiu com o monasticismo. Se antes disto os autores cristãos usavam esparsamente os textos bíblicos de que dispunham e com os mesmos argumentavam em suas obras, os primeiros monges necessitavam dos mesmos para compor sínteses deles para facilitar aos que não podiam manuseá-los a organizarem suas formas de vida religiosa, dando origem assim às "regras". No Oriente, as regras de S. Pacômio (cerca do ano de 330), e a de São Basílio, igualmente do século 4º (cerca de 340).
No Ocidente, a primeira regra foi a de Santo Agostinho, por volta de 391. A de São Bento, no século 6º. A de Santo Alberto (Regra dos Carmelitas), entre 1207 e 1214. A de São Francisco, aprovada oralmente pelo Papa Inocêncio 3º, em 1210; e por Bula do Papa Honório 3º, em 1223.
            Já em 1215, o 4º Concílio de Latrão estabelece uma proibição de novas Regras e novas Ordens religiosas. Os franciscanos se valem da aprovação oral anterior de sua regra. Os carmelitas, da carta de Santo Alberto, anterior a 1215. Já os dominicanos acolhem para viver a Regra de Santo Agostinho.
            Mas, voltemos à questão inicial, por que uma Regra? Resumindo todos os detalhes já explicados, pode-se trazer, além do contexto aduzido, outros elementos de ordem prática, a saber: é algo muito prático, textos curtos, seguros, fáceis de memorizar, indicam um caminho provado de santificação pessoal, se constituem como uma referência direta para avaliação individual e comunitária. Seus conteúdos apresentam, por assim dizer, uma súmula do Evangelho, dos Atos dos Apóstolos, das epístolas dos apóstolos, principalmente das de São Paulo. Conteúdo, portanto, bíblico. Algumas Regras, como a de São Bento, com larga citação do Antigo Testamento, particularmente, dos Salmos e dos Livros Sapienciais. Ainda, seus apelos e motivações são dirigidos pessoalmente ao leitor e lhe são propostos quadros de vida e normas de conduta.

2º Ponto  -  Por que Regra, ainda hoje?
            Está certo que além das restrições instrumentais, técnicas, históricas ao uso da Sagrada Escritura, outras restrições também foram criadas na Igreja Católica no correr dos séculos, "justificadas" por receios de interpretações errôneas individuais ou grupais que levassem a uma desagregação eclesial; por cuidados morais, considerando o despreparo do povo de compreender certos comportamentos humanos em textos descritivos da história de Israel, comportamentos esses nem sempre de conformidade com os desígnios divinos de salvação, etc. Também a questão da língua em que os textos circulavam: nem todos a conheciam e, muitas vezes, muitos cristãos, embora capazes de se comunicarem nessa língua, não eram igualmente capazes de a lerem. Já a partir do século 4º os povos romanizados não falavam o latim clássico e também não o grego falado em Roma.
            Mesmo o latim da "Vulgata" nem era assim tão entendido pelo povo, mais pelos letrados. E com o correr dos séculos, mais e mais os povos se distanciavam do latim, emergindo os dialetos, berçários das línguas neolatinas. Alguns exemplos podem nos fazer compreender essa realidade quando nove séculos mais tarde nem esse latim vulgar era mais entendido. Assim, São Francisco, no século 13, por não entender os ritos sacramentais e a Santa Missa, recorria a pessoas doutas que os explicassem. Nem sequer todos os padres o entendiam. Santa Teresa d'Ávila no século 16, também não era versada em latim, apesar de ter que passar horas e horas no coro rezando os Ofícios em latim. Seu pai, homem fidalgo e rico, dispunha em sua biblioteca um exemplar dos Evangelhos traduzidos em Espanhol. Nesse período, também foi publicado na Espanha a Bíblia numa tradução poliglota. Não seria difícil a seu pai ter tido acesso a tal aquisição, mas não se pode afirmar por falta de prova documental. Após sua morte, muito provavelmente Teresa  -  inventariante  -  já religiosa, o reteve consigo para seu uso, além de outros livros, como os “Comentários de São Jerônimo sobre o livro de Jó” e outros livros de espiritualidade. Depois, vários desses livros lhe foram tirados pela Inquisição. Nesse tempo, então, já havia Guttemberg inventado a imprensa (1456) e publicado várias edições da Sagrada Escritura, mas em latim. Mesmo assim, eram obras muito caras e de tiragens reduzidas, para poucos.
            Lamentavelmente, só com a ruptura causada pelo cisma luterano, no século 16, o Reformador realiza uma tradução da Bíblia para a língua alemã.
            No âmbito católico, tudo continuava aproximadamente como nos séculos anteriores, com a versão latina da "Vulgata" autenticada pelo Concílio de Trento e com todas as restrições antes aqui assinaladas, até os albores do século 20. Com os estudos bíblicos e de arqueologia bíblica desenvolvidos dentro do protestantismo, outros estudiosos católicos se movimentaram igualmente criando grupos de pesquisadores, escolas de estudo bíblico e um movimento para pôr a Bíblia na ordem do dia com as traduções que foram surgindo. Esse movimento bíblico católico vai desembocar no Concílio Vaticano 2º (1962-1965), que não apenas ratifica todo esse esforço para pôr a Bíblia nas mãos e no dia a dia do povo católico (cf. Dei Verbum) como aprova a utilização do vernáculo em todos os atos litúrgicos, sobretudo na Santa Missa. Assim, chega cada vez mais próximo do povo a Palavra de Deus contida na Sagrada Escritura. A partir daí, crescem os cursos de introdução à Bíblia, multiplicam-se os círculos de reflexão a partir da Bíblia, mais e mais o povo bebe diretamente da fonte da Palavra de Deus a orientação para a sua vida. A Bíblia se faz regra de vida para os católicos.
            Cabe, então, novamente se trazer a pergunta que ensejou todo este desenvolvimento, a saber: ainda hoje, uma Regra é necessária? Ao que se pode responder assim: se não de todo necessária  -  porque afinal os Evangelhos estão aí nas mãos do povo cristão a indicar o caminho do seguimento de Jesus Cristo (PC 2a)  -  mas, sem dúvida alguma uma Regra ajuda muito quando representa uma modalidade pedagógica de expressar uma determinada espiritualidade de um grupo eclesial que a vivenciou; se constitui como um referencial básico, breve e simples de conferir; e, quando vivida em comunidade, declara uma concordância e estimula sua prática por consenso espiritual fraterno."

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Palestra de improviso feita por Gustavo Castro no Carmelo de Camaragibe, PE, em 4 de agosto de 2007.