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segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O ADVENTO VIVIDO COM OS SANTOS DO CARMELO

                                                Livia,  ocds- Comunidade Nossa Senhora do Carmo-RJ




Ano Litúrgico


Estamos iniciando o Ano Litúrgico A. Os Anos Litúrgicos são três:
 Ano A: o Evangelho nas Missas segue o Evangelho de São Mateus;
 Ano B: o Evangelho nas Missas segue o Evangelho de São Marcos;
 Ano C: o Evangelho nas Missas segue o Evangelho de São Lucas.

O Advento (que significa „chegada‟, „vinda‟) é o Tempo que inicia o Ano Litúrgico.
O Ano Litúrgico compreende dois tempos fortes: o ciclo Pascal, tendo como centro o Tríduo Pascal, a Quaresma como preparação e o Tempo Pascal como prolongamento; o Ciclo do Natal, com sua preparação no Advento e o seu prolongamento até a Festa do Batismo do Senhor. Além destes dois, tempos o Tempo Comum, que começa no dia seguinte à celebração da festa do Batismo do Senhor e se estende até a terça-feira antes da Quaresma, inclusive. Recomeça na segunda-feira depois do Domingo de Pentecostes e termina antes das Primeiras Vésperas do 1º Domingo do Advento.
Advento
O Advento começa exatamente quatro domingos antes do Natal (por isso sua data de início muda todo ano) e vai até as primeiras vésperas do Natal de Jesus. Nesse período, a cor litúrgica é o roxo. Omite-se o Glória, mas canta-se o Aleluia.
O Advento pode ser dividido em dois períodos:

 Do 1º Domingo do Advento até o dia 16 de dezembro trata mais do aspecto escatológico, ou seja, a expectativa da segunda vinda de Cristo.

 De 17 de dezembro até 24 de dezembro se orienta mais diretamente para o Natal, a 1ª vinda de Cristo.

Cada Domingo também apresenta um tema:
1º Domingo: centralizada na vinda do Senhor ao final dos tempos. A Liturgia nos convida a estar em vela, mantendo atitude de conversão.
2º Domingo: Convida, por meio de João Batista, a “preparar os caminhos do Senhor”. Continuação do caminho de conversão.
3º Domingo: Alegria Messiânica, pois já está cada vez mais próximo o dia da vinda do Senhor. Este Domingo é chamado “Gaudete” e nos convida a alegria, não a uma vigília triste. A cor Litúrgica é o Rosa.
4º Domingo: Advento do Senhor ao mundo. Maria é figura central.
Tempo do Natal
Tempo de fé, alegria e acolhimento do Filho de Deus que se fez Homem.
A alegria do Natal se prolonga por oito dias sucessivos, a “Oitava de Natal”.
 Festas da Oitava de Natal:

26/12: 1º Mártir, São Estevão.
27/12: São João, Apóstolo e Evangelista.
28/12: Santos Inocentes Mártires.
Festa da Sagrada Família: Domingo dentro da Oitava de Natal ou, se não tiver nenhum Domingo dentro da Oitava, celebramos dia 30/12.
01/01: Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus.
 Outras Festas do Tempo do Natal:

Solenidade da Epifania do Senhor (“Epifania” = revelação): Mais conhecida como a festa de Reis é celebrada no dia 06/01. No Brasil é transferida para o Domingo entre os dias 2 e 8 de janeiro. Celebra-se a manifestação do Senhor em todas as nações, que são representadas pelos magos que vão ao encontro do Salvador.
Festa do Batismo do Senhor: Celebrada no Domingo depois do dia 06/01 e revela a filiação Divina de Jesus mediante a voz descida do Céu.
Os Santos do Carmelo escrevem sobre o Natal
 Romances trinitários e cristológicos de São João da Cruz.

São João da Cruz escreveu 9 poemas sobre a Santíssima Trindade e a encarnação do Verbo. Cito dois poemas:
Romance 8º
Então chamou-se um arcanjo
Que S. Gabriel se dizia,
Enviou-o a uma donzela
Que se chamava Maria,
De cujo consentimento
O mistério dependia;
Na qual a santa Trindade
De carne ao Verbo vestia;
E embora dos três a obra
Somente num se fazia;
Ficou o Verbo encarnado
Nas entranhas de Maria.
E o que então só tinha Pai,
Já Mãe também teria,
Embora não como outra
Que de varão concebia,
Porque das entranhas dela
Sua carne recebia;
Pelo qual Filho de Deus
E do Homem se dizia.
Romance 9º
Quando foi chegado o tempo Em que de nascer havia, Assim como o desposado, Do seu tálamo saía Abraçado à sua esposa, Que em seus braços a trazia; Ao qual a bendita Mãe Em um presépio poria Entre pobres animais Que então por ali havia. Os homens davam cantares, Os anjos a melodia, Festejando o desposório Que entre aqueles dois havia. Deus, porém, no presépio Ali chorava e gemia; Eram jóias que a esposa Ao desposório trazia; E a Mãe se assombrava Da troca que ali se via: O pranto do homem em Deus, E no homem a alegria; Coisas que num e no outro Tão diferente ser soía.
 Santa Elisabete da Trindade

Escreveu vários poemas sobre o Natal. Destaco dois: o primeiro, escrito anos antes de entrar no Carmelo, e o segundo, escrito em seu primeiro Natal no Carmelo.
P 45 A Noite de Natal (25 de dezembro de 1897)
Ó doces sinos do Carmelo,
Voai alegremente ao Céu.
Nesta noite misteriosa,
Tão pura e tão deliciosa,
Gosto de ouvir vossos carrilhões,
No silêncio tão profundo
Da noite grande e solene,
Memorável e sempre tão bela
Enquanto que vós, ó carmelitas,
Almas escolhidas, almas de elite,
Vós orais junto ao senhor
Numa santa e bem doce felicidade,
Atrás de vossa espessa grade,
Ó santas almas, pobres moças.
Eu, eu também oro ao Senhor,
Dou-Lhe meu pobre coração
Peço-Lhe por partilha
Ser humilde e pobre à Sua imagem,
De tudo deixar por Ele,
A Ele para sempre sem partilha
Amando cada vez mais cada dia,
Tê´l‟O enfim como único apoio
Sofrer com Ele o Calvário
Num pobre e santo mosteiro.
Sofrer, enfim! Sempre sofrer,
Oh, tal é meu ardente desejo!…
E diante do presépio oro
Com grande fervor,
Pedindo a Jesus Salvador
Que queira aceitar minha vida
Pela conversão dos pecadores,
Por aqueles que ultrajam Seu Coração!…
Neste pobre e frio estábulo,
Como é belo, o Menino Jesus!
Ó graça, ó prodígio, ó milagre,
Foi por mim, então, que Ele veio!
Ó doces carrilhões do Carmelo,
Voai alegremente ao Céu
Nesta noite misteriosa,
Tão pura e tão deliciosa.
P 75 Foi por mim que Ele veio (25 de dezembro de 1901)
No frio, no humilde estábulo,
Como é lindo, o Menino Jesus!
Ó graça, ó prodígio, ó milagre.
Sim, foi por mim que Ele veio.
(...)
Este doce Cordeiro, este Pequenino,
É a eterna, a verdadeira luz,
Aquele que Reina no seio do Pai
E vem nos dizer tudo sobre Ele.
(...)
 Santa Teresa Benedita da Cruz

O seguimento do Filho de Deus feito homem
Cada um de nós talvez já tenha experimentado tal felicidade natalina. Mas, até aqui, o céu e a terra não se uniram. Também hoje a estrela de Belém é uma estrela na noite escura. Já, no segundo dia, a Igreja tira as vestes festivas e se reveste com a cor do sangue e, no quarto dia, de cores enlutadas. Estêvão, o protomártir, que primeiro seguiu o Senhor para a morte, e os santos inocentes, as criancinhas de Belém de Judá, mortas cruelmente por mãos de algozes, estão ao redor da criança no presépio.
O que quer dizer isto? Onde está o júbilo das potências celestes? Onde está a tranquila bem-aventurança da noite santa? Onde está a paz na terra? “Paz na terra aos homens de boa vontade”. Mas, nem todos têm boa vontade. Por isso, o Filho do Pai Eterno nasceu da glória celeste, pois o mistério do mal encobriu a terra com a escuridão. Trevas cobriram a terra e Ele veio como a luz, que iluminou as
trevas, mas as trevas não O conheceram. Àqueles que O acolheram, Ele trouxe a luz e a paz; a paz com o Pai do céu, a paz com todos que, com Ele, são filhos da luz e filhos do Pai do céu, e a profunda paz do coração; mas, não a paz com os filhos das trevas. Para eles, o Príncipe da paz não traz a paz e sim, a espada. Para eles o Senhor é a pedra de tropeço, contra quem atacam e na qual serão destruídos. (...)
 Leitura Complementar (que foi lida e discutida durante a formação):

Livro “O presépio das crianças” (autor: Flávio Sampaio de Paiva, Editora Quadrante).
Destaco um trecho desse livro:
"(...) A nossa realização e felicidade mais profunda está em sermos fiéis à nossa vocação. Quando abrimos os olhos para enxergar a nossa vocação, fica claro o sentido de toda a nossa existência. Todas as peças da vida passam a ocupar o seu lugar, como as peças de um mosaico: o passado e o presente, os sonhos, o trabalho, o amor, as dificuldades, tudo fica mais claro e se harmoniza com o restante."



Bibliografia
 http://www.franciscanos.org.br/?page_id=6261, que contém algumas Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário Romano (NALC), promulgadas por Paulo VI, em 1969.
 http://www.acidigital.com/fiestas/advento/esquema.htm
 Obras completas de São João da Cruz.
 Obras completas de Santa Elisabete da Trindade
 Livro “Teu coração deseja mais – Reflexões e orações”, Edith Stein, 2ª Edição, Editora Vozes


quarta-feira, 8 de junho de 2016

Atitudes que ajudam a rezar


Dom Adelar Baruffi
Bispo de Cruz Alta


“A Igreja não pode dispensar o pulmão da oração” (EG 262), nos disse o Papa Francisco. Ela é o meio privilegiado do encontro cotidiano com Deus, conosco mesmos e com a comunidade de fé. No entanto, é preciso dispor-se, através de algumas atitudes.
A primeira atitude que facilita a oração é o recolhimento. Recolher a vida com toda a sua complexidade, recolhê-la, em especial diante de Deus. Estar presente e atento a tudo o que estou vivendo. A dificuldade é a distração. Se viver distraído e ausente a maior parte do dia, se não tenho consciência de mim mesmo habitualmente em cada atividade, se não me centro no que estou fazendo no decorrer do dia, o normal é que tampouco o faça no momento de oração. Oramos como vivemos e vivemos como oramos. Tomar consciência do corpo, dos sentimentos e da mente, com todos os pensamentos, reflexões, recordações e fantasias que aparecem e desaparecem. Exercitar a atenção central: a capacidade de ver e perceber tudo com uma luz interior. Invocar o Espírito Santo, que conduz o encontro com Deus. Quanto mais eu exercitar o recolhimento, tanto mais centrado estarei em cada momento.
A segunda atitude é exercitar o silêncio exterior e interior. Há ruídos exteriores e interiores. Não nos concentramos quando estamos em um ambiente ruidoso. O mesmo acontece quando temos um barulho dentro de nós mesmos: nervosismo, tensão, preocupações, angústia, agressividade, estresse... Este ruído emocional nos bloqueia e nos incapacita para estar, para estar simplesmente em atenção amorosa a Deus. É preciso criar espaços e tempos de silêncio: criar um clima silencioso, sereno, pacificador. Uma pessoa barulhenta o será em tudo: na vida e na oração. E uma pessoa silenciosa o será em tudo: na oração e na vida. O silêncio interior é absolutamente imprescindível para viver uma experiência de oração. Um silêncio interior que nos abra ao diálogo com Deus. Assim se expressava Henri Nouwen: “Senhor Jesus! As palavras que dirigiste a teu Pai brotaram do teu silêncio. Introduze-me neste silêncio, para que assim fale em teu nome e minhas palavras deem fruto. É tão difícil permanecer em silêncio, silêncio de palavras, mas também silêncio do coração... Há tantas coisas que falam dentro de mim... Sempre pareço estar enredado em debates interiores comigo mesmo, com meus amigos, com meus inimigos, com meus defensores, com meus adversários, com meus colegas e com meus rivais. Porém, este debate interior põe às claras quanto longe está de ti meu coração.” (Escritos Essenciales, Santander: Editorial Sal Terrae, 1999, p.95). Normalmente, a vida de uma pessoa ruidosa é superficial. A vida de uma pessoa silenciosa tende a ser mais profunda, integrada, positiva, unificada, repleta de harmonia, de paz e de plenitude.
A terceira atitude é a abertura para escutar e dialogar. A oração é sempre um diálogo, um encontro. Não é um monólogo, nem uma mera introspecção. É um encontro, uma saída de si, para dar espaço para acolher a Deus, que continuamente sai de si para nos encontrar, para nos falar. A abertura é fruto da consciência de si e do silêncio. Uma pessoa encerrada em seu próprio cárcere de tensões e angústias é incapaz de ver e perceber, de escutar e acolher o outro tal como é. Atitude de escuta que espera o Senhor. “Fala, Senhor, que teu servo escuta” (1Sm 3,10), disse Samuel. Escutar é uma atitude radical e essencial do homem que deseja viver aberto e acolhedor dos outros e a Deus. Escutar na oração, escutar a Deus, é, portanto, uma atitude permanente, que devo manter sempre, tal como são permanentes a comunicação e a manifestação de Deus.

A quarta atitude é a entrega de si. É uma entrega mútua em liberdade, em que eu acolho o dom infinito de sua presença e de seu amor e respondo livremente, em plena disponibilidade de amor obediente. Deus não dá coisas, ele se dá a si mesmo numa entrega total, infinita e eterna porque nos ama. Diante de Deus, portanto, só tem sentido a entrega e disponibilidade, o abandono confiante. “Faça-se em mim, segundo a tua Palavra.” (Lc 1, 38). Então, nessa experiência de amor, entrega-se, como barro modelável nas mãos de Deus.

terça-feira, 24 de maio de 2016

"A ORAÇÃO DO CORAÇÃO"





(por Henri Nouwen)

"A oração hesicástica, que leva ao descanso em que a alma habita com Deus, é a oração do coração. Para nós que damos tanta importância à mente, aprender a rezar com o coração e a partir dele tem importância especial. Os monges do deserto nos mostram o caminho. Embora não exponham nenhuma teoria sobre a oração, suas narrativas e seus conselhos concretos apresentam as pedras com as quais os autores espirituais ortodoxos mais tardios construíram uma espiritualidade magnífica. Os autores espirituais do monte Sinai, do monte Atos e os startsi da Rússia oitocentista apoiam-se todos na tradição do deserto. Encontramos a melhor formulação da oração do coração nas palavras do místico russo Teófano, o Recluso: "Rezar é descer com a mente ao coração e ali ficar diante da face do Senhor, onipresente, onividente dentro de nós". No decorrer dos séculos, essa perspetiva da oração tem sido central no hesicasmo Rezar é ficar na presença de Deus com a mente no coração, isto é, naquele ponto de nossa existência em que não há divisões nem distinções e onde somos totalmente um. Ali habita o Espírito de Deus e ali acontece o grande encontro. Ali, coração fala a coração, porque ali ficamos diante da face do Senhor, onividente, dentro de nós. É bom saber que aqui a palavra "coração" é usada em seu sentido bíblico pleno. em nosso meio, ela se tornou lugar-comum. Refere-se à sede da vida sentimental. Expressões como "coração partido" e "sentido no coração" mostram ser comum pensarmos no coração como o lugar quente onde se localizam as emoções, em contraste com o frio intelecto onde têm lugar nossos pensamentos. Mas, na tradição judeu-cristã, a palavra "coração" refere-se à fonte de todas as energias físicas, emocionais, intelectuais, volitivas e morais.

No coração, originam-se impulsos impenetráveis, além de sentimentos, disposições e desejos conscientes. O coração também tem suas razões e é o centro da perceção e do entendimento. Finalmente, ele é a sede da vontade: faz planos e chega a uma boa decisão. Assim, é o órgão central e unificador de nossa vida pessoal. Nosso coração determina nossa personalidade e é, portanto, não só o lugar onde Deus habita, mas também o lugar ao qual Satanás dirige seus ataques mais ferozes. Esse coração é o lugar da oração. A oração do coração dirige-se a Deus a partir do centro da pessoa e, assim, afeta toda a nossa compaixão.
Um dos monges do deserto, Macário, o Grande, diz: "A tarefa principal do atleta (isto é, do monge) é entrar em seu coração". Isso não significa que o monge deva procura encher sua oração de sentimento; significa que deve esforçar-se para deixar que ela remodele toda a sua pessoa. O discernimento mais profundo dos monges do deserto é que entrar no coração é entrar no Reino de Deus. Em outras palavras, o caminho para Deus é pelo coração. Isaac, o Sírio, escreve:

"Procure entrar na câmara do tesouro... que está dentro de si e então descobrirá a câmara do tesouro do céu. Pois ambas são a mesma coisa. Se conseguir entrar numa, verá ambas. A escada para este Reino está escondida dentro de si, na sua alma. Se purificar a alma, ali verá os degraus da escada que deve subir."
E João de Cárpato diz: "É preciso grande esforço e luta na oração para alcançar aquele estado da mente que é livre de toda perturbação; é um céu dentro do coração (literalmente 'intracardíaco'), o lugar onde, como o apóstolo Paulo assegura, "Cristo está em vós" (2Cor13,5).

Em suas falas, os monges do deserto nos indicam uma visão bastante holística de oração. Eles nos afastam das nossas práticas intelectuais, nas quais Deus se transforma em um dos muitos problemas com os quais temos de lidar. Mostram-nos que a verdadeira oração penetra no âmago de nossa alma e não deixa nada sem tocar. A oração do coração não nos permite limitar nosso relacionamento com Deus a palavras interessantes ou emoções piedosas. Por sua própria natureza, essa oração transforma todo o nosso ser em Cristo, precisamente porque abre os olhos de nossa alma à verdade de nós mesmos e também à verdade de Deus. Em nosso coração passamos a nos ver como pecadores abraçados pela misericórdia de Deus. É essa visão que nos faz clamar: "Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, tem misericórdia de mim, pecador". A oração do coração nos exorta a não esconder absolutamente nada de Deus e a nos entregar incondicionalmente a sua misericórdia.

Assim, a oração do coração é a oração da verdade. Desmascara as muitas ilusões sobre nós mesmos e sobre Deus e nos conduz ao verdadeiro relacionamento do pecador com o Deus misericordioso. Essa verdade é o que nos dá o "descanso" da hesicasta. Quando ela se abriga em nosso coração, somos menos distraídos por pensamentos mundanos e nos voltamos mais sinceramente para o Senhor de nossos corações e do universo. Assim, as palavras de Jesus: "Felizes os corações puros: eles verão a Deus" (Mt 5,8) tornam-se reais na nossa oração. As tentações e as lutas continuam até o fim das nossas vidas, mas com um coração puro ficamos tranquilos, mesmo em meio a uma existência agitada.

Isso levanta o problema de como praticar a oração do coração num ministério bastante agitado. É a essa questão de disciplina para a qual precisamos agora voltar a atenção.

Oração e Ministério
Como nós, que não somos monges nem vivemos no deserto, praticamos a oração do coração? Como ela influencia nosso ministério cotidiano?
A resposta a essa pergunta está na formulação de uma disciplina definitiva, uma regra de oração. Há três características da oração do coração que nos ajudam a formular essa disciplina:
A oração do coração alimenta-se de orações breves e simples.
A oração do coração é incessante.

A oração do coração inclui tudo.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Teresa e Maria do Carmelo




Nossa Senhora está presente nos momentos mais decisivos da vida de Teresa. Já desde os primeiros balbuceios da sua infância é influenciada pela oração cadenciada do terço.
Com a idade de seis ou sete anos a mãe tinha o cuidado “em fazer-nos rezar e sermos devotos de Nossa Senhora e de alguns Santos”. Teresa continua a contar-nos que desde muito jovem “Procurava solidão para rezar as minhas devoções que eram muitas, em especial o Rosário, do qual a minha mãe era muito devota e assim nos fazia sê-lo”.

Quando Teresa perde sua mãe, que seria entre os treze e quatorze anos de idade, vai-se encomendar a Nossa Senhora. É ela a narrar: “Quando comecei a perceber o que tinha perdido, fui-me, aflita, a uma imagem de Nossa Senhora e supliquei-Lhe, com muitas lágrimas, que fosse minha Mãe. Embora o fizesse com simplicidade, parece-me que me tem valido; porque conhecidamente tenho encontrado esta Virgem soberana, sempre que me tenho encomendado a Ela, e, enfim, tornou-me a Si”.

Por amor e devoção a Nossa Senhora, Teresa entra no Carmelo da Encarnação de Ávila. Neste mosteiro, como em todos os outros, a presença de Maria é uma constante. A tomada de hábito marcou-a profundamente. Tomava o hábito de Nossa Senhora. Para ela, Nossa Senhora do Carmo é como a encarnação do estilo de vida e do espírito da Ordem. A partir da sua experiência mística a presença de Maria torna-se constante e integrante de muitas graças místicas.

São muitas as graças místicas que Teresa recebe ao longo da sua existência e que têm como objecto e conteúdo Nossa Senhora. Algumas são muito significativas para a sua vida e obra de fundadora. Recordo a que ela narra no Livro da Vida, capítulo 33. É uma espécie de vestidura que Maria faz a Teresa anunciando-lhe o facto de a partir deste momento ser mãe de uma nova família religiosa: o Novo Carmelo. Jesus une sua Mãe a este seu plano. Era no dia de Nossa Senhora da Assunção. Participava na Eucaristia na Capela do Santo Cristo do Convento de S. Domingos e veio-lhe um arroubamento tão grande que ficou fora de si. “Parecia-me, estando assim, que me via vestir uma roupa de muita brancura e claridade. A princípio não via quem ma vestia; depois vi a Nossa Senhora a meu lado direito e a meu Pai S. José à esquerda, que me vestiam aquela roupa. Deu-se-me a entender que já estava limpa de meus pecados. Acabada de vestir e eu com grandíssimo deleite e glória, logo me pareceu Nossa Senhora pegar-me nas mãos. Disse-me que Lhe dava muito gosto sendo devota do glorioso S. José; que tivesse por certo que, o que eu pretendia do mosteiro, se havia de fazer e nele se serviria muito o Senhor e a eles ambos; que não temesse que nisto houvesse jamais quebra, embora a obediência que dava não fosse a meu gosto, porque Eles nos guardariam e já Seu Filho nos tinha prometido andar connosco. Para sinal de que isto se cumpriria dava-me aquela jóia.

Pareceu-me então que me tinha deitado ao pescoço um colar de ouro muito formoso e preso a ele uma cruz de muito valor. Este ouro e pedras são tão diferentes das de cá, que não têm comparação”.

Santa Teresa teve outra graça mística mariana em que ela experimenta a glorificação de Nossa Senhora: “Em dia da Assunção da Rainha dos Anjos e Senhora nossa, quis o Senhor fazer-me esta mercê: num arroubamento representou-se-me a Sua subida ao Céu e a alegria e solenidade com que foi recebida e o lugar onde está. Dizer como foi isto, eu não saberia. Foi grandíssimo o deleite que o meu espírito teve de ver tanta glória. Causou isto em mim grandes efeitos e tirei de proveito ficar com mais e maiores desejos de passar grandes trabalhos e de servir a esta Senhora, pois tanto mereceu” (V 39, 26).

Noutra visão, Teresa compreendeu como o Senhor agracearia as suas irmãs de S. José de Ávila, ao colocá-las sob a protecção de Maria: “Estando todas no coro em oração depois de Completas, vi Nossa Senhora, com grandíssima glória, revestida dum manto branco e, debaixo dele, parecia amparar-nos a todas. Entendi quão alto grau de glória daria o Senhor às desta casa” (V 36, 24).

Apesar de serem muitas as graças místicas marianas experienciadas por Teresa de Jesus, há um parelelismo muito marcado entre a experiência que ela tem de Cristo e de Maria. Depois de tantos trabalhos e sofrimentos passados nas suas fundações Teresa alegra-se com as suas irmãs: “Nós alegramo-nos de podermos em algo servir a Nossa Mãe, Senhora e Padroeira” (F 29, 23). Jesus e Maria são duas criaturas sempre unidas na vida de Teresa e dos seus Carmelos: “Pouco a pouco se vão fazendo outras coisas para honra e glória desta gloriosa Virgem e de Seu Filho. Seja Ele para sempre louvado, ámen, ámen!” (F 29, 28).


P. Jeremias Carlos Vechina, OCD





MARIA SANTÍSSIMA

Não é um tema que tenha sido suficientemente estudado na Santa. A partir dos anos 20 deste século se investigou um pouco mais. Acaso porque outros temas tiveram mais ressonância em sua vida, experiência e doutrina. Mas o certo é que a Virgem Maria está presente nos momentos mais influentes da vida pessoal, de fundadora e de escritora de Teresa de Ahumada, já desde o lar paterno.
Farei especial relevo na presença mariana carmelitana. Para Teresa de Jesus, Maria é algo assim como a presença materna no espírito e na forma de entender a Cristo, a Igreja e as fundações que ela irá fazendo a partir do ano de 1562, como o meio de ajudar a Igreja no cumprimento de sua finalidade. Daí que seja interessante, e necessário, expor tal presença mariana e carmelitana pelas conotações que tem em seu modo de entender a presença de Maria em sua vida pessoal, como fundadora-renovadora de um espírito-estilo de vida antigo e clássico, e como escritora que terá uma influência enorme na espiritualidade posterior na família do Carmelo e de toda a Igreja.
A Santa faz um desdobramento enorme de formas e nomes para expressar a realidade de Maria Santíssima, tal e como ela a entende e a vive.
De todos os títulos e modos marianos, o que mais usa santa Teresa de Jesus é SENHORA (umas 66 vezes). Depois é o VIRGEM (umas 40 vezes). Logo, que é o título mais importante para a Santa, vem o de MÃE (umas 25 vezes). Em lugares mais secundários estão os títulos de PATRONA (8 vezes), Rainha dos anjos (3 vezes), Rainha do céu (1 vez), Intercessora (2 vezes), Imperatriz (1 vez) e Priora (1 vez). O título do Carmo e Monte Carmelo usa-o com uma relativa freqüência; contabilizamos umas cinco vezes, unido também à “Regra” da Ordem. Em algumas ocasiões faz igualmente alusão à Ordem do Carmo ou à Virgem do Carmo sem mencionar o nome concreto, falando simplesmente da Ordem da Virgem ou da Ordem de Nossa Senhora ou das “filhas da Virgem, cujo hábito trazemos”.
Considero texto essencial, e quase resumo de todo o marianismo teresiano, M 3,1,3: “E vós, que o trazeis também, louvai-O, pois verdadeiramente sois filhas dessa Senhora. Assim, não tendes de vos perturbar por eu ser ruim, já que possuís tão boa Mãe. Imitai-A e considerai a imensa grandeza dessa Senhora, bem como a vantagem de tê-la por padroeira”.

1. Presença de Maria em sua vida

A alma profundamente mariana de santa Teresa de Jesus se forja progressivamente, já desde os primeiros balbucios da infância no lar familiar. Ela mesma nos diz como na idade dos seis anos sua mãe tinha um cuidado especial de que fosse devota da Virgem: “Isto [que seu pai fora afeiçoado a ler livros espirituais], ao lado do cuidado de minha mãe em fazer-nos rezar e ter devoção por Nossa Senhora e por alguns santos, começou a despertar-me com a idade de, ao que me parece, seis ou sete anos” (V 1,1).
Desde muito menina procurava a solidão para praticar suas devoções preferidas: “Procurava a solidão para rezar as minhas devoções, que eram muitas, em especial o rosário, de que a minha mãe era muito devota, e, assim, nos fazia sê-lo” (V 1,6).
Seguirá a Santa nos dizendo como quando morreu sua mãe, Dª Beatriz, deu-se conta do que havia perdido, e acorreu à Virgem da Caridade, na ermida de São Lázaro, para suplicar-lhe que fosse ela sua mãe: “Recordo-me de que, quando minha mãe morreu, eu tinha doze anos, ou um pouco menos. Quando comecei a perceber o que havia perdido, ia aflita a uma imagem de Nossa Senhora e suplicava-lhe, com muitas lágrimas, que fosse ela a minha mãe” (V 1,7). Geralmente se admite que Teresa de Ahumada tinha então a idade de treze para quatorze anos.
Este acontecimento, singelo em si, mas muito emotivo e evocador na realidade para Santa, vemos como o entende que a Virgem, boa Mãe e eficaz intercessora, lha resgatou para ela: “Parece-me que, embora o fizesse com simplicidade, isso me tem valido; porque reconhecidamente tenho encontrado essa Virgem soberana sempre que me encomendo a ela e, enfim, voltou a atrair-me a si” (V 1,7). Pode referir-se a sua conversão e a sua vocação de carmelita, ou a uma das duas.
Desde muito pequena Teresa de Ahumada entra em comunhão com o fato mariano, que fará com que se manifeste ao longo de toda a sua vida espiritual e igualmente de fundadora: presença e confiança constantes.
Tudo isto irá aumentando em sua juventude e se acrescentará com sua entrada no Carmelo. Aos vinte anos Teresa entra no convento da Encarnação de Ávila. Ali, como todo o Carmelo, a presença de Maria é total: liturgia, quadros, títulos, devoções, festas. Especialmente o hábito do Carmo marcou Teresa. A pessoa de Maria do Carmo é como a personalização e a encarnação do estilo e do espírito de toda a Ordem.
E efetivamente, ela conserva o que viveu em sua casa; concretamente sua devoção ao rosário e a devoção à Virgem em sua Assunção ao céu, data na qual ficou aparentemente morta durante três dias, como ela mesma nos relata em V 5,9.
A partir de suas experiências místicas, a presença de Maria se acentua, pois será parte integrante de muitas dessas graças místicas, inclusive extraordinárias, como se verá mais adiante.

2. Experiência mística de Maria em Teresa de Jesus


Da vida, em seu discorrer quotidiano e humano, passou a ver a presença de Maria em sua vida espiritual, na oração e na doutrina da Santa.
Dentro da abundância de graças místicas, que Teresa de Jesus recebe ao longo de sua vida espiritual, as que têm Maria por objeto e conteúdo são muitas, e algumas significativas para sua vida e sua obra de fundadora.
A Virgem entra em cena com uma graça mística pessoal que tem dois objetivos: por uma parte, é o dom de uma pureza total de seus pecados e, por outra, uma espécie de vestição que a Senhora faz a Teresa, anunciando-lhe o fato de ser desde agora mãe de uma Nova Família Religiosa: O Novo Carmelo. Narra-o assim a Santa: “Enquanto me encontrava naquele estado [em grande arroubamento], tive a impressão de que me cobriam com uma roupa de grande brancura e esplendor. No início, eu não via quem o fazia, tendo percebido depois Nossa Senhora do meu lado direito e meu pai São José do esquerdo adornando-me com aquelas vestes. Eles me deram a entender que eu estava purificada dos meus pecados. Depois que acabaram de me vestir, estando eu com enorme deleite e glória, tive a impressão de que Nossa Senhora tomava-me as mãos, dizendo-me que lhe dava muito contentamento ver-me servir ao glorioso São José e que eu estivesse certa de que o mosteiro se faria de acordo com o meu desejo, sendo o Senhor e eles dois muito bem servidos ali. Eu não devia temer que nisso viesse a haver quebra, embora a obediência não fosse bem do meu gosto, porque eles nos guardariam, e o seu Filho já nos prometera andar ao nosso lado. Como sinal de verdade, ela me dava uma jóia” (V 33,14).
Certamente que aos planos de Jesus se une a ajuda e a presença de Maria. O Novo Carmelo de Teresa de Jesus será também obra da Virgem Maria.
No número 15 deste mesmo capítulo do Livro da Vida, a Santa completa a descrição desta visão com os seguintes detalhes de grande beleza: “Era grandíssima a beleza que vi em Nossa Senhora, embora não tenha podido observar nenhum traço particular seu, mas o conjunto do rosto, estando ela vestida de branco, com enorme resplendor, não do tipo que deslumbra, mas algo suave. Não vi o glorioso São José tão claro, mas percebi a sua presença, como nas visões de que falei, em que não se vêem imagens. Nossa Senhora me pareceu muito jovem”.
A vestição mariana tivera como um sinal precioso e valioso um colar de ouro, deixado pela Bem Aventurada Virgem Maria ao pescoço: “Tive a impressão de que ela me punha no pescoço um colar de ouro muito formoso do qual pendia uma cruz de muito valor” (V 33,14).
Não me detenho a relatar os muitos fenômenos místicos e as muitas experiências místicas que a Santa tem em torno de Maria, a Mãe de Deus. São vivências e experiências muito profundas de Maria que têm suas repercussões a nível de vida espiritual e pessoal de Teresa de Jesus, de sua tarefa de escritora e de sua obra de fundadora.
Não é difícil comprovar como se dá um certo paralelismo entre a experiência teresiana crística e mariana. Como sucede com o resto de todas as demais experiências místicas teresianas. Todas têm um objetivo comum, que é a glória de Deus, a santificação da agraciada e o ajudar a Santa a servir incondicionalmente a Igreja, pois ela está consciente de que servindo a Igreja, mediante a oração, o sacrifício e demais realidades da vida do Novo Carmelo, está servindo a Maria, a quem pertence a mesma Igreja e o Carmelo concretamente.
Por isso poderá dizer a Santa fundadora, já no final de seus muitos trabalhos, dificuldades e problemas gerados pelas fundações: “...ficamos alegres por poder servir em algo à Nossa Mãe, Senhora e Padroeira” (F 29,23). “...e, aos poucos, vão-se fazendo coisas em honra e glória desta gloriosa Virgem e do Seu Filho. Seja Ele para sempre louvado, amém, amém!” (F 29,28).
Também seus escritos querem ser honra, glória e serviço a Deus e a Mãe de Deus, Patrona e Senhora do Carmelo. Assim confessa a Santa sua atitude ao preparar o Caminho de Perfeição para a edição, segundo o manuscrito de Toledo: “Se algo houver bom seja para a glória e honra de Deus e serviço de sua sacratíssima Mãe, Patrona e Senhora nossa, cujo hábito eu tenho, ainda que muito indigna dele”.

3. Doutrina mariana, nascida de sua experiência

Em santa Teresa de Jesus nunca se pode falar de doutrina senão a partir de sua própria experiência. Ela sempre foi no ser antes doutrinada, experienciar e vivenciar, para depois poder assim, de alguma maneira, ensinar ou doutrinar.
As fontes de sua doutrina mariana foram, com certeza, a pregação, a leitura, o confessionário e, sobretudo, a oração, fonte de sua experiência, juntamente com a liturgia, que sempre celebrou com devoção e gozo, em particular as festas da Virgem, em algumas das quais recebeu muitas graças místicas relativas à vida e mistérios de Maria.
Os pontos nos quais incido um pouco são:

Maria, Mãe de Deus...

É o título de Maria que mais devoção, admiração e veneração causa na alma de Teresa de Jesus. A consideração de Maria e a contemplação de Deus, Pai e Senhor, passa pela encarnação e pela Humanidade de Cristo. A Maria se considera sempre muito unida a Humanidade de Cristo na vida cotidiana, e até nas alturas da maior contemplação; são caminho seguro para a união de amor com Deus. Os textos tradicionais de V 22 e M 6,7 dão boa razão de tudo isto.

Maria no mistério de Cristo: vida e pregação

Teresa de Jesus contempla toda a vida de Maria de Nazaré unida a Cristo, seu Filho, na vida oculta de Nazaré e na vida pública pelas aldeias e cidades da Palestina. Ela é a Mãe do Filho de Deus, Jesus de Nazaré, que compartilha tudo o que Ele faz e que goza, sofre e fracassa ou triunfa com Ele. São duas vidas paralelas, de alguma maneira. Sendo distintas, estão unidas pelo amor e a entrega a Deus e pelo amor e o serviço aos homens.

Maria no mistério da Igreja

A Santa está segura de que Maria é parte integrante e importante da Igreja, a qual ela quer ajudar em sua evangelização e na tarefa de levar até os confins da terra o Evangelho, a salvação. Servir a Igreja, amar a Igreja, defender a Igreja com a oração e com as missões, é servir a Maria, amar a Maria e defender a Maria. Como prestar tudo isto a Maria é prestá-lo a Igreja, pois são Novos Carmelos - “pombaizinhos” de Maria - para servir e ajudar a Igreja em sua evangelização.

Maria, modelo e mãe da vida espiritual

Maria é modelo em tudo: na vida da graça e de virtudes; de oração e de vida cristã. Mas é também mãe de toda a vida espiritual.
Tudo parte de Maria como modelo do seguimento a Cristo. Em Maria a Santa encontra o modelo do seguimento de Cristo para ela e para suas filhas, assim como em Maria ela encontra a dignidade de ser mulher e de ser cristã (cf CE 4,1) onde diz assim: “Nem Vos aborrecestes, Senhor, quando andáveis no mundo, com as mulheres; sempre as favorecestes com muita piedade, e achastes nelas tanto amor e mais fé que nos homens, pois estava vossa sacratíssima Mãe em cujos méritos merecemos - e por ter seu hábito - o que desmerecemos por nossas culpas”.
Teresa faz ressaltar como Maria seguiu a Cristo até a cruz, e plena de fortaleza: “O que devia passar a gloriosa Virgem ao pé da Cruz!” (C 26,8). A Santa descreve a atitude de Maria ao pé da cruz assim: “Sua Mãe e Senhora nossa quando esta estava ao pé da cruz, e sem dormir, mas padecendo em sua santíssima alma, morrendo dura morte” (Conc 3,11).
Deste seguimento de Jesus até ao final nasce o ser modelo de oração e virtudes cristãs.
O Carmelo é uma estirpe de contemplativos: este foi nosso princípio e desta casta viemos, daqueles santos Padres nossos do Monte Carmelo (cf M 5,1,2). Na Virgem do “Fiat” o cristão há de encontrar o modelo de entrega a Deus e a sua contemplação (cf M 5,1.2.3).
Maria é igualmente modelo de todas as virtudes cristãs. Não podia ser menos, pois Teresa de Jesus vê em Maria a mulher engrandecida pelo Senhor e, ao mesmo tempo, a mulher próxima e entregue ao serviço do homem na cristandade. Por isso a Santa contempla nela especialmente duas classes de virtudes: Por uma parte duas das três virtudes teologais, como são a fé e a caridade e, por outra, duas virtudes morais: a humildade e a pobreza.
“Sua Mãe Sacratíssima, porque Ela estava firme na fé e sabia que Ele era Deus e homem....” (M 6,7,14). Maria Santíssima se apoiou sempre e em tudo na fé, desde a Encarnação até a Ressurreição.
Não foi menos grande a prática na caridade. A Santa está convencida da força e essencialidade da caridade quando afirma: “E entendi, estando descuidada disso: que não era boa mortificação. Qual era melhor: a pobreza ou a caridade. Que o melhor era o amor, que eu não deixasse tudo aquilo que me despertasse para ele” (R 30). “E creio que, se fosse respeitado no mundo como deve, este mandamento favoreceria muito a guarda dos outros” (C 4,5).
Na Vida Cristã sempre haverá um motivo mariano para viver o amor de uns para com os outros: “Assim, pois, minhas filhas, todas o são da Virgem, e irmãs entre si, procurem amar-se muito umas às outras, e façam de conta que nada aconteceu” (cta 312,5 – 13 de janeiro de 1580, às Carmelitas Descalças de Sevilha).
Duas virtudes morais muito características na Virgem, são a humildade e a pobreza, que até no Magnificat exalta Maria (cf CE 19,3).
Humilde é Maria no nascimento de Jesus (cf C 16,2) e por isso haverá sempre que imitá-la (cf C 13). Humilde é Maria na Apresentação de Jesus no Templo (cf C 31,2). Maria é também humilde porque sabe perguntar. Por isso é mais sábia que ninguém (cf Conc 6,7).
Desde o ponto de vista da presença materna de Maria na vida da Santa, duas são suas dimensões mais freqüentes: sua intercessão e a Virgem Dolorosa ou do sofrimento.
Maria é a que intercede constantemente diante de Deus pelos homens, particularmente pelos pecadores. Pode-se ver, entre outros, os seguintes textos: V 1,7; 5,1 e 6; F Prol., 5; 10,2; 10,5; 16,5; 23,4; M 1,2,12; CE 4,2...
Quanto as dores (e os gozos) de Maria, pode-se ver os seguintes textos: V 6,8; R 15,1; 36,1; 58; M 6,7,6; cta 9,9 – 27 de maio de 1568, a Dª Luisa de la Cerda.
A devoção, o amor e o fato de querer inculcar a devoção a Maria em todos os cristãos, mas especialmente em suas filhas e em todo o Carmelo, estão plasmados em definitivo, no interesse por fazer um comentário a Ave Maria, como fez ao Pai Nosso. Ela no-lo confessa com estas palavras: “Também pensei dizer-vos algo de como haveis de rezar a Ave Maria” (CE 73,2). Um propósito que não pode cumprir por suas muitas ocupações, e que teria sido uma boa síntese de toda a sua experiência Mariana, de sua doutrina e de seu marianismo inclusive (mariologia), de alguma maneira elaborados e doutrinalmente organizados.


4. Advocação especial do Carmo ou do Monte Carmelo

A devoção à Virgem do Carmo ou do Monte Carmelo, juntamente com um amor incansável e um labor sem tréguas por sua expansão e renovação, se respira por todos os poros do corpo da Santa e pelos resquícios mais inverossímeis de seu espírito.
O amor a Virgem é desde o seio materno, e no lar familiar se alimenta constantemente. Todo ele se incrementará fortemente com seu ingresso aos vinte anos no Carmelo, que tem uma tradição mariana muito viva.
A tudo isto há que se acrescentar sua própria experiência pessoal, seja espiritual seja fundacional. O Carmelo é propriedade da Virgem; propriedade esta afirmada de diversas maneiras; o Carmelo é a Ordem da Virgem Nossa Senhora.
Um dos propósitos de sua primeira fundação (a de São José de Ávila) era honrar o hábito da Virgem: “Vi então realizada, de acordo com os meus desejos, uma obra que eu sabia ser para o serviço do Senhor e para a honra do hábito de sua gloriosa Mãe” (V 36,6).
Efetivamente, o Senhor lhe agradece numa ocasião o que está fazendo por sua Mãe: “Quando fazia oração na igreja antes de entrar no mosteiro e estando quase em arroubo, vi Cristo que, com grande amor, me recebia e punha em mim uma coroa, agradecendo-me pelo que eu fizera pela Sua Mãe” (V 36,24).
Ela sempre se sentiu pessoalmente e a toda a Ordem, protegida e amparada pela capa ou o manto da Virgem do Carmo. Tudo isso era para santa Teresa sinal do alto grau de glória que o Senhor daria a seus conventos: “De outra vez, quando estavam todas no coro em oração depois das Completas, vi Nossa Senhora cercada de glória com um manto branco, debaixo do qual parecia amparar todas nós. Percebi o elevado grau de glória que o Senhor daria às religiosas desta casa” (V 36,24).
Curiosamente a Santa fala sempre de capa, de manto ou de hábito da Virgem do Carmo ou de Nossa Senhora do Monte Carmelo, mas nem uma única vez fala do Escapulário do Carmo como sinal de proteção ou de amparo da Virgem. Somente em duas ocasiões fala nas Constituições das medidas materiais que há de ter o escapulário, peça que forma parte de tudo o que é o hábito carmelitano. Pode-se ver Constituições 4,2 e 17,10. provavelmente à Santa interessava mais a pessoa mesma da Virgem na Ordem que os privilégios ou formas externas de sua presença, significadas por uma peça concreta do hábito, quando, na realidade, o sinal mais completo e totalizante de consagração, de entrega e de permanência na Ordem de Nossa Senhora do Monte Carmelo é todo o hábito em si, considerado em sua totalidade.
Como conseqüência da presença e de todo o amor de Maria a Família do Carmelo, Teresa de Jesus propõe algumas atitudes concretas de resposta filial:
1º) Servir à Senhora, Mãe, Rainha e Patrona da Ordem.
2º) Amor a Virgem e a sua Ordem.
3º) Guardar a Regra de Nossa Senhora e Imperatriz com toda a perfeição que se começou.
4º) Louvor e gratidão a Senhora e Patrona e Mãe, cujo hábito trazemos e da qual somos filhas, pelas novas casas -“pombaizinhos da Virgem”- que se vão fundando, para sua glória e honra.
5º) Gozo e júbilo de filhas por ser tão queridas e amadas pela Mãe que é do Senhor e Intercessora nossa.
6º) Teresa de Jesus acolhe a bondade de Maria como se acolhe a misericórdia de Deus: “Valha-me a misericórdia de Deus, em Quem sempre confiei por intermédio do Seu Filho Sacratíssimo e da Virgem Nossa Senhora, cujo hábito, pela bondade do Senhor, trago” (F 28,35).

5. Conclusões

1ª A devoção e o amor a Maria, a Virgem, em santa Teresa de Jesus, são profundamente filiais, arraigados na tradição familiar e na devoção do povo, que se incrementam e se personalizam na vida do Carmelo e que têm traços pessoais e da própria experiência.
2ª Os títulos que a Santa usa na maneira de entender as relações espirituais com a Virgem Maria são muitos e de crivo diverso. Porém sempre correspondem às convicções, atitudes e desejos profundos que aninham na inteligência, no coração e no zelo evangelizador de santa Teresa de Jesus.
3ª O verdadeiro caminho da descoberta de Maria Virgem na vida da Santa é a oração e a experiência mística, acompanhadas da imitação da oração recolhida de Maria e de suas virtudes mais destacadas no Evangelho.
4ª Santa Teresa de Jesus não faz - e seria uma ousadia em seu tempo intentá-lo - nenhum tratado de Mariologia. Está claro que a Santa fala muitas vezes de Maria em seus escritos e que em sua vida tem presença preponderante e influente.
5ª Nela não há conceitos mariológicos, mas vivência e experiência marianas. Poder-se-ia falar melhor, pois, de marianismo teresiano que de Mariologia teresiana.
6ª Seu testemunho mariano é essencialmente experiencial e vivencial.
7ª A experiência e vivência são parte da vida espiritual. Por conseguinte são fontes de ensino que se transmite, como é o caso de santa Teresa de Jesus.
8ª A experiência teresiana de Maria vai fundamentalmente unida a sua experiência trinitária e crística. Dá-se um certo paralelismo nesse campo concreto experiencial teresiano.
9ª A Santa vê, ama e venera a Maria particularmente como Mãe, Virgem e Senhora. em segundo lugar como Rainha, Patrona, Intercessora, Imperatriz.
10ª A Ordem do Carmo é a Ordem de Nossa Senhora, da Virgem.
11ª Santa Teresa propõe com freqüência a Virgem como modelo de união com Deus, de oração e como mestra de todas as virtudes, entre elas da fé, a caridade, a humildade e a pobreza.
12ª Maria está presente em toda a vida da Santa: desde de sua infância, passando por sua juventude, até chegar a sua morte, tanto na vida espiritual como em sua tarefa de fundadora, ademais de sua tarefa de escritora e formadora.
13ª O tema de Maria em santa Teresa de Jesus não suscitou demasiado entusiasmo. Dentro da investigação mariana na Santa os temas mais estudados foram sua devoção e amor a Maria e sua experiência mística de Maria.

Bibliografia - Eloy Ordás, Mariología de Santa Teresa de Jesús, Lérida 1923; A. de Castro Albarrán, Mariología de Santa Teresa de Jesús, Lérida 1934; Archange de la R. del du carmel, La Mariologie de Sainte Therésè, Etudes Carmelitaines 9 (1934) VIII-62; Otílio del Niño Jesus, Espíritu mariano de Santa Teresa de Jesús, MteCarm. 42(1941) 154-165; 247-266; Ildefonso de la Imaculada, Principios marianos de la Reforma Teresiana: Un precedente de la escuela francesa del siglo XVI, Ephemerides Mariologicae 31 (1981) 35-50; Miguel Boyero, L Virgen Maria en la espiritualidad de Santa Teresa de Jesús, Roma 1977; Pedro Maria Valpusta, La Virgen Maria en Santa Teresa de Jesús, MteCarm. 89 (1981) 183-208; Emmanuel Renault, Vie et pensée mariales de Ste. Therésè d’Avila, Saint-Sever/Adour, 15 Août 1988, 23 pp.; Joseph de Sainte Marie, La Vierge du Mont-Carmel. Mystère et prophétie, Editions P. Lethielleux, Paris 1985, pp. 291-341: Annex 1: L’experiénce et la doctrine mariales de Sainte Therésè de Jésus.

Mauricio Martín del Blanco