Mística e profecia no Carmelo
1- A vocação: a experiência do Deus Vivo
na perspectiva da vivência das monjas
A vocação à Vida Consagrada não é apenas gosto ou inclinação, mas antes, uma realidade pertencente à dimensão de fé e de amor, ou seja, parte de uma experiência que brota da afeição e de um encontro pessoal com Cristo.
O cerne de toda vocação é o entusiasmo que tem origem no relacionamento com o eterno. Assim, a vida monástica é uma resposta de amor, manifestada numa entrega radical, da própria vida. Consagrando-se totalmente, e buscando a face do Deus Vivo e verdadeiro, a comunidade contemplativa das monjas, testemunha que a origem da plena realização da pessoa e a fonte de toda a atividade espiritual, é Deus.
= Deixar-se amar!
= Render-se!
O Profeta Elias nos deixou uma rica experiência, da limitação humana diante da grandeza de Deus. Enquanto ficou preso em seu eu periférico, sentiu-se sozinho, somente conseguiu ver o que ele tinha feito, que ele estava sendo perseguido, que ele já não podia mais continuar, por isso pediu a morte. E Deus em sua infinita sabedoria, o despertou para um profundo encontro com o Divino, era o EU real de Elias sendo envolvido pelo Deus Único e verdadeiro.
É na experiência profunda de Deus, que iremos sentir Deus presente em nossa história, conduzindo este processo de crescimento humano-espiritual, lançando-nos para a missão, para o apostolado, para um encontro profundo também com os irmãos.
Mística e profecia no Carmelo
2- Nova consciência, nascida da certeza “Deus conosco”- liberdade interior,
na perspectiva das monjas.
Vivemos numa realidade em que o imediatismo, é visível e cada vez mais procurado para satisfazer os anseios do coração humano que vive numa constante inquietação.
Olhando a realidade, podemos dizer que a vida interior chega a ser uma utopia. Porém, para nós, carmelitas, que temos 800 anos de história, nos valemos de uma rica herança espiritual, inspirados em Elias e Maria.
A nossa vivência hoje, deve-se alicerçar na experiência de Elias, no Horeb, onde, apesar de suas limitações, estava aberto a encontrar Deus de formas novas e inesperadas, e a compreender que Deus está presente mesmo quando tudo diz o contrário. (cf. 1Reis 19, 9-13)
A monja carmelita é chamada à vida contemplativa, e a abrir diante das pessoas, uma nova janela, que revele esta certeza de que Deus está no meio de nós, Ele caminha conosco.
A vida dentro de um mosteiro, quer revelar essa nova consciência, pelo seu estilo, por uma vivência madura do conhecimento de si próprio, cultivado no silêncio e na solidão, esta não entendida como situação física, mas como espaço interior, que promove em nós uma vida de intimidade com o Eterno.
Assim, percebemos também, a grandiosidade de Maria que acolhendo a Palavra de Deus na fé e num silêncio adorador, contemplou em seu próprio seio, o Cristo, e colocou-se inteiramente à sua disposição, tornando-se cooperadora no mistério da Redenção.
Ao longo de sua vida, a monja carmelita permanece diante de Deus, em profunda união, rezando por este mundo tão carente, implorando a Jesus, como Maria: “eles não tem mais vinho”, e deixando, em seguida, tudo em suas mãos. Confiante na ação e na misericórdia de Deus, a monja relembra o conselho da Virgem Maria: “Façam tudo o que Ele mandar.”
Desta confiança tiramos força para estar silenciosamente com Nossa Senhora aos pés da cruz.
Enfim esta nova consciência se dá mais pelo testemunho de vida do que pelas palavras, se realmente conseguirmos olhar o mundo com os olhos de Deus e amar o mundo com o coração de Deus, então com certeza iremos semear e despertar a presença de Deus no meio do povo.
Mística e profecia no Carmelo
3- Justiça e a paz:
lutar pela reconstrução da convivência social mais justa e mais fraterna,
na perspectiva das monjas.
“Uma autêntica vida contemplativa é necessariamente apostólica.” Esta frase das constituições das monjas nos alerta para o compromisso que assumimos, não a um apostolado ativo, mas sim, numa vivência orante e profética, que ultrapassa o claustro do mosteiro.
A Ratio das monjas diz que o compromisso pela justiça, a paz, e a conservação da Criação, é uma parte integrante da vocação contemplativa. “A contemplação autêntica conduz a um amor genuíno aos pobres. Nós, como monjas de clausura, não realizamos nossa vocação profética pregando ou trabalhando diretamente com os pobres.” Porém, o realizamos quando, nós nos convertemos pela Palavra de Deus, e na Palavra de Deus, mediante um processo de transformação interior, estando inteiramente nas mãos de Deus, tornando-nos assim, profetas da justiça e da paz.
Vivemos em uma realidade desafiante, onde se clama cada vez mais pela justiça e pela paz, mas não se faz muita coisa de concreto para alcançar esse objetivo. Cada vez mais se aumenta a distância entre as pessoas; o individualismo tomando espaço frente a fraternidade e a solidariedade. E nos perguntamos, de que forma nós, como as monjas de clausura, podemos enfrentar tudo isso? Percebemos que o próprio estilo de vida nos dá condições, pois, a energia que transforma e que brota da fidelidade silenciosa e constante da vida comunitária, se desenrola em um trabalho, e em um processo interior de contemplação. Sob a inspiração de Elias e Maria buscamos transformar a nossa postura, em atitudes profética denunciando as injustiças contra os mais pobres e anunciando a esperança do Reino de Deus, ante os desafios da realidade.
Mística e profecia no Carmelo
4- Solidariedade:
refazer o relacionamento humano,
na perspectiva das monjas.
A vida carmelitana proporciona pelo carisma contemplativo, a vivência comunitária, como dimensão profética, numa realidade egocêntrica e individualista, que nem sempre reconhece os valores do amor fraterno.
É o Espírito Santo, que atua, naqueles que são chamados por Deus, e inspira a viver como a comunidade primitiva de Jerusalém: “num só coração, e numa só alma.”
O compromisso da vida em comum, no Carmelo, e da partilha nos impulsiona ao anúncio gratuito e fiel do evangelho, do chamado à santidade e da plena comunhão com Deus e com os irmãos.
Este estilo de vida aberto e acolhedor, leva a dar um testemunho profético de que é possível um novo jeito de viver o amor em meio aos homens, a partir da experiência com Deus.
No Congresso Internacional da Vida Consagrada foi apresentado como ícones, a Samaritana e o Samaritano. “A mulher que encontrou o Cristo em seu caminho, sentiu no seu coração o fascínio da sua pessoa, do seu mistério e da sua mensagem, e transformou-se em testemunha e semeadora do Evangelho (cf. Jo 4,5-42). Um homem samaritano encontrou na estrada um outro ser humano, semimorto, vítima de assalto e violência. O coração moveu-se de compaixão; por ele interrompeu a viagem. Aproximou-se dele e dele cuidou, de modo generoso” (cf. Lc 10,29-37)
Ambos nos questiona, e desperta uma nova maneira de ver e de agir, frente a nossa consagração. A partir da experiência que temos de Deus, nos lançamos num empenho constante de despertar a solidariedade em nossas atitudes e nos outros, para criar uma nova cultura no mundo, que tenha um rosto humano, para que façamos de nossa vida carmelitana, junto com toda a vida consagrada um “sacramento de humanização.”
Mística e profecia no Carmelo
5- Utopia do Reino:
animar a esperança do povo,
na perspectiva das monjas.
Todos nós vivemos na esperança de uma vida nova de um mundo novo, a ser construído com alicerces de paz e de amor, onde a justiça social será promovida, onde a desigualdade não encontrará lugar e a vida humana será respeitada em seus direitos.
A proposta de Jesus Cristo é justamente esta quando nos apresenta o seu evangelho. A utopia do Reino está presente no fato de termos o Cristo caminhando conosco. É Ele mesmo que nos ensina a praticar as coisas como Ele fazia; que revela a missão do Messias e de cada um de nós; é Ele que apresenta o mistério do Reino e a comunidade que deve se formar e como deve se formar diante de sua proposta; e nos anima na esperança que devemos ter na vida futura.
A Palavra de Deus, para nós carmelitas, que nos propomos a medita-la dia e noite, é o alimento desta esperança. É nela que encontramos a nossa herança, que descobrimos o fundamento de nossa caminhada e o objetivo que queremos alcançar. Mais do que fazer pregações sobre a Palavra e Deus, a vida das monjas está voltada para a pratica silenciosa do que é recolhido na contemplação. Porém, a monja não esta isenta de orientar, ou melhor de ser uma presença consoladora na vida daqueles que as procuram. Não só apontar o objeto contemplado, mas caminhar também com o irmão ao encontro de Cristo. Esta experiência é forte, visto que em nossa comunidade a presença dos leigos da Ordem Terceira, é muito ativa, e existe uma comunhão profunda que nos faz caminharmos juntos, visando um mútuo auxílio no crescimento espiritual.
Podemos sim despertar uma grande esperança no povo, se em nossas comunidades conseguirmos revelar a presença de Jesus, e o povo poder ver em nós carmelitas os gestos, as palavras e as atitudes do Cristo.
Mística e profecia no Carmelo
6- Discernimento:
saber distinguir a falsa profecia,
na perspectiva das monjas.
A capacidade de discernir o falso daquilo que é verdadeiro, é um desafio que se desenrola diante de nós a todo instante. Muitas são as vozes que gritam querendo a nossa adesão, pelas ideologias, ou pela aparente política social, ou ainda por meras promessas de felicidade e salvação.
Há de si pensar que o povo de Israel na época do Profeta Elias, pelas necessidades que tinham, acreditavam sim nos falsos profetas, que faziam certamente “grandes promessas”, e como não entender o quanto foi fundamental o desafio do Profeta Elias, no monte Carmelo, ele que lutava pela justiça e pela causa do povo, e desejava que reconhecessem quem realmente era o Deus Vivo e Verdadeiro.
A comunidade contemplativa, não é chamada a grandes pronuncias, para revelar as falsas profecias e o que não condiz com a vivência do evangelho, mas, pela oração, pela convivência fraterna e pelo serviço aos irmãos, as monjas se fazem presenças silenciosa diante do mundo, apenas mostrando o Deus único, pelas suas atitudes e pelos seus gestos. A própria renúncia que a monja carmelita faz do mundo, deixando-o para traz, a fim de abraçar o único Bem, é um questionamento para a sociedade, é um caminho que vai na contra-mão do que hoje é oferecido. Por isso é preciso agir com firmeza, diante da Palavra de Deus, e do desafio do Profeta: “Até quando vocês vão mancar com as duas pernas? Se Javé é o Deus verdadeiro, sigam a Javé. Se é Baal, sigam a Baal.” (cf. I Reis 18, 21)
É de grande responsabilidade nossa como religiosos, buscar esse discernimento, pela Palavra de Deus, para podermos também lançar hoje outros desafios, que revele ao povo sofrido, onde realmente está o Deus verdadeiro.
Mística e profecia no Carmelo
7- Comunidade orante e profética
na perspectiva das monjas.
“Nossa vida claustral é um sinal para toda a Igreja das exigências absolutas do amor de Deus. Como monjas carmelitas damos uma resposta radical ao chamado de Deus, consagrando nossa vida inteira à oração. O fim deste estilo de vida é a contemplação, coração do carisma carmelitano. Vivendo desta maneira radical, oferecemos a comunidade eclesial um singular testemunho do amor da Igreja por seu Senhor, contribuímos, com uma misteriosa fecundidade apostólica no crescimento do povo de Deus, e damos testemunho da centralidade da contemplação na vida espiritual. Nossas vidas silenciosas proclamam ao mundo que somente Deus pode responder aos desejos infinitos do coração humano.” (RIVC das monjas)
Este testemunho do valor da contemplação é visível na comunidade das monjas, que imersas no silêncio e na solidão buscam e desejam que Deus seja o mais amado.
Este mergulho na oração encontra seu ápice na eucaristia, ponto central em nossa vida, que nos desperta para a partilha da Palavra e do Pão, fazendo com que a comunidade se torne orante e profética.
A comunidade contemplativa deve fazer desta vivência eucarística um sinal profético no mundo de hoje.
Os quatro lados da mesa da ceia
(adaptado do esquema de Ir. Therezinha Cavichi)
Espiritual
Econômico Político Social
Ser Eucaristia para o irmão
Fraternidade, somos irmãos, vivemos em comunidade... “num só coração e numa só alma.” Sou responsável por meu irmão, é preciso Comungar o irmão na eucaristia que é o gesto sublime da solidariedade de Deus para conosco. Entre vós tudo será comum e se distribuirá conforme a necessidade de cada um. Partilha dos bens e da vida. Jeito de ser de Jesus. Com o coração puro e reta consciência, procurar viver o Bem Comum. Profecia do Reino. A vivência do carisma carmelitano promove a vida nova em mim e nos irmãos.
“Olhar o mundo com o olhar de Deus e amar com o coração de Deus.”
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