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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

AS MORADAS ou CASTELO INTERIOR Guia doutrinal

                            



 AS MORADAS ou CASTELO INTERIOR
Guião doutrinal


Eis aqui o terceiro “guião de leitura” para nos acompanhar na leitura anual de Santa Teresa que, de acordo com o programado, este ano vai centrar-se mo Livro d’As Moradas ou Castelo Interior.
Diferentemente de outros anos, desta vez, desta vez só enviamos um guião, o doutrinal. Tomámos esta decisão tendo em vista que muitas comunidades usam para a leitura comum e para a pastoral, as fichas que se publicam na página Web do Centenário, e pareceu-nos melhor concentrar o trabalho nelas e não oferecer outro guião que possa ser de menor utilidade
As comunidades que não disponham de internet ou que não possam aceder a ela frequentemente, podem solicitar aos Superiores Maiores que lhes enviem ditas fichas, ou então pôr-se em contacto com a Comissão do Centenário através da página Web, para que lhas enviemos a uma direcção de correio electrónico (não nos é possível fazê-lo por correio postal).
Empreendamos, pois, juntos, esta viagem apaixonante rumo ao castelo de diamante ou mui claro cristal…
 
Comissão preparatória OCD do Vº Centenário do Nascimento de Santa Teresa
O CASTELO INTERIOR ou AS MORADAS 

de SANTA TERESA.

Mandato de escrever

O livro d’As Moradas ou Castelo Interior de Santa Teresa é habitualmente considerado como a sua melhor obra. Mais do que história, este livro contém biografia, ou melhor, autobiografia. Em diálogo com Graciano, falando do livro da Vida, disse-lhe ele: “Faça memória do que se lembrar e de outras coisas, e escreva outro livro, e diga a doutrina em geral, sem nomear a quem aconteceu tudo aquilo que nele disser”.
Este “outro livro” foi o Castelo Interior. A própria autora, contente com a sua obra, dá a preferência a este – as Moradas, sobre o outro – a Vida. E, usando termos de ourivesaria, embora para ela o livro da Vida seja uma jóia, o Castelo Interior é mais precioso e com mais delicados esmaltes e lavores, ou dito de outra maneira por ela própria: “ A meu parecer, avantaja-se-lhe o que escrevi depois, embora frei Domingos Báñez diz que não está bom; pelo menos tinha mais experiência do que quando o escrevi”.
O mandato de escrever As Moradas veio-lhe de três lados: do padre Graciano, do doutor Velázquez e do “vidreiro” Maior: Cristo Jesus que, por outra parte, era o seu “livro vivo”.
As condições de saúde que a Madre atravessava eram muito penosas, “com ruído e fraqueza tão grande de (cabeça) que mesmo os negócios forçosos escrevo com pena”. A situação da Ordem era de grande risco e a própria Teresa encontrava-se confinada em Toledo, a modo de cárcere. Mas a fortaleza desta mulher dá-lhe o equilíbrio necessário para poder escrever amplamente. E a que levou acabo tantas fundações sem saúde e no meio de tantas contradições, vai agora construir este seu castelo com a mesma força de vontade.
 

Tempo de escritura, autógrafo, destinatárias

A hora da primeira pedra e da última é ela própria quem no-la revela: “E assim começo a cumpri-la hoje, dia da Santíssima Trindade, ano de 1577, neste mosteiro de S. José do Carmo em Toledo, onde estou presentemente” Isto no prólogo. E, na conclusão do livro: “Acabou-se isto de escrever no mosteiro de São José de Ávila, no ano de 1577, véspera de Santo André, para glória de Deus, que vive e reina para sempre sem fim, amen” (7M, conclusão 5).
Um total de seis meses menos dois dias, desde que começou a escrever até que lhe pôs ponto final. Fala-nos, pelo menos duas vezes, da interrupção da escrita, “porque os negócios e a saúde me fazem deixá-lo na melhor altura” (4M 2,1). E noutro lugar dirá: “já passaram quase cinco meses desde que comecei até agora; e, como a cabeça não está para o tornar a ler, tudo deve ir desconcertado, e talvez diga algumas coisas duas vezes” (5M 4,1). Volta ao mesmo manuscrito e termina a obra a 29 de Novembro.
E, concluído o livro, dá “por bem empregado o trabalho, embora confesso que foi bem pouco”. O autógrafo das moradas encontra-se no mosteiro das carmelitas descalças de Sevilha desde Outubro de 1618. Em 1622, foi levado em procissão pelas ruas de Sevilha por ocasião dos festejos pela canonização da autora. E a última e mais prolongada saída do manuscrito até Roma teve lugar em 1961, onde foi devidamente restaurado pelo “Istituto Ristauro Scientifico del libro” do Vaticano e o “Istituto di Patologia del libro” de Itália. Voltou a Sevilha em 1962 e ali se conserva no convento das Descalças, num indescritível estojo relicário: as muralhas de Ávila convertidas em castelo para abrigar e custodiar o autógrafo do Castelo Interior. Esta obra deve-se à ideia e solicitude do então Geral da Ordem, Padre Anastácio Ballestrero
As primeiras destinatárias são as suas monjas, como diz nesta espécie de dedicatória: “JHS. Este tratado, chamado Castelo Interior, escreveu Teresa de Jesus, monja de nossa Senhora do Carmo, para as suas irmãs e filhas, as monjas carmelitas descalças”.
Destinatário da obra é também todo o fiel cristão, candidato à santidade desde o seu baptismo e por ele.

Visita ao Castelo

É a própria autora a que nos vai guiando a partir de uma das suas primeiras confissões. Está com a pena na mão pensando como poderá começar a escrever, e “ofereceu-se-me o que agora direi para começar com algum fundamento. É considerar a nossa alma como um castelo todo ele de um diamante ou mui claro cristal, onde há muitos aposentos, assim como no Céu há muitas moradas (Jo 14,2). Que, se bem o considerarmos, irmãs, não é outra coisa a alma do justo, senão um paraíso onde Ele disse ter Suas delícias” (Prov 8, 31) ” (1M 1,1).
Já, desde aqui, sem nenhuma complicação, compreendemos qual, ou melhor, quem é para ela o castelo interior: a pessoa humana, e vemos como se vai deixando iluminar, por esse par de textos bíblicos, de João e Provérbios.
Para organizar a leitura ou estudo de obra tão importante como esta, para assaltar este Castelo (passe a expressão), publicaram-se já há alguns anos, “um grande trabalho em que se analisam com lupa os núcleos básicos do simbolismo teresiano, os eixos temáticos de cada uma das moradas, o itinerário léxico da interiorização, o caminho para a construção simbólica da própria interiorização” (Monserrat Izquierdo Sorli).
Este tipo de estudo e de leitura não resulta fácil à maioria dos leitores em cujas mãos cai o livro d’ As Moradas. Mais ao alcance da mão estão uns esquemas muito simples, mas muito compreensíveis. Nesta elaboração entram elementos doutrinais básicos, em que se interrelacionam necessariamente os dois protagonistas: Deus e o homem. Deus que vive e actua e Se comunica dentro. O homem (a alma) como cenário e protagonista da aventura espiritual. E a oração, que é a ponte de comunicação entre Deus e a alma. Daqui brota a ideia, o conceito de “moradas”.
Teresa divide a obra do Castelo em sete moradas, mas adverte: “não considerem poucos aposentos, senão um milhão deles” (2M 2,12), e mais claramente: “Embora não se trate senão de sete moradas, em cada uma destas há muitas: por baixo, por cima. Dos lados” (7M conclusão 3).
Prescindindo da compreensão do Castelo em que se encontram e se vêem e se podem visitar e percorrer os diferentes aposentos, estâncias, salas, moradas, devemos ter sempre presente que a alma é a que tem em si mesma as diversas ou diferentes moradas, as leva consigo e é considerada como repartida em sete moradas, sem prejuízo de que essas sete se convertam em setenta vezes sete, quer dizer, em inumeráveis.
Em Fundações 14, 5, encontra-se uma frase que ilumina bem este facto: “Quanto menos tivermos na terra, mais gozaremos naquela eternidade onde as moradas são conforme ao amor com que imitámos a vida do nosso nom Jesus”. Esse mais além tem-no ela bem presente no momento em que começa a escrever: “Onde há muitos aposentos, assim como no Céu há muitas moradas” (1M 1,1). Ouve-se, aqui, o eco da passagem evangélica, embora sem mencioná-la: “Na Casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14,2)
O percurso do Castelo torna-se mais fácil e prazenteiro da mão da autora. Lido devagar o prólogo, o leitor deixe-se levar pelos títulos dos 27 capítulos que compõem o livro. A Santa tem uma habilidade especial para sintetizar nesses epígrafes o que quer dizer. Além disso, como parece certo que os títulos estão escritos depois de redigido o texto, resulta dupla a habilidade sintetizadora e esclarecedora da autora.
Terminada a leitura dos 27 títulos, leia-se com atenção a Conclusão, particularmente os nn. 2 e 3, onde a Madre lança, uma vez mais, critérios de vida e de leitura, que foi semeando ao longo do livro.
Outro método bastante simples para ir fixando na mente a doutrina do Castelo interior consiste em atender à substância bíblica incluída em textos, tipos, personagens, motivos bíblicos.
Como exemplo, pode ver-se, nas Segundas Moradas, onde se encontram: 1. Textos: “Quem anda no perigo, nele perece” (Si 3,26); “ não sabemos o que pedimos” (Mt 20,22); “sem a sua ajuda nada podemos fazer” (Jo 15,5); “a paz esteja convosco” (Jo 2,19.21). 2. Tipos bíblicos: O filho pródigo, perdido e comendo manjar de porcos (Lc 15,16); e os soldados de Gedeão quando iam para a batalha (Jz 7, 5-7. 16,22). 3. Textos e também motivos: “Ninguém subirá ao Pai senão por Mm” (Jo 14, 6); “quem Me vê a Mim, vê Meu Pai” (Jo 14,19).
O fio condutor é bem fácil de seguir e muito útil ao longo de todas as moradas. Não podemos esquecer tampouco uma coisa tão frequente na Santa escritora: o mundo dos símiles, exemplos ou comparações, que, na sua pedagogia, a assemelham tanto ao divino Mestre. Um dos exemplos generalizados é a comparação do castelo: 1M 1,3. Este símile não é exclusivo (nem no seu espírito nem na sua pena) d’As Moradas: também o usou no Caminho (CV 28,9-12; CE 48, 1-4); no Caminho, não usa a palavra ”castelo”, mas “palácio”; no entanto, a substância é a mesma. Outro exemplo de comparação- e acaso a melhor – é a do bicho-da-seda: 5M 2, 1-10.
O tema, ou melhor, a realidade da oração, está presente em todo o Castelo como fio condutor. A presença da oração já a deixa bem claramente proposta em 1M 1,7: “Tanto quanto eu posso entender, a porta para entrar neste castelo é a oração e reflexão, não digo mais mental que vocal; logo que seja oração, há-de ser com consideração; porque naquela em que não se adverte com Quem se fala e o que se pede e quem é pede e a Quem, não lhe chamo eu oração, embora muito meneie os lábios”.
Não podemos perder de vista esta afirmação, contando com a evolução que se vai seguindo: oração rudimentar, como primeiros ensaios; meditação, um simples olhar, estar na presença de Deus; recolhimento infuso, quietude, gostos; oração de união. Deus no fundo da alma; formas extáticas, visões, locuções, êxtases, ferida de amor; ânsias de eternidade; contemplação perfeita. Da conjunção de todos estes elementos que vamos assinalando, bem saboreados, irá surgindo no leitor, além do gosto mental, a compreensão da doutrina teresiana.
Alguém, desde a França, escreveu há tempos, embora não a propósito da doutrina teresiana: “A oração é o primeiro de tudo. Não é o essencial: o essencial é a caridade, que resume em si mesma a perfeição, Deus mesmo. Mas a oração é o primeiro”. Por isso, escreveu José Vicente Rodríguez com toda a razão: “Partindo da realidade da graça e do amor, que fazem que a alma seja agradável a Deus, que seja o paraíso onde Ele Se deleita (1M 1,1), as moradas vão-se convertendo na base do amor, virão a ser os diferentes graus de amor da alma, visto que ”o aproveitamento da alma não está em pensar muito, mas em amar muito” (F 5,2), e também “para subir às moradas que desejamos, não está a coisa em pensar muito, mas em amar muito” (4M 1,7). Este amor não é exclusivo mas inclusivo de outras actividades, outros exercícios, e assim resulta que a alma estabelecida em amor empregar-se-á, por exemplo, no conhecimento próprio e no exercício da humildade: as primeiras moradas (1M 2, 8-9). Dar-se-á também diversificação segundo as diferentes mercês recebidas de Deus (1M 1,3). Isto vê-se bem claro na leitura seguida da obra teresiana, sendo a oração de quietude algo típico e fundante, por exemplo, das Moradas Quartas; das Moradas Quintas a oração de união; das Sextas o desposório espiritual e das Sétimas o matrimónio espiritual”.
Para compreendermos plenamente como leva a Santa toda a sua carga doutrinal, aconselhamos a ler com toda a atenção o último capítulo de todo o livro: (7M c. 4). Aqui, dá a impressão de que a Madre quer aterrar nos fundamentos mais sólidos da vida cristã: o amor fraterno e a configuração com Cristo. O Castelo interior é, sem dúvida, um esplêndido manual de santidade.
Como ajudas e pontos de referência no percurso do Castelo, também resulta útil imprimir na memória alguns pontos nos quais a Madre condensa a doutrina que vai estendendo os seus tentáculos ao longo de todo o livro. Bastarão alguns exemplos: Grandeza, dignidade, capacidade, formosura da alma humana: 1M 1, Presença total, natural e sobrenatural de Deus na alma: 5M 1,10. Consciência teresiana da diversidade de almas:1M 1,3; 5M 3,4. Fabricar cada um a sua morada em Deus: 5M 2, título e corpo do capítulo. Ser de veras espirituais: 7M 4,8. Não ficarem anãos: 7M 4,9. Ser plenamente realistas: 7M 4, 14. Não pôr medida às obras de Deus: 6M 4,12.
E, como capítulo imprescindível sobre Cristo Jesus, deve ler-se 6M 7, cujo título reza assim: “Diz quão grande erro é não se exercitar, por espiritual que seja, em trazer presente a humanidade de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e sua sacratíssima Paixão e vida, e a Sua gloriosa Mãe e os santos. É de muito proveito”. Trata-se de um capítulo paralelo a Vida 22.

Concluindo 

Em 6M 10,3, a Santa surpreende-nos com a identidade e, ao mesmo tempo, com a diversidade que assinala nesta passagem: “Façamos agora de conta que Deus é como uma morada ou palácio muito grande e formoso, e que este palácio, como digo, é o mesmo Deus”. Partindo destas palavras, chega-se imediatamente àquilo de “sede perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito” (Mt 5,48). Aqui, diríamos: sede castelos formosos como o vosso Pai Celestial o é.
O famoso Catecismo holandês apresenta assim aos crentes de hoje esta obra teresiana: “Santa Teresa escreveu um livro em que a alma está representada por um Castelo com sete moradas. Morada após morada, chega-se à sétima onde habita Deus, quer dizer, Cristo. A sua presença percebe-se em todo o Castelo, mas ao chegar a alma ao centro, imersa na própria realidade, sente-se toda invadida pelo sereno sentimento de que Deus está nela. A alma vive dentro da realidade terrena, que se apresenta magnífica aos seus olhos, pois compreende que Deus é o coração inefável de toda a realidade”.
Na Positio para o Doutoramento da Santa, encontra-se, como peça principal, o Relatório do advogado da causa. Para defender a altura da eminente doutrina da santa doutoranda, oferece da seguinte maneira uma espécie de resumo d’As Moradas. 
Esta “é a principal obra teresiana e mesmo – segundo alguns- de toda a mística cristã […]. O livro divide-se em sete partes ou moradas, das quais cada uma tem vários capítulos, excepto as segundas moradas, que tem um único capítulo.
As Primeiras Moradas (2 capítulos) são as almas que têm desejos de perfeição, mas ainda estão metidas nas preocupações do mundo, das quais devem fugir e procurar a soledade.
As Segundas Moradas (1 capítulo) são as almas com grande determinação de viver em graça e que se entregam, portanto, à oração e a alguma mortificação, embora com muitas tentações por não deixarem de todo o mundo.
As Terceiras Moradas (2 capítulos) são para as almas que exercitam a virtude e a oração, mas pondo nisso um amor dissimulado a si mesmas. Precisam de humildade e obediência.
As Quartas Moradas (3 capítulos) são já o começo das coisas “sobrenaturais”: a oração de quietude e um início da união. Os frutos não são ainda estáveis: por isso, as almas devem fugir do mundo e das ocasiões.
As Quintas Moradas (4 capítulos) são já de plena vida mística, com a oração de união que é sobrenatural e dá-a Deus quando quer e como quer, embora a alma se possa preparar. Os sinais verdadeiros desta união é que seja total, que não falte a certeza da presença de Deus e que sucedam tribulações e dores em que provar o amor a Deus. Necessita-se grande fidelidade.
As Sextas Moradas (11 capítulos). Consegue-se uma grande purificação interior da alma, e, entre as graças que nela se dão, totalmente sobrenaturais, estão as locuções, êxtases, etc., grande zelo pela salvação das almas, que leva a deixar a sua soledade. É necessária a contemplação da humanidade de Cristo para chegar aos últimos graus da vida mística.
As Sétimas Moradas (4 capítulos) são o cume da vida espiritual, em que se recebe a graça do matrimónio espiritual e uma íntima comunicação com a Trindade, da que brota espontaneamente uma grande paz em que vive a alma, sendo ao mesmo temo activa e contemplativa. Uma contemplação que não é subjectiva, mas que transcende o homem levando-o a esquecer-se de si e a entregar-se a Cristo e à Igreja”.
Esta espécie de resumo autorizado é como uma apresentação do Castelo no seu conjunto; e vem a ser, ao mesmo tempo, como um convite a ir verificando toda essa estrutura, não de maneira mental ou intelectual, mas vivencialmente, isto é, desde a praxis e experiência cristã, e tudo isso pela mão de Teresa de Jesus, a Doutora da Igreja Universal.  

sábado, 25 de agosto de 2012

O encontro entre Edith Stein e Etty Hillesum


"Que viste no meu rosto?"

Os olhares de duas mulheres extraordinárias cruzaram-se antes de enfrentar o inferno de Auschwitz
Publicamos o prefácio de Lucetta Scaraffia ao livro "Il volto. Principio di interiorità. Edith Stein, Etty Hillesum" (Milano, Marietti, 96 páginas, 14 euros) de Cristiana Dobner, OCD.

"Duas das intelectuais mais interessantes do século XX,  duas mulheres extraordinárias, além do mais tendo em comum o facto de serem judias, deportadas e mortas em Auschwitz, Edith Stein e Etty Hillesum, encontraram-se pessoalmente.

Sabemos que este encontro teve lugar no campo holandês de Westerbork, precisamente antes da deportação para o campo de extermínio. Sabemos isto por uma breve anotação de Etty, que  narra a chegada de duas freiras, «nascidas numa família judia, rica e culta, de Breslau», Edith e a irmã Rosa.

Mas nunca saberemos o que disseram, nunca poderemos assistir à troca de olhares. Partilhamos, com Cristiana Dobner, a certeza que se tenham «reconhecido» pelos seus rostos, aqueles rostos que, escreve a autora, revelam «a singularidade e a individualidade concreta da pessoa».

Existem gêneros literários que simulam encontros nunca realizados, em geral entre o autor e uma personagem que viveu noutros tempos, sem dúvida famoso. Chamam-se «entrevistas impossíveis» e gozaram de grande sorte. Ao contrário, o ensaio de Cristiana Dobner escolheu outro percurso, mais difícil e profundo: imaginar e descrever o que cada uma das duas mulheres viu no rosto da outra.
Sabendo que se trata de rostos que revelavam uma longa reflexão interior, rostos que eram espelho da interioridade, conscientes do significado das relações humanas, rostos que tinham escrito o vestígio de outros encontros que tinham vivido, densos de sentido.

Precisamente repercorrendo o seu pensamento e os encontros importantes tidos, Cristiana Dobner procurou reconstruir o que o rosto de cada uma dissera à outra sem palavras, até só com um olhar. Um olhar que, sobretudo num momento tão dramático, sem dúvida era capaz de  ler dentro, de captar o significado essencial daquele olhar-se recíproco.

O rosto de Edith é reconstruído através de um exame atento das poucas fotografias e sobretudo através das palavras de quantos se encontraram com ela, fielmente recordadas nos autos do processo de beatificação de que a autora dispõe. Uma fonte em geral ignorada, mas muito rica. Alguns destes encontros narrados realizam-se quando Edith está em clausura, portanto só um rosto velado por detrás da grade, e a sua alma se revela pela voz, pelas palavras.

As palavras mais intensas sobre elas são as do amigo sacerdote Eric Pržywara, que descreve «o amor fiel e inabalável ao seu povo e (…) a força que emanava». Confirmando um estilo que, escreve Dobner, «vibra de força clássica, filosófica – na união entre a filosofia fenomenológica de Edmund Husserl, então dominante, e o pensamento de Tomás de Aquino – de força artística, preferindo Bach e Reger e a hinologia da Igreja».

Também Etty, quando encontra Edith, transmite força. Nela a terrível angústia da espera do momento da deportação «inexplicavelmente se torna força de vida  e não debilidade assustadora». O longo e doloroso percurso de Etty é menos intelectual que o de Edith, mais experiencial: o verdadeiro rosto da jovem judia holandesa sobressai graças ao encontro com um original psicanalista quirólogo, Julius Spier, que a conduzirá a um longo e doloroso caminho dentro de si mesma.

Etty é guiada neste percurso por um fio condutor, as palavras que conheceu na Torah «Deus criou o homem à sua imagem», mas sabe que este fio é submetido  a tensões contínuas. Em cadernos, cartas e diários, Etty narra minuciosamente esta sua viagem interior, esta descoberta do seu verdadeiro rosto. Precisamente porque conseguiu compreendê-lo, não leva para o campo retratos de pessoas queridas,  sabe que os seus rostos são conservados nas paredes do seu eu interior, onde os encontrará sempre.

A escolha do rosto como intermediário privilegiado de comunicação, por parte da Dobner, não é casual: a autora está consciente de que o tema do rosto se tornou «o novo e mais nobre discurso filosófico da modernidade», como explicou claramente Emmanuel Lévinas, grande filósofo judeu, que escreveu que o rosto, permitindo o encontro com o outro, abre à ideia de infinito.

«Desta forma instaura-se – escreve Cristiana Dobner – uma relação na qual se procura o outro, mas o sentido profundo não é contido na própria relação mas reenvia mais além». E sem dúvida esta abertura ao infinito estava muito presente na mente e no coração das duas mulheres, quando se encontraram, ambas abertas  à epifania do divino. Talvez o tenham encontrado juntas, mesmo se por poucos instantes, e o seu olhar recíproco foi um dom antes do inferno que estavam para enfrentar."



Autora: Lucetta Scaraffia
23 de Fevereiro de 2012
Fonte: 
http://www.osservatoreromano.va

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Mensagem final dos religiosos e religiosas de Vida Monástica e Contemplativa reunidos em Aparecida



Por ocasião do Encontro Nacional da Vida Monástica e Contemplativa que aconteceu de 16 a 19 de junho próximo passado, os religiosos e religiosas deixaram uma mensagem à Igreja e à sociedade.
Mensagem Final do Encontro Nacional da Vida Monástica e Contemplativa     
(Aparecida (SP), 16-19 de junho de 2012)                                                      
  “Identidade, Mística e Missão”                                                                                      
Nossa pátria é o céu (Fl 3,20)
 
  1. Reunidos em Aparecida, lugar privilegiado da manifestação da fé do povo brasileiro, e onde se pode sentir mais de perto a maternidade carinhosa de Maria, por iniciativa da Conferência dos Religiosos do Brasil e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, com o incentivo e aprovação da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, acolhidos calorosamente pela Igreja Local, expressamos nossa alegria e gratidão por esta oportunidade de comunhão e convívio fraterno, reflexão e partilha de experiências, oração e celebração, que nos foram proporcionados. Vemos em tudo isto a solicitude da Igreja para com nossas famílias religiosas.
  2. Com o tema “identidade, mística e missão” e o lema “nossa pátria é o céu” (Fl 3,20), procuramos aprofundar a compreensão de que somos consagrados para responder ao olhar de amor do Senhor por todos nós: “não fostes vós que me escolhestes, fui eu que vos escolhi” (Jo 15,16). Somos gratos pelo chamado para a vida monástica e contemplativa, partilhado também por leigos que vivenciam nosso carisma na realidade secular. Reconhecemos que nossa fidelidade a Jesus exige sempre e de novo decisão e empenho, dimensões que marcam o povo de Deus que caminha na história, buscando corresponder à vida de cidadãos do céu (cf. Fl 3,20).
  3. Empenhamo-nos por aprofundar a compreensão de nossa vocação particular na Igreja, nossa identidade, mística e missão; o sentido de pertença e fidelidade criativa à Tradição de nossas famílias religiosas, a conservação do próprio patrimônio espiritual, a comunhão como possibilidade de experiência real do amor vivido e sua celebração diária na liturgia; a dimensão comunitária da experiência de fé, a corresponsabilidade no que diz respeito ao “único necessário” (Lc 10,42), cientes de que “nossa pátria é o céu” (Fl 3,20). Desejamos conservar, alimentar e aprofundar o amor, a fidelidade e a devoção filial à Igreja, ao sucessor de Pedro, em comunhão com a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Possamos, com a graça de Deus, receber a força de tornar visível pelo amor fraterno, a unidade da comunhão trinitária que nos abraça e abençoa. Reconhecemos humildemente a presença entre nós de atitudes contrárias às exigências do seguimento radical de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Fl 3, 18-19). Mas também temos a certeza de que Deus escolhe instrumentos frágeis para testemunhar no mundo seu amor (cf. 1Cor 1, 27-28), e acreditamos que Sua misericórdia é grande (1Pd 1,3).
  4. Somos desafiados no cotidiano pelas consequências da mudança de época em que nos encontramos. Isso faz com que os critérios de compreensão, os valores mais profundos, a partir dos quais se afirmam identidades e se estabelecem ações e relações entrem em crise. Sentimos tal realidade influenciando e desafiando nossa forma de vida. Desejamos, portanto, que nosso testemunho discreto e simples de amor vivido em todas as suas manifestações, possa ser resposta oferecida por nossas comunidades religiosas ao mundo. Em especial, com a Igreja, através da participação em seu mistério pascal e da ascese e da solicitude orante pela humanidade, suas necessidades e intenções, acolhendo as angústias e dores, as alegrias e esperanças dos homens e mulheres de nosso tempo.
  5. Confiamos na força do amor (cf. Ct 8,6). Por isso, “com os olhos fixos em Jesus” (Hb 12,1), vislumbramos um futuro mais harmonioso nas relações entre hierarquia e carisma, dimensões constitutivas da Igreja. Incentivamos uma pedagogia de mútua apreciação, desde os seminários e casas de formação, até a criação de espaços de autêntico diálogo e mútua colaboração.
  6. Renovamos nosso compromisso em testemunhar alegremente no silêncio da vida a força da fidelidade a nossos carismas. Por isso, entre expressões antigas e novas de vida monástica e contemplativa, assumimos o desafio de dar continuidade à experiência da gratuidade do amor e da comunhão entre nós e nossas famílias religiosas, vivida nestes dias em Aparecida. Propomo-nos favorecer e fomentar o caminho aqui iniciado, sob as bênçãos da Senhora Aparecida, pois, reconhecemos que da Igreja recebemos a fé e a consagração; e nela, com gratidão e alegria, nos consagramos ao Senhor sem reserva, característica dos adoradores que o Pai procura.

A EXPERIÊNCIA PESSOAL DA FÉ EM TERESA E APARECIDA



(Maria Neila Sousa Costa – Encarregada da Formação
da Comunidade Rainha do Carmelo, ocds – Fortaleza-CE)

“Louvemos a Deus pelo dom maravilhoso da vida e por aqueles que a honram e dignificam ao colocá-la a serviço dos demais.”
(Doc. de Aparecida nº 106)

I - A BOA NOVA DA VIDA

Todos que verdadeiramente desejam ser discípulos missionários de Jesus devem perguntar como Tomé: “Como vamos saber o caminho?” (João 14, 5).
Jesus nos responde com uma proposta provocadora: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (João 14, 6). Ele é o verdadeiro caminho para o Pai, que tanto amou ao mundo que lhe deu seu Filho único, para que todo aquele que nele crer tenha a vida eterna. (Cf. João 3, 16). Esta é a vida eterna: “Que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo teu enviado” (João 17, 3).

– A fé em Jesus como Filho de Deus Pai é a porta de entrada para a Vida. (Cf. João 10, 9). Verdadeiro Deus e verdadeiro homem, prova do amor de Deus aos homens. Sua vida é uma entrega radical de si mesmo a favor de todos, consumada definitivamente em sua morte e ressurreição.

– Como discípulos de Jesus, reconhecemos que Ele é o primeiro e maior evangelizador enviado por Deus. (Cf. Lucas 4, 43-44). E ao mesmo tempo o Evangelho de Deus. (Cf. Romanos 1, 3). Acreditamos e anunciamos o “Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”. (Cf. Marcos 1, 1).

– Como filhos obedientes à voz do Pai, queremos escutar Jesus – Único Mestre. (Cf. Mateus 23, 8).

– Como seus discípulos, sabemos que suas Palavras são Espírito e Vida. (Cf. João 6, 63-68). Com a alegria da fé, somos missionários para proclamar o Evangelho de Jesus Cristo.
“Bendigamos a Deus pelo dom da FÉ
que nos permite viver em aliança com Ele
 até o momento de compartilhar a Vida Eterna”
(Doc. de Aparecida nº 104)

“Bendigamos ao Pai porque, mesmo entre dificuldades e incertezas, todo homem aberto sinceramente à verdade e ao bem comum pode chegar a descobrir, na lei natural escrita em seu coração (Cf. Romanos 2, 14-15) o valor sagrado da VIDA humana desde seu início até seu fim natural, e afirmar o direito de cada ser humano de ver respeitado este seu bem primário.” (Doc. de Aparecida nº 108).

2.1 – Diante de uma vida sem sentido, Jesus nos revela a Vida íntima de Deus em seu mistério mais elevado, a comunhão trinitária. É tal o amor de Deus, que faz do homem, peregrino neste mundo, sua morada: “Viremos a ele e viveremos nele”. (Cf. João 14, 23).

2.2 – Frente ao desespero de um mundo sem Deus, que só vê na morte o final definitivo da existência, Jesus nos oferece a Ressurreição e a Vida Eterna na qual Deus será tudo em todos. (Cf. Coríntios 15, 28).

2.3 – Diante da idolatria dos bens terrenos, Jesus apresenta a Vida em Deus como valor supremo: “De que vale alguém ganhar o mundo e perder a própria vida?” (Marcos 8, 36). É próprio do discípulo de Jesus gastar a vida como sal da terra e luz do mundo.

2.4 – Mediante o individualismo, Jesus convoca a viver e caminhar juntos. A vida cristã só se aprofunda e se desenvolve na comunhão fraterna. Jesus nos diz: “Um é o seu Mestre, e todos vocês são irmãos.” (Mateus 23, 8).

2.5 – Santa Teresa de Jesus, no Caminho de Perfeição, Capítulo 4, nos fala da Caridade Fraterna: “Amai-vos muito umas às outras, é de suma importância, porque entre os que se amam não há coisa difícil de suportar que não se releve com facilidade. Se no mundo este mandamento fosse cumprido como deveria ser, muito contribuiria para se observarem os demais.” Na obra sobre as Fundações Santa Madre Teresa ressalta a importância do “recreio” para favorecer a fraternidade quando faz questão que São João da Cruz conheça bem o modo de viver das monjas.

“Entre os que se amam não há coisa difícil de suportar
 que não se releve com facilidade”
(Santa Teresa de Jesus)

II - A Vocação dos Discípulos Missionários
à Santidade

Chamados ao seguimento de Jesus Cristo.
Deus Pai sai de si para nos chamar a participar de sua Vida e de sua Glória. Mediante Israel, povo que fez seu, Deus nos revela seu projeto de vida. Cada vez que Israel procurou Deus e necessitou dele, sobretudo nas desgraças, teve singular experiência de comunhão com Ele, que o fazia partícipe de sua Verdade, sua Vida e sua Santidade.

– Nestes últimos tempos, Ele nos falou por meio de seu Filho Jesus (Cf. Hebreus 1, 1ss) com quem chega a plenitude dos tempos (Cf. Gálatas 4, 4) Deus, que é Santo e nos ama, nos chama por meio de Jesus a sermos santos (Cf. Efésios 1, 4-5).

O chamado que Jesus Mestre faz, implica uma grande novidade.

2.1 – Na antiguidade, os mestres convidavam seus discípulos a se vincular com algo transcendente e os mestres da Lei propunham a adesão à Lei de Moisés.

2.2 – Jesus convida a nos encontrar com Ele e a que nos vinculemos estreitamente a Ele, porque é a Fonte da Vida (Cf. João 15, 1-5) e só Ele tem palavras de vida eterna (Cf. João 6, 68).

2.3 – Há duas coisas bem originais no relacionamento com Jesus:
Por um lado, não foram eles que escolheram seu mestre, foi Cristo quem os escolheu.
E por outro lado, eles não foram convocados “para algo” (purificar-se, aprender a Lei...), mas “para alguém”, escolhidos para se vincularem intimamente à Pessoa dele (Cf. Marcos 1, 17; 2, 14).

Jesus os escolheu para que “estivessem com Ele e enviá-los a pregar” (Cf. Marcos 3, 4) para que o seguissem com a finalidade de “ser dele” e fazer parte “dos seus” e participar da sua missão. Com a parábola da videira e dos ramos (João 15, 1-8), Jesus revela o tipo de vínculo que ele oferece e que espera dos seus.

2.4 – Jesus quer que seu discípulo se vincule a ele como “amigo” e como “irmão”.
O Amigo:
ingressa em sua vida;
escuta Jesus;
conhece o Pai e faz fluir a vida de Jesus Cristo na própria existência.
O Irmão:
participa da vida do Ressuscitado, Filho do Pai celeste, porque Jesus e seu discípulo compartilham a mesma vida que procede do Pai. Jesus, por natureza, o discípulo por participação.

Santa Teresa de Jesus, nossa mãe, deseja formar amigos fortes de Deus.
Para ela a verdadeira oração é um trato de amizade com Deus: “A meu ver, oração não é outra coisa senão tratar intimamente com aquele que sabemos que nos ama.” (Vida, 8, 5).

3.1 – De acordo com as nossas Constituições a nossa Ordem Carmelita, frades, monjas e seculares:
formamos uma só família;
com os mesmos bens espirituais;
com a mesma vocação à santidade;
com a mesma missão apostólica.

3.2 – Ainda segundo as nossas Constituições:
os membros da Ordem Secular dos Carmelitas Descalços são fiéis da Igreja chamados a viver “em obséquio de Jesus Cristo” através da “amizade com quem sabemos que nos ama”.

3.3 – O compromisso da “Promessa” de viver o espírito das Bem-Aventuranças:
nas Bem-Aventuranças se encontra um plano de vida e um modo de entrar em relação com o mundo, com os familiares, com os vizinhos e companheiros de trabalho e com os amigos.
ao prometer viver as Bem-Aventuranças na vida cotidiana, tratam de dar testemunho de vida evangélica como membros da Igreja e da Ordem e, por este testemunho, convidam o mundo a seguir Cristo: Caminho, Verdade e Vida. (João 14, 6).

Conforme o Doc. de Aparecida, nº 133, Jesus faz dos discípulos seus familiares porque:
compartilha com eles a mesma vida que procede do Pai;
lhes pede, como discípulos, uma união íntima com Ele, obediência à Palavra do Pai, para produzirem frutos de amor em abundância.

Como discípulos e missionários, somos chamados:
a intensificar nossa resposta de fé e anunciar que Cristo redimiu todos os pecados e males da humanidade.

A resposta a seu chamado exige entrar na dinâmica do Bom Samaritano que nos dá o imperativo de:
nos fazer próximos, especialmente de quem sofre;
gerar uma sociedade sem excluídos seguindo a prática de Jesus:
- que come com os publicanos e pecadores; (Lucas 5, 29-32)
- que acolhe os pequenos e as crianças; (Marcos 10, 13-16)
- que cura os leprosos; (Marcos 1, 40-45)
- que perdoa e liberta a mulher pecadora; (Lucas 7, 36-49); (João 8, 1-11)
- que fala com a Samaritana. (João 4, 1-26)

Parecidos com o Mestre.

7.1 – A admiração pela pessoa de Jesus, seu chamado e seu olhar de amor despertam:
uma resposta consciente e livre desde o mais íntimo do coração do discípulo;
uma adesão a toda a sua pessoa ao saber que Cristo o chama pelo nome. (Cf. João 10, 3).

7.2 – É um “sim” que compromete radicalmente a liberdade do discípulo a se entregar a Jesus, “Caminho, Verdade e Vida”. (João 14, 6).

7.3 – É uma resposta de amor a quem o amou primeiro “até o extremo” (João 13, 1). A resposta do discípulo amadurece neste amor de Jesus: “Eu te seguirei por onde quer que vás.” (Lucas 9, 57). Para ficar verdadeiramente parecido com o Mestre, é necessário assumir a centralidade do Mandamento do Amor: “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei.” (João 15, 12). Este amor, com a medida de Jesus, com total dom de si, além de ser o diferencial de cada cristão, não pode deixar de ser a característica de sua Igreja, comunidade discípula de Cristo, cujo testemunho de caridade fraterna será o primeiro e principal anúncio: “Nisso conhecerão todos que sois os meus discípulos.” (João 13, 35).

Enviados a anunciar o Evangelho do Reino da Vida.

8.1 – Jesus Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, com palavras e ações e com sua morte e ressurreição, inaugura no meio de nós o Reino de Vida do Pai, que alcançará sua plenitude lá onde não haverá mais “nem morte, nem luto, nem pranto, nem dor.” (Apocalipse 21, 4).

8.2 – Durante sua vida e com sua morte na cruz Jesus permanece fiel ao seu Pai e à sua vontade. (Cf. Lucas 22, 42).

8.3 – Durante o ministério de Jesus, os seus discípulos não foram capazes de compreender que o sentido de sua vida selava o sentido de sua morte. Muito menos compreender que, segundo o desígnio do Pai, a morte do Filho era fonte de vida fecunda para todos. (Cf. João 12, 23-24).

8.4 – O mistério Pascal de Jesus é o ato de obediência e amor ao Pai e de entrega por todos seus irmãos.

8.5 – Ao chamar os seus para que o sigam, Jesus lhes dá uma missão muito precisa:
anunciar o Evangelho do Reino a todas as nações; (Cf. Mateus 28, 19 e Lucas 24, 46-48).
todo discípulo é missionário, pois Jesus o faz partícipe de sua missão, ao mesmo tempo que o vincula como amigo e irmão;
dessa maneira, como Jesus é testemunha do mistério do Pai, assim os discípulos são testemunhas da morte e ressurreição do Senhor.
cumprir essa missão não é tarefa opcional, mas parte integrante da identidade cristã. Quando o discípulo está apaixonado por Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que só ele salva. (Cf. Atos 4, 12).

“Quando o discípulo está apaixonado por Cristo,
não pode deixar de anunciar ao mundo que ele salva”

III – O Caminho de Formação
 dos Discípulos Missionários
(Doc. de Aparecida nº 240)

O encontro com Jesus Cristo.
Uma autêntica proposta de encontro com Jesus Cristo deve estabelecer-se sobre o sólido fundamento da Trindade-Amor. A experiência batismal é o ponto de início de toda espiritualidade cristã que se funda na Trindade.

– O acontecimento de Cristo é, portanto, o início desse sujeito novo que surge na história e a quem chamamos discípulo:
não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma idéia;
começamos a ser cristão através do encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva.

Em Santa Madre Teresa de Jesus esse encontro ou esta união com Cristo é fundamental quando nas suas obras nos mostra a sua experiência pessoal e amorosa com “aquele que sabemos que nos ama”, e isso passa pela oração.

Lugares de encontro com Jesus Cristo.
O encontro com Cristo, graças à ação invisível do Espírito Santo, realiza-se na fé recebida e vivida na Igreja. O Papa Bento XVI nos fala: “A Igreja é nossa casa! Esta é nossa casa! Na Igreja Católica temos tudo que é bom, tudo que é motivo de segurança e de consolo! Quem aceita a Cristo: Caminho, Verdade e Vida, em sua totalidade, tem garantida a paz e a felicidade nesta e na outra vida.” (V.Doc.Apar.246).

2.1 – Encontramos Jesus na Sagrada Escritura, lida na Igreja. O Papa Bento XVI faz a todos nós um convite: “Ao iniciar a nova etapa que a Igreja Missionária da América Latina e do Caribe se dispõe a empreender, a partir desta V Conferência em Aparecida, é condição indispensável o conhecimento profundo e vivencial da Palavra de Deus, por isso, é necessário educar o povo na leitura e na meditação da Palavra.” (...) “É preciso fundamentar nosso compromisso missionário e toda a nossa vida na rocha da Palavra de Deus.” (grifamos. Doc. de Aparecida nº 247).

Para nós carmelitas este convite do Papa vem de encontro ao que já somos chamados através de nossas Constituições quando nos diz que devemos ser diligentes na meditação da Lei do Senhor.
A Regra de Santo Alberto é a expressão original da espiritualidade do Carmelo. Foi escrita para leigos que se reuniram no Monte Carmelo para viver uma vida dedicada à meditação da Palavra de Deus, debaixo da proteção da Virgem Maria. De acordo com o número 35 das nossas Constituições, temos que: “A identidade carmelitana é confirmada por meio da formação na Escritura e na Lectio Divina, na importância da liturgia da Igreja, especialmente da Eucaristia e da Liturgia das Horas e na Espiritualidade do Carmelo, sua história, as obras dos santos da Ordem e a formação na oração e meditação.” (grifamos).

Entre as muitas formas de se aproximar da Sagrada Escritura existe uma privilegiada à qual todos somos convidados: a Lectio Divina ou exercício de leitura orante da Sagrada Escritura. Essa leitura bem praticada conduz ao encontro com Jesus-Mestre.
Com seus quatro momentos: leitura + meditação + oração + contemplação, a leitura orante favorece o encontro pessoal com Jesus Cristo.

2.2 – Encontramos Jesus ainda:
na Sagrada Liturgia;
na Eucaristia (lugar privilegiado);
no Sacramento da Reconciliação;
na oração pessoal e comunitária;
na comunidade e no amor fraterno.

O Doc. de Aparecida nº 255, nos diz que: “A oração pessoal e comunitária é o lugar onde o discípulo, alimentado pela Palavra e pela Eucaristia, cultiva uma relação profunda de amizade com Jesus Cristo e procura assumir a vontade do Pai. A oração diária é sinal do primado da graça no caminho do discípulo missionário.”
Diante de tudo isso, constatamos ainda mais a importância que Santa Madre Teresa de Jesus dá a oração e nos pede que não a abandonemos, conforme Caminho de Perfeição, nos Capítulos 23, 24 e 25.

Maria, discípula e missionária.

3.1 – A máxima realização da existência cristã como um viver trinitário de “filhos no Filho” nos é dada na Virgem Maria que, através de sua fé (Cf. Lucas 1, 45) e obediência à vontade de Deus (Cf. Lucas 1, 38), assim como por sua constante meditação da Palavra E das Ações de Jesus (Cf. Lucas 2, 19. 51) é a discípula mais perfeita do Senhor.

3.2 – Maria, que “conservava todas estas recordações e as meditava no coração” (Lucas 2, 19; 2, 51) ensina-nos o primado da escuta da Palavra na vida do discípulo missionário. O Magnificat está inteiramente tecido pelos fios da Sagrada Escritura. Assim revela-se que nela a Palavra de Deus se encontra de verdade em sua casa, de onde sai e entra com naturalidade:
ela fala e pensa com a Palavra de Deus;
a Palavra de Deus se faz a sua palavra e sua palavra nasce da Palavra de Deus;
seus pensamentos estão em sintonia com os pensamentos de Deus e seu querer é um querer junto de Deus;
estando intimamente penetrada da Palavra de Deus, ela pôde chegar a ser a Mãe da Palavra encarnada.

Essa familiaridade com o mistério de Jesus é facilitada pela reza do Rosário, onde: “O povo cristão aprende com Maria a contemplar a beleza do rosto de Cristo e experimentar a profundidade de seu amor.” (Doc. Aparecida nº 271).

Segundo nossas Constituições, temos que:
“Os Carmelitas Seculares, junto com os Frades e as Monjas, são filhos e filhas da ORDEM DE NOSSA SENHORA DO MONTE CARMELO E DE SANTA TERESA DE JESUS.” (Cap. I, nº 1).
“Os membros da Ordem Secular dos Carmelitas Descalços são fiéis da Igreja chamados a viver “em obséquio de Jesus Cristo” através “da amizade com quem sabemos que nos ama”, servindo à Igreja. Debaixo da proteção de Nossa Senhora do Monte Carmelo, segundo a inspiração de Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz e da Tradição do Profeta Elias, que buscam aprofundar o compromisso cristão recebido no batismo.” (Cap. I, nº 3).

A Virgem Maria se faz presente de maneira especial, sobretudo como Modelo de Fidelidade na escuta do Senhor e em atitude de Serviço a ele e aos demais.
Maria é aquela que conservava e meditava em seu coração a vida e as ações de seu Filho, dando exemplo de contemplação.

O papel da oração na espiritualidade Teresiana.

4.1 – A oração para Santa Teresa é fundamental. É ponto de partida. É a base de toda espiritualidade. De acordo com o Livro da Vida, no Capítulo 8, temos:
“Quisera ter licença para dizer as muitas vezes que nesse tempo faltei a Deus, por não está amparada à forte coluna da oração.”
“Vejo a grande misericórdia que o Senhor me fez dando-me ânimo para a oração, enquanto eu lidava com o mundo.”
“É certo que estamos sempre diante de Deus, mas, para os que tratam de oração, é de outra maneira.”
“Entenda o grande bem que Deus faz a uma alma dispondo-a a ter oração com vontade, mesmo não estando totalmente bem disposta.”
“Se perseverar na oração, apesar de pecados, tentações e quedas de mil maneiras que o demônio lhe ocasione, tenho por certo que finalmente o Senhor a conduzirá ao porto da salvação, como ao que agora, parece, me conduziu.”
“Quem começou a se entregar à oração, não a deixe, por mais pecados que faça. Com ela terá meios de se recuperar, ao passo que sem ela será muito mais difícil.”
“A quem ainda não começou, rogo, por amor do Senhor, que não se prive de tanto bem.”
“Se perseverar neste santo exercício, espere tudo na misericórdia de Deus, sabendo que ninguém o tomou por amigo sem ser amplamente recompensado.”
“A meu ver, a oração não é outra coisa senão tratar intimamente com aquele que sabemos que nos ama, e estar muitas vezes conversando a sós com ele.”
“Se a oração faz tanto bem e é tão necessária aos que não servem a Deus e até o ofendem, ninguém pode objetar maior dano que o de não a ter. se assim é, digo: por que hão de deixá-la os que servem a Deus e querem servi-lo?”
“Só digo que a oração foi a porta para os favores tão grandes que Sua Majestade me tem feito. Fechada esta porta, não sei como poderá conceder esses favores.”
“Depois que comecei a ter oração, quase nunca me cansava de falar ou ouvir falar de Deus.”

4.2 – Em seu livro “Castelo Interior”, no Capítulo 1, Santa Teresa assim nos fala:
“Uma pessoa muito douta dizia-me, há pouco tempo, que as almas sem oração são semelhantes a um corpo entrevado ou paralítico.”
“Pelo que entendo, a porta para entrar neste castelo é a oração, a meditação.”

“Ao meu ver,
a oração não é outra coisa senão tratar intimamente
 com aquele que sabemos que nos ama,
 e estar muitas vezes conversando com ele.”
(Santa Teresa de Jesus)


Louvado seja
Nosso Senhor Jesus Cristo!