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sexta-feira, 13 de maio de 2016

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA REGRA DE SANTO ALBERTO
( Regra do Carmelo )
Por ocasião do 8º Centenário da mesma.


            "Por que uma Regra? E por que Regra ainda hoje?"

1º Ponto  -  Por que uma Regra?
            "Antes de se tratar da Regra de Santo Alberto ou de qualquer outra, é bem adequado responder a perguntas como essas. Para se compreender isto, temos que nos transferir aos inícios do cristianismo e estudarmos um pouco as situações vividas nas comunidades eclesiais e pelos cristãos individualmente com respeito ao conhecimento e ao manuseio dos Livros Sagrados do Novo e do Antigo Testamento. Temos que considerar que a Bíblia não estava compilada ainda da forma como ela se apresenta hoje. A própria redação dos livros do Novo Testamento não se fez de uma só vez. A mensagem evangélica, originalmente, era passada de viva voz nas reuniões litúrgicas e de pessoa a pessoa. Só depois de certo tempo é que circularam alguns escritos, uns vinte e mais anos depois da morte e ressurreição de Cristo. A constituição do elenco dos livros do Novo Testamento se fez aos poucos. E tinham que ser reconhecidos como inspirados pelas comunidades. As línguas em que estavam escritos não eram de acesso geral. Não havia cópias disponíveis aos indivíduos para uso pessoal, e as que havia custavam caro pela tecnologia existente à época (estava-se muito longe ainda sequer da “imprensa” de gravação de textos fixos, e mais ainda da imprensa com tipos móveis de Guttenberg, no século 15). Tudo dificultava o amplo acesso ao conteúdo da Revelação. Usava-se o grego nos textos do Novo Testamento que, além do latim, era a língua mais falada no Império Romano. Na periferia do Império, e aos povos conquistados ou absorvidos nele, os romanos ensinavam sua língua, o latim. A esses povos o grego bíblico se constituía como um impedimento. O Papa Dâmaso, em 382, ordenou ao presbítero São Jerônimo que fizesse uma compilação de todos os textos bíblicos do Antigo e do Novo Testamento e sua versão para o latim falado pelo povo. O trabalho só foi concluído pelo ano de 405. A Bíblia traduzida por São Jerônimo será apelidada mais tarde de "Vulgata", exatamente pelo esforço de oferecer um texto latino mais compreensível ao povo de Deus.
            Diante de todas as dificuldades apontadas já se percebe as dificuldades de acesso aos textos da Sagrada Escritura. Acrescente-se a mais: a grande dispersão das comunidades cristãs pelo Império Romano; as distâncias enormes entre as comunidades; os meios de transporte e comunicação bastante precários, o que dificultavam grandemente a existência de um controle centralizado da Igreja; as repetidas perseguições aos cristãos; a decadência advinda à Igreja depois do seu reconhecimento oficial e com as invasões bárbaras, etc. A reação em busca de uma maior autenticidade da vida cristã surgiu com o monasticismo. Se antes disto os autores cristãos usavam esparsamente os textos bíblicos de que dispunham e com os mesmos argumentavam em suas obras, os primeiros monges necessitavam dos mesmos para compor sínteses deles para facilitar aos que não podiam manuseá-los a organizarem suas formas de vida religiosa, dando origem assim às "regras". No Oriente, as regras de S. Pacômio (cerca do ano de 330), e a de São Basílio, igualmente do século 4º (cerca de 340).
No Ocidente, a primeira regra foi a de Santo Agostinho, por volta de 391. A de São Bento, no século 6º. A de Santo Alberto (Regra dos Carmelitas), entre 1207 e 1214. A de São Francisco, aprovada oralmente pelo Papa Inocêncio 3º, em 1210; e por Bula do Papa Honório 3º, em 1223.
            Já em 1215, o 4º Concílio de Latrão estabelece uma proibição de novas Regras e novas Ordens religiosas. Os franciscanos se valem da aprovação oral anterior de sua regra. Os carmelitas, da carta de Santo Alberto, anterior a 1215. Já os dominicanos acolhem para viver a Regra de Santo Agostinho.
            Mas, voltemos à questão inicial, por que uma Regra? Resumindo todos os detalhes já explicados, pode-se trazer, além do contexto aduzido, outros elementos de ordem prática, a saber: é algo muito prático, textos curtos, seguros, fáceis de memorizar, indicam um caminho provado de santificação pessoal, se constituem como uma referência direta para avaliação individual e comunitária. Seus conteúdos apresentam, por assim dizer, uma súmula do Evangelho, dos Atos dos Apóstolos, das epístolas dos apóstolos, principalmente das de São Paulo. Conteúdo, portanto, bíblico. Algumas Regras, como a de São Bento, com larga citação do Antigo Testamento, particularmente, dos Salmos e dos Livros Sapienciais. Ainda, seus apelos e motivações são dirigidos pessoalmente ao leitor e lhe são propostos quadros de vida e normas de conduta.

2º Ponto  -  Por que Regra, ainda hoje?
            Está certo que além das restrições instrumentais, técnicas, históricas ao uso da Sagrada Escritura, outras restrições também foram criadas na Igreja Católica no correr dos séculos, "justificadas" por receios de interpretações errôneas individuais ou grupais que levassem a uma desagregação eclesial; por cuidados morais, considerando o despreparo do povo de compreender certos comportamentos humanos em textos descritivos da história de Israel, comportamentos esses nem sempre de conformidade com os desígnios divinos de salvação, etc. Também a questão da língua em que os textos circulavam: nem todos a conheciam e, muitas vezes, muitos cristãos, embora capazes de se comunicarem nessa língua, não eram igualmente capazes de a lerem. Já a partir do século 4º os povos romanizados não falavam o latim clássico e também não o grego falado em Roma.
            Mesmo o latim da "Vulgata" nem era assim tão entendido pelo povo, mais pelos letrados. E com o correr dos séculos, mais e mais os povos se distanciavam do latim, emergindo os dialetos, berçários das línguas neolatinas. Alguns exemplos podem nos fazer compreender essa realidade quando nove séculos mais tarde nem esse latim vulgar era mais entendido. Assim, São Francisco, no século 13, por não entender os ritos sacramentais e a Santa Missa, recorria a pessoas doutas que os explicassem. Nem sequer todos os padres o entendiam. Santa Teresa d'Ávila no século 16, também não era versada em latim, apesar de ter que passar horas e horas no coro rezando os Ofícios em latim. Seu pai, homem fidalgo e rico, dispunha em sua biblioteca um exemplar dos Evangelhos traduzidos em Espanhol. Nesse período, também foi publicado na Espanha a Bíblia numa tradução poliglota. Não seria difícil a seu pai ter tido acesso a tal aquisição, mas não se pode afirmar por falta de prova documental. Após sua morte, muito provavelmente Teresa  -  inventariante  -  já religiosa, o reteve consigo para seu uso, além de outros livros, como os “Comentários de São Jerônimo sobre o livro de Jó” e outros livros de espiritualidade. Depois, vários desses livros lhe foram tirados pela Inquisição. Nesse tempo, então, já havia Guttemberg inventado a imprensa (1456) e publicado várias edições da Sagrada Escritura, mas em latim. Mesmo assim, eram obras muito caras e de tiragens reduzidas, para poucos.
            Lamentavelmente, só com a ruptura causada pelo cisma luterano, no século 16, o Reformador realiza uma tradução da Bíblia para a língua alemã.
            No âmbito católico, tudo continuava aproximadamente como nos séculos anteriores, com a versão latina da "Vulgata" autenticada pelo Concílio de Trento e com todas as restrições antes aqui assinaladas, até os albores do século 20. Com os estudos bíblicos e de arqueologia bíblica desenvolvidos dentro do protestantismo, outros estudiosos católicos se movimentaram igualmente criando grupos de pesquisadores, escolas de estudo bíblico e um movimento para pôr a Bíblia na ordem do dia com as traduções que foram surgindo. Esse movimento bíblico católico vai desembocar no Concílio Vaticano 2º (1962-1965), que não apenas ratifica todo esse esforço para pôr a Bíblia nas mãos e no dia a dia do povo católico (cf. Dei Verbum) como aprova a utilização do vernáculo em todos os atos litúrgicos, sobretudo na Santa Missa. Assim, chega cada vez mais próximo do povo a Palavra de Deus contida na Sagrada Escritura. A partir daí, crescem os cursos de introdução à Bíblia, multiplicam-se os círculos de reflexão a partir da Bíblia, mais e mais o povo bebe diretamente da fonte da Palavra de Deus a orientação para a sua vida. A Bíblia se faz regra de vida para os católicos.
            Cabe, então, novamente se trazer a pergunta que ensejou todo este desenvolvimento, a saber: ainda hoje, uma Regra é necessária? Ao que se pode responder assim: se não de todo necessária  -  porque afinal os Evangelhos estão aí nas mãos do povo cristão a indicar o caminho do seguimento de Jesus Cristo (PC 2a)  -  mas, sem dúvida alguma uma Regra ajuda muito quando representa uma modalidade pedagógica de expressar uma determinada espiritualidade de um grupo eclesial que a vivenciou; se constitui como um referencial básico, breve e simples de conferir; e, quando vivida em comunidade, declara uma concordância e estimula sua prática por consenso espiritual fraterno."

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Palestra de improviso feita por Gustavo Castro no Carmelo de Camaragibe, PE, em 4 de agosto de 2007.


A Torre Fundamentada Na Regra De Vida

 

– Frei Wilson Gomes do Nascimento

“Já não sois estrangeiros nem migrantes, mas concidadãos dos santos. Sois da família de Deus. Vós fostes integrados no edifício que tem como fundamento os apóstolos e profetas, e o próprio Jesus Cristo como pedra principal. É nele que toda construção se ajusta e se eleva para formar um templo santo no Senhor. E vós também sois integrados nesta construção, para vos tornardes morada de Deus pelo Espírito” (Ef. 2, 19-22)
“...devemos sempre nos considerar alicerces dos que vierem depois... procure ser uma pedra que volte a erguer o edifício, pois o Senhor ajudará” (F 4, 6-7)



No dia 25 de janeiro deste ano, dia da conversão de são Paulo, caíram três edifícios no centro da cidade do Rio de Janeiro. O edifício maior tinha vinte andares, o segundo prédio: dez andares e o terceiro edifício: seis andares. Como já era noite, por volta das 20:30hs e os prédios eram comerciais, o desastre e as vítimas foram em menor proporção. Não desconsidero, porém, que cada vida humana tem um valor infinito.
Muitos dias depois, ainda não se sabiam as causas do desabamento. Alguns levantam como hipótese mais provável reformas realizadas no edifício maior sem as devidas licenças da prefeitura e sem o acompanhamento de um engenheiro. Tais reformas teriam atingindo as estruturas e as vigas de sustentação, o que levou o edifício ao chão e com ele, outros dois menores.
Este desastre teve uma grande repercussão na mídia (TV, rádio, revistas e jornais), comovendo a cidade e todo o país. Nosso arcebispo, dom Orani, pediu no dia 29 de janeiro (domingo) orações em todas as paróquias na intenção das vítimas do desabamento e de seus familiares, marcando a missa de sétimo dia na catedral. Esta é a solidariedade da nossa Igreja.
A razão de contar este triste fato é a de refletirmos sobre a realidade de nossas vidas como pedras vivas do edifício que é a Igreja e também do edifício que é o Carmelo.
O edifício maior que desabou, chamava-se Liberdade, pode ter caído por uma combinação de fatores que incluíam a antiguidade do edifício, sua manutenção precária e uma reforma que não poderia ter sido feita. Dizem que acidentes da grandeza de uma queda de avião ou do desmoronamento de um edifício de vinte andares, raramente têm uma única causa. Em geral, decorrem de uma perversa soma de fatores.
A Regra do Carmo, que é uma proposta de vida, tem mais de oitocentos anos. Durante este período orientou e alimentou a vida de várias gerações de carmelitas, em diversas partes do mundo: santa madre Teresa, santo padre João da Cruz, beata Elisabete da Trindade, Teresa de santo Agostinho, são Rafael Kalinovski, beata Miriam, santa Teresa Benedita da Cruz etc. A Regra nos aponta os alicerces do Carmelo, ajuda-nos a colaborar como pedras vivas na edificação do corpo místico de Cristo, que é a Igreja, para a salvação do mundo. Quanto mais alta é uma árvore e quanto maior é sua copa, mais profundamente devem ir suas raízes na terra e mais devem estender-se ao redor da árvore para sustentá-la.
“... com tal nuvem de testemunhas ao nosso redor, rejeitando todo o frado e o pecado que nos envolve, corramos com perseverança para o certame que nos é proposto, com os olhos fixos naquele que é o iniciador e consumador da fé, Jesus,...” Hb 12, 1-2
De 25 a 29 de outubro de 2006 aconteceu no México um Congresso OC-OCD com o Tema: A Regra do Carmo uma proposta de Vida em comemoração aos 800 anos de existência da mesma.
Deste Congresso saiu um texto que aborda sete aspectos básicos da Regra abordados a partir de sete perspectivas carmelitanas diferentes. Aqui vou apenas citar e abordar rapidamente os sete elementos da Regra que nos indicam os alicerces do Carmelo: A centralidade da Pessoa de Jesus Cristo, a meditação da Palavra de Deus, a oração, o trabalho, o silêncio, a fraternidade e a dimensão Eliana-Mariana.
Estes sete elementos da Regra de santo Alberto alimentaram e dirigiram também a vida da santa madre Teresa que continua a dizer-nos hoje: “Não façamos torres sem fundamentos” (7M 4, 15) e mais claramente ainda: “Toda nossa Regra e Constituições não servem de outra coisa, senão de meios para guardar com mais perfeição o mandamento do amor de Deus e do próximo” (1M 2, 17)

1.A centralidade da Pessoa de Jesus Cristo: “Viver em obséquio de Jesus Cristo (2Cor 10, 5), servindo-o fielmente com puro coração e reta consciência (1Tm 1, 5):
“Nunca deixei de fundar por medo do trabalho... vendo a serviço de Quem a fazia” F 18,5;
“Faça o que estiver conforme ao que lhes aconselharem os Letrados é mais serviço de Deus... não pretendemos outra coisa, nem Deus nos dê tal ocasião, senão que Sua Majestade seja servido em tudo e por tudo” F 27, 14;
“Claramente via que se servia a nosso Senhor (nas Fundações)” F 28, 2;
“Desejo sempre ser mediação para que se louve nosso Senhor e para que haja mais pessoas que O sirvam” F 28, 15;
“lançar-me àquilo que entendia ser maior serviço seu (do Senhor), por difícil que fosse” F 28, 19;
“Senhor, que pretendem estas vossas servas além de servir-Vos...?” F 31, 45;
“...ponhamos os olhos em Cristo nosso bem. Dele e de seus santos aprendamos a verdadeira humildade” 1M 2, 11;
“Ora, se nunca pusermos os olhos nele, nem considerarmos o quanto lhe devemos, nem a morte que por nós padeceu, já não sei como poderemos conhecer e trabalhar no seu serviço” 2M 1, 11;
“A fé sem obras, que valor pode ter? E estas, se não estiverem unidas aos merecimentos de Jesus Cristo, nosso bem, o que valerão? Sem a oração, a reflexão, a meditação, quem nos estimulará a amar este Senhor? Praza a Sua Majestade dar-nos a compreender o muito que lhe custamos. Faça-nos ver como o servo não é maior que seu Senhor, o quanto precisamos trabalhar para fruir de sua glória e como nos é indispensável orar, a fim de não andarmos sempre em tentação.” 2M 1, 10
                          
2.A Meditação da Palavra de Deus: “Meditando dia e noite na lei do Senhor” (Sl 1, 2; Js 1, 8);

3.A Oração: Vida na Presença de Deus: “Vigiando em oração”;

4.O Trabalho: “empregar-vos em algum trabalho, para que o demônio vos ache sempre ocupados”, “Quem não quiser trabalhar também não coma”;

5.O Silencio: “o culto da justiça é o silencio”, “No silencio e na esperança estará a vossa fortaleza”;
         
6.A Fraternidade: “um de vós mesmos prior, eleito por unânime consentimento de todos, ou da maior e mais qualificada parte”, “tomareis, num refeitório comum, os alimentos”, “nenhum irmão diga que tem coisa própria, mas tudo entre vós seja comum”, “deveis reunir-vos todos os dias de manhã para ouvir missa”...;

7.A dimensão Mariana-Eliana: “capela no meio das celas” dedicada à Santa Maria e “no Monte Carmelo, junto à fonte”.

Podemos ler a vida e a doutrina de nossos santos (as) e perceber como estes alicerces se fizeram presentes em suas vidas, conduzindo-os a uma íntima comunhão com Deus e desta maneira colaboraram com a edificação da Igreja para a salvação do mundo.
“...coloquem sempre os olhos na casta de onde viemos, daqueles santos profetas. Quantos santos temos no céu, que trouxeram este habito! Tenhamos uma santa presunção, com o favor de Deus, de sermos como eles.” F29, 33.
“somos chamados à oração e contemplação, porque este foi nosso princípio, desta casta viemos, daqueles santos padres nosso do Monte Carmelo” 5M 1, 2.
O esquema dos sete alicerces, apresentados pela nossa Regra de Vida, podem ser complementados com citações de Santa Teresa, São João da Cruz, santa Teresinha, Beata Elisabete da Trindade, etc. Nesta palavrinha do assistente coloquei apenas algumas citações de santa madre Teresa, tiradas do livro das Fundações, elas falam da centralidade de Jesus Cristo no Carmelo e na própria vida de santa Teresa; as irmãs podem descobrir outras e aprofundar a reflexão destes elementos que dão identidade à nossa vocação.
“Ninguém pode colocar outro alicerce diferente do que aí está já colocado: Jesus Cristo” (1Cor 3, 11);
“Aproximai-vos do Senhor, pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e honrosa aos olhos de Deus. Do mesmo modo também vós, como pedras vivas, formai um edifício espiritual, um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” (1Pd 2, 4-5);
“Assim, todo o que ouve estas minhas palavras e as põe em prática pode ser comparado a um homem sensato, que construiu a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as torrentes, sopraram os ventos; precipitaram-se contra esta casa e ela não desabou, pois seus fundamentos assentavam-se na rocha.” (Mt 7, 24-25).
Nota: Citações do livro das Fundações, da Santa Madre Teresa, tiradas das Obras Completas, 5ª. Edição, Editorial de Espiritualidade, traduzidas por fr. Wilson Gomes.




SANTA TERESA E A REGRA DO CARMO


A Regra carmelitana apresenta um duplo valor: espiritual e normativo. Ela foi o primeiro texto espiritual de nossa família carmelitana e sua primeira norma de vida.

Os dois valores foram vistos nela por santa Teresa, que os incorporou desde o primeiro momento e os reafirmou até os últimos anos de sua vida.


Antes de fundar São José

O conhecimento de Teresa sobre a Regra vem por meio da formação inicial no convento da Encarnação. Poucas são as informações sobre seu noviciado e de sua formação em seus primeiros anos de vida religiosa. Não sabemos até que ponto o conteúdo da Regra foi estudado e assimilado por ela antes do projeto da fundação de São José . Ela mesma vai contar o impacto que sentiu poucos depois em seu encontro com Maria de Jesus, a fundadora do Carmelo da Imagen de Alcalá de Henares, que sendo analfabeta sabia coisas da Regra que a madre ignorava (Vida 35, 1-2).

Na Encarnação a vida pessoal das monjas estava baseada na Regra. Elas faziam profissão “segundo a Regra do Carmo”. Não conhecemos a fórmula precisa da profissão da santa (1537), mas de uma fórmula anterior sim. Segundo esta a carmelita da Encarnação professava voto de obediência (sem a menção dos outros dois) segundo a Regra carmelitana (sem mencionar as constituições). Este texto de profissão religiosa data de 1521 e provavelmente oferece a mesma fórmula que usaria dona Teresa de Ahumada uns 16 anos depois.

A regra era ponto de referencia na profissão de cada monja e também a base jurídica e religiosa da vida da comunidade.
Mesmo assim, não sabemos até que ponto o texto da Regra era acessível às religiosas de então que não conheciam o latim, entre as quais se encontrava Dona Teresa. Nas constituições das carmelitas espanholas do século XVI alude-se várias vezes sobre as prescrições da Regra, mas nada se diz sobre sua leitura ou sobre a formação das religiosas no estudo da mesma. Falta nelas a norma que prescreve que a Regra “deve ser explicada quatro vezes ao ano”. Não é oferecido o texto em castelhano junto com as constituições em latim.
Serão textos não carmelitas (Osuna por ex.) que despertarão em Teresa, recém professa, a fome de oração pessoal e irão introduzi-la pelo caminho do “recolhimento” interior. O texto da Regra, no entanto, prescreve aos carmelitas o ideal da oração continua, “dia e noite...”.

Teresa nos informará que em seu mosteiro se vivia a Regra relaxada: “como em toda a Ordem, com bula de relaxamento” (Vida 32, 9). E este era um dos motivos de não voltar a sua comunidade de origem: “... voltar ao mosteiro da Encarnação..., que é da Regra Mitigada,... seria um desgosto para mim por razão que há para que dizer. Uma bastava, que é não poder viver ali o rigor da Regra primeira...” (Fund. 2, 1).


Não podemos precisar até que ponto tocou a sensibilidade da madre frente a Regra nesta primeira metade de sua vida carmelitana. De fato, o interesse por ela, a descoberta de seu valor e conteúdo será tardio, resultada das graças que desde o mais profundo de sua vida mística colocarão em movimento sua obra fundadora: últimos anos de sua vida na Encarnação.


O verdadeiro achado e nova opção pela Regra.

O encontro pessoal de Teresa com a Regra foi progressivo.

Está vivendo sob o impacto de uma das graças místicas que mais a impressionaram. É a visão do inferno, que põe em movimento sua vocação de fundadora. A primeira reação foi a nível pessoal: decidi para si mesma “a primeira coisa é seguir o chamado que sua Majestade me fez para a vida religiosa, guardando minha Regra com a maior perfeição que puder” (Vida 32, 9). A segunda reação, depois de um certo tempo, mas com a mesma firmeza, será sua decisão de fundar (os propósitos de “maior perfeição” Caminho 1, 2 estão relacionados com o voto do mais perfeito).

Nos anos de 1560-1562 persiste em Teresa o chamado carismático para fundar. Ela procura informar-se, lendo as constituições (Vida 35, 2). Com pesar tem que fundar o novo convento fora da jurisdição da Ordem, mas decide fundá-lo sobre a base firme da Regra do Carmo. Assim pede autorização para Roma que lhe concede.

Antes da chegada da autorização a Ávila, Teresa se encontra com Maria de Jesus, em Toledo no ano de 1562. É o momento em que a madre vive o dilema da pobreza evangélica devido a várias situações: exigências interiores, resistência dos conselheiros letrados, pressões de são Pedro de Alcântara, seguidas pela oposição do provincial e da cidade. Quando Maria de Jesus a informa sobre o teor da pobreza ditado pela Regra carmelitana “antes de seu relaxamento” (Vida 35, 2), traz o dado decisivo para Teresa: “eu já sabia que era Regra e via ser mais perfeição” e assim já não haverá teólogo que consiga dissuadi-la de seu propósito (V 35, 4).

Nesta época santa Teresa leu, meditou e assimilou a fundo a letra e o espírito da Regra carmelitana. Em Toledo, além do encontro passageiro com Maria de Jesus, dispõe de bons conselheiros. Próximo a ela tem o convento dos frades carmelitas, onde é prior Fr. Antonio de Jesus (Heredia), futuro companheiro de São João da Cruz em Duruelo. Tudo isto concorre para que se acenda na alma da madre a chama da Regra.

Em são José as noviças fazem sua profissão religiosa calcada na fórmula da Encarnação. Com alguns retoques. Um deles se refere à Regra “faço minha profissão... segundo a Regra primitiva de nossa Senhora do Carmo etc.”. Parece que num primeiro momento nem a Fundadora nem as outras carmelitas vindas da Encarnação sentiram necessidade de remodelar sua profissão segundo esse novo matiz. Esta preocupação surge anos mais tarde e então o visitador apostólico Fr. Pedro Fernandez, exige que todas as monjas que passam da Encarnação aos carmelos teresianos renunciem formalmente à Regra mitigada.



terça-feira, 1 de setembro de 2015

xortação apostólica «Christifideles laici / Os fiéis leigos», §§ 13-14

xortação apostólica «Christifideles laici / Os fiéis leigos», §§ 13-14

Diz o Concílio Vaticano II: «Pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, os baptizados são consagrados para serem uma morada espiritual». O Espírito Santo «unge» o baptizado, imprime-lhe a Sua marca indelével (cf 2Cor 1,21-22) e faz dele templo espiritual, isto é, enche-o com a santa presença de Deus, graças à união e à conformação com Jesus Cristo. Com esta «unção» espiritual, o cristão pode, por sua vez, repetir as palavras de Jesus: «O Espírito do Senhor está sobre Mim: por isso, Me ungiu». […]


«A missão de Cristo — Sacerdote, Profeta-Mestre, Rei — continua na Igreja. Todo o Povo de Deus participa nesta tríplice missão.» […] Os fiéis leigos participam no múnus sacerdotal pelo qual Jesus Se ofereceu a Si mesmo sobre a Cruz e continuamente Se oferece na celebração da Eucaristia. […] «Todos os seus trabalhos, orações e empreendimentos apostólicos, a vida conjugal e familiar, o trabalho de cada dia, o descanso do espírito e do corpo, se forem feitos no Espírito, e as próprias incomodidades da vida, […] se tornam em outros tantos sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo (cf 1Ped 2,5); sacrifícios estes que são piedosamente oferecidos ao Pai, juntamente com a oblação do corpo do Senhor, na celebração da Eucaristia» (LG, 34). […]


A participação no múnus profético de Cristo […] habilita e empenha os fiéis leigos a aceitar, na fé, o evangelho e a anunciá-lo com a palavra e com as obras. […] Vivem a realeza cristã, sobretudo no combate espiritual para vencerem dentro de si o reino do pecado (cf Rom 6,12) e depois, mediante o dom de si, para servirem […] o próprio Jesus presente em todos os seus irmãos, sobretudo nos mais pequeninos (cf Mt 25,40). Mas os fiéis leigos são chamados de forma particular a restituir à criação todo o seu valor originário. Ao ordenar as coisas criadas para o verdadeiro bem do homem, com uma acção animada pela vida da graça, os fiéis leigos participam no exercício do poder com que Jesus Ressuscitado atrai a Si todas as coisas e as submete, com Ele mesmo, ao Pai, de forma que Deus seja tudo em todos (cf 1Cor 15,28; Jo 12,32).